05 novembro 2006


por bem, ou por mal

apesar da consagradora reeleição, Lula só completou seu primeiro mandato em virtude de um erro estratégico da oposição conservadora.

em agosto de 2005, quando o publicitário Duda Mendonça confessou ter recebido de caixa dois no exterior pela campanha presidencial de 2002, a vantagem de Lula sobre seu adversário do PSDB chegou a apenas dez pontos. em dezembro, empataram. então, Lula descera a mais baixa taxa de aprovação a seu governo (28%), com a mais alta reprovação (29%).

enquanto a cúpula do PT desmoronava, deputados do partido choravam descontrolados no plenário e ministros sugeriam a Lula renunciar, PFL e PSDB optaram por fazer o Presidente sangrar até as eleições.

para a oposição conservadora, assumir o processo de impeachment era também enfrentar seus próprios cadáveres no armário. o governo do PT não cairia sozinho, arrastaria junto, em seu abraço de afogado, os “obscuros negócios“ das privatizações de FHC. nem o PT ou o PSDB, e muito menos o PFL, tem o menor interesse numa operação “Mãos Limpas“ no Brasil.

as urnas não concedem a Lula, junto com o segundo mandato, anistia pelos erros de seu Governo. ao contrário, o resultado do primeiro turno foi uma indicação incisiva da necessidade de mudança. mesmo o recorde de avaliação positiva (52%), alcançado ao final das eleições, foi muito mais uma demonstração de apoio político, num contexto de ataque cerrado a sua candidatura pelas elites, que endosso incondicional a um governo de “aloprados“.

Lula terá os cem primeiros dias de seu segundo mandato para promover uma inflexão na política econômica. chegou a um impasse a renovação do acordo entre o Bolsa Família e a Selic Banqueiro.

as medidas compensatórias do primeiro governo são incompatíveis com o ajuste fiscal perpétuo exigido pelo Mercado. muito embora todas as benesses recebidas, as elites deram prova, durante a campanha eleitoral, que, para derrubar Lula, não precisam exatamente de motivos, qualquer pretexto lhes serve.

por outro lado, as camadas populares que passaram a desfrutar de um maior acesso ao consumo e à política já não podem mais ser ignoradas. a classe média sinalizou ter chegado ao limite do asfixiamento e da condescendência com os escândalos. com o medíocre crescimento da economia, está esgotada a margem de ampliação do arrocho tributário.

no início de seu primeiro mandato, a justificativa para postergar a mudança da política econômica foi a “herança maldita“ de FHC. agora Lula se vangloria de estarem dadas todas as condições para o país voltar a crescer.

a continuidade no mesmo rumo econômico produzirá efeitos ainda mais graves do que anteriormente. o alto desemprego crônico deixará em frangalhos a base social do governo. com a manutenção da fórmula política surgirão novos escândalos. o apoio popular a Lula refluirá e a oposição não repetirá seus erros.

no auge da crise do “mensalão“, quando tudo e todos pareciam perdidos, foi de Lula a decisão de resistir. desta vez, contudo, qualquer resistência será vã.

Lula está condenado a entrar para a História. por bem, ou por mal...

31 outubro 2006

a era Palocci

no Ministério da Fazenda, Palocci teve uma atuação inquestionável, exercendo com absoluto brilhantismo seu profundo desconhecimento de economia.

como líder de "uma equipe de excelência e eficiência técnica, totalmente voltada para o interesse público", conduziu o país a uma memorável façanha, que só não foi completa porque o Haiti defendeu com êxito o posto de último lugar em crescimento econômico na América Latina, no ano de 2005.

seu desempenho como médico no comando da economia só é comparável ao de um economista chefiando uma cirurgia.

Palocci manteve a economia Brasileira paralisada sob a ortodoxia convencional: taxa juros real alta, câmbio valorizado, superávit primário. resultado previsível: o ganho com a inflação sob controle foi anulado por crescimento medíocre, elevado desemprego e aumento da carga tributária.

numa metáfora médica: o medicamento ministrado não deixa o doente morrer, tampouco permite que saia da UTI... os mercados foram pacificados às custas da economia ser mantida com a estabilidade dos necrotérios.

graças à “era Palocci”, Lula pode admitir, com certa dose de orgulho, que jamais banqueiros e grandes empresários ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo. já os votos, foram para seu adversário.

se os investimentos de Lula junto à elite não retornaram a rentabilidade eleitoral esperada, as camadas populares, porém, não retribuíram afagos com ingratidão. o custo da cesta básica em queda, o aumento do salário mínimo e um maior acesso ao consumo proporcionaram a Lula uma esmagadora maioria no eleitorado de baixa renda.

a herança de Lula para si próprio é um pacto maldito entre a Casa Grande e a Senzala, entre os bancos e os grotões, entre as forças do mercado e as favelas. para uns distribui juros, enquanto perpetua a miséria dos outros com políticas compensatórias.

excluída da aliança paradoxal dos mais ricos com os mais pobres, a classe média é a principal vítima da “era Palocci”. desde o milagre brasileiro na década de 70, a participação dos salários no PIB caiu de 50% para os atuais 27%.

com sua renda encolhida em 12% nos últimos quatro anos, a classe média foi o pêndulo das eleições de 2006. mandou um incisivo recado a Lula ao forçar o segundo turno, para, então, reafirmar seu repúdio à política econômica da “era Palocci”, legado de FHC.

tanto sob o aspecto político quanto o econômico, o modelo chegou ao seu limite. por fadiga de material, esgotou-se a capacidade de reciclagem do acordo entre o Copom e o Bolsa Família. mesmo o tempero de uma tímida distribuição de renda bancada pelo Estado não é compatível com o ajuste fiscal perene exigido pelo liberalismo sem meias medidas.

já não há como sustentar a manutenção dos programas sociais, ainda mais transferência pontual de renda via aumento de salário mínimo, sem a retomada do desenvolvimento, o que pressupõe mudanças macroeconômicas: queda dos juros e mudança no câmbio.

embora choque de gestão seja necessário para melhorar qualidade do funcionamento da máquina estatal, seu impacto no total de gastos públicos, considerando juros da dívida, é insuficiente. algo como cortar cabelos para perder peso.

inviável expandir ainda mais a carga tributária. novas reformas neoliberais (previdência, trabalho) e privatizações ficam descartadas após a inflexão política do segundo turno.

para arrecadar mais e gastar menos, resta como única opção o Estado alavancar o desenvolvimento com distribuição de renda. a própria lógica interna do modelo levou-o a um beco sem saída: nem viabilidade econômica tampouco apoio político.

seja de um jeito ou de outro (aliás, em Ribeirão Preto está aberta a porta da cela) não resta dúvida: acabou-se a “era Palocci”.

29 outubro 2006



mensagem

era incerto, derradeiro
estava disperso, não era inteiro
se dissipa o nevoeiro

a hora é agora!

28 outubro 2006

aniversário

27/10/2006. no dia de seu aniversário, que melhor presente poderia Luiz Inácio desejar?

as pesquisas apontavam que ele abrira uma dianteira de mais de 20 pontos sobre seu adversário. ao soprar as 61 velinhas já poderia comemorar antecipado a realização de seu pedido. a faixa do segundo mandato estava ao alcance da mão.

para aquela noite se esperava, no último debate das eleições, uma exibição de afável bom-humor do vencedor magnânimo. mesmo se Alckmin ressuscitasse alguma vocação de guerreiro, não valia a pena Lula aceitar provocação e chutar uma candidatura morta.

havia mesmo a expectativa que, no melhor estilo “paz e amor”, Lula lançaria, no clímax do debate, um apelo conciliatório à oposição.

entretanto, como nos velhos tempos das greves de metalúrgico, naquele dia Lula não estava bom.

muito embora Alckmin mantivesse todo o tempo sua inofensiva postura leguminosa, Lula o golpeou com tanta agressividade, não dispensando inclusive o contato físico, que faltou muito pouco para uma intervenção do mediador a fim de evitar as vias de fato.

ao invés de sorrisos de um feliz aniversário, uma carrancuda irritação. o Presidente-candidato contrariou todas as boas-maneiras do marketing político. deixando de lado o manual do politicamente correto, extravasa espontaneidade e emoções. não que passasse descontrole, e sim um total desinteresse em reprimir a tensão.

com sua atitude, Lula desdenha por completo as consequências eleitorais. já não é o voto que importa. algo o perturbava, mas nada tinha a ver com a certeza da vitória.

quem poderá dizer o que vai no coração de um homem?

talvez Lula já se sentisse à distância, e que distância, sobrevivendo a si mesmo, sem saber como ter esperança, ao se ver, enfim, com uma nitidez que cega, como foi no tempo em que festejavam o dia dos seus anos.

como parar um coração? para que não pense. como fazer para que não vendam a casa? e que os dias não se somem... e que já não se faça anos...

quem sabe Lula apenas pensasse em quando não mais festejarem os dias dos seus anos. mais nada...

26 outubro 2006

Lula II: o Homem-Presidência

a reeleição de Lula o colocará numa situação absolutamente singular.

ele não se descolou somente do PT, move-se através da estrutura partidária e acima do sistema político com a desenvoltura de um mito.

lastreado na própria imagem e popularidade, Lula enfrenta, nesta eleição, um poderoso arco de forças, ao qual está impondo uma derrota arrasadora. não terá qualquer obrigação de compartilhar os créditos da vitória com quase ninguém. “quase”, porque sempre é bom prestar alguma satisfação ao eleitor.

o quebra-cabeça político do segundo mandato está sendo montado por inteiro, e com exclusividade, na mente de Lula. nunca um Presidente se elegerá com tanta autonomia para ditar os rumos de seu governo.

caso seja consagrado pelas urnas da reeleição, que outra glória mundana poderia cobiçar aquele antigo retirante nordestino, filho de Dona Lindu? alguma outra fortuna? ainda mais prestígio? envelhecer calmamente, orgulhoso e impenitente?

o surgimento de Lula II será um momento crítico na biografia de Luiz Inácio da Silva. do ponto de vista das ambições pessoais, seu currículo estará completo, mas à sua frente estará se abrindo uma nova perspectiva.

caberá a Lula decidir se aceita o desafio que lhe será lançado: iniciar a contagem regressiva para uma confortável aposentadoria política, ou abraçar sua definitiva oportunidade de entrar para a História.

24 outubro 2006

uma nova chance

mesmo todo coberto com a lama dos sucessivos escândalos, nada parece deter a marcha triunfal de Lula em direção ao segundo mandato.

a perspectiva de uma votação acachapante conduz ao retorno do contexto da vitória de 2002.

então, havia júbilo no ar. furando o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio e o medo, brotava a Rosa do Povo.

antes mesmo de tomar posse, porém, Lula-lá vai a Washington para selar, num aperto de mão com Bush, a nomeação de um banqueiro como presidente do BC. apesar das mil flores nas ruas, mais uma vez se adiava a chegada da primavera...

o temor às “forças do mercado” derrotara a esperança de uma inteira nação. antes de sequer ousar lutar, Lulinha paz e amor preferiu sucumbir voluntariamente, dando continuidade à maldita política econômica herdada de FHC.

agora, a espiral do tempo completa mais uma volta, trazendo Lula de novo ao mesmo ponto em que, da primeira vez, rejeitara o chamado da História.

já não há festa. o voto é desanimado. muito mais contra o PSDB que de aprovação ao Presidente-candidato. o eleitorado associa Alckmin a FHC e se identifica com Lula. entre os dois governos, faz uma óbvia escolha pelo menos ruim.

por outro lado, o modelo do pensamento único caiu estilhaçado. o debate por alternativas se propaga na sociedade. as “forças do mercado” entram em movimento defensivo, sem condição de manter o Governo como refém. com seus “fundamentos” abalados, a macroeconomia se torna suscetível a mudanças.

a remota probabilidade de reversão do jogo eleitoral, leva a oposição ao desespero de cogitar uma virada de mesa institucional. resta o recurso ao terceiro turno. caso haja reeleição, prevêem, o novo governo acabará antes de começar. mesmo Lula reconhece que, confirmado crime eleitoral no dossiegate, será ele quem terá que pagar.

o PT também já não é o mesmo. demorou 23 anos para chegar ao poder, e menos de um mandato para ter seus principais quadros afastados dos postos chaves do governo e do próprio partido. rompido com sua base social e deteriorado seu solo histórico, o PT sobrevive às custas da popularidade de Lula.

na repetição de 2002 em 2006, as respectivas conjunturas trocam sinais entre a farsa e a tragédia. para Lula, contudo, permanece a mesma questão: fazer História ou submeter-se às circunstâncias legadas pelo passado.

22 outubro 2006

giro no vazio

na passagem para o segundo turno havia a percepção de Alckmin estar em superioridade estratégica.

enquanto os tucanos, acomodados no ninho, cantavam vitória, Lula não perde tempo em reagrupar suas forças e lança a contra-ofensiva. a vertiginosa recuperação da campanha do PT deixa tonta a cúpula alckmista.

ao conduzir com brilhantismo a arte da guerra política, ganhando primeiro para só então iniciar a batalha, Lula reconquista a iniciativa e assume a pauta das eleições.

como um exército derrotado que primeiro luta para depois tentar a vitória, a campanha de Alckmin tarda em se dar conta que, pelos fatos em curso, se inclina ao fracasso.

numa pronta, e inédita, autocrítica, Lula reconhece publicamente o erro de faltar ao último debate, reformula sua relação com os meios de comunicação, afasta os envolvidos com o dossiegate e desnuda as vulnerabilidades do adversário, trazendo a eleição para um terreno em que não pode perder.

Alckmin não tem como exorcizar a maldição que herdou de FHC.

à medida que nas pesquisas se amplia a vantagem do PT, também se intensifica na mídia a campanha contra Lula. as primeiras páginas dos jornais e as capas de revistam rivalizam na disputa pela publicação da matéria com poder para, enfim, fulminar a imagem do Presidente.

muito barulho, pouca repercussão. há muito que o quarto poder sucumbira a si próprio. por reduzir informação e crítica à publicidade, já não forma opinião e atinge apenas audiência cativa.

mesmo que Lula e seu governo de “aloprados” tenham fornecido todos os argumentos para a oposição de grande parte da mídia, na verdade esta precisa de apenas um único motivo: o próprio Lula. caso não houvesse nenhuma das razões de fato existentes, a mídia agiria do mesmo modo. o que incomoda não são os inúmeros defeitos, mas as poucas virtudes do Presidente-candidato.

as oligarquias regionais tentam a todo custo manter acesas as chamas do caso dossiegate. fogo que não se apaga, consome-se por si mesmo. a tática das denúncias gira no vazio.

não que haja ilusão e ingenuidade no eleitorado. voto não é absolvição. pesquisa indica Lula como o mais "corrupto", entretanto Alckmin é visto como o que "mais defenderá os ricos”.

certas armas são instrumentos de má sorte. empregá-las por muito tempo produz calamidades.

18 outubro 2006

a terceira via

aquela vinha sendo a eleição presidencial mais apática desde a redemocratização do país. parecia que a política se tornara definitivamente irrelevante.

o jogo eleitoral fora armado de tal forma a não haver possibilidade de terceira via. como na época da ditadura militar, a disputa se reduzia a dois partidos, ambos a serviço do mesmo projeto político conservador. pouco importa quem vencesse, os Mercados festejariam pacificados.

entretanto, a cada vez que os homens pretendem ser mais espertos que a História, e a ela dar fim, acabam logrados como tolos.

quando a campanha de Lula já comemorava por antecipação, o "Núcleo de Inteligência" do PT mira no dossiê Vedoin e acerta o próprio pé. o escândalo resultante, somado aos votos não precificados pelo Mercado, dados a HH e Cristovam, provoca o adiamento de uma vitória anunciada.

mais importante: altera-se por completo o perfil das eleições. se Lula já não podia manter-se escondido em cima do salto alto, Alckmin, por sua vez, tinha que deixar para trás o currículo de Governador e mostrar suas propostas como Presidente.

sem compreender que a pauta das eleições já lhes fugira ao controle, as "forças do mercado" tentam monopolizar o debate em torno do lema do pensamento único: ajuste fiscal.

inútil. o curto-circuito viciado se rompera. as duas campanhas precisavam render alguma homenagem à virtude, mesmo que sob o manto da hipocrisia.

as urnas do primeiro turno revelaram um outro país, nunca uma eleição fora tão polarizada, com as diversas camadas sociais votando claramente conforme seus respectivos interesses.

com a inflação sob controle, o custo da cesta básica em queda e o aumento do salário mínimo, silenciosamente uma multidão se incorporara ao consumo e à política e não podia mais ser ignorada.

a classe média, esmagada entre o Bolsa-Família e a Selic-Banqueiro, dá seu basta à estagnação e ao desemprego. o agronegócio se revolta contra o câmbio artificialmente desvalorizado. a indústria recusa-se a morrer de “doença holandesa”. banqueiros e grandes empresários aplaudem e pedem mais do mesmo, se possível, sem Lula...


com o segundo turno, a surpresa: abre-se inesperadamente o caminho da terceira via.

entram em discussão juros e câmbio. cai o tabu do controle de capitais. Alckmin assina carta antiprivatização. Lula carimba o segundo mandato como "desenvolvimentista". economistas de mercado têm faniquito, mas são obrigados pelo patrão a ficar de boca fechada.

mais uma vez, o Brasil se move. o rumo para o futuro começa agora.

14 outubro 2006


reinventando Alckmin

inebriados com uma vitória que euforicamente alardeavam ter obtido no primeiro debate do segundo turno, os tucanos se prepararam para voar mais alto.

com os resultados das pesquisas, porém, são abatidos em pleno ar.

a brutal reversão de expectativas faz com que o candidato do PSDB procure sua identidade nos reflexos do espelho despedaçado.

Alckmin ou Geraldo? polido ou agressivo? técnico ou passional? PSDB ou PFL? HH ou Cristovam? ricos ou pobres? Sul ou Nordeste? gerente ou estadista? choque de gestão ou Bolsa-Família? privatizar ou resgatar o Estado? desenvolvimentista ou neoliberal? cortar gastos públicos ou controlar fluxo de capitais? soberania nacional ou submissão internacional?

foi como se, de repente, o tucano se tornasse a encarnação das contradições das classes dominantes Brasileiras.

no meio de tanta angústia e desorientação, os alckmistas ainda não descobriram que lhes resta uma chance de vencer. precisam encontrar a pedra filosofal que transforme a eleição. para que deixe de ser uma disputa de projetos de poder e se torne busca de rumos para o Brasil.

a marca de nascença das classes dominantes Brasileiras é jamais terem lutado por um projeto para o país. sempre mantiveram planos exclusivos para si mesmas, resignadas a um papel dependente e submisso à sua contraparte internacional.

neste aspecto, o PT, após sua chegada ao governo, em nada difere. e o mesmo se pode afirmar da candidatura Alckmin. todos têm em comum abdicar espontaneamente a professar idéias próprias, sem qualquer outro horizonte estratégico além de perpetuar o exercício do poder.

apesar da exigüidade de tempo e recursos, Alckmin vive um dilema extremamente rico. precisa se reinventar.

caso seja bem sucedido, com ele estarão sendo reciclados os setores que representa: as elites Brasileiras, que jamais chamaram para si o destino do país, privado do sentido de nação e mantido na condição de empresa constituída para abastecer o mercado externo.

muito embora o próprio candidato-Presidente admita que nunca as elites ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo, os banqueiros e grandes empresários, mesmo considerando Lula e Alckmin como iguais, ambos "conservadores", dão seu apoio a Alckmin, maciçamente.

não é sem motivo que pesquisa do Datafolha, na qual Lula aparece como o mais "corrupto", aponta o tucano como o mais "inteligente, moderno e inovador" e também como o mais "autoritário" e o que "mais defenderá os ricos".

como o país que almeja governar, Alckmin está no centro de uma crise de destino. para vence-la, não lhe bastará sua religiosidade conservadora, tampouco seu orgulho interiorano e, muito menos, sua competência de gestor não ideológico.

chegou o momento de Alckmin provar que pode ser algo mais. caso consiga, mesmo que não ganhe as eleições, terá sido vitorioso.

09 outubro 2006


os olhos de quem vè

após o primeiro debate do segundo turno, eleitores de Alckmin não conseguiam conter a euforia e entraram em estado de êxtase. para eles, não restava a menor dúvida, o candidato do PSDB massacrara Lula. uma vitória completa e inquestionável, anunciando o nascimento de um Presidente.

o eleitorado do PT, por sua vez, também festejava. sem fogos de artifício, entretanto.

os petistas sonhavam em liquidar as eleições no primeiro turno. estavam agora um tanto inseguros, desacostumados que ficaram do confronto direto de idéias e propostas.

apesar das ironias de Lula durante o debate, tão a gosto de sua turma, a mudança de estilo de Alckmin deixara a cúpula petista desorientada. como se tocado por alguma pedra filosofal, o candidato alckmista transmutou-se de "xuxu" em "pimenta". tão cheio de som e fúria que parecia uma HH calva e engravatada.

como se vê, dependendo de quem olha o debate teve vencedores diferentes.

o tucano entrou em cena decidido a vencer por nocaute logo no início do primeiro round. estratégia correta e surpreendente. porém, tática equivocada e previsível.

escolheu o tema óbvio, para o qual Lula ensaiara exaustivamente. muito embora o petista deixasse suspensa no ar a pergunta que não quer se calar, sua resposta, mesmo insuficiente, não o comprometeu com seu próprio eleitorado.

empolgado com o papel inédito como gladiador, em contradição com a imagem construída ao longo de sua carreira política, o ex Governador de SP acabou exagerando. mostrou o que não devia: a cara nua do conservadorismo à Brasileira. por exemplo, quando Lula o comparou a Bush, só faltou agradecer o elogio.

a partir de então, Alckmin foi aos poucos retornando à sua habitual condição de Geraldo. do ímpeto inicial restou a agressividade ensaiada e uma indignação caricatural.

seja como for, a performance de Alckmin atendeu de forma impecável a expectativa de seus eleitores cativos. uma platéia com sede de sangue que ganhou um momento catártico. mais do que aplaudir Lula apanhando, vibraram mesmo foi com aquilo pelo que tanto ansiaram: os rugidos de seu candidato.


cruel paradoxo. quanto mais Alckmin agrada a seu eleitorado convicto, mais se afasta daqueles que precisa conquistar para vencer a eleição. como a disputa é pelos votos dados à HH e Cristovam, os alckmistas deveriam adiar a festa. a não ser, é claro, que pretendam comemorar apenas entre eles mesmos.

além disto, Alckmin também deve perder apoio entre os que nele votaram com intenção de forçar um segundo turno. tratou-se muito mais de um protesto contra a arrogância lulista do que um aval à santa aliança entre PSDB e PFL.

assim que vier a ressaca, os alckimistas estarão chegando a uma desesperadora conclusão: Alckmin perdeu o debate.

07 outubro 2006


à esquerda

mesmo com o fraco desempenho nacional, menos de 7%, HH teve no estado do Rio de Janeiro 17% dos votos, alcançando 20% na capital.

apesar da mediocridade de sua política local, dividida entre Césares e Molequinhos, os cariocas mostraram, mais uma vez, vocação de alcance nacional e uma orientação nitidamente à esquerda.

numa eleição polarizada, HH e Cristovam dividiram 25% do eleitorado do RJ. sem qualquer prejuízo para Lula, que obteve mais de 49%.

Juscelino foi mesmo um visionário ao transferir a capital para os ermos do planalto central do país. isolou a casta política do contato direto com as massas numa cidade sem raízes e povoada por burocratas e lobistas. até hoje Brasília não tem a menor característica de caixa de ressonância, quanto mais de vanguarda. militares ditadores, tecnocratas e economistas neo-liberais devem muito a Kubitschek.

embora tenha cometido erros básicos que minaram sua chance real de tornar-se a terceira via nas eleições de 2006, a campanha de HH conquistou uma grande vitória para todos os Brasileiros. a realização do segundo turno, para o que a candidatura de HH contribuiu como fator decisivo, permitirá ao país se questionar e amadurecer.

infelizmente, a frente de apoio a HH, formada pelo P-SOL, PSTU e PCB, mostrou-se coerente com o insuperável talento da esquerda em sucumbir a seus próprios conflitos internos. nem ao menos um programa de governo foram capazes de produzir.

sempre se critica o aspecto multifacetado da Esquerda como um de seus mais graves problemas. este tipo de análise é um erro monumental. multiplicidade e diversidade são inerentes a Esquerda e uma vacina infalível contra todos os tipos de totalitarismos. como somos grupúsculos todos nós, que os grupos se multipliquem ao infinito, ao invés de se devorarem uns aos outros.

nascido da falência do PT, e tendo como um dos lemas de campanha que PSDB e PT são como irmãos siameses, o P-SOL se vê diante da encruzilhada de um segundo turno, que possivelmente não aconteceria sem a candidatura de HH.

alguns de seus dirigentes declaram ser inaceitável uma "neutralidade insossa". afirmam também que não se faz política com o fígado, não se importando em ser ou não coerentes. exatamente o mesmo rumo que o PT tomou para se converter no que é hoje em dia. só que demorou mais tempo...

não se trata de mera coincidência que os defensores de um apoio a Lula no segundo turno são os mesmos que permaneceram agarrados ao PT até o último instante. enquanto aqueles que foram expulsos por se manterem fiéis ao programa petista traído por Lula, são também os que fundaram o P-SOL e se mantém firmes às posições assumidas pela campanha de HH.

talvez nunca tenha sido tão necessário quanto agora assumir posições claras e conservar princípios inabaláveis. para resgatar a ética na política o país precisa superar um cenário no qual a Direita sempre vence eleições com candidatos de aluguel; e a Esquerda se conforma em seguir a reboque, condenando-se a optar entre o péssimo e o muito ruim.

sob o disfarce desta encruzilhada se esconde um beco sem saída. é sempre melhor seguir o próprio caminho.

06 outubro 2006

secessão

o grande empresariado Paulista tem uma imagem extremamente peculiar de si próprio. sempre se considerou o portador da modernidade e exemplo de um Brasil que funciona e prescinde do Estado.

curiosa auto-definição para uma classe cuja origem não veio, como nos EUA, de camadas médias lutando pela independência do país, mas, ao contrário, nasceu dos antigos latifundiários e dos traficantes de escravos, contando com a proteção do Império e sempre agregada a sua contraparte internacional.

são os atuais descendentes dos “barões do café“, que produziam para exportar e não para abastecer o mercado interno, dependendo inteiramente do capital estrangeiro, tanto para a colocação internacional do produto quanto para a construção das ferrovias pelas quais escoava a produção.

é a brava gente que hoje prega um corajoso corte dos gastos públicos e defende uma redução generosa na carga tributária.

não se referem, é claro, a reduzir as despesas com os juros da dívida pública. já que, sem esforço, ganham nas aplicações em títulos federais, investimento sem risco garantido pelo Estado, uma rentabilidade maior do que conseguiriam em qualquer atividade produtiva.

como sempre, propõe corte na carne alheia.

as despesas com os serviços públicos que atendem a maior parte da população oscilaram, nos últimos dez anos, em torno de 17% do PIB, sem grande variação.

já a dívida pública segue acima de 50% do PIB, alimentada pela maior taxa real de juros do mundo. os gastos com os juros atingem 8% PIB, com cerca de 80% dos títulos concentrados em apenas 15 mil famílias.

tamanha transferência de riqueza é sustentada por uma carga tributária de 37% do PIB, dos quais apenas 33% são oriundos de receitas, enquanto 67% provêm das contribuições.

ou seja, tanto os rendimentos com os juros da dívida pública, quanto o sistema tributário, são altamente concentradores de renda, beneficiando as camadas mais ricas da população.

apesar disto, nossa brava gente vê, quando examinam o resultado do primeiro turno das eleições de 2006, ao Norte e Nordeste um Brasil vermelho, pobre e dependente do Estado, que seria sustentado pelos impostos arrecadados no Brasil rico do Sul e Centro-Oeste, colorido com o azul da economia de mercado.

FEBRABAN e FIESP ainda não se libertaram do modelo da Abolição da Escravatura. quem tem direito à indenização é o senhor, afinal foi expropriado de seus “meios de produção“, e não o escravo a quem negaram a condição humana.

não é que falte fé no povo para nossas classes dominantes, não têm fé em si mesmas. desconfiam de suas próprias palavras de ordem. divulgam chavões em vez de idéias. intimidadas pela crise do país, mas dela desfrutando. vulgares porque nunca foram originais e originais em sua vulgaridade. sem energia, em nenhum sentido, plagiaria em todos os sentidos.

não avançaram nem avançam para um projeto político alternativo para a sociedade nacional. jogam com as classes subalternas de modo tímido, pouco elaborado. temem a força política dessas classes, principalmente o risco de ter de compartilhar o poder. não construíram nem constroem um projeto de cunho hegemônico, porque não interpretam os interesses das outras classes e muito menos da sociedade como um todo. apenas defendem seus próprios interesses corporativos.

nestas eleições, apóiam um candidato com perfil similar ao que possuem, embora tudo façam para negar esta condição para si próprias. em vez de progressista, Alckmin é católico conservador; em vez de cidadão cosmopolita, ostenta com orgulho a marca do interiorano; em vez de sociólogo ou economista, é um gerente pós-ideológico.

30 setembro 2006

bando selvagem

num momento caótico, um país dividido é a nossa herança. entretanto, talvez o tempo das armas esteja acabando. e a época dos homens violentos ficando para trás.

como deixar de sermos um bando selvagem, agindo em interesse próprio, para nos tornarmos uma nação?

nenhum processo de amadurecimento se dá sem ruptura e dor. principalmente para as nações.

se não há qualquer futuro possível no ódio e na desilusão, não nos livraremos do passado sem manter princípios claros e inabaláveis. até mesmo os bandidos têm seu código de ética.

sem ação cooperativa e inclusão social não existe competitividade sistêmica, sendo impossível desenvolvimento sustentável. nem os bandos sobrevivem caso não trabalhem em equipe.

na maioria dos países modernos, a idéia da nação foi projeto dos quadros dirigentes e não uma iniciativa das massas. as elites brasileiras, todavia, pouco se identificaram com a nação. aceitaram um papel subalterno de sócias minoritárias, num país constituído como uma empresa sob controle estrangeiro para atender demandas externas.


no Brasil, foram pessoas do povo que abraçaram uma certa idéia de nação. nossa construção nacional, ainda inacabada, sempre foi obra de um bando de Brasileiros selvagemente apaixonados pelo país. por isto, nossa identidade nacional não resulta de raízes gloriosas, tampouco de ambições imperiais. nossa cultura de síntese não se baseia em raça ou em religião. não somos xenófobos, nem guardamos ressentimentos em relação ao colonizador.

só que em nossa história o controle do país tem sido exercido de modo selvagem por bandos sucedendo bandos. sem que, até hoje, o povo tenha conseguido assumir o comando da nação.

após Collor e FHC, Lula é o fim de um ciclo. a definitiva falência não apenas de um modelo sócio-econômico, como de uma estrutura política, que se demonstraram incapazes de desenvolver o Brasil e proporcionar qualidade de vida aos seus habitantes.

apanhados numa encruzilhada do destino, precisamos virar uma página da História: o Brasil de poucos terá de ser o Brasil de todos.

29 setembro 2006

brava gente brasileira

na reta final da campanha, a candidatura de Lula recebe uma contribuição inesperada.

em coluna publicada pela Folha de São Paulo, em 28/09/2006, Otavio Frias Filho deixa entrever a face selvagem das Elites Brasileiras. goste-se ou não, sentencia triunfante, não existiria vida possível fora do liberalismo. prega um modelo sem meias medidas, no qual o mercado paira, onipotente e onipresente, acima de tudo e de todos. sem nenhuma misericórdia com temperos compensatórios bancados pelo contribuinte.

foi o bastante para provocar uma onda de choque e indignação, arrancando do armário eleitores de Lula, até então um tanto recatados em declarar o voto.

apesar dos sucessivos escândalos envolvendo o PT na compra de apoio político e dossiês sobre seus adversários, tudo indica ser o texto publicado pela Folha de São Paulo um caso espontâneo, sem qualquer contrapartida financeira.

de qualquer forma, é um belo exemplo de que, se o PT tornou-se a Esquerda que a Direita gosta, nossas Elites são a Direita que o PT precisa para legitimar-se com seu eleitorado.

o dono da Folha de São Paulo é um desses notáveis espécimes da classe dominante Brasileira. embora dono de jornal, tem imensa dificuldade em se entender com a linguagem escrita. é uma brava gente que desde o século XIX cultiva café, sem que até hoje sejam capazes de agregar valor à exportação do grão. também se dedicam a produzir celulose, porém continuam importando o papel no qual imprimem seus jornais.

por sua vez, não são poucos os que desejam Lula de novo, por temer o retorno da Direita. na verdade aquela que nunca se foi. apesar de considerá-la como “maldita”, o PT não só deu continuidade, como aprofundou a herança econômica de FHC. o próprio Lula se vangloria que banqueiros e grandes empresários jamais ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo.

temos sido um país de transições controladas, em que a mudança se dá de modo a que nada se altere. assim tem sido ao longo de toda a história Brasileira. entretanto, é cada vez mais difícil manter eficaz esse arranjo.

a rigor, o segundo mandato de FHC chegou ao fim logo no primeiro mês de governo. caso seja eleito, Lula II terá tempo de tomar posse?

seja de um jeito ou de outro, nossa exasperante tradição de mudanças lentas, seguras e graduais se aproxima vertiginosamente do ponto de ruptura.

27 setembro 2006

patético momento

ele não tinha esse rosto de hoje. ainda não perdera sua face na confusão das imagens nos espelhos.

não choraremos o que houve. choraremos esse mistério. a indizível conjunção que ordena vidas e mundos em pólos inexoráveis de ruína e de exaltação.

foi no ano de 1989 que, pelos caminhos do mundo, nosso destino se perdeu. nosso grande sonho de homens esmagado pela força surda dos vermes.

mas algum destino se perde?

o que esperavas? envelhecer calmamente, orgulhoso e impenitente...

eis que agora, a força, o jogo, o acidente, esse esquema sobre-humano, novamente te trazem para aquela mesma encruzilhada, quando foste pusilânime e, como veia de sangue impuro, queimaste a pura primavera.

noite confusa. data sinistra.

que sombrias intrigas houve em tua formação? que negócio fizeste? nenhum remorso te acomete?

mas eis que agora a figueira em teu destino se intromete. voltaste para aquele instante.

se outra vez desmorona, ou se edifica, não sei... se permanece ou se desfaz... se fica ou se passa... não sei, não sei...

só sei que um dia estaremos todos nós mudos. mais nada.

então, de que valem as muitas coisas que pedes? comendas, glórias, privilégios. de que adianta só na morte se estar vivo?

vale a pena sobreviver a mais um patético momento? porque a vida, a vida só é possível reinventada.

ou isto ou aquilo... concha vazia, coral quebrado, mar solitário...

não. pelos caminhos do mundo, entre o sonho dos homens e a força dos vermes, nenhum destino se perde...

24 setembro 2006

cada povo tem a elite culpada que merece

a Esquerda não se cansa de repetir que toda a culpa é das Elites.

há uma boa dose de razão nesta acusação. afinal, as classes dominantes Brasileiras demonstram ter como inspiração os piratas que vinham ao nosso litoral com o intuito exclusivo de saquear o Pau-Brasil. desde então o espírito empreendedor continua o mesmo: conseguir se apossar do máximo no menor tempo possível.

não se trata apenas de extrativismo selvagem. é bem mais um caso de insuperável falta de visão estratégica. não há sequer a preocupação em preservar o ambiente de negócios.

a pilhagem do Pau-Brasil nunca deixou de ser um fim se esgotando em si próprio, sem jamais se cogitar os rumos do negócio após a derrubada da última árvore.

do mesmo modo, os setores contemporâneos, cuja fortuna resulta das altas taxas de juros que asfixiam a economia nacional, não consideram ser problema deles se, por causa de um modelo econômico que só a eles interessa, o país como um todo entre em colapso.

apesar de ser evidente a parcela de culpa das Elites em nossa História, não é tão fácil admitir que elas têm, no decorrer de todo o processo, um cúmplice inseparável: o Povo.

as análises da Esquerda sempre infantilizaram o Povo, cujas opções equivocadas seriam fruto da imaturidade política e do baixo nível de consciência. contudo, o Povo e as Elites são resultados do mesmo processo histórico e se igualam em seu imediatismo e no desprezo pela questão nacional.

em termos econômicos, nunca fomos uma nação voltada para seus próprios anseios. ao contrário, nos constituímos como uma empresa sob controle estrangeiro para atender demandas externas. enquanto as Elites no fundo se envergonham de terem nascido no Brasil, para o Povo a nação só existe quando a Seleção Brasileira calça as chuteiras.

nossa sociedade ainda não superou o estágio da “Casa Grande e Senzala”. o Povo ao invés de exigir seus direitos, suplica por benefícios. as Elites ainda se comportam, desde a época da Abolição da Escravidão, como se lhe fosse devido o benefício da indenização para que o Povo tenha direito à liberdade.


politicamente, o paradigma Brasileiro continua sendo o das “Capitanias Hereditárias”, no qual as Elites não cometem crimes, porque, em último caso, ordenam que se revise o código penal. além de donas do poder, encarnam em si a lei. o Povo vê a justiça não como algo que se luta para conquistar e manter, tratando-se muito mais de uma caridade a ser recebida, nem que seja pelo maroto expediente da malandragem.

invertidas as posições sociais entre Povo e Elites, nada se alteraria no Brasil, a não ser, talvez, para pior.

trazendo para o exemplo da atual eleição, apesar de até Lula admitir com certo orgulho que banqueiros e grandes empresários jamais ganharam tanto dinheiro quanto no governo do PT, as Elites se unem solidamente em torno de Alckmin.


no caso, mais que o bolso, importa o berço. as Elites podem até permitir que a gestão seja conduzida por um capataz. não admitem porém, em hipótese alguma, que o Povo não se resigne ao seu lugar.

como antes já fizera com FHC, o Povo está disposto a reeleger Lula, mesmo que também o responsabilize pela corrupção de seu governo. para o Povo o berço não importa, desde que se leve alguma vantagem no bolso.

o mesmo Povo que, por causa do Plano Real, levou FHC duas vezes ao Planalto, agora, motivado pelos programas sociais, quer repetir a dose dupla com Lula. se da primeira vez as Elites aprovaram a sábia escolha do Povo, hoje repudiam sua opção, denominando-o de “massa ignara”.


a Esquerda é crítica com as Elites, porém condescendente com o Povo e indulgente consigo mesma. mais do que as Elites e ao Povo, cabe a Esquerda a obrigação de formular um projeto para o país. até mesmo porque é ela quem defende ser um outro mundo possível.

apesar disto, uma candidatura de Esquerda, como a de HH, é incapaz de, senão da formulação de um projeto, pelo menos apresentar um programa de governo.

mais uma eleição passará. pode ser que continuem nossos eldorados. como já tivemos o do açúcar, o do tabaco, e de tantas outras commodities tiradas de nossas terras férteis, enquanto férteis, como o ouro e os diamantes se extraem, até se esgotarem, do cascalho, sem retribuição de benefícios. nossa procissão dos milagres tem sido assim, desde todo o período colonial, sem que a tenha interrompido a Independência, sequer, ou a República.

desta vez, entretanto, mergulhamos num vôo cego, imersos em uma crise de destino, a maior da nossa existência. a História está nos encarando nos olhos, indagando: “afinal, o que vocês são? o que querem ser? tem sentido existir Brasil? qual Brasil?”

diante da Esfinge, nem as Elites, nem o Povo, tampouco a Esquerda, parecem ser capazes de responder a pergunta. sem que ninguém o decifre, o Brasil devora a si mesmo.

16 setembro 2006

o Tigre e o Dragão
(em 12/12/2002)



“Aquele que não atingiu a Sabedoria, está cheio de vaidade,
fala e faz um grande ruído de seu vácuo e de sua ignorância.”

inscrição num antigo vaso Chinês

os Imperadores na Antiga China não apenas monopolizaram o direito de usar o Dragão como símbolo, como se declararam filhos do Dragão e alegaram que seu poder de governar era concedido pelo Céu. os Dragões estavam por toda parte nos palácios imperiais. qualquer outra pessoa que se associasse com o Dragão era sentenciada a morte por crime contra o Imperador.

o Tigre, por outro lado, sempre pertenceu ao Povo. as pessoas admiram sua beleza e força, encontrando nele apoio espiritual, e o usam como símbolo protetor e de boa sorte. para muitos, o Tigre tem o poder de afugentar Demônios...

embora possua asas, na maior parte das vezes o Dragão apenas se arrasta pelo fundo lamacento das águas. enquanto ondula seu corpo ao rastejar, fazendo com que a terra afunde sob seu peso, o Dragão supõe que está alçando vôo. volta e meia um vago sentimento lhe aturde. então, como se fosse um sonho, o Dragão entrevê num lapso que acima da lama e da água pairam o ar e o céu.

o Tigre mantém seus recursos ocultos e, nos relatos da mitologia Chinesa, sempre salvou vidas humanas. o caso mais famoso é o de Confúcio. contudo, sempre que o Dragão se alia a Maldade e se volta contra o Povo, o Tigre é enviado para detê-lo.

14 setembro 2006

o adiamento de uma vitória anunciada

faltavam pouco mais de duas semanas para as eleições. a campanha de Lula mal conseguia disfarçar o eufórico clima de antecipada vitória. o Presidente-candidato estava tão confiante a ponto de anunciar um transubstanciação com os eleitores: cada um deles se tornara gota de seu sangue e célula de seu corpo.

excitados com a proximidade de uma reeleição anunciada, artistas colocavam de lado qualquer preocupação com a ética, assumindo que política se faz com as mãos sujas e com o que se tem.

apesar de alguns deles nem estarem assim supersatisfeitos, alegavam não ter alternativa. afinal, em termos de corrupção não se podia dizer que o governo Lula superasse o anterior.

intelectuais ludibriados, embora confessassem entre risadas como caíram na trapaça da cúpula do PT, não se envergonhavam em se declarar à disposição para serem mais uma vez enganados.

as pesquisas demonstravam claramente o fosso abissal que se escavara no eleitorado. as camadas mais pobres e de menor escolaridade estavam maciçamente com Lula. na mesma proporção, quanto maior a renda e o nível de instrução aumentava o apoio à oposição.

mais que um simples indicador sócio-econômico, a divisão revelava como o avanço da informalidade alterara o país, deteriorando a estrutura social e tornando a maior parte da população refém de políticas compensatórias.

então, tudo começou a mudar.

como sempre ocorre nestas situações, a princípio foi quase imperceptível. entretanto, a sequência dos fatos, quando analisada em retrospectiva, dá a impressão de ter sido orquestrada, como se o destino houvesse se encarregado de conspirar contra os rumos da história.

numa mesma semana se inverteu a sorte de Lula, o que ele só foi entender quando já era tarde demais.

auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluíra que o Governo não comprovara despesa de R$ 11 milhões, pretensamente gastos na impressão de cartilhas com propaganda oficial. tampouco há provas da distribuição de dois milhões dos exemplares efetivamente impressos. o Planalto justificou que o material foi entregue a diretórios do PT. alguns destes, contudo, afirmaram nada terem recebido.

no caso, o que incomodava o Governo não era a denúncia em si, mas a possibilidade de se chegar ao fio da meada do uso de superfaturamento com dinheiro público para financiar campanha política privada.

com o indiciamento de Palocci pela PF, voltaria à tona uma pergunta que não podia se calar: quais exatamente eram os negócios tratados pela república de Ribeirão Preto nas reuniões realizadas em Brasília na mansão dos prazeres ?

as peças se encaixavam e remetiam para a exumação de cadáveres de torpes assassinatos...

o fato mais importante, e decisivo, para a inversão do curso das eleições, aconteceria logo a seguir. a reputação pessoal de Lula, até então inexpugnável, estava prestes a ruir. sua arrogância em breve se transmutaria na depressão que, nos momentos de adversidade, lhe é tão característica.

como um mau presságio dos tempos que chegavam, naqueles dias Lula teve que cancelar um compromisso de campanha no Rio de Janeiro. com cerca de 15 minutos de vôo, o avião que o transportava sofreu uma pane e foi obrigado a retornar à Brasília. chegara o momento de sua campanha vir ao chão.

11 setembro 2006

desconstruindo Lula: o golpe final

eleições de 1989. segundo turno. última semana. Collor e Lula estão tecnicamente empatados. campanha de Lula em alta. Collor declina. eufórica, a militância do PT ocupa as ruas das principais capitais.

na primeira eleição direta para Presidente da República após a ditadura militar, o Brasil se tornara um país urbano e industrializado. com as lutas pela redemocratização e o fim do ciclo militar, as classes dominantes perdem a iniciativa na condução do processo político.

o longo histórico Brasileiro de transições controladas chega a um impasse. pela primeira vez, há possibilidade concreta de um operário se eleger Presidente e a Esquerda assumir o poder. a iminente ruptura com a herança das “revoluções palacianas” coloca o Brasil em transe.

empresários ameaçam deixar o país. classe média tradicional, tributária das oligarquias arcaicas, entra em pânico. rumores circulam em SP: caso Lula seja eleito, haverá confisco de quartos para acomodar imigrantes nordestinos. classe média surgida com o processo de desenvolvimento abraça com entusiasmo a candidatura do PT. população dos grotões rejeita Lula. trabalhadores dos grandes centros urbanos se identificam com o líder sindical.

a sociedade experimenta à flor da pele o sentimento da realidade histórica de se estar vivendo entre dois mundos: um definitivamente morto e outro que luta para vir à luz.

Collor joga sujo. coloca no ar depoimento de ex-namorada de Lula, acusando-o de propor um aborto. na réplica, o constrangimento do pai ao lado da filha emudecida, revela que Lula acusara o golpe a ponto de vergar os joelhos.

ao se dobrar a chantagem, recusando-se a fazer com que o eleitorado encare sua própria hipocrisia em relação à questão do aborto, Lula começa a adiar, por mais uma vez, o já longo e exasperante parto daquilo que luta por nascer.

no debate final, Lula entra em cena num estado de petição de miséria. Collor aterrorizara os bastidores da campanha petista com sua intenção de expor em público a intimidade sexual de Lula.

num dos mais patéticos momentos da história política Brasileira, Lula não sobrevive e sucumbe, ao vivo, diante dos olhos perplexos de seu eleitorado.

o golpe de misericórdia vem com a edição do debate divulgada no dia seguinte pelo Jornal Nacional.

a derrota de Lula em 1989 foi, ao mesmo tempo, um fracasso político e psicológico.

Lula não teve estatura política para aceitar a vitória contra uma elite para a qual seu nome estava vetado. preferiu a rendição voluntária que assumir a Presidência num cenário de confronto.

com sua estrutura psicológica vulnerável, que entra em colapso nos momentos de crise, Lula demonstrou incapacidade de resolver um problema básico de formação de personalidade. as limitações e deficiências que, muito embora ele tenha consciência de possuir também considera impossível de superar, não podem ser publicamente admitidas, ou sequer apontadas, sob pena de sensação de humilhação e desonra.

sob a face vitoriosa do Lula atual, permanece enterrado o fantasma de 1989. Lula é hoje tão somente uma deplorável farsa de si mesmo. apesar da alta popularidade e do elevado percentual de intenção de voto, sua estatura política e sua fragilidade psicológica se degradaram de modo irreversível.

derrotar Lula não é tão impossível quanto evidências imediatas levam a supor. até mesmo porque, tanto da perspectiva do processo histórico quanto do individual, ele já é um acabado fracasso.

10 setembro 2006

a porta do futuro: "future is the mind"
(em 21/11/2004)

conversamos um pouco com um casal, durante um jantar num dos típicos restaurantes de Lisboa. eles estavam na mesa ao lado da nossa e demonstraram estar a fim de um papo.

são Belgas e falam "flamengo". ao saberem que éramos brasileiros, manifestaram muito interesse, principalmente o homem, que já era um senhor.

ele repetiu diversas vezes, em inglês, que o Brasil é o país do futuro. eu manifestei minha discordância. comentei sobre os enormes problemas brasileiros. afirmei que economicamente o Brasil tem, nos últimos anos, retrocedido no tempo.

o Belga balançou a cabeça e disse com ênfase que, sem dúvidas o Brasil era mesmo o país do futuro. e aquela simples conversa confirmava isto.

explicou seu ponto de vista: "future is not ecnomic. future is the mind. it is multicultural. it is diversity".

naquela agradável noite de verão em Lisboa, talvez o belga, inspirado pela visita ao claustro do Mosteiro dos Jerônimos e sob intenso efeito do vinho português, apenas divagasse sobre navegadores a singrar os mares e a criar a civilização transoceânica moderna.

em seu devaneio sonhava com manhãs e cavalos brancos nas margens enevoadas do Tejo, e acabou tomando o Brasil como futura realização do Quinto Império.

sendo assim, aquilo não passou de mera conversa de bar, pronta a ser relegada ao esquecimento pela dura realidade do dia seguinte.

pode ser também que o belga se referisse aos mais valiosos patrimônios Brasileiros: o povo, que tem a maior mistura genética do mundo, a imensa biodiversidade existente no país e o fantástico componente multicultural de nossa sociedade.

neste caso, fica um tanto inusitado testemunhar em Portugal, de quem fomos colônia, um belga a se ufanar pelo Brasil, mesmo que eu me esforçasse para convencê-lo do contrário.

por outro lado, o belga tem toda razão em afirmar que o futuro não é econômico, sob cujo prisma nos tornamos humanos em virtude do trabalho, e que por ser fator hegemônico trouxe a humanidade ao beco sem saída atual, cuja falência de modelos tem uma de suas mais agudas expressões no Brasil contemporâneo.


o futuro é a mente ? pode ser apenas um jeito de se pensar... seja como for, podemos estar certos de que não haverá futuro algum se não começarmos a pensar e discutir um outro caminho aqui e agora no presente.

09 setembro 2006

tudo mudará
(em 05/09/2005)
“Não haverá mais sonho. Preciso botar o pé no chão.”

“Mas creio que há possibilidade de uma coalizão de centro-esquerda,
capaz de negociar com a direita sem compra-la.”

Fernando Gabeira
( entrevista à “Folha de São Paulo”, 04/06/2005 )

houve certa vez, num passado nem tão distante, embora mais e mais remoto, uma geração capaz de ousar tomar os céus de assalto.

hoje na discreta mansidão do envelhecimento, seus mais típicos representantes tem os pescoços amarrados por gravatas floridas, crendo na obra e graça da sedutora estamparia para se transformarem em algo diverso daquilo a que se deixaram converter: meros senhores engravatados.

alardeiam como prova cabal de suposta sabedoria, vinda de um amadurecimento tardio, a conclusão de não mais haver sonhos, a não ser fincar os pés no que tomam como a realidade.

fazem-se esquecidos de ser o sonho a matriz geradora do real, e se negam a admitir que sua capitulação decorre de não terem aprendido como sonhar o bastante.

foram contemporâneos de uma classe operária desembarcada do “pau-de-arara” em São Paulo já com a intenção de chegar ao paraíso.

de uma longa trajetória de lutas, emergiu o líder sindical que enfim subiu o planalto, alçando pela primeira vez um trabalhador à Presidência da República.

num intrincado jogo de espelhos, virando tudo pelo avesso do avesso do avesso, homem e personagem se confundem no labirinto.

de tanto fingir o que é, o homem acabou por se tornar aquilo que fingia, mas que de fato era.

a mais completa impostura na sincera mentira de representar a verdade.

conduzido nos ombros da plebe ao palácio com a missão de mudar o Brasil, o presidente filho do povo operou o maior estelionato eleitoral da história do país.

entretanto, a força que o elegeu não protagoniza traições e numa cambalhota para o impossível realiza o sonho, cumprindo a promessa de campanha, mesmo que pelo mais torto dos caminhos.

a nação não mais será a mesma após o Governo Lula.

apesar dele, tudo mudou. tudo mudará.

enquanto isto, intelectuais silenciosos, guerrilheiros arrependidos e militantes perplexos teimam em tirar dos fatos apenas as lições que lhes são convenientes.

caído o muro dos paraísos, não enxergam a rota aberta para a utopia. da crítica ao elogio da ignorância se curvam reverentes a uma cultura obscurantista. na formação das raízes profundas de um Brasil de corrupção e miséria, não identificam que nunca fomos propriamente uma nação, e sim uma empresa voltada para fora e controlada de fora.

e apesar do repetido fracasso retumbante da esquerda, insistem na ilusão de uma santa aliança capaz de conciliar interesses antagônicos. a mãe de todos os enganos. negócios sem implicar em compra e venda.especialmente com a direita, que não entrega o que se comprou – apoio – e quer receber o que jamais deveria ser vendido: a alma.

a cada vez que os conformados se rendem aos escombros do velho, deles se ergue um novo ciclo, aprisionando no passado todos aqueles que não aceitarem ainda mais uma vez construir o rumo do futuro.

08 setembro 2006


isso é o que nós somos, companheiro
(em 02/07/2005)

( sobre “Flores, flores para los muertos”
de Fernando Gabeira,
publicado na “Folha de São Paulo” em 18/06/2005 )


frases esparsas num bloco de notas
pétalas caindo numa cova vazia
não falem de flores
deixem que os mortos enterrem seus mortos
não se entrega não
só se entrega prá morte de arma na mão

infâmia maior
que a grande ditadura torturando a carne
é a cotidiana corrupção de cada alma
pelos diminutos minúsculos tiranos

isso é o que nós somos
mais que corações e mentes

isso é o que nos tornamos
anos de chumbo
ditadura de burgueses do capital alheio
pacto entre os bancos e as favelas
aliança da casa grande com as senzalas

cercados pelo deserto do real
sonhos roubados convertidos em pesadelo
esperança em medo
haverá um futuro ?
o futuro precisa de nós ?

maior é Deus
pequeno sou eu
na roda da história
grande e pequeno sou eu
não tivemos a sorte de escapar
dos tempos sem sol
e da onda de lama que agora submerge
os cínicos e os servis

o que somos
dor
insuportável peso tão leve do ser

o que nos falta
como superar a dor
cálice cheio até a boca
transbordando
isso é o que nós somos
isso é a nossa dor
não a afastemos
não nos afastemos dela

carecemos da compreensão que nada nos falta
somos um excesso
uma alucinação extraordinariamente nítida
que vivemos todos em comum com a fúria das almas

isso é o que nós somos
a chance de optar
entre o que eu quero
e o que a vida quer de mim

no fundo do poço
sobrevivendo ao patético momento
triste destino
sindicalistas e investidores unidos
na tragédia histórica de transformar em farsa
o que foi escrito com sangue nas estrelas

tudo o que era sólido derreteu-se no ar
o rei morreu
morram todos os reis
a arte do possível
seja a criação do impossível
como uma das possibilidades

após o fim de tudo
fantasmas rondam o Brasil
anfitriões da utopia
anunciam nada mais a se perder
senão as correntes que aprisionam
um mundo a ganhar

isso é o que nós somos
o fim
e o começo

dos escombros do velho
novamente se ergue o clamor por mudança

o que fazer

tudo é incerto
nada é inteiro
isso é o que nós somos
nevoeiro

a hora é agora
aqui nasce o futuro

precisará o futuro de nós ?

saberemos dissipar a ilusão de uma manhã gloriosa
quando enfim retornará um rei que nunca tivemos ?

saberemos que nossos sonhos são nossas armas
e só sucumbimos quando não sonhamos o bastante ?

saberemos reconhecer a falência de todos os modelos
e que só haverá um futuro
se somos capazes de continuamente reinventá-lo ?

isso é o que nós somos
país do futuro cumprindo a profecia do passado mítico
a encruzilhada do presente nos devorando com o enigma a decifrar :
quem somos ?

isso é o que nós somos, companheiro

06 setembro 2006

o ponto cego: desconstruindo Lula (3)

mesmo sob ataque cerrado da campanha oposicionista, Lula prossegue desfrutando de índice recorde de aprovação de seu governo. o Presidente-candidato não está nem aí e já avisou: “deixa bater à vontade...”

a verdade é que Alckmin como demolidor de Presidentes saiu-se quase tão bem quanto em sua gestão da segurança pública de SP. nos dois casos mostrou exemplar falta de talento para desempenhar a função proposta.

Heloísa Helena, por sua vez, bem que gostaria de vomitar repetidas vezes em cima do Presidente. afinal, mesmo ainda não sendo tecnicamente rico, ele sempre foi suficientemente ordinário. lamentável a candidata do P-SOL não dispor de tempo bastante para isto.

quando FHC se encarregou, ele próprio, de fazer rufar os tambores da guerra, ordenando incendiar o palheiro, tinha em mente algo mais que o fogo de palha obtido.

a sede de sangue dos patriarcas do PFL não foi saciada. estes acreditaram piamente que, para virar o jogo a seu favor, bastaria xingar Lula de “ladrão”. no fundo, o que não suportam é a quebra do monopólio da corrupção. algo que detinham pelos últimos 500 anos.

o eleitorado pobre se identifica com Lula e ao olhar para Alckmin vê a cara do patrão. o raciocínio é simples: ladrão por ladrão, é melhor que seja um da nossa turma que conseguiu chegar lá.

o ponto cego das oposições é não compreenderem que, apesar do apoio maciço recebido pelas camadas de baixa renda, Lula detesta “pobre”.

Lula é daquele tipo de gente que usa as pessoas quando e como lhe convém, e não tem escrúpulos em se livrar de quem já não lhe é mais útil. Lula sorri pela frente enquanto esfaqueia pelas costas. com uma das mãos concede o Bolsa Família e com a outra mantém o beneficiário num estado de permanente miséria.

seu interesse pelos “pobres” é tão autêntico quanto sua lealdade aos companheiros de partido. seus abraços nos eleitores de baixa-renda são como beijos de Judas.

Lula agora está tomando gosto por apanhar. como baixou a guarda, é o melhor momento para acertá-lo de jeito.

05 setembro 2006

as peças e o torneiro
( a partir dos filmes
“Peões” e “Entreatos”
em 28/11/2004 )


para D. Paulo Evaristo Arns, Lula tercerizou o governo em virtude de não estar preparado para o cargo, algo que seus opositores sempre lhe acusaram e cuja pronta refutação nunca deixou de ser feita por membros das comunidades eclesiais de base.

o pobre Lula, coitado, não passa de vítima, na opinião de Carlos Lessa, de uma insidiosa conspiração universal das elites, que o estão enganando ao se aproveitarem de sua bondosa ingenuidade.

outros juram que Lula é apenas um produto do marketing político de Duda Mendonça, criador de uma impostura tão completa que nela até o próprio Lula acabou por acreditar.

sendo inaceitável para alguns que a peãozada não se resigne ordeira e pacificamente a permanecer em seu lugar, consideram Lula como um deslumbrado penetra se encachaçando com o poder, e estão ansiosos por dele se livrarem logo na primeira chance.

Frei Beto, após iniciar a polêmica sobre a diferença entre estar no governo e estar no poder, chegou a conclusão que já era mais do que hora de encerrar a questão e sair de cena silenciosamente.

enquanto José Dirceu, tendo reservado para si o papel de eminência parda, se vê cada vez mais relegado a um modesto segundo plano, Palocci sabe do status meramente burocrático do poder que parece de fato exercer.

com certeza Brizola estaria às gargalhadas, lembrando ter avisado como o “Sapo Barbudo” é aquele tipo de esquerda tão estimado pela direita.

análises mais complexas explicam o paradoxo do governo Lula realizar o programa de FHC, demonstrando que o país inteiro, com suas combinações esdrúxulas, é como uma espécie de aberração, onde uma nova classe social, formada de um lado por técnicos e intelectuais doublés de banqueiros e do outro por trabalhadores transformados em operadores de fundos de previdência, domina o conhecimento do “mapa da mina” e tem o controle do acesso aos fundos públicos.

no entreato de frustração e perplexidade, a palavra final, como não deixaria de ser, vem do próprio Lula, ao desferir um soco na mesa garantindo que na política econômica não muda nada, e não terá vez para discutir com ele quem ousar contestá-la.

o fato revela não haver despreparo num homem que, por não aceitar posar de vítima, soube mover os peões no tabuleiro político para alcançar o objetivo a que obstinadamente se determinou.

não se procure por trás dos bastidores, pois nada há a não ser Lula, ele mesmo, puxando os cordéis e redigindo o script, o torneiro mecânico que fabrica as peças da engrenagem. Lula é o “chefe”. Lula é quem manda. Lula é o manipulador.

como confessou com empáfia, Lula jamais sentiu orgulho, e muito menos se identificou, com o macacão de operário, sendo aquele tipo de gente capaz de perder os dedos para manter os anéis.

eleito em nome da mudança que agora sequer admite cogitar, Lula realizou sua ambição pessoal de se tornar presidente porém precisou para isto do voto de milhões de anônimos, muitos deles o vendo como uma última esperança antes de nada mais restar no que se acreditar.

a despeito da manipulação das lideranças, são as massas quem movimentam a máquina, e ao outra vez entrarem em ação, como a quebra de confiança terá sido profunda e definitiva, libertarão da desilusão e da apatia o clamor pela mudança, que retornará mais forte do que nunca na história do Brasil.

04 setembro 2006

desconstruindo Lula (2)

Lula e FHC sofrem do mesmo mal: paixão incontida por si próprio. não toleram concorrência no que tange a hipertrofia do ego. por isto, nada mais insuportável para a suscetibilidade de um do que as críticas do outro.

apesar da aspiração declarada de ambos ser o título augusto de príncipe máximo do Brasil, não conseguem superar o ranço batráquio.

FHC sente saudade dos tempos em que era Presidente da República, porque andava de helicóptero. Lula mandou comprar um avião novinho só prá ele. FHC não resiste a uma “buchada de bode”, desde que servida num restaurante em Paris. Lula, que já confessou sentir verdadeiro horror ao macacão de operário, é alérgico ao suor de seu rosto, quanto mais a ganhar o pão com dito cujo. ao chegar a Presidência FHC renegou tudo o que escrevera. Lula se orgulha de que, para ser Presidente, não foi preciso ler até o final um único livro.

muito embora não sejam iguais, os dois são o complemento indispensável um do outro. desconstruir o sindicalista é também expor a nudez do intelectual.

FHC já admitiu publicamente que queria ser igual ao Lula da época em que este era líder das greves contra a ditadura. o desejo inconfessável de Lula é um dia receber da elite o mesmo tratamento conferido a FHC: ser um igual entre iguais.

a combinação das virtudes de FHC e Lula formariam o estadista capaz de colocar o país nos rumos do desenvolvimento. como em sua relação atormentada preferem privilegiar os defeitos, se tornaram cúmplices em um do mais bem sucedidos fracassos de nossa História: nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que poderíamos ser.

são exemplos de um Brasil que renega suas raízes. homens pretensiosos inspirados por um demônio pérfido que faz com que eles, ao se verem diversos do que são, criem preferências e repugnâncias, sendo raro que sejam das boas.

02 setembro 2006

Heloísa Helena passada a limpo (2)

entrevistador: vamos à próxima pergunta. a senhora costuma dizer que aprendeu o socialismo na Bíblia. em que trecho, exatamente?

HH: olha, eu tenho que lhe dizer que você me deixa muito satisfeita com esta pergunta. eu estava esperando mesmo que me perguntassem isto. porque você sabe, não é, nem todos os que dizem Senhor, Senhor entrarão no reino dos céus. o que adianta dizer Senhor, Senhor se não se faz o que Jesus pregou? (Lucas 6:46) e o que Jesus pregou? Jesus disse: amarás ao teu próximo como a ti mesmo (Mateus 22:39). e quem não se recorda do Sermão da Montanha. bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão saciados (Mateus 5:6). bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus (Mateus 5:10). bem-aventurados os pobres, porque deles é o reino de Deus (Lucas 6:20). então, é como eu estou lhe falando, eu acredito na igualdade e na solidariedade entre as pessoas. e quando eu acredito numa coisa, eu defendo. por exemplo, a parábola da multiplicação dos pães (Mateus 14) nos ensina muito sobre a economia. Jesus divide os pães de um cesto entre os famintos que o rodeiam. os pães são insuficientes e os apóstolos ficam preocupados. mas, à medida que os pães são divididos e distribuídos, multiplicam-se. é isto, a riqueza tem que ser distribuída para se multiplicar. é isto que tem que ser mudado no Brasil: distribuição de renda para poder haver crescimento com justiça social.

01 setembro 2006

Heloísa Helena passada a limpo (1)

na entrevista com Heloísa Helena, no Jornal da Globo em 31/08/2006, algumas das respostas da candidata foram consideradas, por uma parcela de seu eleitorado, como aquém da expectativa.

com o intuito de sanar as dúvidas e resolver a questão, trazemos novamente a candidata aos nossos estúdios.

entrevistador: boa noite, candidata.

HH: boa noite. eu queria agradecer não apenas esta nova oportunidade, como vocês sabem ... eu sempre fui uma crítica ferrenha da Rede Globo. mas desta vez, eu tenho que dar a mão à palmatória. não somente estas entrevistas agora no Jornal da Globo, como as anteriores no Jornal Nacional, foram de um nível excelente, imparciais, trazendo perguntas sobre pontos polêmicos de cada candidato, fazendo com que ele se exponha. vocês estão de parabéns. vocês estão dando uma grande contribuição para a política brasileira e cumprindo o que se espera da mídia.

entrevistador: muito obrigado, candidata. mas vamos as perguntas. qual seria mesmo a sua postura diante de uma greve no setor público a senhora cortaria ou não o ponto dos grevistas?

HH: meu bem, eu vou responder esta pergunta em três pontos. o primeiro deles, como eu já disse anteriormente, toda greve, ela é conseqüência de reivindicações dos trabalhadores que não são atendidas. o trabalhador não faz greve porque quer, meu amor. ele faz greve, como um recurso, um recurso inalienável da classe trabalhadora, para conquistar melhores condições de trabalho e um salário digno e justo. no meu governo eu vou me antecipar à greve. sempre que as reivindicações forem justas, eu vou atender as reivindicações. a rigor, eu não vou sequer esperar as reivindicações. vou permanecer muito atenta às condições de trabalho do setor público, sempre cuidando para que sejam as melhores possíveis. portanto, as greves no meu governo, se acontecerem, serão muito raras. porque o meu governo não vai ser um balcão sujo de negócios como o governo do PSDB e do PT. este é o primeiro ponto. o segundo ponto... veja só, por que vocês não perguntaram ao Lula se ele vai cortar ponto de grevista? por que não perguntaram ao Alckmin? ah! não perguntaram porque é claro que o compromisso de Lula e Alckmin não é com a classe trabalhadora. e o meu é! é por isto que me fazem este tipo de pergunta e não a eles. Lula e Alckmin tem compromissos com o banqueiros, com os grandes empresários, com o capital internacional, com esta farra de juros exorbitantes e lucros astronômicos de bancos que está sabotando o desenvolvimento do país e condenando o trabalhador ao desemprego. mas vamos lá... está é uma pergunta polêmica e muito pertinente eu agradeço que me tenham feito para que eu possa deixar bem claro qual é a minha posição a respeito. a greve é uma questão social. e toda questão social no Brasil é tratada como caso de polícia. por isto que tem este tipo de pergunta. você vai cortar ponto? você vai chamar a polícia para descer o sarrafo no trabalhador? não, não! eu não vou tratar questão social como caso de polícia. vamos conduzir com muito diálogo, muito equilíbrio, buscando sempre a solução justa.

entrevistador: candidata, a resposta...

HH: sim, sim. olha, sei que tenho o defeito de às vezes ser prolixa. e aí chegamos lá. ao terceiro ponto, que é o seguinte. eu sou candidata e pretendo ter a honra de ser a primeira mulher a chegar à Presidência para ajudar a transformar este país na grande nação que ele está destinado a ser. e que é o que o povo Brasileiro deseja e merece. portanto, eu vou dizer a vocês que no meu governo sempre vou nortear toda decisão, por menor que seja, pelo que é justo, pelo que é correto, pelo que é melhor para a nação. então, que fique claro, se num determinado momento, e eu não sou mulher de ter medo de dizer isto aqui e perder voto, se eu tiver que cortar ponto, se esta for a decisão justa do ponto de vista do interesse da nação, então eu vou cortar ponto. assim como eu não vou ter medo de cortar juros, de fazer a reforma agrária, não vou ter medo de enfrentar os banqueiros e não vou ter medo de enfrentar os especuladores que vivem da desgraça do povo Brasileiro.

31 agosto 2006

desconstruindo Lula (1)

vigia de clínica veterinária no Rio é preso após confessar a morte de uma empresária. a vítima foi golpeada duas vezes na nuca com uma pedra de mármore. em seguida teve seu pescoço esfaqueado, sua coluna vertebral cortada ao meio com um serrote, seu abdômen aberto, o corpo desmembrado e colocado em sacos plásticos. o quadril e as pernas foram localizados nas imediações do crime. a metade superior continua desaparecida.

moradores do local ficaram perplexos com o fato e comentaram que o assassino sempre foi pessoa muito gentil, ajudava os idosos a atravessar a rua e brincava com crianças e cachorros.

o criminoso agiu por vingança. um mês antes, numa discussão com a empresária, foi por ela chamado de “magrinho”.

especialistas afirmam ser um típico caso de psicopata clássico. a plena consciência do que é certo ou errado não o impede de agir conforme seu interesse, sem nenhum remorso.

seja como for, trata-se de perfil psicológico bastante comum entre a população forçada a migrar para os grandes centros urbanos Brasileiros.

há um sentimento de inferioridade ancestral que nenhuma ascensão social tem o poder de superar. a sensação de ser desqualificado em público gera reação emocional incontrolável. rejeição visceral em reconhecer o erro é defesa contra depreciação da auto-estima fragilizada. ofensa pessoal é tomada como afronta à honra e leva a necessidade de vingança exemplar.

a noção de “honra” é definida de modo particular e exacerbado, não depende de valores universais, variando conforme cada caso. no exemplo do crime citado, ser chamado de “gordinho” possivelmente não teria provocado no vigia o mesmo rancor. o ponto de honra é o limite para desencadear a resposta compulsiva.

a percepção de sentir-se inferior, por origem, impede o estabelecimento de relações de igualdade. ou aceita voluntariamente a submissão ou se impõe na constante demonstração de superioridade, mesmo que seja fazendo das limitações motivo de engrandecimento. situações adversas e golpes na auto-imagem causam sucessivas crises depressivas e conduzem ao vício.

tal estrutura de personalidade é extremamente vulnerável, com tendência a explosões quase instintivas e de efeitos imprevisíveis. homens cordiais se revelam psicopatas furiosos. basta serem atingidos no ponto certo.

30 agosto 2006


  • "Me dói ver agora o próprio presidente da República dizer: 'não, todos são iguais'. Iguais não. Eu não sou igual a ele! Eu não sou igual a ele! Eu não sou igual a ele!"
  • "Eu o acompanhei nas greves quando havia ditadura. Eu queria ter sido igual a ele naquele tempo. Mas ele mudou. Ele hoje prega e faz tudo que combateu.”

    FHC
    29/08/2006
a sola dos sapatos de FHC e a roda da História
(em 13/12/2002)

em 1978, Lula e os metalúrgicos do ABC, além de defenderem um sindicalismo desatrelado do Estado, viam com grande desconfiança a participação na política institucional e parlamentar.

apesar disto, Lula acabou apoiando, numa dessas voltas da roda da História, a candidatura de FHC ao Senado pelo MDB.

enquanto se desenrolava uma reunião do comitê de apoio e o vaidoso candidato discorria em seu tom professoral, algo nele chamava mais atenção que suas palavras acadêmicas.

de pernas cruzadas e com o pé sobre o joelho, era impossível não reparar a sola do sapato de FHC. elas não possuíam sequer um arranhão. aqueles sapatos sempre estiveram sobre pisos atapetados. aquele homem jamais pisava na rua. sempre circulava por gabinetes e ambientes climatizados.

naquele momento, ficou patente que pessoas como aquela jamais poderiam fazer com que, furando o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio, brotasse a Rosa do Povo.

ali o PT começou a ser gerado com a certeza que poderiam arrancar mil flores, mas jamais impediriam a chegada da Primavera.

então, a roda da História se pôs a girar mais decidida do que nunca no Brasil. pela primeira vez neste país, os trabalhadores reivindicavam a condição de protagonistas.

em 10/02/1980, o PT nasceu como um partido eminentemente não parlamentar, com foco no movimento social, firmemente apoiado nas bases, com um sólido conceito de democracia interna e voltado para a criação de um socialismo libertário.

muitas reviravoltas depois e ao chegar a Presidência da República, o PT se tornou a antítese daquele que sonhava ser a Primavera. seus dirigentes se converteram em arquétipos de burocratas e políticos profissionais. e se pode dizer que em nada ficam a dever ao solado dos sapatos de FHC...

contudo, a História ainda se move. implacável, não se lembra dos covardes e não suporta erros. muito menos traições. em seu movimento, costuma estraçalhar sem qualquer piedade os que tem a vã pretensão de impedir seu caminho.

29 agosto 2006


como perder de véspera

divulgação das últimas pesquisas eleitorais gera clima de “já ganhou” para a candidatura de Lula, e alguns de seus maiores críticos são os primeiros a admitir “jogar a toalha”.


perder de véspera não é apenas precipitação: é a pior das burrices. entregar a disputa antes da hora é aceitar o jogo de cartas marcadas de Lula.

infelizmente, tanto Alckmin quanto HH continuam desperdiçando oportunidades...

o cenário político nunca foi tão podre no Brasil e o menor fato é suficiente para fazer com que tudo venha a desabar.

as demissões na VW tem alto potencial para abalar Lula. e a simples menção ao fantasma Okamoto aterroriza o Presidente.

apesar de seu pouco tempo na TV, HH está perdendo o timing da divulgação de seu programa de governo. apesar deste tipo de proposta não sensibilizar a grande massa do eleitorado, a classe média continua órfã nesta eleição, daí a apatia e o desencanto dominando a campanha. programa preparado por César Benjamin pode ser o diferencial que caracterize definitivamente HH como a opção consistente para a classe média politizada: “nem um, nem outro, nem nulo. vote nela.”

aspecto psicológico que pode desequilibrar: Lula não agüenta pressão. tem “queixo de vidro” e não mais que 3 ou 4 dias bastam para levá-lo ao nocaute. o final do segundo turno em 1989 e a recente entrevista ao Jornal Nacional são bons exemplos de como o franco favoritismo se converte em patético fracasso.

para desestabilizar Lula não basta bater. é preciso saber quando e onde bater.

a porrada em Lula surtirá mais efeito se vinda de Alckmin do que de HH. em virtude de sua pouca exposição na mídia, a candidata do P-SOL não tem como encadear ataques em sequência capaz de fazer com que Lula acuse os golpes.

nada mais afastado um do outro que os projetos políticos de Alckmin e HH. talvez seja de se supor menor a distância de HH para Lula. entretanto HH e Alckmin tem, pelo menos, um ponto em comum: ambos lutam por um segundo turno.

saber trabalhar o que aproxima é uma rara competência que prescinde de acordos, alianças, táticas ou estratégias. não é outro o motivo de tanto interesse de César Maia com a candidatura de HH, cujo crescimento continua sendo o fator capaz de levar a eleição ao segundo turno.

28 agosto 2006

o pensamento interditado

parte da intelectualidade Brasileira já sucumbira com FHC no conveniente esquecimento do que antes haviam escrito.

por decisão espontânea se renderam ao slogan de não existir alternativa possível, exceto o alinhamento incondicional com o pensamento único.

prevista para se estender por 20 anos gloriosos, a era FHC encerrou-se, a rigor, com a crise cambial no primeiro mês do segundo governo. alguns dos principais ideólogos tucanos sequer conseguiram se manter vivos até o final do mandato.

o Presidente intelectual operou no limite da irresponsabilidade para promover uma privataria selvagem que destroçou o patrimônio público nacional, fruto de várias décadas de esforço desenvolvimentista.

já Lula, apesar de eleito com a bandeira da ética, não fez a menor concessão à coerência e sua política de “mãos sujas” arrasou os 23 anos de lutas populares para construir o PT e levá-lo até a Presidência da República.


assim como os intelectuais tucanos se encarregaram de fornecer o suporte teórico que legitimou a transformação do PSDB em linha auxiliar do PFL, sua contraparte petista assistiu a falência do PT entregando-se à omissão e a conivência, enquanto Lula aprofundava o modelo econômico herdado de FHC.

na recente política Brasileira, o partido oposicionista ao chegar ao poder migra inexoravelmente para a Direita e acaba executando o programa derrotado nas urnas.

a cada vez que o processo histórico desemboca numa crise, se restabelece no Brasil um acordo de cúpula, pactuado pelas elites, e a mudança se reduz a um rearranjo que tudo muda para que nada fique diferente.

intelectuais tucanos e petistas satisfazem-se com o papel subalterno de avalistas de políticas partidárias, sem assumir jamais sua função de consciência crítica da sociedade.

como qualquer cidadão, o intelectual pode ser filiado a um partido, desde que isto não implique em abdicar de sua independência, condição fundamental para que o pensamento não seja interditado.

25 agosto 2006

o “lado B”

no início do governo Lula, proliferavam as explicações para a contradição do PT dar continuidade ao modelo econômico de FHC.

em algum momento, conjeturava-se, Lula colocaria em prática um suposto “Plano B”, coerente com seu histórico na oposição e capaz de, enfim, implementar as promessas de campanha.

a justificativa era ser impossível dar um “cavalo-de-pau” na economia, que seria como um Titanic, cujo rumo em direção ao iceberg havia de ser cuidadosamente corrigido.

o tempo se encarregou de provar que se o tal “Plano B” estava tão bem escondido é porque nunca chegou sequer a existir.

com a sucessão de escândalos, Dirceu, Genoíno, Delúbio, Sílvio Pereira e Palocci foram lançados ao mar. o capitão continua com a mão firme no leme sem qualquer alteração de rota. e o PT tornou-se um cadáver sobrevivendo a si mesmo às custas exclusivamente da popularidade de Lula.

enquanto o Presidente disfarça suas imperfeições faciais com aplicações de botox, o país nos revela uma cara que nenhuma maquiagem da propaganda oficial consegue esconder: a maior taxa de juros reais do mundo, estagnação econômica, crônico desemprego, insegurança pública recorde, pauperização da classe média.

contudo, ao final do mandato mais uma vez se acende a vã esperança dos eternamente crédulos. Lula II será algo distinto e no segundo governo virá a “arrancada desenvolvimentista”.

o maior estelionato eleitoral da história do Brasil não foi suficiente para impedir que no futuro sejam repetidos os erros do passado. as bravatas de Lula continuam a seduzir os que padecem do mórbido prazer de serem enganados.

assim como não existiu nenhum “Plano B”, Lula será sempre Lula. tudo fará para ganhar as eleições e dar seguimento ao seu único projeto: manter-se no poder.

23 agosto 2006


o transe da transição
(em 23/02/2003)

a maior parte daqueles que apoiam o Governo Lula se nega a aceitar a realidade deste início de mandato, em que o único aspecto inquestionável é a continuidade da política econômica neoliberal de FHC.

como se estivessem em transe, recusam-se de todas as formas a reconhecer o óbvio : a esperança mais uma vez está sendo derrotada pelo medo, sendo que desta vez, dentro do próprio Governo.

o estado de negação produz raciocínios complexos para se justificar, numa vã tentativa de manter viva a esperança, mesmo que artificialmente.

assim surge a “teoria da transição”, segundo a qual em algum momento futuro enfim Lula abraçará os objetivos para o qual foi eleito, abandonando de vez a herança maldita de FHC.

“transição” é estabelecer um rumo e se colocar em marcha em direção a ele. e não andar de costas voltado para o passado, sem ousar encarar um futuro que se tem medo e incompetência para enfrentar.

para existir “transição” é necessário dar o primeiro passo, e não repetir uma trajetória que reconhecidamente nos lançará no caos.

o mais repugnante é que esta “transição” tende a se alongar mais e mais, até o absurdo de exigir sua continuidade num hipotético segundo mandato.

o Governo Lula erra.

e erram ainda mais aqueles que procuram defender o indefensável, ao invés de serem os primeiros a exigir que se cumpra a vontade das urnas.

cada dia perdido no patético transe de uma transição que ainda não se iniciou, implica não somente em desgaste futuro para Lula como no fortalecimento da Direita, que poderá retornar com ferocidade nunca antes vista no Brasil.

Lula tem um mundo a ganhar, mas parece determinado a botar tudo a perder ao se esquivar daquilo que se tornou : um símbolo vivo do desejo de mudança do eleitorado Brasileiro.