"Os usineiros, que até seis anos atrás eram tidos como se fossem os bandidos do agronegócio neste país, estão virando heróis nacionais e mundiais porque todo mundo está de olho no álcool."
20/03/2007
no caso da Perdigão, de um total de R$ 510 milhões em investimentos, apenas R$ 70 milhões são de recursos próprios. a maior parte é dinheiro público, sendo R$ 170 milhões financiados pelo BNDES e R$ 270 milhões vindos do FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste) e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador. [3]
ao longo de nossa história não faltam exemplos do heroísmo da elite brasileira:
fez a independência, mas manteve a escravidão; depois aboliu a escravidão, mas sem reforma agrária, sem escola pública, sem direitos trabalhistas, sem que os ex-escravos sequer tivessem direito à propriedade da terra; proclamou uma República que manteve as oligarquias no comando e o povo sob controle, sujeitado ao clientelismo, transformando o que deveria ser direito em favor; sempre procurou eliminar qualquer contra-elite e, quando alguma teve sucesso, foi capaz de levar ao suicídio o presidente Getúlio Vargas; apoiou, entusiasticamente, o regime autoritário enquanto este lhe serviu, para então passar a ser democrática, por conveniência; sob o rótulo autoritário ou democrata, ou defendendo o slogan do Estado-mínimo, sempre se apropriou dos recursos públicos de forma desbragada e despudorada; aspira a desfrutar de padrão de vida internacional e ter mão-de-obra doméstica ultrabarata; tem como meta continuar a ganhar o máximo possível no Brasil, transferindo para o exterior uma boa parte da riqueza aqui auferida, para manter sempre aberta a possibilidade de se converter em seres internacionais, sem nenhuma responsabilidade pelo que acontece no Brasil. [4]
entre seus heroísmos recentes está a criação do mito da "âncora verde" do agronegócio, que seria responsável pela maior parte das divisas internacionais do Brasil, com uma participação significativa no PIB nacional. tal feito heróico é resultado da manipulação de se inserir no denominado PIB do agronegócio a parte correspondente à indústria e também os supermercados, inflando os dados. [5]
o tradicional atraso da elite brasileira em produzir sempre esteve acoplado com a sua modernidade no consumir. [7]
São Paulo produz quase dois terços do álcool e do açúcar do país. a cana ocupa mais da metade das lavouras do Estado. além do risco da monocultura, em pelo menos 2,5 milhões de hectares (10% do território paulista) as colheitas são realizadas mediante queimadas. é uma aberração ecológica e um atentado à saúde das pessoas. [8]
enquanto Lula exalta seus novos heróis, verdadeiro heroísmo é conseguir sobreviver nas condições de trabalho dos canaviais.
poderosos movimentos históricos podem forjar heróis. homens nascidos na pobreza são capazes de derrotar o risco crônico da morte prematura na infância; vencer a humilhação e a desesperança na idade adulta; cumprir a longa jornada de um retirante nordestino desde a imigração num pau-de-arara até subir a rampa do Planalto. homens comuns são levados a condição de heróis. ainda assim, entretanto, são apenas um humilde instrumento, expressão de um projeto coletivo. [10]
entregar-se abertamente a este destino inexorável é o único heroísmo que importa. é o que converte governantes em estadistas. é o que permite um simples homem mover a história de um povo e de uma nação.
[1] Rubens Valente, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[2] Maurício Simionato, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[3] Rubens Valente, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[4] Carlos Lessa, discurso após ser demitido do BNDES por Lula, 19/11/2004
[5] Ariovaldo Umbelino, entrevista ao Correio da Cidadania
[6] Ariovaldo Umbelino, entrevista ao Correio da Cidadania
[7] Carlos Lessa, "A inferioridade brasileira, uma conveniente convicção da elite"
[8] José Serra, "O etanol e o futuro"
[9] Maurício Simionato, Folha de São Paulo, 21/03/2007
[10] Lula, Discurso de posse na Câmara, 2007
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