31 outubro 2006

a era Palocci

no Ministério da Fazenda, Palocci teve uma atuação inquestionável, exercendo com absoluto brilhantismo seu profundo desconhecimento de economia.

como líder de "uma equipe de excelência e eficiência técnica, totalmente voltada para o interesse público", conduziu o país a uma memorável façanha, que só não foi completa porque o Haiti defendeu com êxito o posto de último lugar em crescimento econômico na América Latina, no ano de 2005.

seu desempenho como médico no comando da economia só é comparável ao de um economista chefiando uma cirurgia.

Palocci manteve a economia Brasileira paralisada sob a ortodoxia convencional: taxa juros real alta, câmbio valorizado, superávit primário. resultado previsível: o ganho com a inflação sob controle foi anulado por crescimento medíocre, elevado desemprego e aumento da carga tributária.

numa metáfora médica: o medicamento ministrado não deixa o doente morrer, tampouco permite que saia da UTI... os mercados foram pacificados às custas da economia ser mantida com a estabilidade dos necrotérios.

graças à “era Palocci”, Lula pode admitir, com certa dose de orgulho, que jamais banqueiros e grandes empresários ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo. já os votos, foram para seu adversário.

se os investimentos de Lula junto à elite não retornaram a rentabilidade eleitoral esperada, as camadas populares, porém, não retribuíram afagos com ingratidão. o custo da cesta básica em queda, o aumento do salário mínimo e um maior acesso ao consumo proporcionaram a Lula uma esmagadora maioria no eleitorado de baixa renda.

a herança de Lula para si próprio é um pacto maldito entre a Casa Grande e a Senzala, entre os bancos e os grotões, entre as forças do mercado e as favelas. para uns distribui juros, enquanto perpetua a miséria dos outros com políticas compensatórias.

excluída da aliança paradoxal dos mais ricos com os mais pobres, a classe média é a principal vítima da “era Palocci”. desde o milagre brasileiro na década de 70, a participação dos salários no PIB caiu de 50% para os atuais 27%.

com sua renda encolhida em 12% nos últimos quatro anos, a classe média foi o pêndulo das eleições de 2006. mandou um incisivo recado a Lula ao forçar o segundo turno, para, então, reafirmar seu repúdio à política econômica da “era Palocci”, legado de FHC.

tanto sob o aspecto político quanto o econômico, o modelo chegou ao seu limite. por fadiga de material, esgotou-se a capacidade de reciclagem do acordo entre o Copom e o Bolsa Família. mesmo o tempero de uma tímida distribuição de renda bancada pelo Estado não é compatível com o ajuste fiscal perene exigido pelo liberalismo sem meias medidas.

já não há como sustentar a manutenção dos programas sociais, ainda mais transferência pontual de renda via aumento de salário mínimo, sem a retomada do desenvolvimento, o que pressupõe mudanças macroeconômicas: queda dos juros e mudança no câmbio.

embora choque de gestão seja necessário para melhorar qualidade do funcionamento da máquina estatal, seu impacto no total de gastos públicos, considerando juros da dívida, é insuficiente. algo como cortar cabelos para perder peso.

inviável expandir ainda mais a carga tributária. novas reformas neoliberais (previdência, trabalho) e privatizações ficam descartadas após a inflexão política do segundo turno.

para arrecadar mais e gastar menos, resta como única opção o Estado alavancar o desenvolvimento com distribuição de renda. a própria lógica interna do modelo levou-o a um beco sem saída: nem viabilidade econômica tampouco apoio político.

seja de um jeito ou de outro (aliás, em Ribeirão Preto está aberta a porta da cela) não resta dúvida: acabou-se a “era Palocci”.

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