às ruas
a divulgação dos primeiros resultados do desempenho da economia brasileira no início de 2009 [1] indicam que a marolinha provocada pela crise internacional atinge o país com a força devastadora de um tsunami. [2]
enquanto a popularidade de Lula prossegue se dilatando em recordes sucessivos [3], mesmo entre notícias de retração econômica e demissões em massa [4], as oligarquias brasileiras - herdeiras de uma longa história de autoritarismo e subordinação a interesses externos - ensaiam através da grande mídia uma revisão histórica da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. [5]
apesar de todas as concessões de Lula, desde a blindagem neoliberal do BC até submeter-se as ingerências do STF, os setores dominantes brasileiros são perenemente refratários a um governo popular que pretenda conduzir o país no rumo do desenvolvimento com inclusão social.
num cenário da mais grave e profunda crise internacional desde 1929, até mesmo o Diretório Nacional do PT, que não se notabiliza exatamente por seu radicalismo, reconhece a necessidade de transformar a oportunidade para acelerar a transição em direção a outro modelo econômico-social. [6]
um agravamento da crise econômica, com recessão prolongada e alto desemprego, conduzirá a inevitáveis impactos políticos, podendo enfraquecer a popularidade de Lula, até agora o inexpugnável bastião que neutralizou todas as tentativas de desestabilização do governo.
mais do que apenas o horizonte das eleições de 2010 e uma aglutinação em torno da candidatura de Serra, o resgate nostálgico da “ditabranda” [7] vem a ser o ninho ideológico do ovo da serpente para tentar provocar uma crise institucional, caso haja acentuada queda de popularidade de Lula em virtude da crise econômica.
entretanto, a mesma popularidade que imuniza o governo dos ataques da oposição conservadora, mantém Lula paralisado num giro imobilista em torno de si mesmo.
sem a queda da bastilha da Selic e a derrubada da ditadura do Copom, o Bolsa Família se reduz a medida compensatória do alto desemprego gerado pela política monetária contracionista, e o PAC se torna insuficiente para acelerar um crescimento freiado pela maior taxa de juros reais do mundo.
no auge de seu poder, o qual jamais chega a exercer de fato, Lula investe seu capital político na ressurreição dos mortos-vivos, como a vitória de Collor para Comissão de Infraestrutura do Senado, [8] e em propor a estatização dos bancos, só que os dos exterior. [9]
até mesmo para economistas conservadores a ficha já caiu, reconhecem as extraordinárias oportunidades abertas pela crise global para um avanço relativo do Brasil, algo que provavelmente não ocorrerá de novo nesta ou na próxima geração. [10]
com o epicentro da crise no coração do sistema, fazendo com que os EUA sejam obrigados a lamberem suas próprias feridas, abre-se uma fresta histórica. ao contrário de 1930 e Getúlio Vargas, 1950 e JK e 1964 e a ditadura militar, que foram modernizações conservadoras e encaminhas pela cúpula, Brasil se vê com a inédita possibilidade de um arranque do desenvolvimento induzido pela base social para mudar a economia e a sociedade. [11]
apanhados numa das encruzilhadas perigosas da história, é o próprio país quem nos encara nos olhos, perguntando: “afinal, o que vocês são? o que querem ser? tem sentido existir Brasil? qual Brasil?” [12]
como em todos os grandes momentos decisivos quandoo futuro bate às nossas portas, a resposta ao desafio, se alguma houver, só será encontrada nas ruas.
[1] produção industrial recua 17,2% em janeiro de 2009, o pior resultado desde o Plano Collor, em 1990
[2]“Lá [nos EUA], ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar.”, Lula, 04/10/2008
[3] segundo pesquisa CNT/Sensus, divulgada em 03/02/2009, a aprovação ao presidente Lula passou de 80,3%, em dezembro de 2008, para 84% em janeiro de 2009.
[4] fevereiro de 2009: Embraer promove a maior demissão que uma empresa privada já fez no país: 4.270 funcionários, 20% de sua força de trabalho.
[5] editorial da Folha de São Paulo, “Limites a Chávez”, 17/02/2009, e Marco Antonio Villa, “Ditadura à brasileira”, 05/03/2009
[6] Diretório Nacional do PT, “Resolução do PT: É hora de aprofundar as mudanças e de fazer o embate ideológico”, 10/02/2009
[7] “[...]as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça [...]”, editorial da Folha de São Paulo, “Limites a Chávez”, 17/02/2009
[8] "Os votos que elegeram Collor foram os votos que elegeram Sarney. Não vejo isso com surpresa. E [vamos] fazer disso uma boa salada.”, Lula, 06/03/2009
[9] "Será que os países ricos vão continuar apenas colocando dinheiro com o intuito de salvar bancos ou será que alguns países terão coragem, sem medo da palavra, de estatizar os banco [...].”, Lula, 06/03/2009
[10] Paulo Rabello de Castro, “O Brasil e a crise: a ficha ainda não caiu”, 11/02/2009
[11] "Vargas redefiniu o país na crise de 30; a chance é que o PT faça o mesmo na primeira grande crise da globalização", Carta Maior, entrevista de Francisco de Oliveira, 06/01/2009
[12] César Benjamin, “Uma certa idéia de Brasil”
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