11 março 2009

nas asas da Embraer

em 1943, quando o Brasil não fabricava sequer bicicletas e mesmo os vasos sanitários eram importados, [1] um visionário, dos que sabem da necessidade de manter os pés solidamente apoiados no chão para concretizar o sonho de voar, começou a dar asas ao futuro da aviação brasileira.

convicto do que mais engrandece uma nação é o conhecimento que ela detém [2], em 1950 Casemiro Montenegro Filho cria o ITA e o CTA [3], e pessoalmente se encarrega de motivar os alunos conclamando-os a um dia implantarem a indústria aeronáutica no Brasil. [4]

segundo a concepção do plano idealizado por Montenegro, quando nos laboratórios houvesse produtos com potencial de comercialização, seriam fundadas empresas. em 1969 toma forma o avião “Bandeirante” para linhas regionais, e é criada a Embraer. [5]

nascida indissociavelmente integrada a um projeto de desenvolvimento nacional, a Embraer que agora promove uma demissão em massa, 20% do quadro pessoal [6], tornou-se uma empresa com uma visão de futuro atrelada à demanda internacional por jatinhos executivos. antes da crise global, a empresa pretendia que aviões deste tipo viessem a representar 20% do total de suas vendas.

enquanto o Brasil tem toda uma aviação regional para desenvolver, a americana Robb Report, espécie de bíblia mundial dos artigos de luxo, elegeu o "Phenom 100" o melhor jato executivo do planeta em seu 20º anuário The Best of the Best, destacando como um dos pontos mais cativantes do avião o seu bagageiro capaz de acomodar com facilidade sacolas de tacos de golfe e esquis. [7]

apesar de atribuir as demissões como decorrência da crise que afeta a economia global [8], a previsão de entregas em 2009, mesmo reduzida de iniciais 270 para 242 unidades, representa ainda assim um aumento expressivo em relação a 2007 (169 aviões) e 2008 (204). [9]

como outras empresas induzidas à financeirização pela política cambial do BC, a Embraer apostou parte dos seus lucros especulando em moeda estrangeira e teve perdas de R$ 177 milhões no 3º trimestre, valor equivalente ao custo anual com os salários dos 4.270 demitidos. [10]

além disto, o Presidente da Embraer e mais nove diretores executivos, os onze membros do Conselho de Administração e os cinco membros do Conselho Fiscal, receberam juntos uma bonificação de R$ 50 milhões em 2008. em média, os acionistas da Embraer ficam com cerca de 60% do lucro da empresa (em 2007, do lucro de R$ 657 milhões, R$ 448 milhões foram para os acionistas) uma taxa altíssima indicando que os investimentos não são prioridade. [11]

em 2006, a empresa faturou 8,2 bilhões de reais. em 2007, foram 9,9 bilhões de reais. em 2008, a estimativa é que o valor totalize cerca de R$ 10 bilhões. ou seja, os últimos anos são de resultados recordes. a Embraer também dispõe cerca de R$ 3,6 bilhões em caixa, valor suficiente para bancar a folha de pagamento de todos os seus funcionários no mundo por dois anos, período que a empresa diz que durará a crise no setor. [12]

a posição acionária da Embraer mostra que 19,27% estão distribuídos entre a Previ (13,92%) [13], BNDESPar (5,05%) e a Golden Share do governo(0,3%) [14] [15], o que politicamente dá ao governo instrumentos para participar do comando da empresa. por outro lado, 51,7% são de capitais internacionais, deixando uma empresa estratégica para o desenvolvimento nacional sob controle externo.

privatizada em 1994 por Itamar Franco pelo valor irrisório de R$ 154 milhões, a Embraer já recebeu do BNDES,
em financiamentos às exportações da empresa desde 1997, um total de US$ 8,39 bilhões, o equivalente a 44 vezes seu valor de venda, considerando uma paridade dólar/real de 1 para 1. [16] apesar disto, NDES não tem representação no Conselho de Administração.

como forma de forçar a empresa a rever as demissões, o BNDES deveria usar seu poder de agente financeiro para obrigara Embraer a comprar insumos, componentes e equipamentos no Brasil. assim se criaria uma cadeia produtiva em torno da Embraer, promovendo micro, pequenas e médias empresas à condição de fornecedoras da empresa. atualmente, cerca de 95% do faturamento da Embraer é de peças, partes e componentes importados. nem o tecido das poltronas dos aviões é produzido no Brasil. isso é um disparate e uma distorção. o Estado precisa reassumir seu papel ativo no setor aeroespacial e tomar nas suas mãos as rédeas da Embraer. [17]

precisamos de um projeto de nação, não de um projeto de empresas para o mercado. com um projeto de nação o atendimento das demandas do mercado será uma consequência e não uma condição para o desenvolvimento. planejamento, visão de longo prazo e defesa da nossa soberania são os fundamentos sobre os quais se constrói um projeto de nação. nada disso é preocupação do mercado. [18]

embora tenha reagido a princípio com irritação e indignação frente as demissões, Lula desistiu de pedir à empresa para rever os cortes,
após uma reunião com a Diretoria da Embraer, segundo o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, os argumentos da Embraer foram consistentes e o Presidente se convenceu ser uma questão de demanda determinada pelo mercado externo.

Miguel Jorge também deixou claro que o governo não pode fazer nada a mais pelos 4.200 desempregados: “- O governo não pode fazer mais por estas pessoas além do que é feito para outros dispensados.”

em 2006, a Embraer compôs o seleto grupo dos 12 maiores doadores de recursos para a campanha presidencial do PT, contribuindo com R$ 1,3 milhão. [19]

as asas da Embraer são o sonho de um brasileiro visionário que vislumbrou na indústria aeronáutica um meio do Brasil voar em direção ao desenvolvimento. para que o sonho continue voando, é preciso reestatizar a Embraer.


[1] Fernando Morais, “Montenegro – as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil”
[2] Marechal-do-Ar Casemiro Montenegro Filho
[3] ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e CTA (a partir de 1969, Centro Técnico Aeroespacial)
[4] Major-Brigadeiro-Engenheiro Tércio Pacitti, ex-reitor do ITA, em seu livro "Do Fortran à Internet"
[5] Wikipédia, http://pt.wikipedia.org/wiki/História_do_ITA
[6] 19/02/2009, Embraer demite 4.200 funcionários, o equivalente a 20% do quadro de pessoal
[7] “Embraer é a melhor em jatos executivos, diz "bíblia" mundial do luxo”, 02/07/2008
[8] “A Embraer informa que, como decorrênciada crise sem precedentes que afeta a economia global, em particular o setor de transporte aéreo, tornou-se inevitável efetivar uma revisão de sua base de custos e de seu efetivo de pessoal, adequando-os à nova realidade de demanda por aeronaves comerciais e executivas.” [...] “a Empresa depende fundamentalmente do mercado externo e do desempenho da economia global – mais de 90% de suas receitas são provenientes de exportações”, Comunicado Embraer, 19/02/2009
[9] Gilberto Maringoni, “As demissões na Embraer”
[10] Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos, “A verdade sobre a Embraer”
[11] Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos, “A verdade sobre a Embraer”
[12] Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos, “A verdade sobre a Embraer”
[13] Previ, Fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil
[14] Janus Capital Management (10,24%), grupo Bozano (7,64%), Oppenheimer Funds (6,04%), Thornburg Investment (5,27%.), ADR (29,39%), Bovespa (19,86%) http://www.bovespa.com.br/Empresas/InformacoesEmpresas/ExecutaAcaoConsultaInfoEmp.asp?CodCVM=20087
[15] criada com a privatização, a Golden Share dá ao governo direito de veto em relação à mudança de denominação da companhia ou de seu objeto social; alteração e/ou aplicação da logomarca; criação e/ou alteração de programas militares, que envolvam ou não a República Federativa do Brasil; capacitação de terceiros em tecnologia para programas militares; interrupção de fornecimento de peças de manutenção e reposição de aeronaves militares e a transferência do controle acionário da companhia.
[16] Gilberto Maringoni, “As demissões na Embraer”
[17] Angelo, comentário no Blog do Nassif, no post “Propostas para a Embraer“, 25/02/2009
[18] Angelo, comentário no Blog do Nassif, no post “Propostas para a Embraer“, 25/02/2009
[19] Contas Abertas, baseado em dados do TSE - http://contasabertas.uol.com.br/noticias/imagens/Comite_Fin_Nac_Pres_Rep_PT_RESUMO.xls

08 março 2009

às ruas

a divulgação dos primeiros resultados do desempenho da economia brasileira no início de 2009 [1] indicam que a marolinha provocada pela crise internacional atinge o país com a força devastadora de um tsunami. [2]

enquanto a popularidade de Lula prossegue se dilatando em recordes sucessivos [3], mesmo entre notícias de retração econômica e demissões em massa [4], as oligarquias brasileiras - herdeiras de uma longa história de autoritarismo e subordinação a interesses externos - ensaiam através da grande mídia uma revisão histórica da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. [5]

apesar de todas as concessões de Lula, desde a blindagem neoliberal do BC até submeter-se as ingerências do STF, os setores dominantes brasileiros são perenemente refratários a um governo popular que pretenda conduzir o país no rumo do desenvolvimento com inclusão social.

num cenário da mais grave e profunda crise internacional desde 1929, até mesmo o Diretório Nacional do PT, que não se notabiliza exatamente por seu radicalismo, reconhece a necessidade de transformar a oportunidade para acelerar a transição em direção a outro modelo econômico-social. [6]
um agravamento da crise econômica, com recessão prolongada e alto desemprego, conduzirá a inevitáveis impactos políticos, podendo enfraquecer a popularidade de Lula, até agora o inexpugnável bastião que neutralizou todas as tentativas de desestabilização do governo.

mais do que apenas o horizonte das eleições de 2010 e uma aglutinação em torno da candidatura de Serra, o resgate nostálgico da “ditabranda” [7] vem a ser o ninho ideológico do ovo da serpente para tentar provocar uma crise institucional, caso haja acentuada queda de popularidade de Lula em virtude da crise econômica.

entretanto, a mesma popularidade que imuniza o governo dos ataques da oposição conservadora, mantém Lula paralisado num giro imobilista em torno de si mesmo.

sem a queda da bastilha da Selic e a derrubada da ditadura do Copom, o Bolsa Família se reduz a medida compensatória do alto desemprego gerado pela política monetária contracionista, e o PAC se torna insuficiente para acelerar um crescimento freiado pela maior taxa de juros reais do mundo.

no auge de seu poder, o qual jamais chega a exercer de fato, Lula investe seu capital político na ressurreição dos mortos-vivos, como a vitória de Collor para Comissão de Infraestrutura do Senado, [8] e em propor a estatização dos bancos, só que os dos exterior. [9]

até mesmo para economistas conservadores a ficha já caiu, reconhecem as extraordinárias oportunidades abertas pela crise global para um avanço relativo do Brasil, algo que provavelmente não ocorrerá de novo nesta ou na próxima geração. [10]

com o epicentro da crise no coração do sistema, fazendo com que os EUA sejam obrigados a lamberem suas próprias feridas, abre-se uma fresta histórica. ao contrário de 1930 e Getúlio Vargas, 1950 e JK e 1964 e a ditadura militar, que foram modernizações conservadoras e encaminhas pela cúpula, Brasil se vê com a inédita possibilidade de um arranque do desenvolvimento induzido pela base social para mudar a economia e a sociedade. [11]

apanhados numa das encruzilhadas perigosas da história, é o próprio país quem nos encara nos olhos, perguntando: “afinal, o que vocês são? o que querem ser? tem sentido existir Brasil? qual Brasil?” [12]

como em todos os grandes momentos decisivos quandoo futuro bate às nossas portas, a resposta ao desafio, se alguma houver, só será encontrada nas ruas.

[1] produção industrial recua 17,2% em janeiro de 2009, o pior resultado desde o Plano Collor, em 1990
[2]“Lá [nos EUA], ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar.”, Lula, 04/10/2008
[3] segundo pesquisa CNT/Sensus, divulgada em 03/02/2009, a aprovação ao presidente Lula passou de 80,3%, em dezembro de 2008, para 84% em janeiro de 2009.
[4] fevereiro de 2009: Embraer promove a maior demissão que uma empresa privada já fez no país: 4.270 funcionários, 20% de sua força de trabalho.
[5] editorial da Folha de São Paulo, “Limites a Chávez”, 17/02/2009, e Marco Antonio Villa, “Ditadura à brasileira”, 05/03/2009
[6] Diretório Nacional do PT, “Resolução do PT: É hora de aprofundar as mudanças e de fazer o embate ideológico”, 10/02/2009
[7] “[...]as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça [...]”, editorial da Folha de São Paulo, “Limites a Chávez”, 17/02/2009
[8] "Os votos que elegeram Collor foram os votos que elegeram Sarney. Não vejo isso com surpresa. E [vamos] fazer disso uma boa salada.”, Lula, 06/03/2009
[9] "Será que os países ricos vão continuar apenas colocando dinheiro com o intuito de salvar bancos ou será que alguns países terão coragem, sem medo da palavra, de estatizar os banco [...].”, Lula, 06/03/2009
[10] Paulo Rabello de Castro, “O Brasil e a crise: a ficha ainda não caiu”, 11/02/2009
[11] "Vargas redefiniu o país na crise de 30; a chance é que o PT faça o mesmo na primeira grande crise da globalização", Carta Maior, entrevista de Francisco de Oliveira, 06/01/2009
[12] César Benjamin, “Uma certa idéia de Brasil”