31 março 2007

a segunda descida aos infernos de Lula da Silva

nunca um Presidente se elegeu com tanta autonomia para montar sua equipe de governo. [1]

houve poucos momentos na história do Brasil em que isto ocorreu. sem pressa e sem cobranças, Lula teve toda a tranqüilidade para fazer a reforma ministerial. [2]

e qual o resultado?

a coalizão arquitetada para o segundo mandato leva o caciquismo ao centro do palco e consagra a fisiologia no exercício do poder. [3]

no auge de seu capital político, Lula II abdicou de formar um ministério técnico, cedendo mais uma vez a uma composição voltada para garantir a governabilidade e aprovação de projetos do Executivo. [4]

Lula afirma ser "preciso uma cirurgia para curar os males do País" [5], entretanto o BC continua intocável, mesmo após o Copom derrubar o PAC, apenas dois dias após seu lançamento, ao reduzir em somente 0,25% a taxa básica de juros, mantendo-a como a mais alta do mundo, em índice real. [6]

no momento, Lula se empenha em viabilizar a parceria entre Brasil e EUA na produção de biocombustível. não mede esforços para retomar nossa primeira vocação de colônia e reinaugurar nas terras férteis brasileiras um novo ciclo da cana-de-açúcar.

para não prejudicar a negociação em curso com o atual companheiro Bush, Lula fez questão de contestar, em artigo publicado no "Washington Post", a tese do ex-companheiro Fidel Castro que a produção de álcool combustível em larga escala aumentaria a fome no mundo: "A cana-de-açúcar não ameaça a produção de comida. " [7]

contradizendo a declaração de Lula, o Brasil do agronegócio tem que importar arroz, feijão, milho, trigo e leite (alimentos básicos dos trabalhadores brasileiros). e também soja em grãos, farelo e óleo de soja, algodão em pluma, matérias-primas industriais de larga possibilidade de produção no próprio país. [8]

a grande lavoura açucareira carrega uma tradição de escravismo, de trabalho compulsório, de exploração de assalariados e de ruína do meio ambiente. foi esta atividade que deu lugar às oligarquias mais atrasadas de nosso país. durante séculos, senhores de engenho e usineiros viveram pendurados em subvenções governamentais. [9]

a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações modernas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no moderno. [10]

o “moderno” agronegócio dos usineiros do álcool, os novos heróis de Lula [11], mantém os “trabalhadores em um regime de escravidão disfarçada” e realiza colheitas mediante queimadas. [12]

eleito com o voto das massas trabalhadoras, Lula prefere governar com as elites. o próprio Lula já admitiu, envaidecido, que banqueiros e grandes empresários jamais ganharam tanto dinheiro quanto no governo do PT. [13] contudo, os investimentos e afagos de Lula não foram retribuídos com a rentabilidade eleitoral esperada. as elites se uniram solidamente em torno do candidato adversário. [14]

a burguesia brasileira sempre preferiu se acomodar na condição de sócio-menor do capitalismo internacional, voltando as costas à aliança com as classes subordinadas e ao compromisso com o desenvolvimento nacional. [15]

apesar da consagradora reeleição, Lula só completou seu primeiro mandato em virtude de um erro estratégico da oposição conservadora. no auge da crise do "Mensalão", Lula desceu aos infernos. em dezembro de 2005, teve a mais baixa taxa de aprovação a seu governo (28%), com a mais alta reprovação (29%). enquanto a cúpula do PT desmoronava, deputados do partido choravam no plenário e ministros sugeriam a Lula renunciar, PFL e PSDB optaram por fazer o Presidente sangrar até as eleições. [16]

Lula continua piamente ouvindo as ladainhas dos que querem a estabilidade a qualquer preço e profetizam desastres se os mercados não forem saciados em sua voracidade ilimitada. o desastre já aconteceu. o país e a nação se atolam na barbárie. e Lula leva a sério a satisfação arrogante e autista dos que aconselham cautela. [17]

no auge de seu poder, Lula se embriagou com a vã ilusão de ser possível perenizar um momento. desfrutou de chance inédita para sozinho montar seu governo. sem cobranças e sem pressa.

e qual o resultado?

Lula desperdiçou sua nova chance. [18] foi incapaz de um grande não, para poder dizer um grande sim. não tomou a trajetória que exige autotransformação, a via do engrandecimento, pavimentada com as dores da reconstrução de nós mesmos. [19] apenas preparou o caminho para iniciar sua segunda descida aos infernos. talvez lá enfim se reencontre com o trabalhador brasileiro...



1 arkx, “Lula II: o Homem-Presidência”, 26/10/2006
2 Lula, 13/03/2007
3 Fernando de Barros e Silva, “Aquarela do Brasil”, 20/03/2007
4 Lula, 20/03/2007
5 Lula, 20/03/2007
6 arkx, “0,25%”, 25/01/2007
7 Lula, 30/03/2007
8 Ariovaldo Umbelino de Oliveira, "Os mitos sobre o agronegócio no Brasil "
9 Luiz Felipe de Alencastro, "Yes, we have sugarcane !!! "
10 Francisco de Oliveira, “Crítica à razão dualista”
11 Lula, 30/03/2007
12 José Serra, "O etanol e o futuro"
13 Lula, 28/07/2006
14 arkx, “a era Palocci”, 30/10/2006
15 FHC, "Empresariado industrial e desenvolvimento econômico"
16 arkx, “por bem , ou por mal”, 05/11/2006
17 Francisco de Oliveira, “Carta aberta ao Presidente da República”, 30/06/2004
18 arkx, “uma nova chance”, 30/10/2006
19 Roberto Mangabeira Unger, “Qual futuro?”, 27/03/2007

26 março 2007

ciclos

Lula está no auge do poder político, mas o que Lula faz do auge do seu poder? [1]

é bem verdade que há um certo regozijo por parte da elite com a possibilidade de o Brasil inaugurar um novo ciclo da cana-de-açúcar. [2]

proclamados como heróis por Lula, usineiros do álcool não se esquivam em reconhecer a especial atenção que lhes dedica o Presidente: “Ele é muito amigo nosso. Somos muito gratos a ele. Ele nos defende...” [3]

até o mega-herói internacional George Soros não restringe os elogios: "Lula foi muito precavido ao tornar-se um fiador do mercado financeiro". [4]

porém, mesmo com o Brasil se transformando num imenso canavial, nenhum país que concentrou na cana-de-açúcar sua fonte de riqueza foi capaz de prosperar. [5]

Pedro Ramos, pesquisador da Unicamp, afirma que muitos dos cortadores de cana “são trabalhadores em um regime de escravidão disfarçada”. nos anos 80, um trabalhador cortava quatro toneladas e ganhava o equivalente a R$ 9,09 por dia. hoje, corta na média 15 toneladas e ganha cerca de R$ 6,88 por dia. [6]

o esgotamento dos trabalhadores deve-se ao constante aumento das metas de produção, a novas técnicas de cultivo que buscam mais produtividade e a variedades de cana com mais sacarose, embora menos pesada. se antes 100 metros (quadrados) de cana somavam 10 toneladas, hoje são necessários 300 metros.

nunca um Presidente se elegeu com tanta autonomia para ditar os rumos de seu governo. o quebra-cabeça político do segundo mandato foi montado por inteiro, e com exclusividade, na mente de Lula. [7]

mas o que Lula fez no auge do seu poder?

Lula formou uma ampla coalizão política "pensando nos próximos 20 anos” [8] e reunindo quem nas últimas décadas sempre esteve no poder. contundente exemplo, seu novo Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, também serviu ao regime militar e aos governos Collor e FHC. [9]

enquanto desfruta de seu poder para a instauração de um hipotético consenso abrangente e duradouro [10], Lula mantém blindada a política econômica, com juros e câmbio aprofundando o desemprego e a desindustrialização.

de 2002 a 2006 a produção industrial ostentou índices de crescimento ínfimos , o crescimento do emprego patinou, oscilando pouco acima e pouco abaixo de zero e as importações aumentaram 27,4% em 2004, 17,6% em 2005 e 23.4% em 2006. [11]

a exuberância dos sucessivos ciclos da história econômica do Brasil nunca foi suficiente para desenvolver o país, sempre caracterizado por desigualdades profundas, relacionadas com a superexploração da mão-de-obra e a transferência de riquezas para o exterior.

nosso desenvolvimento truncado, além de desigual, é combinado. o “moderno” (a industrialização/urbanização) e o “atrasado” (a estrutura agrária/rural) na economia brasileira não somente se integram, como são condição necessária para o elevado elevado nível
da taxa de acumulação e da exploração da força de trabalho. [12]

as últimas eleições presidenciais também foram marcadas por ciclos. tudo indicava uma tranqüila e insossa reeleição de Lula ainda no primeiro turno. o tiro no pé do dossiegate provoca o adiamento de uma vitória anunciada. [13] quando parecia que a política se tornara definitivamente irrelevante e os Mercados já festejavam pacificados, pouco importando quem vencesse, o segundo turno politiza a campanha e a pauta das eleições se altera. [14]

a própria personalidade do Presidente parece sujeita a ciclos, oscilando conforme a conjuntura política lhe favorece, ou não.

no auge de seu poder, Lula se esforça na vã tentativa de perenizar um momento. não tem pressa. [15] está no auge de seu poder. porém, ciclos se esgotam e outros se aproximam. o prazo de validade da lua-de-mel de Lula com a opinião pública está perto de vencer...



[1] Vinicius Torres Freire, "Lula na inércia da história do Brasil", 25/03/2007
[2] Marcio Pochmann, "O silêncio dos cemitérios"
[3] Rubens Ometto, dono do grupo Cosan e de uma fortuna de US$ 2 bilhões, oitavo brasileiro mais rico e 488º do mundo, "o primeiro bilionário mundial do álcool", segundo a "Forbes", 26/03/2007
[4] George Soros (dono da Adeco e investidor de US$ 900 milhões na construção de usinas de cana-de-açúcar no Mato Grosso do Sul e Minas Gerais), em 23/03/2007
[5] Geraldo Majella, presidente da CNBB, 22/03/2007
[6] Luiz Felipe de Alencastro, sequenciasparisienses.blogspot.com
[7] arkx, “Lula II: o Homem-Presidência”
[8] Lula, 23/03/2007
[9] Clóvis Rossi, “20 anos não é nada”, 24/03/2007
[10] Roberto Mangabeira Unger, “Crescer sem dogma”, Folha de São Paulo, 13/03/2007
[11] Luis Nassif, “A desindustrialização em marcha”, 23/03/2007, luisnassif.blig.ig.com.br
[12] Francisco de Oliveira, “Crítica à razão dualista”

[13] arkx, “o adiamento de um vitória anunciada”, 14/09/2006
[14] arkx, “a terceira via”, 18/10/2006
[15] Lula, 13/03/2007

21 março 2007

heroísmos

"Os usineiros, que até seis anos atrás eram tidos como se fossem os bandidos do agronegócio neste país, estão virando heróis nacionais e mundiais porque todo mundo está de olho no álcool."

Lula

20/03/2007


durante inauguração de uma fábrica da Perdigão, indústria de criação e abate de aves, Lula não se conteve e explicou porque se ufana dos usineiros do álcool. os empresários do setor seriam verdadeiros heróis nacionais, e até mundiais. graças a eles o biocombustível, produzido da cana-de-açúcar, desponta como modelo de alternativa energética global. [1]

naquele mesmo dia, fiscais do Ministério Público do Trabalho encontraram numa fazenda no interior de São Paulo ao menos 90 trabalhadores rurais atuando no plantio da cana em condições consideradas "degradantes". os trabalhadores não dispunham de equipamentos de proteção e primeiros socorros, banheiro ou mesmo água potável. além disto, eram obrigados a pagar R$ 38 pela botina e mais R$ 13 pelo facão, equipamento que deve ser fornecido pelo empregador, conforme a legislação. a diária na fazenda é de R$ 14 por dia de trabalho. segundo o Ministério Público do Trabalho, essa condição precária é comum no interior de São Paulo. [2]

talvez Lula não tenha exagerado, já que o empresariado brasileiro demonstra um inesgotável heroísmo no que tange a erguer um patrimônio privado financiado por recursos públicos.


no caso da Perdigão, de um total de R$ 510 milhões em investimentos, apenas R$ 70 milhões são de recursos próprios. a maior parte é dinheiro público, sendo R$ 170 milhões financiados pelo BNDES e R$ 270 milhões vindos do FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste) e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador. [3]

ao longo de nossa história não faltam exemplos do heroísmo da elite brasileira:

fez a independência, mas manteve a escravidão; depois aboliu a escravidão, mas sem reforma agrária, sem escola pública, sem direitos trabalhistas, sem que os ex-escravos sequer tivessem direito à propriedade da terra; proclamou uma República que manteve as oligarquias no comando e o povo sob controle, sujeitado ao clientelismo, transformando o que deveria ser direito em favor; sempre procurou eliminar qualquer contra-elite e, quando alguma teve sucesso, foi capaz de levar ao suicídio o presidente Getúlio Vargas; apoiou, entusiasticamente, o regime autoritário enquanto este lhe serviu, para então passar a ser democrática, por conveniência; sob o rótulo autoritário ou democrata, ou defendendo o slogan do Estado-mínimo, sempre se apropriou dos recursos públicos de forma desbragada e despudorada; aspira a desfrutar de padrão de vida internacional e ter mão-de-obra doméstica ultrabarata; tem como meta continuar a ganhar o máximo possível no Brasil, transferindo para o exterior uma boa parte da riqueza aqui auferida, para manter sempre aberta a possibilidade de se converter em seres internacionais, sem nenhuma responsabilidade pelo que acontece no Brasil. [4]

entre seus heroísmos recentes está a criação do mito da "âncora verde" do agronegócio, que seria responsável pela maior parte das divisas internacionais do Brasil, com uma participação significativa no PIB nacional. tal feito heróico é resultado da manipulação de se inserir no denominado PIB do agronegócio a parte correspondente à indústria e também os supermercados, inflando os dados. [5]

o crescente direcionamento da produção para a exportação ou para a agricultura energética corresponde ao desinteresse na produção de alimentos para abastecer o mercado interno. o volume da produção de arroz, feijão e mandioca, os três principais alimentos da população pobre desse país, não teve nenhum crescimento desde 1992.
[6]


o tradicional atraso da elite brasileira em produzir sempre esteve acoplado com a sua modernidade no consumir. [7]

São Paulo produz quase dois terços do álcool e do açúcar do país. a cana ocupa mais da metade das lavouras do Estado. além do risco da monocultura, em pelo menos 2,5 milhões de hectares (10% do território paulista) as colheitas são realizadas mediante queimadas. é uma aberração ecológica e um atentado à saúde das pessoas. [8]

enquanto Lula exalta seus novos heróis, verdadeiro heroísmo é conseguir sobreviver nas condições de trabalho dos canaviais.

transportado ao campo em ônibus sem freio, retrovisor e autorização para trafegar, o diarista Ezequiel Antônio de Araújo foi obrigado a prosseguir trabalhando sob o sol após ter cortado a mão com o facão. "Disseram que não iriam gastar combustível para me levar ao hospital", afirmou ele. desde 2004, 17 bóias-frias morreram no interior do estado de São Paulo. a suspeita é que as mortes ocorreram por excesso de esforço no corte da cana. [9]

poderosos movimentos históricos podem forjar heróis. homens nascidos na pobreza são capazes de derrotar o risco crônico da morte prematura na infância; vencer a humilhação e a desesperança na idade adulta; cumprir a longa jornada de um retirante nordestino desde a imigração num pau-de-arara até subir a rampa do Planalto. homens comuns são levados a condição de heróis. ainda assim, entretanto, são apenas um humilde instrumento, expressão de um projeto coletivo. [10]

entregar-se abertamente a este destino inexorável é o único heroísmo que importa. é o que converte governantes em estadistas. é o que permite um simples homem mover a história de um povo e de uma nação.



[1] Rubens Valente, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[2] Maurício Simionato, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[3] Rubens Valente, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[4] Carlos Lessa, discurso após ser demitido do BNDES por Lula, 19/11/2004
[5] Ariovaldo Umbelino, entrevista ao Correio da Cidadania
[6] Ariovaldo Umbelino, entrevista ao Correio da Cidadania
[7] Carlos Lessa, "A inferioridade brasileira, uma conveniente convicção da elite"
[8] José Serra, "O etanol e o futuro"
[9] Maurício Simionato, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[10] Lula, Discurso de posse na Câmara, 2007

17 março 2007

velhos odres

o indicado para assumir o Ministério da Agricultura no segundo governo de Lula, deputado Odílio Balbinotti (PMDB-PR), maior produtor de sementes de soja do Brasil, responde a inquérito sigiloso, no Supremo Tribunal Federal, por crime contra a fé pública e falsidade ideológica. além disto, a Procuradoria da Fazenda Nacional iniciou cobrança judicial contra ele e abriu processo para inscrevê-lo na Dívida Ativa da União. também foi multado pela Receita Federal por causa de impostos atrasados e o INSS move contra ele três ações de execução fiscal. [1]

Balbinotti, que chegou à Câmara em 1995, emprega em seu gabinete um cunhado e uma cunhada. em 12 anos de legislatura, apresentou apenas dois projetos, nenhum deles aprovado. entre as eleições de 2002 e 2006, seu patrimônio registrou um salto de 2.151%. é dono da segunda maior fortuna declarada da Câmara – R$ 123,8 milhões. e tem um dos mais altos índices de faltas as sessões de votação. [2]

quando Tomé de Sousa aportou no Brasil em 1549, para assumir o cargo de
governador-geral, trouxe um Código Regimental de Governo e vieram em sua comitiva o Ouvidor-Mor, o Provedor-Mor, membros do clero e tropas armadas. entretanto, não desembarcaram das caravelas os colonos para povoar nossas imensas terras férteis e verdejantes.


das populações indígenas, tornadas estrangeiras em sua própria terra, não era possível pilhar riquezas acumuladas, tampouco extorquir tributos, nem com elas estabelecer um comércio desigual.


o Brasil se formou pelo avesso. teve Coroa antes de ter Povo. teve Estado antes de ser Nação. fomos obra de inversão.
[3]


não fomos constituídos como nação, nem mesmo como sociedade. surgimos como uma empresa territorial voltada para fora e controlada de fora.
[4] a implantação portuguesa na América teve como base a empresa agrícola-comercial. o Brasil é o único país das Américas criado, desde o início, pelo capitalismo comercial sob a forma de empresa agrícola. [5]

organizou-se uma holding multinacional, com administração portuguesa, capitais holandeses e venezianos, mão-de-obra indígena e africana, tecnologia desenvolvida em Chipre e matéria-prima dos Açores e da ilha da Madeira – a cana. em torno do excelente negócio do açúcar, a primeira mercadoria de consumo de massas em escala planetária, se formou o moderno mercado mundial. [6]

a organização da empresa agrária voltada para exportação, buscando o lucro fácil e imediato, resultado do modelo de colonização implantado, fez com que a atividade agrícola se efetuasse de modo quase extrativo, com total desleixo pela terra, buscando exclusivamente a total exploração, sem qualquer planejamento de longo prazo. [7]

em perspectiva histórica, a organização da agricultura brasileira é marcada por um elemento invariante, que se mantém até os dias de hoje: o sistema de privilégios concedidos à empresa agro-mercantil, instrumento de ocupação econômica da América Portuguesa. [8]


constituiu-se no Brasil um Estado caracterizado pela apropriação do público para interesses privados, em que um grupo social impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando. [9]


assim tem sido os nossos eldorados. a procissão dos milagres há de continuar assim através de todo o período colonial, e não a interromperá a Independência, sequer, ou a República. [10]


nascida
no berço esplêndido das velhas classes dominantes, a burguesa brasileira surge das entranhas do complexo cafeeiro, sem nunca escapar da sina de ser caudatária e agregada ao latifúndio. essa origem servil marcará o desenvolvimento capitalista no Brasil. os respectivos interesses, da burguesia e do latifúndio, se entrelaçam e se completam no decorrer de nossa história. [11]

com a modernização do latifúndio, sob a forma do agronegócio, os antigos latifundiários se transformam numa das frações da burguesia, enquanto os demais setores burgueses se tornam sócios do latifúndio, convertido em sesmarias capitalistas, através do uso de modernos meios de produção. a selvagem industrialização do campo expropria moradores, agregados, rendeiros, foreiros, parceiros, arrendantes e meeiros, criando-se um vasto exército industrial de reserva, miserável e favelado. [12]

o modelo agrícola do agronegócio é orientado para gerar dólares através de produtos que atendem ao mercado externo, por isso não produz comida, empregos e justiça social. em virtude da concentração da propriedade da terra, apenas 14% da área cultivável brasileira é utilizada. o agronegócio ocupa 75% da área cultivada, as melhores terras, para produzir soja, algodão, cacau, laranja, café, cana-de-açúcar e eucalipto. [13]

o Brasil do agronegócio tem que importar arroz, feijão, milho, trigo e leite (alimentos básicos dos trabalhadores brasileiros). e também soja em grãos, farelo e óleo de soja, algodão em pluma, matérias-primas industriais de larga possibilidade de produção no próprio país. [14]

a civilização brasileira chama-se Veleidade, sombra coada entre sombras. é uma "monstruosidade social", engendrada por instituições anacrônicas as quais haurem sua longevidade do veneno, que as alimenta e corrompe o vinho novo, incapaz assim de fermentar. as velhas caldeiras, a fim de que se expanda a pressão, hão de romper-se e fragmentar-se em mil peças disformes. a explosão há de ser total e profunda e os velhos odres devem ser abandonados. [15]


por causa das denúncias, Lula pediu 48 horas para decidir sobre a confirmação de Balbinotti como Ministro da Agricultura. Balbinotti, por sua vez, declarou estar "triste, chateado e magoado". as entidades, associações e demais empresários ligados ao agronegócio ainda não se manifestaram.




[1] Leonardo Souza, Folha de São Paulo, 17/03/2007
[2] Ranier Bragon e Fábio Zanini, Folha de São Paulo, 16/03/2007
[3] Alceu Amoroso Lima, "À margem da História do Brasil – Inquérito por escritores da geração nascida com a República"
[4]
Caio Prado Jr, "A formação do Brasil contemporâneo"
[5]
Celso Furtado, "Análise do Modelo Brasileiro"
[6] César Benjamin, "Uma certa idéia de Brasil"
[7] Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil
[8] Celso Furtado, "Análise do Modelo Brasileiro"
[9] Raymundo Faoro, "Os donos do poder"
[10] Sérgio Buarque de Holanda, "Visão do Paraíso"
[11] Wladimir Pomar, "Um mundo a ganhar"
[12] Wladimir Pomar, "A nova estirpe burguesa"
[13] João Pedro Stedile, "Brasil: A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio"
[14] Ariovaldo Umbelino de Oliveira, "Os mitos sobre o agronegócio no Brasil "
[15] Raymundo Faoro, "O estamento burocrático no Brasil: consequências e esperanças"

14 março 2007

o que precisamos

uma criança de apenas um ano e meio foi estuprada, estrangulada e abandonada dentro da pia batismal de uma igreja. na reconstituição do crime, uma agente de trânsito teve uma crise nervosa e, chorando desesperadamente, arrancou a arma de um policial e disparou contra o próprio peito.

quatro homens desceram de um carro na frente de uma escola e atiraram em direção a um grupo de alunos, matando um deles e ferindo outros oito, sendo três em estado grave. nenhuma das vítimas tem registro de passagem pela polícia.

após 25 anos de medíocre crescimento econômico, o tecido social do país se deteriora a ponto de se multiplicarem, de forma descontrolada, os casos de violência gratuita.

os crimes bárbaros têm sua contraparte: o brutal desemprego. são irmãos siameses, nascidos de uma política econômica responsável por interromper a construção do desenvolvimento nacional.

dos empregos criados a partir de 2000, 64% pagam até um salário mínimo; 85% até um salário mínimo e meio; e nenhum emprego foi gerado a partir de três salários mínimos. [1]

somos hoje um país de faxineiras, motoboys, vigilantes, balconistas...

se para classes dominantes brasileiras a explosão da miséria se resolve com a redução da taxa de natalidade dos miseráveis [2], nada mais natural que virar pelo avesso a questão social, tratando-a como caso de polícia, a ser combatida com suplícios e presídios, a fim de “restabelecer no país inteiro o império da lei”. [3]

desvinculadas dos compromissos com o país e a sociedade [4] e dependentes da rentabilidade dos juros da dívida interna para manterem sua posição de classe [5], as elites só concebem como deboche ser “nos campos da pobreza que os canteiros da violência vicejam com especial intensidade, adubados pela falta de dinheiro, de comida, de trabalho regular, de estudos, de esperança”. [6]

nossos ricos desfrutam de um padrão de vida equivalente aos ricos dos países mais ricos, mesmo que para isto nossos pobres estejam relegados ao padrão dos pobres dos países mais pobres. [7]

a cada vez que o processo histórico desemboca numa crise, impondo a necessidade de mudanças, se restabelece no Brasil um acordo de cúpula, pactuado pelas elites, e a mudança se reduz a um rearranjo que tudo muda para que nada fique diferente. [8]

nossa história tem sido uma sucessão de modernizações conservadoras e transições tuteladas, sem jamais incluir no "pacto democrático" as classes trabalhadoras [9], o que nos mantém aprisionados entre dois mundos: um definitivamente morto e outro que luta por vir à luz. [10]

então, qual a enorme vantagem em se postergar ajustes nos juros e no câmbio, paralisados pelo pânico de uma reação desestabilizadora por parte das forças e interesses dos mercados, e aguardar, em espera paciente, a instauração de um consenso abrangente e duradouro? [11]

enganam-se os que julgaram ser a primeira eleição de Lula um parêntesis histórico. a população brasileira reafirmou modo inequívoco que não precisa nem admite tutela de nenhuma espécie para fazer a sua escolha. a vontade de mudança - que esteve reprimida por décadas, séculos - expressou-se mais uma vez pacificamente, democraticamente. [12]

quanto mais se postergar o inevitável, quanto mais se adiar o já exasperante parto daquilo que luta por nascer, então o verbo mudar será conjugado em toda sua ênfase [13] e desencadeará consequências imprevisíveis.

talvez Deus seja mesmo brasileiro. por isto tem sido tão generoso conosco. mais do que merecemos. mesmo se Dele não recebemos nada do que pedimos, ainda assim nos enviou tudo que precisamos. [14]

e o que precisamos é reabrir as portas do futuro que merecemos. [15]



[1] Sonia Rocha
[2] Olavo Setúbal, 13/08/2006
[3] Augusto Nunes, “O avesso do avesso”, Jornal do Brasil, 13/03/2007
[4] Marcio Pochmann, “A secessão dos ricos”.
[5] Marcelo O. Dantas, “O projeto da recessão perpétua”, Folha de São Paulo, 14/03/2007
[6] Augusto Nunes, “O avesso do avesso”, Jornal do Brasil, 13/03/2007
[7] Sérgio Buarque de Holanda
[8] Raymundo Faoro, “Existe um pensamento político brasileiro?”
[9] Maria da Conceição Tavares, “Política e economia na formação do Brasil contemporâneo”
[10] Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil”
[11] Roberto Mangabeira Unger, “Crescer sem dogma”, Folha de São Paulo, 13/03/2007
[12] Lula, Discurso de posse na Câmara, 2007
[13] Lula, Discurso de posse na Câmara, 2007
[14] Lula, Discurso de posse na Câmara, 2007
[15] arkx, o que merecemos

05 março 2007

o que merecemos

(a partir de entrevista com
Fabio Giambiagi, publicada em 03/03/2007, na Folha de São Paulo)


talvez o Brasil não cresça porque não mereça.

talvez sejamos mesmo um povo de índole corrompida, sem caráter, padecendo no calor dos trópicos de triste sina, irremediavelmente inscrita pela mestiçagem em nossos genes, sem que jamais sejamos capazes de superar nossa preguiça e atraso ancestrais.

talvez as correntes aprisionando nossa economia sejam mesmo as despesas com a previdência e os gastos sociais, e por causa da Constituição de 1988 nos tornamos cidadãos de mentalidade indolente, espírito acomodado e satisfeitos em depender do Estado.

talvez... talvez...


se assim for, como então conseguimos ser, até 1980, a economia mais dinâmica do mundo, dobrando o PIB cinco vezes seguidas em cinqüenta anos ?

o descontrole do endividamento do Estado veio após o Plano Real (1994), com a dívida interna disparando de 7% do PIB em 1993, para 13% em 1994, até chegar aos 50% em 2006. apesar de sucessivos superávits primários, desde 1994, a taxa de juros reais se manteve a mais alta do mundo.

somos mesmo merecedores de rastejar pela terceira década perdida ? será que não passamos de mero acidente geográfico e nunca seremos uma nação ?

nosso maior problema é aceitar os chavões feitos para nos apequenar, nos induzindo a crer que somos inferiores, para que aceitemos docilmente a subordinação, fazendo com que nunca tenha sido tão grande a distância entre o que nos tornamos e o que deveríamos ser.

já houve época, no inicio do século XX, em que não podíamos crescer por causa do determinismo geográfico e racial. diziam que o desenvolvimento só era possível nos climas frios e por obra de grupos étnicos superiores.

então, ousamos inaugurar, de forma inédita, o que nunca se fizera nessas latitudes. antecipando-nos a uma teoria econômica que naquele tempo ainda não se formulara, aplicamos inovadoras políticas anticíclicas para superar a crise de 1929. a fortuna acumulada com a monocultura cafeeira é reciclada, redirecionando a poupança para financiar o desenvolvimento industrial. deixamos de ser uma colônia agrária para chegarmos a condição de oitava economia do mundo.

foi quando descobrimos o vigor de nossa cultura sincrética, que mulatos, cafuzos e mamelucos geraram nas fissuras entre a casa grande e a senzala; foi quando as massas urbanas entraram em cena para fazer com que o homem cordial começasse a se transformar em cidadão; foi quando já não bastava a parceria coadjuvante na empresa colonial e aspiramos a desenvolver um projeto de nação.

foi quando o país abriu as portas do futuro que merecemos.

durante o período agrário-exportador (até 1930) e a industrialização (1930/80), as classes dominantes mantinham alguma forma de interação local com os trabalhadores, mesmo se na condição de escravos. após 1980, com a hegemonia do capital financeiro globalizado, nossas elites se desvincularam por completo dos compromissos com o país e a população.

no circuito integrado e volátil das operações instantâneas em mercados apátridas, nação, trabalho e trabalhador estão obsoletos. o lucro prescinde da produção e do consumo, graças à rentabilidade diária e sem risco de investimentos garantidos pelo Estado. a sociedade inteira foi aprisionada num processo autofágico, uma espécie de buraco negro, em que tudo e todos estão submetidos à voracidade ilimitada do capital financeiro.

foi quando deixamos de ser um país para nos reduzirmos a mercado emergente... foi quando voltou a ser motivo de orgulho nos envergonharmos de nós mesmos... foi quanto uma cultura ornamental, estéril, vulgar e plagiaria em todos os sentidos passou a nos impor a idéia de que merecemos a humilhação e a miséria...

foi quando abdicamos de nossa grandeza...

nós não merecemos isto...

02 março 2007

honra ao mérito

apesar da projeção do BC ter sido 4%, a economia brasileira cresceu apenas 2,9% em 2006.

mesmo com a inflação (3,14%) muito abaixo meta (4,5%), o Copom vem mantendo os juros (13%) na maior taxa real do mundo.

no primeiro mandato de Lula, a expansão média do PIB foi de 2,6% ao ano, se igualando a mediocridade dos quatro primeiros anos de FHC.

cerca de 40% dos trabalhadores Brasileiros estão sem emprego ou subempregados. 27% da população entre os 15 e 25 anos não trabalha nem estuda.

poderia haver crime mais hediondo ?

enquanto Henrique Meirelles prossegue defendendo "parcimônia" na queda dos juros, Lula não se furta a declarar: "a área econômica está blindada pelo sucesso".

o que eles merecem ?

dias antes da divulgação do PIB de 2006, um assassinato brutal provoca comoção e deixa o país revoltado.

João Hélio Fernandes, 6 anos, foi morto após ser arrastado por 7 quilômetros, preso ao cinto de segurança, do lado de fora do carro que os criminosos roubaram de sua mãe. mesmo sendo avisados por motociclistas, os assaltantes prosseguiram dirigindo em ziguezague, tentando se livrar do garoto. a criança quicava no asfalto e teve sua cabeça arrancada.

a grande mídia dedicou total cobertura ao caso, chegando a ponto de literalmente incitar a vingança, na primeira página e em horário nobre. jamais houve tamanho fervor e determinação nos meios de comunicação para se combater a política econômica.

os grandes empresários deveriam ser os primeiros a se opor, de forma enérgica e constante, a cada dia, numa luta incessante contra as atuais taxas de juros e de câmbio, que asfixiam a produção, derrubam o faturamento e acabam com a competitividade externa. entretanto, se escondem num silêncio servil de cínica cumplicidade.

o que eles merecem ?

01 março 2007

pela paz

as grandes cidades Brasileiras não estão só dominadas pela violência, o subjacente é o tráfico: a droga.


seja em qual de suas formas, a droga já penetrou em todos os poros e camadas do tecido social, invadiu todos os lares, desestabilizou todos os relacionamentos, violou todos os corpos. contaminou a tudo. e ninguém está imune.


somos uma população drogada, refém do vício. em cada esquina, um grupo se reúne em torno de algumas garrafas de cerveja. um gole. uma dose. um tapa. um teco. just in time.


prozac, viagra, calmantes, remédios prá dormir, emagrecer...

narcóticos. narcotráfico. drogas legais. farmácias. muitas farmácias...


assim como todos são contra a criminalidade e pela paz, é também incessante o movimento nas bocas-de-fumo.


dependentes químicos anseiam por comprar saúde, enquanto apenas financiam morbidamente a indústria farmacêutica transnacional.


o desejo, tal como deseja a vida, também deseja a morte.


os homens se rendem tão intensa e voluntariamente à servidão, que não lhes basta a querer apenas para si, precisam também a impor para os outros.


como fazer para se ter paz ?


quantas vinganças implacáveis ? quantos olhos e quantos dentes arrancados com as próprias mãos ? quantas punições exemplares ? as mais demoradas, as mais sofridas. quantos linchamentos ? quantas execuções ? quantos cadáveres ?


o que é preciso para se ter paz ?


quantos policiais ? quantos presídios de segurança máxima ? quantas câmeras de vigilância ? quanta escuta telefônica ? quanta perda de privacidade ?


como se reencontrar com a paz ? em qual refúgio ? atrás de que grades ? de qual muro ? com que blindagem se protegeu a paz ? quais códigos e leis a regulamentam ? quanto custa a paz ? onde se vende ? como se compra ?


e já tivemos, por acaso, algum dia a paz ?


e haverá paz algum dia nesta terra de tanta injustiça ?

há paz sem justiça ?