25 maio 2016

adeus ao Brasil & o Brasil (10)

25/05/2016


“Nenhum de nós nasceu aqui. Todos fomos um dia de um lugar ou de outro. Todos nós cometemos brecha um dia.[...] Sim, vivo no interstício, mas vivo ao mesmo tempo na cidade e na cidade.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville


nos vemos separados do meio-ambiente, não nos consideramos uma biosfera conectada a todas as demais. por isto a quase totalidade dos estudos da mudança ambiental abordam apenas seus impactos externos: estiagem em alguns lugares com chuva torrencial em outros; frio glacial em alguns lugares e calor mortal em outros; furacões e tornados, terremotos e atividade vulcânica; aumento do nível do mar com desaparecimento de nascentes e rios morrendo.

mas o maior impacto da mudança climática será interno. será no funcionamento de nossos corpos que sentiremos com maior intensidade as mudanças globais no clima. isto já está acontecendo e sendo diagnosticado como “doença”:

pressão e dor na cabeça e na nuca; zumbidos e pressão no ouvido; nariz entupido e dores no septo e na testa; náuseas e diarréias; tonteiras e fadiga súbita; suores noturnos; todo tipo de distúrbio do sono: sono picado, acordar de madrugada, por volta das 3:00 h e perder completamente o sono, deitar cansado e pegar rápido no sono, mas pouco tempo depois despertar sem nenhuma vontade de dormir; uréia e glicose ligeiramente acima do limite; problemas renais e no ciático; dores nos ossos longos e chatos.

um hemograma mais simples ou uma dosagem hormonal complexa se baseiam em faixas obtidas por estatística. o resultado fora destas faixas indica uma tendência a se desenvolver processos patológicos. entretanto, assim como a água ferve a 100º C apenas nas CNTP, as faixas estatísticas utilizadas nos exames não são válidas sob novas condições ambientais. assim, como distinguir uma tendência à patologia, sob os parâmetros anteriores, do que já pode ser um processo de adaptação as novas condições climáticas? quais seriam as faixas de “normalidade” para as novas condições climáticas?

a mudança não será nos Parlamentos, nos Governos e nos Tribunais de Justiça; a mudança não será detectada pelas pesquisas de popularidade; não será na macroeconomia, tampouco nos partidos políticos tradicionais; a mudança não será divulgada pela mídia convencional; também os grupos de discussão na web nada terão a dizer sobre ela.

a mudança já está acontecendo. e a estamos sentindo como sintomas em nossos corpos. a mudança será um novo jeito de viver. porque do jeito que temos vivido será impossível sobreviver.

se a crise de 1929 só foi superada pela gigantesca destruição criativa provocada pela II Guerra. a crise de 2008 já não pode ser resolvida por uma reciclagem das forças produtivas através de conflitos bélicos globais. desembocaria na utilização de armas de destruição em massa. a porta de saída tradicional do capitalismo para as crises se fechou.
                                              
tanto aqui como em toda parte o sistema está em colapso. o que é agravado por uma inédita e reveladora crise climática: o capitalismo cruzou um limite perigoso, ameaçando a sobrevivência da própria sociedade.

a humanidade agora afeta cada aspecto da Terra em uma escala semelhante à das grandes forças da natureza. todos os ecossistemas do planeta carregam as marcas da presença humana. entramos em uma nova era geológica: o Antropoceno.

todos nós que hoje habitamos o planeta Terra vivemos os horrores de uma guerra de mundos. a maioria de nós não sente e não vê, entorpecidos por esta guerra que se apodera de nossos corpos para recolonizar nossos corações e mentes. somos os habitantes da barbárie. vivemos o tempo do fim.

de um lado estão o Homem, a Razão, a Ciência: os que se ergueram vitoriosos com as luzes do Renascimento apenas para mergulharem o planeta numa escala nunca antes experimentada de destruição e desigualdade. tudo e todos foram reduzidos ao valor de matéria-prima pela vã pretensão de manter indefinidamente girando os moinhos satânicos do capitalismo.

do outro lado, na resistência contra a barbárie já instalada, há um povo. toda uma população que agora se levanta contra o aniquilamento generalizado: os seres da Terra. uma aliança entre humanos e não-humanos pautada não por leis, contratos ou instituições, mas pela urgente consciência da luta comum pela sobrevivência.

por isto lutamos: por um novo modo de viver. a maior das catástrofes contemporâneas é esta insidiosa guerra de mundos em curso: os “Humanos” contra os seres da Terra.

uma nova mudança em breve vai acontecer. um inexorável desaparecer, como, na orla do mar, o desvanescer de um rosto de areia: o ocaso do Humanismo e do Racionalismo. os sonhos da Razão geraram monstros: o Capitalismo, Antropoceno, o Antropozóico.

do mesmo modo que o Heliocentrismo, o Antropocentrismo já não nos serve mais. nunca mais. o que se faz? precisamos todos rejuvenescer. o passado nunca mais. pé na estrada. like a rolling stone, she’s leaving home.

com seu rosto voltado para o passado, o anjo da História é impelido para o futuro, ao qual ele vira as costas arrasando tudo em sua cega passagem, enquanto estarrecido contempla as ruínas que se amontoam em direção ao céu...

adeus ao Homem. bem vindos à intrusão de Gaia.
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24 maio 2016





22 maio 2016

o Brasil & o Brasil (9)

22/05/2016


“Eu sempre disse a verdade. O senhor me ouviu, inspetor. Eu lhe disse muitas vezes. Orciny é um lugar que não existe.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville

nas vésperas do 1º de Maio de 1977, alguns operários estiveram numa assembléia de estudantes pedindo apoio para companheiros presos, incomunicáveis, sob tortura e correndo o risco de “desaparecerem”. quem então poderia supor os rápidos e poderosos desdobramentos deste encontro? em 02/05/1977 é realizado um histórico ato na PUC-SP, com cerca de 5 mil pessoas. no dia seguinte, 80 mil universitários entram em greve. assim foi deflagrada a retomada do movimento estudantil, dando início ao processo de redemocratização!

em 1979, após a intervenção nos sindicatos do ABCD, Lula estava pronto a retornar ao seu emprego na Villares. tudo levava a supor o refluxo do movimento, com os operários voltando ao trabalho de cabeça baixa e mãos vazias. mas a greve prosseguiu. os metalúrgicos repetiam com orgulho: ”somos todos Lula. podem prender o Lula, agora todo mundo é Lula”. depois de dois dias sumido, Lula reapareceu num estádio lotado pelos peões do chão de fábrica, dando início a formação do PT e da CUT!

em 1961, ao finalmente desembarcar em Porto Alegre, após a Rede da Legalidade garantir sua posse, Jango foi recebido por Brizola e comandantes militares com a proposta de marchar por terra com tropas e povo até Brasília, mas optou ir de avião ao lado de Tancredo, aceitando o Parlamentarismo. foi assim que os golpistas tiveram caminho livre para depor Goulart em 1964.

na manhã do primeiro de abril de 1964, o herói da II Guerra Mundial e comandante da Base Aérea de Santa Cruz, Rui Moreira Lima, localizou e deu um vôo rasante sobre as tropas revoltosas, que se apavoraram e se jogaram no mato. contudo, não foi autorizado a atacar, nem mesmo quando propôs que o bombardeio seria tão somente às posições da estrada, vanguarda e retaguarda, para estabelecer um bloqueio. foi assim que Mourão chegou ao Rio, para na manhã de 1º de Abril entregar a “revolução” a um Costa e Silva sonolento e de cuecas.

em 1964, após retirar-se do Rio para Brasília e em seguida para Porto Alegre, Jango decidiu pelo exílio, mesmo diante de militares que diziam NÃO ao golpe, como a garantia dada pelo General Ladário da viabilidade da resistência armada. Brizola não se conteve e desabafou: “Vai embora, traidor. Tu nunca mais vais voltar para este país.”. foi assim que se iniciou o longo dia que durou 21 anos.

em 1954, foi necessário Getúlio atirar contra o próprio peito e sair morto do Palácio, para que o povo ocupasse as ruas e barrasse o golpe.

em 2016,

mesmo após um STF - com 8 de seus 11 membros indicados por Lula e Dilma - rasgar a Constituição e permitir um réu confesso presidir a sessão de votação do impeachment na Câmara; mesmo após uma votação na qual apenas dois Deputados Federais citaram como motivo de seus votos a justificativa jurídica do impeachment, as “pedaladas fiscais”; mesmo após o pavoroso escárnio de se dedicar um voto ao torturador de Dilma; mesmo após o relator da Comissão do impeachment no Senado ser autor das “cavalgadas fiscais” em Minas Gerais; mesmo após a conduta seletiva e conspiratória do PGR; mesmo após o Povo sem Medo ocupar as ruas, com uma ininterrupta sequência de atos e manifestações; mesmo após a favorável repercussão na mídia internacional; mesmo após o corajoso exemplo dos secundaristas de SP, e de todo o Brasil; mesmo após assegurar em seu discurso do 1º de Maio sua intenção de “resistir e lutar até o fim”,

mesmo assim Dilma Roussef não foi capaz de abrir as portas do Planalto, para o Povo sem Medo nas ruas entrar e  ocupar, sob a palavra de ordem: “só sairemos daqui mortos! não vai ter golpe! vai ter luta!”, foi assim que o Brasil & o Brasil mergulharam na mais grave crise de sua história.


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21 maio 2016

o Brasil & o Brasil (8)

21/05/2016



“A trilha que levava sempre de volta a Orciny sugeria uma transgressão sistêmica, um pararregras secreto, uma cidade parasita onde não devia haver nada a não ser nada, a não ser Brecha.
Se a Brecha não era Orciny, o que ela era, a não ser uma paródia de si mesma, para aceitar isso por séculos? “
“A cidade & a cidade”, China Miéville

como um carma político, o Lulismo governista completa sua amaldiçoada viagem redonda. a espiral encerra um ciclo completo: 2016 com a Lava Jato é o retorno da Satiagraha de 2008.

em 2008, com a repercussão da divulgação de um acordo entre o governo Lula e Daniel Dantas, através da Editora Abril, para anular a Operação Satiagraha, os Ministros Dilma Roussef e Tarso Genro foram compelidos a um desmentido: seria mais fácil nascer dente em galinha.

como logo em seguida os fatos confirmaram, Tarso e Dilma foram então os arautos de uma das mais  peculiares realizações do Lulismo: nos bicos das galinhas nasceram dentes. com a demolição controlada da Satiagraha, Paulo Lacerda foi exilado para o ostracismo, Protógenes condenado e demitido e Daniel Dantas passou de réu a verdugo.

então todo um galinheiro dentuço mastigou com voracidade a justiça brasileira. agora artífices e arautos do acordo de 2008 são despedaçados pelos dentes das galinhas por eles mesmos criadas...

o Brasil do crônico golpismo & o Brasil da conciliação permanente, o Brasil do Lulismo & o Brasil do anti-Lulismo, o Brasil da Selic banqueiro & o Brasil do Bolsa Família, este Brasil & o Brasil sempre foram irmãos siameses, criaturas xifófagas, impossíveis de serem separadas, sempre um parasitando  o outro.

um jogo binário de espelhos refletindo o estreito círculo girando no vazio de uma polarização ilusória. interditando o debate político e aprisionando as alternativas numa camisa de força.

este Brasil & o Brasil teriam sido superados em 2008, com a Satiagraha. ou em 2010, na primeira eleição de Dilma, num contexto de crise econômica mundial, com a quebradeira das grandes empresas brasileiras, pegas o contra-pé da financeirização. ou ainda em Junho de 2013, com a retomada das ruas sob a bandeira de mais direitos, mais participação, mais Democracia.

mas no pátio dos milagres do Lulismo outra e outra vez os sinos repicaram, anunciando seus milagres sempre celebrados, mas nunca realizados. a santa aliança capaz de conciliar interesses antagônicos, como se pela manutenção do pacto perverso entre o Copom e as políticas sociais compensatórias pudesse nascer a redenção dos miseráveis, e não apenas dentes nos bicos das galinhas...

nas brechas e interstícios entre o Brasil & o Brasil, um outro Brasil sempre resistiu. e hoje mais uma vez ele se materializa nas ruas, nas praças, na web e nas ocupações. mais uma vez a multidão vem ao deserto do real. mais uma vez não queremos ser o Povo que falta.

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19 maio 2016

o Brasil & o Brasil (5)

19/05/2016


“Nenhum outro lugar funciona como as cidades – ele disse. – Não somos apenas nós que as mantemos separadas. São todos em Besźel e todos em Ul Qoma. A cada minuto, a cada dia. Nós somos apenas a última trincheira: são todos nas cidades que fazem a maior parte do trabalho.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville

pela resistência ao golpe branco está sendo construída uma Democracia de alta intensidade. o Brasil & o Brasil estão em secessão. hiper conectados, participamos da fundação de um outro Brasil. uma fundação emanada do movimento social que se levanta contra o golpe. mas, simultaneamente, construindo como Nação a própria sociedade da qual esta fundação emana.

um mito fundador. chamamos por uma nação que ainda não conhecemos, sim, e uma nação que ainda não conhecemos acorrerá a nós. terra dos grilos alados, que fica além dos rios da Etiópia. uma nação de gente de pele bronzeada, cuja terra é sulcada de rios. há profecias que são mais do que profecias. só digo que quando assim suceder, perderá essa nossa História gloriosamente o nome, e que deixará de ser História do Futuro, porque o será do presente.

a história do futuro somos nós a escrevendo agora, no presente incerto e tomado pelo nevoeiro. mas algo se insinua através da névoa... não! não é ninguém montando um cavalo branco! espera! é uma multidão! seriam eles? os brasileiros? chegou o momento de revelar um segredo: já vivemos uma vez. e naquela vida fomos chamados de Brasileiros.

ainda mais uma vez o Povo sem Medo nas ruas faz com que o movimento da História flua no sentido da construção de sua Nação. e mais uma vez é urdida a modernização conservadora, a transição tutelada, a conciliação de gabinete,  o rearranjo que tudo muda para que nada fique diferente,  sem que jamais se inclua no "pacto democrático" as classes trabalhadoras, o que nos mantém aprisionados entre dois mundos: um definitivamente morto e outro que luta por vir à luz.

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o Brasil & o Brasil (6)

19/05/2016



“Nós andávamos pelas cidades, na Brecha. Eu estava aprendendo com ele a andar entre elas, primeiro numa, depois noutra, ou em ambas. [...] Você está comigo aqui – nós passamos no meio de uma multidão matinal cruzada. – Na Brecha. Ninguém sabe se está vendo ou desvendo você. Não se assuste. Não é que você não esteja em nenhuma: você está em ambas.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville


em Junho de 2013 o sistema de poder estabelecido com a Nova República começa a ruir, assim como 1977 marca o início do fim da Ditadura.

a partir de 1977 iniciou-se um longa e tortuosa travessia. a falência histórica do velho já acontecera, mas não sua falência política. no vácuo deste interregno, através da luta entre os diversos setores sociais, ocorre a construção de um novo sistema de poder. estamos hoje no meio de uma destas arriscadas travessias.

com a fundação do PT em 1980, até hoje o primeiro partido brasileiro surgido das lutas sociais de base, um imenso e poderoso setor participa organizadamente da gestação de um novo modelo político. até então sempre condenados a um papel subalterno, os trabalhadores assumem inédito protagonismo. a Constituição de 1988 é a obra ainda inacabada daquela travessia e as eleições de 1989 sua abortada culminância política.

mas cada geração tem sua missão, ou cumpre ou trai. a geração das “Diretas Já” tem fracassado miseravelmente. aprisionada numa maldição, na qual se repete a ressaca interminável de um dia seguinte que insiste em retornar.

como em 2016, com a votação do impeachment de Dilma; como em 2015, com o “ajuste fiscal” de Dilma Roussef; como em 2014, com a Lava Jato; como entre 2009 e 2014, com as desonerações e incentivos para os grandes empresários; como em 2005, com o Mensalão; como em 2008, com a operação Satiagraha; como em 2003, com a reforma da Previdência de Lula; como em 2002, com a “Carta ao Povo Brasileiro”; como em 1999, com a crise cambial de FHC; como em 1994, com o Plano Real; como em 1993, com o escândalo dos anões do orçamento; como em 1992, com o impeachment de Collor; como em 1989, com o segundo debate entre Collor e Lula; como em 1985, na posse de Sarney; como em 1984, com as Diretas Já; como em 1979, com a anistia...

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o Brasil & o Brasil (7)

19/05/2016



“Orciny é a terceira cidade. Fica entre as outras duas. Fica no dissensi, nas zonas disputadas, lugares que Besźel acha que são de Ul Qoma e Ul Qoma acha que são de Besźel. Quando a velha comuna se dividiu, ela não se dividiu em duas, mas em três. Orciny é a cidade secreta.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville


em 1984 o Brasil também estava em transe. o Povo das ruas conclamava por “Diretas Já”. contudo, em cima dos palanques estava Tancredo Neves. o mesmo Tancredo que em 1961 convenceu Jango a ir com ele de avião para Brasília e aceitar o Parlamentarismo. enquanto Brizola e o comandante do III Exército propunham que a marcha fosse por terra, numa coluna das tropas legalistas e  do Povo das ruas para tomar a capital federal e debelar o golpe. se na frente de milhões de pessoas Tancredo defendia as “Diretas Já”, nas sombras dos bastidores trabalhava por exatamente o contrário. a conta foi paga com a vida, antes mesmo de ser desfrutada uma gota sequer do gosto do poder.

em 1993, ao explodir o escândalo dos “anões do orçamento”, ficou também exposto o mecanismo de financiamento empresarial das campanhas eleitorais. logo após o impeachment de Collor, era o momento para desatar o capitalismo de laços brasileiro. Lula e o PT optaram então pelo conchavo de cúpula, por julgarem ser inevitável sua vitória nas eleições do ano seguinte. veio o Plano Real, que, sob o marketing de “estabilizar” a economia, doou ao setor privado quase todo o patrimônio público e mesmo assim gerou uma incontrolável dívida interna. Lula se tornaria presidente apenas após assinar a “Carta aos Banqueiros Brasileiros” e em Washington anunciar Henrique Meirelles no Banco Central.

o Lulismo jamais deixou de ser uma estratégia de conciliação permanente a serviço de um projeto de hegemonia às avessas. ao ceder a quase todas as demandas de uma minoria para conceder alguns poucos benefícios para a maioria, em prol de uma governabilidade baseada no fisiologismo e no curto-prazo, o Lulismo nos trouxe à ingovernabilidade sistêmica.

os longos 13 anos perdidos do Lulismo: NÃO auditou a privataria tucana; NÃO auditou a dívida interna; NÃO desmantelou o aparato repressivo; NÃO puniu os crimes da Ditadura; NÃO reviu a Lei da Anistia; NÃO reviu as privatizações; NÃO regulou a mídia; NÃO democratizou a justiça; NÃO fez a Reforma Agrária; NÃO desmilitarizou a polícia; NÃO abandonou a política econômica neoliberal; NÃO desprivatizou o BC; NÃO alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal; NÃO tomou a iniciativa de proibir o financiamento empresarial de campanhas; NÃO deixou de financiar com recursos públicos os oligopólios; NÃO combateu os grande corruptores e a sonegação dos grandes grupos empresariais; NÃO permitiu que a Operação Satiagraha prosseguisse...

a vida inteira que podia ter sido e que não foi. tosse, tosse, tosse, ó meu Brasil. diga: treze... treze... treze... todo seu organismo está comprometido. então ainda é possível tentar alguma conciliação de classes? não! a única coisa a fazer é tocar uma canção anarquista.

a presente herança maldita do Lulismo é a mais grave crise de nossa História, combinando aspectos econômicos, políticos, sociais, institucionais e climáticos.

com o Lulismo morto, o governo Dilma afastado sob processo de impeachment, as instituições falidas e a representação política completamente disfuncional, o sistema de poder está ruindo diante de todos. chegamos assim ao grau zero: o Brasil como o conhecíamos desapareceu.

é preciso se desfazer de todas as ilusões. o novo nasce dos escombros do velho. ou não nasce. esta é uma luta que não está sendo travada apenas nos espaços públicos – nas ruas, nas praças, nas ocupações, na web – é também a luta em nossos corações e mentes por aquilo que poderíamos denominar de: nossa alma.
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18 maio 2016

o Brasil & o Brasil (4)

18/05/2016

“Uma vez ela me disse que toda a história de Besźel e Ul Qoma era a história da guerra entre Orciny e a Brecha. Besźel e Ul Qoma estavam dispostas como movimentos de xadrez nessa guerra.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville

com o Brasil em transe, a política rompeu o cativeiro parlamentar e institucional e ganhou as ruas, ocupou as praças. a política se reconcilia com sua raiz: o poder instituinte em disputa no cotidiano.

corações, mentes e corpos se convulsionam sob a vertigem da intensidade do momento histórico. o público e o privado se entrelaçam tragicamente, impondo-se aos mesquinhos dramas individuais.

os incapazes de catarse libertadora, já não podem conter a volúpia pela castração: controle, repressão, punição. as massas não foram enganadas, as massas desejaram o fascismo. o interesse pode ser traído, mas não o desejo. debaixo da pele, o corpo ferve, enquanto por fora o indivíduo reluz com um brilho opaco, através dos poros estilhaçados.

com o crepúsculo, acometidos de distúrbios mentais crônicos experimentam uma sensação de melancolia e inquietação. confusos, sem entender ao certo o motivo, vagam dentro de si mesmos, numa agitação mórbida, tomados pela fúria e desorientação.

a realidade se liquefaz e a sociedade experimenta a História enquanto acontecimento do agora. com o público e o privado entrelaçados no cotidiano e a História se construindo à vista de todos, a intensidade do momento leva os indivíduos a delirarem o campo social. os surtos se tornam endêmicos.

como um delírio começa? o campo social é sempre anterior ao círculo familiar. a libido alucina a história e delira as civilizações.

o inconsciente é órfão. conhece apenas o desejo e o campo social, e nada mais. somos nosso filho, nosso pai, nossa mãe  e nós mesmos. o delírio sempre percorre o campo social histórico, como um campo de batalha, tomado pelas guerras de libertação, e não um palco de teatro burguês, com a tediosa encenação do triângulo edipiano. o Édipo antes de ser um sentimento infantil de neurótico, é uma idéia de paranóico adulto.

porque é que os homens combatem pela sua servidão como se fosse a sua salvação? como é possível clamar: mais repressão! como se chega ao ponto de querer a repressão não só para os outros, mas também para si próprio?

os afetados pelo distúrbio da síndrome do crepúsculo sentem-se inseguros e anseiam voltar para casa. mas já não há retorno. a demência é uma viagem definitiva. também pode ser a abertura de uma passagem.

ser louco não é necessariamente ser doente. a loucura é um produto de uma destruição imposta e auto assumida. uma loucura é um grosseiro disfarce, uma caricatura grotesca do que poderia ser a cura natural. a autêntica saúde mental implica, seja de que modo for, a dissolução do ego denominado de “normal”...

quantas pessoas conseguem suportar a incerteza e perplexidade de um momento histórico enquanto ele se desenrola? vivemos todos este crepúsculo. este momento em que os velhos personagens se debatem ao serem tragados pelo colapso de um sistema de poder. nenhum de nós sairá impune. nenhum de nós será poupado. esta é a crise de todos nós.

estamos sendo arrastados pelo rio revolto da política, já não mais comprimida entre as margens da conciliação e do golpismo. é o próprio rio que nos acena, vindo ao nosso encontro, atendendo ao nosso chamado. o que faremos, nós que uma vez ousamos nos chamar de Brasileiros? correremos, fugiremos, arrepiados de pavor? ou nos colocaremos em nossa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras?

eu vou! por que não? e, nós, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio.
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17 maio 2016

o Brasil & o Brasil (3)

17/05/2016

“Se alguém precisasse ir a uma casa fisicamente ao seu lado, mas na cidade vizinha, era por uma estrada diferente em uma potência inamistosa. É isso que os estrangeiros raramente compreendem. Um habitante de Besźel não pode andar alguns passos até a porta ao lado em uma casa alter sem brecha.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville

interregno. estamos numa travessia. a falência histórica do velho já aconteceu, mas não sua falência política. neste vácuo ocorre a construção de um novo sistema de poder, através da luta entre os diversos setores sociais. quando o novo ainda não conseguiu nascer, surgem os sintomas mórbidos, os fenômenos bizarros e as criaturas monstruosas. este é o tempo que vivemos.  

a falência do velho. o arcabouço institucional do país expirou sua validade em Junho de 2013. desde então, a representação política entrou em colapso. e agora, diante de todos, o sistema de poder está ruindo. qualquer sobrevida deste modelo em escombros será um rearranjo de curta existência. há também uma crise da “cúpula”, já não mais capaz de manter sua dominação como antes. o setor dominante rachou: Marcelo Odebrecht condenado a mais de 19 anos de prisão, Eduardo Cunha afastado e Kátia Abreu se manteve fiel no Ministério de Dilma.

a ascensão do novo. na dinâmica da resistência ao golpe repete-se o segundo turno das eleições de 2014. os principais responsáveis pela eleição de Dilma não foram sua campanha oficial e seus marqueteiros milionários guiados por pesquisas. foi o Povo sem Medo, os aguerridos eleitores que através de suas inúmeras pequenas batalhas cotidianas conquistaram a memorável vitória da candidatura que apoiaram.

um outro Brasil. há um novo Brasil se erguendo poderosamente. a articulação da sociedade civil e a retomada do protagonismo dos movimentos sociais são a ponta de lança de um outro Brasil, que surge dos escombros do atual cerco à Democracia. enquanto as instituições se desintegram, uma imensa,  heterogênea e descentralizada resistência se opõe ao cerco. embrião de um novo sistema de poder.

transmutador histórico. numa crise estrutural, quando o sistema entra em colapso, tudo se torna instável e volátil. pequenas ações podem gerar enormes mudanças. ocorre uma aceleração e uma condensação do tempo histórico (Walter Benjamin, historischer zeitraffer). na linearidade do tempo pendular e mecânico, a tirania do relógio capitalista, irrompe um tempo qualitativo e catalisador no presente de todos os momentos de revoltas no passado. um tempo prenhe das possibilidades de um futuro indeterminado. o livre arbítrio se impõe ao determinismo. os homens já não mais fazem História sob circunstâncias determinadas. há escolhas a serem feitas num “tempo do agora”. um tempo liberto do legado transmitido pelo passado. um tempo no qual os vivos se encontram momentaneamente não mais sujeitos ao pesadelo da opressão das gerações mortas. um tempo no qual atos individuais se potencializam e ganham efeito social. o tigre dá o seu salto sob um Sol imóvel no meio de seu curso.
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15 maio 2016

o Brasil & o Brasil (2)

15/05/2016

“Só o lixo é uma exceção, quando fica velho o bastante. Jogado no pavimento cruzado ou soprado para uma área alter de onde foi deixado, ele começa como protub, mas depois de um tempo suficientemente longo para se desvanecer e a escrita illitana ou besź ser obscurecida pela sujeira ou clareada pela luz, e quando ele coagula com outro lixo, incluindo lixo da outra cidade, é apenas lixo, e vagueia entre as fronteiras, como neblina, chuva e fumaça.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville

já não somos um país? nunca fomos um país. o Brasil se formou pelo avesso. teve Coroa antes de ter Povo. teve Estado antes de ser Nação.

a população indígena se tornou estrangeira em sua própria terra, tal qual hoje os refugiados políticos convertidos em párias no que fora sua pátria. no Brasil o contingente de negros desterritorializados chegou a quase 5 milhões, 44% do total dos africanos seqüestrados para as Américas.

nunca fomos um país. sempre se tratou de negócios.

organizou-se uma holding multinacional, com administração portuguesa, capitais holandeses e venezianos, mão-de-obra indígena e africana, tecnologia desenvolvida em Chipre e matéria-prima dos Açores e da ilha da Madeira – a cana. em torno do excelente negócio do açúcar, a primeira mercadoria de consumo de massas em escala planetária, se formou o moderno mercado mundial. a riqueza gerada pela cana de açúcar na época foi superior, proporcionalmente, ao petróleo na economia contemporânea.

no Brasil, foram pessoas do povo que abraçaram um projeto de nossa construção nacional.

se algum dia chegarmos a ser uma Nação, ela terá sido obra de Zumbi e dos quilombolas,  da resistência indígena, dos Tamoios,  Aimorés, Potiguares,  Tupinambás e Emboabas,  dos Cabanos, Malês e Balaios, do Almirante Negro, do anarco-sindicalismo, da Coluna Prestes, de Apolônio de Carvalho, Lamarca e Carlos Marighella, das greves do ABCD, da luta pela “Anistia, ampla, geral e irrestrita”, da fundação do PT e da CUT, das “Diretas Já”, de Junho de 2013, do movimento “Não vai ter golpe! Vai ter luta!”.

o Brasil concebido como mera base territorial para atender demandas externas, povoado por uma população extirpada de cidadania e dignidade. e um outro Brasil, construção inacabada da luta de trabalhadores, pobres, favelados, negros, mulheres, homossexuais, travestis, índios, todos os que lutam pela libertação de sua carne supliciada.

são demasiadas as fronteiras entre o Brasil & o Brasil. fronteiras por toda a parte. fronteiras agora excessivamente presentes. inclusive dentro de cada um de nós, na própria constituição daquilo que nos tornamos, como indivíduos e como sociedade. com o golpe do impeachment cruzou-se uma fronteira definitiva: o Brasil de poucos jamais será o Brasil de todos. não há retorno.
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13 maio 2016

o Brasil & o Brasil

13/05/2016

o Brasil & o Brasil ocupam o mesmo espaço geográfico, mas isto é tudo que compartilham: apenas o território. no mais só existem diferenças irreconciliáveis. são tão incompatíveis que agora se enfrentam num estado de guerra civil de baixa intensidade.

um Brasil é autoritário, elitista, repressor, preconceituoso, discriminatório, machista, racista, homofóbico, moralista...

o outro Brasil é habitado pelo Povo Brasileiro. um Povo sem Medo, esta construção única, do sincretismo multicultural e da miscigenação. esta visão do paraíso que levou os estrangeiros, invasores e emigrantes, a se encantarem e a nós se misturarem, deglutidos por nossa voraz e generosa antropofagia.

o Brasil & o Brasil agora chegam a um impasse. já não suportam coexistir imbricados um no outro. a fronteira geográfica inexistente acabou ganhando demasiada densidade, a ponto de comprometer todas as relações, desde o cotidiano até as grandes decisões federais.

o Brasil & o Brasil estão em secessão.
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07 maio 2016

as 3 camadas da arquitetura do caos

07/05/2016



1. a interna e imediata: um setor dominante historicamente escravagista e colonial tem como único projeto manter sua subserviente condição de sócio minoritário do grande interesse internacional. negociam o pré-sal e almejam o fim dos direitos trabalhistas;

2. a externa e geopolítica: redefinição da institucionalidade mundial sob a égide da tirania financeira. o espectro da dominação total: um mundo pós nacional, prescindindo da democracia, com uma governança global e a serviço de mega corporações cartelizadas. ordenação jurídica através de acordos trans-nacionais: TTIP (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento), TPSEP (Acordo de Parceria Econômica Estratégica Trans-Pacífico) e TISA (Acordo sobre o Comércio de Serviços);

3. Millenium: neo-fascismo, capitalismo como religião, zumbificação, anomia, admirável mundo novo, robótica, engenharia genética, nanotecnologia, singularidade científica, anti-Cristo...
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04 maio 2016

surtos

04/05/2016


com o Brasil em transe, os surtos delirantes se propagam. tudo agora são performances. tudo é excessivamente simbólico. o choque de realidade gerado pela farsa dantesca encenada pela insurreição dos hipócritas no teatro de horrores da Câmara, na votação do impeachment, tornou tudo surreal.

o espelho quebrou. a identificação acabou. a representação morreu. a identidade se perdeu.

enquanto o velho país se recusa a morrer, o novo Brasil luta decididamente para nascer. o dragão agoniza. a fênix alça vôo. não há retorno.

há um pólo fascista e paranóico: Bolsonaro, Janaína Paschoal, medalhas para torturadores. há um pólo libertário e transformador: ALESP ocupada por secundaristas, uma descentralizada e autônoma profusão de atos e manifestações contra o golpe, a emergência de um novo tipo de militância já não mais separado de um novo tipo de vida.

entre os dois pólos o território das neuroses, onde vagam seus variados distúrbios. com a hiper conexão que torna tudo obscenamente escancarado, o Alzheimer político entra em colapso. os afetados pela Síndrome do Crepúsculo anseiam voltar para uma casa que já não existe. Édipo já não pode esconder seu desejo mais secreto: arrastar-se de volta para o protetor e aconchegante útero materno. mas como retornar de uma viagem definitiva? é preciso vir à luz. todos buscam uma saída, mas só é possível distinguir portais de entrada.

não há mais saídas. não vamos sair desta crise. nem no plano social, nem no âmbito pessoal.

ou afundamos através do portal que conduz ao Estado de exceção, materializando alguma forma de neo fascismo. ou radicalizamos o compromisso com a Democracia, refundando uma República autenticamente baseada na participação popular. e este é o único portal que pode nos conduzir a algum futuro.

chegou a hora de rejuvenescer.
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03 maio 2016

é cada mancada...