31 março 2007

a segunda descida aos infernos de Lula da Silva

nunca um Presidente se elegeu com tanta autonomia para montar sua equipe de governo. [1]

houve poucos momentos na história do Brasil em que isto ocorreu. sem pressa e sem cobranças, Lula teve toda a tranqüilidade para fazer a reforma ministerial. [2]

e qual o resultado?

a coalizão arquitetada para o segundo mandato leva o caciquismo ao centro do palco e consagra a fisiologia no exercício do poder. [3]

no auge de seu capital político, Lula II abdicou de formar um ministério técnico, cedendo mais uma vez a uma composição voltada para garantir a governabilidade e aprovação de projetos do Executivo. [4]

Lula afirma ser "preciso uma cirurgia para curar os males do País" [5], entretanto o BC continua intocável, mesmo após o Copom derrubar o PAC, apenas dois dias após seu lançamento, ao reduzir em somente 0,25% a taxa básica de juros, mantendo-a como a mais alta do mundo, em índice real. [6]

no momento, Lula se empenha em viabilizar a parceria entre Brasil e EUA na produção de biocombustível. não mede esforços para retomar nossa primeira vocação de colônia e reinaugurar nas terras férteis brasileiras um novo ciclo da cana-de-açúcar.

para não prejudicar a negociação em curso com o atual companheiro Bush, Lula fez questão de contestar, em artigo publicado no "Washington Post", a tese do ex-companheiro Fidel Castro que a produção de álcool combustível em larga escala aumentaria a fome no mundo: "A cana-de-açúcar não ameaça a produção de comida. " [7]

contradizendo a declaração de Lula, o Brasil do agronegócio tem que importar arroz, feijão, milho, trigo e leite (alimentos básicos dos trabalhadores brasileiros). e também soja em grãos, farelo e óleo de soja, algodão em pluma, matérias-primas industriais de larga possibilidade de produção no próprio país. [8]

a grande lavoura açucareira carrega uma tradição de escravismo, de trabalho compulsório, de exploração de assalariados e de ruína do meio ambiente. foi esta atividade que deu lugar às oligarquias mais atrasadas de nosso país. durante séculos, senhores de engenho e usineiros viveram pendurados em subvenções governamentais. [9]

a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações modernas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no moderno. [10]

o “moderno” agronegócio dos usineiros do álcool, os novos heróis de Lula [11], mantém os “trabalhadores em um regime de escravidão disfarçada” e realiza colheitas mediante queimadas. [12]

eleito com o voto das massas trabalhadoras, Lula prefere governar com as elites. o próprio Lula já admitiu, envaidecido, que banqueiros e grandes empresários jamais ganharam tanto dinheiro quanto no governo do PT. [13] contudo, os investimentos e afagos de Lula não foram retribuídos com a rentabilidade eleitoral esperada. as elites se uniram solidamente em torno do candidato adversário. [14]

a burguesia brasileira sempre preferiu se acomodar na condição de sócio-menor do capitalismo internacional, voltando as costas à aliança com as classes subordinadas e ao compromisso com o desenvolvimento nacional. [15]

apesar da consagradora reeleição, Lula só completou seu primeiro mandato em virtude de um erro estratégico da oposição conservadora. no auge da crise do "Mensalão", Lula desceu aos infernos. em dezembro de 2005, teve a mais baixa taxa de aprovação a seu governo (28%), com a mais alta reprovação (29%). enquanto a cúpula do PT desmoronava, deputados do partido choravam no plenário e ministros sugeriam a Lula renunciar, PFL e PSDB optaram por fazer o Presidente sangrar até as eleições. [16]

Lula continua piamente ouvindo as ladainhas dos que querem a estabilidade a qualquer preço e profetizam desastres se os mercados não forem saciados em sua voracidade ilimitada. o desastre já aconteceu. o país e a nação se atolam na barbárie. e Lula leva a sério a satisfação arrogante e autista dos que aconselham cautela. [17]

no auge de seu poder, Lula se embriagou com a vã ilusão de ser possível perenizar um momento. desfrutou de chance inédita para sozinho montar seu governo. sem cobranças e sem pressa.

e qual o resultado?

Lula desperdiçou sua nova chance. [18] foi incapaz de um grande não, para poder dizer um grande sim. não tomou a trajetória que exige autotransformação, a via do engrandecimento, pavimentada com as dores da reconstrução de nós mesmos. [19] apenas preparou o caminho para iniciar sua segunda descida aos infernos. talvez lá enfim se reencontre com o trabalhador brasileiro...



1 arkx, “Lula II: o Homem-Presidência”, 26/10/2006
2 Lula, 13/03/2007
3 Fernando de Barros e Silva, “Aquarela do Brasil”, 20/03/2007
4 Lula, 20/03/2007
5 Lula, 20/03/2007
6 arkx, “0,25%”, 25/01/2007
7 Lula, 30/03/2007
8 Ariovaldo Umbelino de Oliveira, "Os mitos sobre o agronegócio no Brasil "
9 Luiz Felipe de Alencastro, "Yes, we have sugarcane !!! "
10 Francisco de Oliveira, “Crítica à razão dualista”
11 Lula, 30/03/2007
12 José Serra, "O etanol e o futuro"
13 Lula, 28/07/2006
14 arkx, “a era Palocci”, 30/10/2006
15 FHC, "Empresariado industrial e desenvolvimento econômico"
16 arkx, “por bem , ou por mal”, 05/11/2006
17 Francisco de Oliveira, “Carta aberta ao Presidente da República”, 30/06/2004
18 arkx, “uma nova chance”, 30/10/2006
19 Roberto Mangabeira Unger, “Qual futuro?”, 27/03/2007

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