25 março 2020

COVID-19: vamos ficar em casa


 
"Fiquem em casa!", foi o que ouvimos por toda parte.

foi o que ouviram mesmo aqueles moradores de rua sem casa alguma para ficar.

foi o que ouviram os que habitam em moradias insalubres, com várias pessoas ocupando o mesmo cômodo.

foi o que ouviram os informais precarizados, cujo pão de cada dia é ganho a cada dia, fora de casa nas ruas.

impositivo. mandatório. taxativo. "Fiquem em casa!".

agora estamos em casa... quanto tempo ficaremos? nem mesmo o próprio COVID-19 saberia responder.

o impensável aconteceu: uma paralisação geral por tempo indeterminado. um lockout sanitário compulsório.

o COVID-19 conseguiu concretizar uma palavra de ordem que  o movimento revolucionário ainda sequer colocara: "Greve Geral Global".

a curva da infecção está sendo "alisada". não por questão "humanitária". o contágio não pode ser mantido livre, precisa ser regulado.

os ultraliberais reagem indignados com irada discordância: "Deixem a mão invisível da seleção natural fazer seu trabalho, que sobrevivam os mais fortes".

como um vírus cibernético hackeando o processamento do Capitalismo de Crise, o COVID-19 inviabiliza a hipótese de alguma "imunidade em massa" espontânea.

disseminando-se através da veloz replicação de seu código, implanta uma rotina de choque e pavor: 20% necessitam cuidado médico-hospitalar, 5% precisam de internação em UTI, mais de 4% de taxa de letalidade.

a combinação da velocidade de seu contágio com o índice de necessidade de assistência hospitalar aos infectados, não confere tempo suficiente para surgir alguma "imunidade em massa".

mas para se combater o COVID-19 é necessário matar a Economia? e ao se matar a Economia, a população também não perderá as condições de seu sustento?

ou:

- não seria exatamente a Economia a causa primária criadora do meio no qual o COVID-19 é capaz de se ativar e se reproduzir?

qual a taxa de letalidade, humana e não-humana, desta doença chamada de Capitalismo?

a burguesia vocifera: "Voltem ao Trabalho!".

e o COVID-19 retruca com uma magistral aula de economia política: "Rendam-se: o Capital é um vírus incapaz de se reproduzir sozinho, precisa hospedar-se num corpo que trabalha!".

agora estamos em casa. enfim, sós...

como sempre estivemos, confinados numa existência sem sentido. encarcerados num mundo que ao mesmo tempo nos parasita para se manter vivo, também nos expele como dejetos descartáveis.

agora estamos em casa.

à beira de um ataque de nervos, abalados pelo tedioso e insuportável encontro com si mesmos, alguns se indagam quanto tempo levará até se atirarem pelas janelas.

aterrorizados pela infinitesimal ameaça os espreitando nas ruas, outros começam finalmente a ganhar consciência de estarem em cárcere privado.

talvez, e simplesmente talvez, haja uns poucos se colocando a fatal questão trazida pelo COVID-19: fiquem em casa? casa?! qual "casa"?

não nos ordenaram ficar em casa? pois agora em casa ficaremos daqui em diante.

nunca mais retornaremos. ficaremos "em casa". seja lá onde isto for.

uma casa haveremos de erguer para morarmos. não para "ficar", e sim para viver.

e lá estaremos. nunca mais retornaremos para aquele mundo doente e amaldiçoado.

passou o tempo do "vem prá rua", chegou a hora de "ir para casa".

e iremos construir esta casa naquele território com o qual temos laços. laços com a terra, laços com a água, laços uns com os outros.

no território onde vivemos. na terra que amamos e onde sofremos. a ela defenderemos e preservaremos, pois sem ela não poderíamos estar vivos.

nela seremos enterrados, nela nossas cinzas serão espalhadas ao vento.

e por ela nosso espírito passeará nostálgico. agora e sempre, sempre agora. em casa.


vídeo: 


 
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23 março 2020

COVID-19: já estávamos mesmo mortos


«a humanidade está sendo forçada a encarar sua inelutável finitude,
por conta da mais ínfima forma de vida: um vírus.»

naqueles tempos de mórbida "normalidade", quanto de vitalidade nos restara?

assolados pelo desemprego estrutural e escravizados pela uberização da vida, não éramos mais do que mortos-vivos perenizando o purgatório de uma existência sem sentido e sem perspectivas...

mesmo antes da pandemia do COVID-19, o apocalipse zumbi já acontecera.

agora tanto medo de morrer... mas qual era antes a vontade de viver?

então, por que todo este pânico se esta é uma oportunidade única para ressurgirmos?

qual o motivo de tanta angústia para "isto" passar e tudo voltar a ser como antes? "isto" não vai passar, nada voltará a ser como antes.

não há nenhuma outra desgraça catastrófica acontecendo, a catástrofe desgraçada já era aquela vidinha infernal a que nos condenaram.

nos asfixiávamos numa insuficiência respiratória crônica, chegou a hora dos suspiros de alívio.

se antes mal conseguíamos respirar, sem tempo para nada, por que agora, engolfando ar a plenos pulmões, não dispomos deste tempo extra de sobre-vida para enfim começarmos a ter uma vida?

não estamos em nenhuma experiência de quase-morte, vivemos uma chance de recuperação daquele estado de anomia, um entorpecimento crônico suportado às custas de uma epidemia de ansiolíticos.

longe de ser um insidioso invasor alienígena, o COVID-19 é a potente resposta imunológica de um debilitado organismo em avançado estágio de infecção: a tentativa derradeira de evitar a septicemia.

o COVID-19 vem a ser o anti-corpo liberado para combater os agentes patogênicos responsáveis pela grande extinção em massa atualmente em curso no planeta.

em pouco mais de 200 anos, desde a Revolução Industrial, a mais letal arma biológica já produzida triturou no giro de seus moinhos satânicos um gigantesco volume de recursos minerais e biológicos, algo sem precedente em nenhuma outra época.

habitats inteiros foram arrasados. espécies desapareceram para sempre. mundos foram dizimados.

a pandemia nos confronta com uma brutal evidência, cuja admissibilidade nos aterroriza: não há nenhuma humanidade! há uma Guerra de Mundos.

uma auto-intitulada "civilização" promovendo bárbara e sistematicamente o extermínio dos  Seres da Terra: os Humanos contra todos os tipos de Terráqueos.

nesta guerra de extermínio, como havemos de lutar para sobreviver?

desacelerar a aceleração do contágio é necessária, mas insuficiente.

evitar o colapso dos sistemas hospitalar e funerário não é dar continuidade à vida, mas gerir a incidência da morte.

as vacinas possivelmente irão garantir mais o lucro da Big Pharma do que nossa imunidade. os medicamentos provavelmente terão confiabilidade questionável e efeitos colaterais garantidos.

clamamos é pela cura! mas não há qualquer cura sem a erradicação das causas primárias da doença.

mas "isto" é exatamente o que as medidas governamentais visam a proteger. e "nisto" se converterá o seu fracasso.

a estratégia de enfrentamento ao COVID-19 jamais se pautou pelo bem-estar da população.

o objetivo prioritário sempre foi: "Salvem o Capital!", sob o cínico argumento de assim decorrer naturalmente a sobrevivência das pessoas.

o suposto atraso da China em agir quando a epidemia se iniciou em Wuhan, se deve ao mesmo motivo da imobilidade inicial na Itália. um padrão repetindo-se agora nos EUA.

a intenção era deixar o livre contágio indiscriminado gerar uma "imunidade em massa", com a enorme quantidade decorrente de óbitos se constituindo em dano colateral perfeitamente aceitável.

frente a possível magnitude dos prejuízos causados aos negócios e ao mercado, proporcionalmente a perda de vidas vulneráveis é considerada como irrelevante.

só que o COVID-19 tem seus próprios planos.

a combinação da velocidade de seu contágio com o índice de necessidade de assistência hospitalar aos infectados, não concede tempo suficiente para surgir alguma "imunidade em massa".

a quarentena da população e a paralisação dos negócios se impõe como única opção.

portanto, de um jeito ou de outro a Economia sempre sofrerá graves danos.

os mercados prosseguem urrando histericamente: "Salvem o Capital!". 

para isto será necessário primeiro salvar as pessoas. desta vez quem deverá arcar com a conta serão os mercados. caso contrário, quando "isto" passar, nenhuma Economia então haverá...

eis que o COVID-19 nos coloca ao pé da encruzilhada tacitamente estruturando nossas existências: a Economia ou a Vida.

com plena consciência de que antes já estávamos mesmo mortos, nosotros devemos mais uma vez tornar a repetir: “a vida só é bela para os ressuscitados”.

este é o espírito deste momento.

"É no fundo desta situação e no fundo de cada um de nós que havemos de procurar o espírito de nossa época. É aí que “nós” nos encontramos, é aí que se fazem os verdadeiros amigos, dispersos pelos quatro cantos do globo, mas que anseiam por caminharem juntos.
"Merry Crisise Happy New Fear", Comitê Invisível


vídeo: 


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21 março 2020

COVID-19: boletim médico (1)


- para a medicina de mercado a "saúde" é um bem lucrativo a ser comercializado para quem pode arcar com os altos custos de seu consumo;

- a medicina de mercado vende uma promessa que é incapaz de cumprir: não se pode comprar "saúde" como se faz com qualquer outro artigo, ou mesmo através da assinatura de algum contrato de serviço;

- a "saúde" não é uma mercadoria, e sim um complexo processo de equilíbrio dinâmico de uma biosfera em sua interconexão com as demais;

- ninguém "tem saúde", assim como ninguém tem a vida. quem "está vivo", no momento seguinte pode já não mais estar. quem "está com saúde", pode a qualquer momento não mais estar. como a própria vida, a saúde também não se possui;

- para atender a demanda por "saúde", a oferta é abundante: a indústria farmacêutica entope as prateleiras das farmácias com todo tipo de pílulas, os planos de saúde oferecem vários tipos de cobertura, os serviços médico-hospitalares são diversificados;

- nem mesmo mais se trata de medicar pessoas, tudo obedece a uma norma de compliance: a conformidade entre resultado de exames e um padrão biométrico estabelecido estatisticamente;

- o médico sequer toca o paciente, tampouco precisa fitá-lo nos olhos. bastam os exames recebidos via web diretamente do laboratório, para efetuar a prescrição;

-  o mercado vende "saúde", mas vive mesmo é da doença. por isto já não mais se trata de "curar" as enfermidades, e sim de "mantê-las sob controle", exigindo para isto um uso prolongado da medicação;

- pressão arterial, diabetes, colesterol, cardiopatias, disfunção renal, asma, artrose, rinite, etc... a doença é crônica, assim como a rentabilidade por ela gerada;

- a medicina de mercado não resolve as causas das doenças, tão somente suprime seus sintomas, aprofundando-os como desequilíbrios mais graves e gerando efeitos colaterais múltiplos;

- frente a pandemia de COVID-19, a medicina de mercado está em colapso: como monetizar uma doença cuja principal medida social de prevenção recomendada exige uma ampla quarentena, portanto a paralisação da economia?

- qual a estratégia dos governos para combater a pandemia? uma gestão necropolítica: se a pandemia é incontornável, trata-se de sobreviver e deixar morrer. não encontrar a cura, mas administrar o índice de contágio e a taxa de letalidade;

- a única saúde que pretendem preservar é a de um doente sem cura em estágio terminal: o Capitalismo global financeirizado;

- assim como a medicina de mercado jaz impotente, também o está a economia de mercado: nenhuma panacéia milagrosa, tão somente placebos descaradamente fraudulentos;

- apesar de seus pulmões encharcados com a liquidez astronômica imediatamente injetada pelo FED (US$ 1,5 trilhão) e o BCE (750 bilhões de euros), as condições vitais do mercado financeiro seguem se deteriorando, respira mal e através de aparelhos, tais como o Repo e o QE;

- com as restrições de mobilidade, a atividade econômica instantaneamente entra numa era glacial. com o comércio congelado, paira no ar a dúvida atroz: "Como pagarei minhas contas?". além de salvar os bancos e os fundos hedge, desta vez o helicóptero de dinheiro precisa também despejar um cheque nas mãos de cada família;

- é assim que tudo se acaba para o neoliberalismo? não no ensurdecedor rugido do armagedon termonuclear, mas num quase inaudível chiado da insuficiência respiratória aguda?

- tão rápido e poderosamente quanto o vírus, se propaga o pânico. enquanto é quase unânime o clamor pela ação estatal, os donos do Estado conspiram abertamente para instaurar um Estado de Exceção. sob o pretexto de combater a pandemia, impor a Lei Marcial, a militarização do sistema de saúde, restrições das garantias individuais, etc...

- a quarentena imposta à população explicita o isolamento no qual já se vivia, no confinamento das bolhas virtuais e na desmesurada solidão nas megalópoles em meio à multidão;

- sem as máscaras usadas nas ruas e prisioneiros dentro da própria casa, quantos suportarão este inesperado encontro com si mesmos?

- "Fiquem em casa!", "Não saiam!", "Não se toquem!". as esbravejantes imposições sanitárias ecoam por todos os lados, fazendo de cada qual Caim pronto a contaminar Abel. mas o COVID-19 é nosso irmão. é uma civilização, e não a nós, que veio sepultar;

- é preciso manter as mãos limpas, sempre desinfetadas, perfeitamente esterilizadas. mas quem de fato está com as mãos limpas? se formos testados já não seríamos coronavírus positivos? é possível se manter incólume num meio-ambiente já contaminado?
- haverá uma cura? alguma vacina? medicações? profilaxias? imunidade? afinal, qual é a doença? qual o patógeno? angustiantes perguntas cuja única resposta sensata muito poucos ousam encarar: nós somos o vírus. nosso modo de vida virulento ensejou as condições para o COVID-19 se tornar pandêmico;

- sobreviveremos? se for para tudo retornar ao "normal", é melhor que não...

- COVID-19: doença ou cura?



vídeo: carta do COVID-19 para a Humanidade.




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