24 janeiro 2018

os Brasis: a roda da História gira nos corpos em movimento

24/01/2018


"No Brasil não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse!"
Getúlio Vargas

mais uma vez o Brasil se encontra consigo mesmo na fatídica encruzilhada de um interregno: ser ou não ser. ou melhor: qual vir a ser? quem desejamos nos tornar?

1822: a Independência do Brasil foi declarada por um príncipe português;

1889: a proclamação da República se faz por uma quartelada liderada por um monarquista;

1930: a industrialização do Brasil avança às custas do massacre de movimentos sociais autônomos dos trabalhadores;

1954: Doutor Getúlio com um único tiro, disparado contra seu próprio peito, coloca nas ruas a multidão e aborta o golpe;

1964: um latifundiário nacionalista é deposto por uma conspiração comandada do interior da Embaixada Norte-Americana;

1985: a luta pela redemocratização redunda numa eleição indireta com a morte do eleito ainda antes de sua posse, assumindo um tradicional coronel oligarca;

1989: na primeira eleição direta após a ditadura, uma fraude consentida conduz ao governo um playboy plutocrata;

2002: o primeiro trabalhador eleito Presidente da Repúbica nomeia um dublê de banqueiro para o BC;

2016: após quatro consecutivas vitórias eleitorais, o PT se resigna a um impeachment inconstitucional, sem opor resistência ao golpe jurídico-parlamentar;

24-JAN-2018: são as massas que movem a História. mais uma vez, elas estão em movimento!

ao ocupar as ruas em Porto Alegre, a multidão avança muito além de uma pura e simples defesa de Lula, assim como de seu direito incontestável de ser candidato.

em sua origem etimológica a palavra política remete ao exercício da cidadania pelo político, o cidadão. a política se exerce no cotidiano. a política é um modo de viver.

restringir a política como exercício da cidadania a seu aspecto unicamente parlamentar, leva a aprisionar a rica complexidade de um modo de viver nos limites medíocres e simplificadores de um ritual.

do mesmo modo, encaixar estaticamente na moldura institucional o organismo social é desconsiderar deste seu poder instituinte, portanto fundador das próprias instituições. assim, o exercício da cidadania implica em continuamente transformar as instituições, num dinamismo alimentado pelo modo de vida do corpo social.

a eleição se vence com o voto nas urnas. mas para ganhar a posse, e, mais importante, manter o mandato e concretizar as transformações, é necessário o constante e intransferível exercício da cidadania.

a Ocupação de Porto Alegre em 24-JAN-2018 é um claro e contundente exemplo de um modo de viver capaz de garantir o exercício da cidadania.

o fator desencadeante das transformações é sempre o modo de vida. não há mudança individual ou social que não seja gerada por um outro modo de viver.

dito em outras palavras: quem muda o mundo são as pessoas. e o que muda as pessoas são as experiências de vida que elas são capazes de gerar e compartilhar intensamente.

por que lutamos? lutamos porque é assim que nos sentimos vivos.

independente de qualquer resultado no julgamento de Lula, 24-JAN-2018 faz a roda da História girar através dos corpos em movimento.

em Porto Alegre estão membros do MST, do PT, da CUT, do MTST, do Levante Popular da Juventude, da Via Campesina e de muitas outras associações, sindicatos e coletivos.

jovens e velhos cantando e entoando juntos palavras de ordem. amigxs e companheirxs se abraçando. casais se beijando. grupos dançando e discutindo política euforicamente. punhos cerrados e sinais triunfantes de vitória balançando no ar.

pessoas novamente orgulhosas de si mesmas e de seu país erguem suas bandeiras para o céu. muitxs chorando lágrimas ao mesmo tempo de apreensão e de celebração.

nosso coração chora junto com eles. e juntos com eles celebramos e erguemos nossos punhos. desfraldamos nossas bandeiras e entoamos nossas canções e palavras de ordem.

porque não se trata apenas de Lula e de uma eleição. e muito menos diz respeito a partidos políticos, candidaturas, processos jurídicos ou sentenças de juízes e tribunais.

o que importa são as vidas destruídas pela catástrofe social imposta pelas políticas dos tecnocratas a serviço da tirania dos mercados financeiros.  

o que importa são vidas que valham a pena serem vividas.

o que importa é o momento em que frente a certeza de continuar a viver como um morto-vivo, é preferível sentir-se intensamente vivo mesmo correndo o risco de morrer.

somente a luta muda a vida. ousar lutar, ousar vencer!

acordei e me deparei com os invasores. se vou morrer, que eu morra como quem luta. e me enterrem lá no alto da montanha, sob a sombra de muitas flores. quando as pessoas passarem, dirão: “que flores lindas!”. são o jardim de quem luta!

bella, ciao! viva Alice!

vídeo: Samba enredo da Beija-Flor 2018 por Giovana Galdino


vídeo: Bella Ciao - ORIGINALE

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23 janeiro 2018

os Brasis: Lava Jato & Associados (II)

23/01/2018


em artigo sobre a Operação Mãos Limpas, Sérgio Moro demonstra plena consciência de um grotesco desdobramento político daquela ação judicial:

“Tendo ou não Berlusconi alguma responsabilidade criminal, não deixa de ser um paradoxo que ele tenha atingido tal posição na Itália mesmo após a operação mani pulite.”

com efeito, assim como acabou sendo na Itália também foi o mesmo no Brasil.

aqui jaz um cadáver putrefato em meio ao caos: uma seletiva Lava Jato tendo como resultado anunciado conduzir à Presidência do Brasil um político impopular, inelegível e incapaz de resistir a qualquer investigação isenta, repetindo os mesmo catastrófico desdobramento da “Mãos Limpas” italiana, em cujo rastro Berlusconi chegou ao poder.

a Lava Jato é um processo imbricado inevitavelmente com a política, sem poder ser reduzida a seus aspectos puramente técnicos jurídicos. trata-se fundamentalmente de financiamento empresarial de campanha eleitoral, com objetivo de apropriar-se de recursos públicos.

os grandes empreiteiros financiam as campanhas eleitorais como um investimento cujo retorno se dá por inúmeros favorecimentos em concorrências, aditivos de contratos, superfaturamentos. este mecanismo foi exposto pela Lava Jato.

os banqueiros obtém o retorno de seu investimento nas campanhas eleitorais através da Selic,  dos swaps cambiais, do spread bancário e da política econômica voltada para os interesses do mercado financeiro. seus  operadores são o Copom, o BC e o Ministério da Fazenda, levando ao desvio de 42% do orçamento público para o rentismo sob a cínica rubrica de "pagamento de juros".

apesar disto, a Lava Jato jamais ousou penetrar no coração das trevas da corrupção no sistema financeiro, para investigar também as doações eleitorais vindas dos banqueiros. ao contrário, disto sempre se esquivou insidiosamente, sem nunca cruzar o limite de uma investigação concebida para ser arbitrária.

após quase 4 anos de Lava Jato os banqueiros ainda se mantém como os verdadeiros “donos” de uma política econômica anti-democrática, claramente lesiva aos interesses da maioria da população e mesmo à própria soberania nacional. trata-se da contrapartida por conta de seu financiamento de campanhas eleitorais, sem fazerem distinção de partidos e favorecendo vários candidatos.

após quase 4 anos de Lava Jato a corrupção continua escancarada, com a compra de votos à vista de todos no plenário da Câmara Federal. com objetivo de manter a qualquer custo Temer e sua quadrilha no governo, aprovar as contra-reformas regressivas e converter o Brasil numa neo-colônia semi-escravocrata.

a Lava Jato prometeu passar a limpo o Brasil, e tão somente reproduziu um secular Judiciário fora da lei. anunciou-se como instrumento de superação de um capitalismo de cumpadrio, e gerou a infame indústria das delações premiadas.

seu resultado final será a total descrença popular no Judiciário brasileiro, fornecendo o argumento definitivo para a necessidade de sua democratização.

a Lava Jato é a filha bastarda da Satiagraha, para fazer eclodir o retorno do reprimido daquilo enterrado pela maldita aliança entre Lula, Gilmar Mendes, Daniel Dantas e a Editora Abril.

a Lava Jato transformou um processo absolutamente necessário para o avanço da Democracia Brasileira, numa arma política apropriada pela Direita para servir mais uma vez aos interesses da plutocracia.

a cada vez que a Esquerda recua, o vácuo é ocupado pelo avanço da Direita.

a Lava Jato fornece a blindagem jurídica da Democracia sem voto. na qual todo poder emana de um Judiciário venal, classista, corporativo e partidarizado.

através de sua interpretação arbitrária das leis ficam cassadas as garantias individuais, para cumprir a nova Constituição pela qual está garantida a intocabilidade dos juros pagos aos especuladores.

o limite da investigação efetuada pela Lava Jato são as contradições intrínsecas do Capitalismo: financeirização e oligopolização. a contradição interna da Lava Jato é sua investigação desembocar na constatação da corrupção sistêmica ser endógena ao Capitalismo.

a corrupção não pode ser corrigida, portanto, pela via policial ou judicial. requer uma solução política.

“Além disso, a ação judicial não pode substituir a democracia no combate à corrupção.”

ao pretenderem purificar a política com seus 10 Mandamentos anti corrupção, os Cruzados de Curitiba conduziram ao poder um condomínio de gangues patrimonialistas. com um impeachment sem crime de responsabilidade rasgou-se a Constituição, na maior de todas as corrupções: a corrupção da soberania popular.

a medida que uma investigação avança, todos os envolvidos são paulatinamente desmascarados. mas sempre há um passo a frente. o momento no qual o investigador, ao se encarar perplexo no espelho, finda por involuntariamente desmascarar a si mesmo.

enfim, a força tarefa da Lava Jato fica exposta como meros marionetes de um jogo fora da alçada de sua jurisdição.

a Lava Jato & Associados é uma arma de destruição em massa, dentro da estratégia da Guerra sem Fim promovida pelo Império do Caos. é uma operação montada de fora, comandada de fora, para atender a interesses de fora. portanto, é “muito maior” do que nós.

mas ainda assim incondicionalmente apoiada pelo insidioso inimigo interno: uma lumpenburguesia hereditariamente sócia-minoritária do mega capital transnacionalizado. cujo projeto de Brasil se restringe a uma plataforma de valorização do capital financeiro ancorada num porto concentrador de exportação de commodities.

a tragédia dos gigantescos prejuízos econômicos, sociais e políticos acarretados pela Lava Jato & Associados são a consequência inevitável e proporcional de sua farsa no combate à corrupção. e disto nenhum de seus participantes, seja em qual nível for, estará isento de ser responsabilizado.

24-JAN-2018. não esqueceremos. não temos misericórdia. já estamos aqui. a terra treme. são as massas que movem a História. mais uma vez, elas estão em movimento!



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21 janeiro 2018

A condução de Sérgio Cabral é um ponto de não-retorno

21/01/2018


já passamos por vários pontos de não retorno. eles tem sido ultrapassados apenas para provar o quanto fundo se pode descer num poço cavado por nós mesmos.

exemplo:

após sofrer condução coercitiva, Lula concede longa entrevista coletiva, na qual promete a “volta da Jararaca” para de novo percorrer as ruas do Brasil. como sempre, rapidamente voltou a ser o velho e pacato Lulinha Paz e Amor. afinal, como afirma categoricamente num dos grampos: “Eu não quero incendiar o país. Eu sou a única pessoa que poderia incendiar este país". o Brasil acabou incendiado do mesmo jeito, com Lula chorando abraçado com Dilma.

enquanto Sérgio Cabral e Amigos dos Amigos de Lula são ultrajados, como troféus da caça à corrupção alheia promovida pela Lava Jato & Associados, uma pergunta paira incomodamente no ar: onde está Cunha?

mas não seria o caso de requisitar uma prova judicial de Cunha estar realmente na prisão? e por que não se faz isto? porque tudo não passa de uma grande farsa! e todos dela fazem parte, em maior ou menor grau.

ainda vai ser preciso bastante sofrimento até a aceitação do óbvio: não existe mais nenhuma possibilidade de reedição de algum Pacto à la Brasil. por muito tempo não haverá qualquer coisa do tipo Centro Democrático na política brasileira.

em 24-JAN-2018, próxima quarta-feira, teremos mais um  momento da repugnante repetição no Brasil da histórica maldição de farsas e tragédias entrelaçadas, girando em círculos num vazio sem redundar em nada, senão desgaste, frustração, impotência, depressão, derrotas, suicídios, torturas, mortes, genocídios.
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17 janeiro 2018

os Brasis: Lula-lá em 24-JAN-2018

17/01/2018

em 24-JAN-2018 o TRF-4 confirma uma decisão longamente anunciada: Lula é culpado. e como "decorrência natural" da condenação, sua prisão é decretada.

este é o pior cenário. é sempre para o pior cenário que se deve estar preparado. ao se capacitar para se posicionar frente ao pior cenário, todos os demais, de menor gravidade, podem ser enfrentados.

qual o planejamento em curso para o pior cenário: a prisão de Lula?

a única possibilidade de Lula não ser preso se dá por dois fatores, com seus diversos graus de intercombinação:

1. finalmente o Lulismo ter viabilizado seu ingresso no Pacto à la Brasil, mais uma reedição do acordo entre as elites, acrescentando um novo capítulo à longa tradição brasileira de modernizações conservadoras;

2. a mobilização social em defesa de Lula cresceu a ponto de atemorizar o setor dominante.

nada inspira mais terror aos que dominam, do que a multidão nas ruas. desde Junho de 2013 é esta a grande lição ainda nos rondando, até hoje atravessada na garganta da Ex-querda e do Lulismo.

em Junho de 2013 a grande mídia estava unida em bloco contra o "vandalismo", sempre conclamando os governos a reprimirem com violência as manifestações.

quando os psicopatas da PM começaram a vazar olhos com balas de borracha, também agredindo as equipes de reportagem, houve um reposicionamento da grande mídia, especificamente por conta da violência sofrida por jornalistas em 13-JUN-2017.

o único momento em que Junho de 2013 foi de fato amplificado pela grande mídia se deu em 17-JUN-2013, exceção também quanto ao arrefecimento da repressão.

o resultado deixou tanto o setor dominante como a Ex-querda e o Lulismo apavorados: houve uma expansão exponencial dos protestos. cerca de 1 milhão de pessoas tomaram a Av. Pres. Vargas, no Rio de janeiro, ocupando-a por completo, da Candelária ao prédio da Prefeitura.

se fosse objetivo da grande mídia amplificar as manifestações até a derrubada de Dilma, por que ela não o fez? porque era claro ser impossível controlar manifestações daquela magnitude. em virtude de seu caráter eminentemente anti-institucional, tudo viria abaixo.

então a grande mídia atuou para tentar canalizar o movimento para as bandeiras que lhe interessavam: corrupção e PEC-37.

a repressão retornou com ainda maior ferocidade já na noite de 20-JUN-2013. não houve restrição ao arsenal de brutalidades: cassetetes, bombas, gás, cães, cavalaria e até o blindado Caveirão da genocida PM-RJ.

a partir de então, o movimento foi sistematicamente expulso das ruas com requintes de violência.

tudo o que qualquer setor dominante em qualquer sociedade não quer é a multidão nas ruas. quando muito, por nada além de um breve momento e totalmente sob tutela, sempre obedecendo a uma agenda cuidadosamente executada.

o Golpe de 2016 foi concebido como um par de barulhentas e sórdidas tardes de domingo, com as manadas de patos amarelos com a camisa da CBF ocupando a Av. Paulista para protestarem contra a corrupção, corporificando por esta forma a base social necessária para legitimar um impeachment inconstitucional.

o principal objetivo do setor dominante, sócio minoritário dos mega interesses globalizados, é a selvagem reformatação do Brasil como uma neo-colônia semi-escravocrata, combinando plataforma de valorização do capital financeiro com porto concentrador de exportação de commodities.

um modelo no qual resta espaço apenas para uma residual industrialização, um pequeno mercado interno e um baixo índice populacional.

como reduzir e simplificar uma sociedade complexa, com mais de 200 milhões de habitantes e enorme diversidade sócio-cultural, para se encaixar numa moldura de tamanha restrição em tão curto intervalo de tempo?

a rápida travessia da Ponte para o Futuro, como programa do governo usurpador, não somente coloca abaixo todas as demais pontes, inviabilizando a reconstrução da Pax Lulista, como derruba a si mesma: não há retorno ao Brasil pré Golpe de 2016.

daquele Brasil já não resta pedra sobre pedra. esta fratura permanentemente exposta por um colapso ainda se agravando, não poderá ser restaurada sem um profundo acerto de contas da sociedade brasileira consigo mesma.

24-JAN-2018 vem a ser mais um evento neste impasse de tempos incertos, tomados por contradições além de qualquer perspectiva de síntese.

sendo a condenação sem provas de Lula ratificada por uma votação de 2x1, apenas se dará mais uma volta no desenrolar de um período de indeterminações.

com o resultado de 3x0, avança-se um passo em direção ao completo regime de exceção. mesmo assim, algumas postergações e recursos tentarão garantir o nome de Lula nas urnas, das certamente viciadas Eleições de 2018.

apesar de recentes declarações do TRF-4 avisando que Lula não será preso imediatamente após a sentença, não estar preparado para esta hipótese seria um erro fatal.

antes do Golpeachment, o presidente nacional da CUT prometera "ir às ruas com armas nas mãos" para impedir a derrubada de Dilma.

apesar disto a President@ submeteu-se disciplinada ao circo de horrores comandado por Eduardo Cunha, sem oferecer qualquer resistência a um golpe de Estado, ainda que jurídico-parlamentar mas desprovido de qualquer base legal.

após o sucesso da maior greve geral já realizada no Brasil, em 28-ABR-2016, a CUT recuou para centrar o movimento na direção das hipotéticas Eleições de 2018, em prol de uma sub judice pré-candidatura Lula.

Lula chegou a afirmar publicamente sobre a necessidade de lutar, sobretudo com o exército do MST colocado ao seu lado.

mas em privado sua conversa sempre foi outra, como afirma categoricamente num dos grampos: “Eu não quero incendiar o país. Eu sou a única pessoa que poderia incendiar este país". o Brasil acabou incendiado do mesmo jeito, com Lula chorando abraçado com Dilma.

o vício em se apoiar na muleta de apontar a Globo como quem manda no Brasil, nunca passou de um ardil hipócrita do Lulismo, pois nomear banqueiros, rentistas  e exportadores de commodities como o núcleo da lumpenburguesia brasileira, seria também inviabilizar sua principal fonte de recursos de financiamento de campanhas.

a moeda de troca pelos 13 anos de governo Lulista foi cunhada através da cooptação de lideranças sindicais e dos movimentos sociais, com o consequente apaziguamento de greves, protestos e manifestações, conjugada com a manutenção intocada da política econômica neoliberal, tendo como contrapartida a implementação de políticas sociais compensatórias, de caráter focado e não universal.

agora é preciso ocupar novamente as ruas, mas em seus longos 13 anos de governo o Lulismo não se preparou para fazê-lo, como mesmo se constituiu num poderoso instrumento de sedação para manter sob controle a luta de classes, em nome de uma conciliação frágil e incapaz de promover mudanças minimamente duradouras.

a crise da Democracia brasileira é a crise da Esquerda brasileira: uma crise de identidade. sem uma rigorosa e implacável análise crítica dos dados e dos fatos é impossível construir auto-conhecimento. sem auto-conhecimento nenhuma auto-transformação se concretiza.

se com Gleisi Hoffmann e Paulo Pimenta o PT recuperou consideravelmente seu retrocesso, ainda está infinitamente distante das raízes daquele único partido no Brasil até hoje nascido dos movimentos sociais, em cujo Estatuto de fundação consta como sua principal forma de organização interna os Núcleos Autônomos de Base.

atualmente o PT conta com uma bancada de 57 Deputados Federais. de quantos deles poderíamos citar espontaneamente seus nomes? quantos tiveram atuação decisiva em suas bases na luta contra o Golpe de 2016? qual a contribuição para esta luta vinda dos 5 governadores do PT, incluindo estados com maior população e recursos econômicos como Minas, Bahia e Ceará, além de uma escandalosa omissão?

com uma pequena mas combativa bancada de 6 Deputados Federais, o PSOL padece de um vício de origem: um partido eminentemente parlamentar criado em 2006 como suporte para uma candidatura à Presidência da República. ao contrário do PT, o PSOL jamais contou com uma ampla e enraizada base social, portanto sua capacidade de mobilizar a população até hoje é insuficiente.

assim como Lula e o PT representaram o operariado e o trabalhador sob um capitalismo industrial fordista, Guilherme Boulos e o MTST são nascidos das lutas contra um capitalismo financeirizado, no qual a divisão de classe passa prioritariamente não mais pela oposição entre Capital x Trabalho, e sim entre Credores e Devedores.

uma precoce candidatura de Boulos à presidência seria mais uma vez reconduzir a vitalidade orgânica dos movimentos sociais à engessada via parlamentar. sem qualquer outro resultado a não ser repetir o mesmo desgaste de velhas e conhecidas derrotas: uma institucionalidade em decomposição não pode ser regenerada senão pelo próprio poder instituinte. ou seja: o poder popular. e poder popular não é criado pelo voto, somente pela luta.

como no último baile do Império, todos nós dançamos ambiguamente sobre um vulcão. todos sentimos a explosão prestes a acontecer. todos já aprendemos que nenhuma Bastilha está eternamente a salvo, todas elas foram erguidas apenas para serem derrubadas.


talvez o 24-JAN-2018 não tenha a capacidade de vir a ser esta centelha. ao menos terá reacendido no PT a vontade de se reciclar da condição de peça de reposição da ordem para uma outra vez assumir a lógica da diferença?

os atuais protestos do MPL contra o aumento da tarifa poderiam resgatar Junho de 2013? mesmo que não, não seriam excelente oportunidade para dinamizar a luta contra o Golpe de 2016?

o que arrasta a multidão às ruas? recentemente nos últimos protestos no Irã, foi o aumento do preço dos ovos...

talvez não haja nenhum decisivo fator desencadeante, na medida dele se tratar apenas de uma última gota a fazer transbordar a fervura.

com toda certeza a materialização da multidão nas ruas não se processa através de convocações, manifestos ou programas.

possivelmente toda a função da Esquerda consista em apoiar, amplificar, disseminar e interconectar protestos, manifestações, ocupações, greves e todo tipo de movimento social e expressão coletiva. e seja esta miríade de minúsculas e anônimas fagulhas o processo catalisador da irrupção.

mas tudo pode se resumir aquele momento de juntos experimentarmos uma mesma sensação: a insuportável e irresistível repugnância frente a uma vida que não mais vale a pena ser vivida.

o momento em que frente a certeza de continuar a viver como um morto-vivo, é preferível sentir-se intensamente vivo mesmo correndo o risco de morrer.

assim a insurreição se dá não por uma questão de projeto político. e sim apenas por se querer viver. esta seria a irredutível ética das insurreições: a percepção compartilhada de ser possível um outro modo de viver.

vídeo: Um Motorista de Táxi - trailer legendado


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11 janeiro 2018

os Brasis: o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil

11/01/2018


{nota:}

texto com referências a conceitos de Foucault, Deleuze e Guattari, e inspirado em troca de mensagens com Clever Mendes de Oliveira (link 4, link 3, link 2 e link 1).

{citação:}

"Por maioria nós não entendemos uma quantidade relativa maior, mas a determinação de um estado ou de um padrão em relação ao qual tanto as quantidades maiores quanto as menores serão ditas minoritárias: homem-branco, adulto-macho, etc.

É nesse sentido que as mulheres, as crianças, e também os animais, os vegetais, as moléculas são minoritários.

No entanto, é preciso não confundir "minoritário" enquanto devir ou processo, e "minoria" como conjunto ou estado.

Maioria supõe um estado de dominação, não o inverso."

Gilles Deleuze e Félix Guattari
MIL PLATÔS - Capitalismo e Esquizofrenia - Vol. 4

{conceitos:}

as mulheres podem ser numericamente superior aos homens. ou seja: há quantitativamente mais mulheres do que homens.

por que as mulheres são então consideradas uma "minoria"? porque são minoritárias na relação de poder.

não se nasce mulher, torna-se. o fazer-se mulher é o devir-mulher. o devir-mulher é sempre minoritário.

o minoritário não é a minoria. é o processo através do qual a minoria se constitui autonomamente para se impor na relação de poder, libertando-se de sua condição de sujeitada para vir a ser sujeito.

contudo, não se trata de estabelecer uma inversão na relação de dominação. o objetivo do devir-minoritário não é se tornar majoritário.

por isto, o resultado do devir-mulher jamais é a mulher. a mulher é a minoria, e não o minoritário: o devir-mulher é um processo e não a constituição de uma nova identidade.

o devir-mulher é um processamento não para constituir um substantivo (a mulher), e sim autoconstituindo-se em si próprio através do verbo: vir a ser mulher. fazendo da palavra mulher um verbo.

não a mulher, mas mulher-ser. não a árvore, mas o arvorecer (árvore-ser). não o verde, mas o verde-ser (enverdecer). não a tarde, mas a tarde-ser (entardecer). não o ser, mas o vir-a-ser.

não uma identidade unitária, imutável e totalizada. mas um movimento de auto-constituição permanente, o que implica em constante e continua auto-transformação.

o minoritário sempre é um devir, um tornar-se, um fazer-se, um vir a ser, sem jamais se completar, sem nunca estancar seu movimento.

o devir-mulher é o processamento contínuo e constante de fazer-se mulher. caso se interrompa ou se paralise, ou se recai novamente na condição de minoria ou é porque se estabeleceu um novo majoritário.

e no caso de estabelecido como majoritário apenas se inverteu a relação de poder, enquanto o devir-minoritário vem a ser a superação de uma relação de poder constituída como dicotomia sujeito/sujeitado. uma superação alcançada não como resultado final do processamento, e sim através de seu próprio movimento.

{citação:}

" É por isso que devemos distinguir: o majoritário como sistema homogêneo e constante, as minorias como subsistemas, e o minoritário como devir potencial e criado, criativo.

O problema não é nunca o de obter a maioria, mesmo instaurando uma nova constante. Não existe devir majoritário, maioria não é nunca um devir. Só existe devir minoritário.

O devir minoritário como figura universal da consciência é denominado autonomia."

Gilles Deleuze e Félix Guattari
MIL PLATÔS - Capitalismo e Esquizofrenia - Vol. 2

{microfísica do poder:}

o poder não é um lugar que se ocupa, tampouco um objeto que se possui. o poder se exerce. e se exerce numa relação. não se trata de ter mais ou menos poder, nem quantitativamente nem qualitativamente. muito menos de ocupar posições de poder.

se o poder é relacional, seu exercício depende de estratégias. portanto, de se estabelecer e aplicar estratégias capazes de determinar a correlação de forças.

a relação de poder sempre é uma relação de guerra, na qual ou se ganha ou se é derrotado.

o poder tem como objetivo governar os coletivos, compreendendo-se aqui o individual também como uma coletividade.

{citação:}

"Temos em suma que admitir que esse poder se exerce mais que se possui, que não é o "privilégio" adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas - efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados."
Vigiar e Punir - Michel Foucault

"La unidad humana elemental no es el cuerpo-el individuo, sino la forma-de-vida."

{a mulher como forma-de-vida:}

o que é a mulher enquanto minoria?

é a filha, a irmã, a tia, a esposa, a avó, a mãe.

é a dona de casa, a trabalhadora, a prostituta, a empregada doméstica, a executiva, a loura burra, a mulata gostosona. a explorada, mas também a que explora. a oprimida, mas também a que oprime.

ser mulher é assumir papéis sociais em conformidade com normas já estabelecidas e sob as quais não se exerce qualquer poder de transformação.

a minoria é representação, o devir é criação. a minoria é um teatro, o devir é um processo. a minoria é a captura de um processamento num loop infinito. o tornar-se mulher é reduzido a ser mulher.

o que é ser mulher? é conformar-se em estar aprisionada em funções já determinadas no ambiente de relações sociais de dominação e exploração.

a estratégia hegemônica do exercício de poder se faz através de modos de viver, de formas-de-vida.

ao assumir a forma-de-vida dona-de-casa, a mulher já não cria sua própria vida, apenas representa um papel imposto.

os modos de vida majoritários (aqui neste texto denominados como formas-de-vida) são assumidos como as únicas opções, sem haver nenhuma alternativa.

a existência se torna a tediosa e monótona repetição de um mesmo padrão, numa incessante debilitação exaurindo completamente a energia vital. até o desejo nada mais desejar, a não ser a morte.

a partir de então, o desejo não é mais pela própria vida, um desejo que deseja a si mesmo, reduzindo-se a desejar formas-de-vida padrão, um desejo que deseja parar de desejar: o desejo de morrer.

{máquina desejante (hardware) e processamento desejante (software):}

esta captura do desejo pelas formas-de-vida majoritárias é a origem de todas as patologias psico-sociais.

ao desejar ser mãe (uma forma-de-vida estereotipada) já não é possível tornar-se mãe. pois tornar-se mãe vem a ser um modo de viver a ser criado, inventado, num processamento de configuração específica para cada caso e situação, exigindo também uma permanente manutenção e customização.

as formas-de-vida são como softwares. há uma programação envolvida. quanto a esta programação, este código, ou a ele se está sujeitado, ou se é sujeito de seu desenvolvimento, de sua escrita, assumindo sua própria auto-programação.

esta é também uma relação de poder. uma guerra com muitas batalhas, as quais se ganha ou se é derrotado.

cada forma-de-vida é um modelo pré-existente e pré-determinado, cujo processamento reproduz as relações de dominação para gerar subjetividades sujeitadas. o sucesso da dominação vem a ser dela se exercer ainda no nível pré-individual e pré-consciente, através das formas-de-vida.

é a forma-de-vida quem gera a sujeição. daí a imensa dificuldade de transformação coletiva, posto tanto o social como o individual serem coletividades decorrentes de um processamento em nível mais baixo efetuado pela forma-de-vida.

um processo de emancipação exige modos de viver libertários, os quais por sua vez redundam em outras relações sociais, disto emergindo outras coletividades e outras relações de poder.

a criação de outros modos de viver, não encapsulados pelas formas-de-vida, implica em ficar face a face com o caos. sem passar pela fase do caos nenhuma criação é possível. para criar a si mesmo e inventar sua própria vida, é preciso enfrentar os perigos da loucura, da prisão, da doença e da morte.

assim, não se trata de não ser mãe. e sim: torne-se mãe, mas não como a mãe. torne-se prostituta, mas não como a prostituta. torne-se mulher, mas não como a mulher.

não assuma as formas-de-vida hegemônicas, liberte-se pela criação de seus próprios modos de vida.

{os Brasis:}

o Brasil é o padrão, o majoritário. os Brasis são a minoria e o tornar-se Brasil como devir minoritário.

o Brasil dos 0,1% conduz uma guerra de extermínio contra todos os demais Brasis. o vir-a-ser Brasil é o processamento de emancipação através da constituição de outras coletividades.

a Ex-querda é o padrão. a Esquerda é a minoria. o devir-Esquerda como o desenvolvimento de modos de viver capazes de constituir outras coletividades, através das quais se executa o processamento de emancipação.

o devir-Esquerda como o vir-a-ser Brasil.

{vídeo:}

sujeito e objeto da observação se confundem no processamento de observar. é no processamento que se constituem as subjetividades e os sujeitos.

vídeo: Escher and the Droste Effect


vídeo: Gilles Deleuze - O que é ser de esquerda?



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06 janeiro 2018

os Brasis: com Guilherme Boulos na encruzilhada

06/01/2018


Guilherme Boulos encarna a atual fase do processo coletivo de construção dos Brasis: o fazer-se Brasil.

Getúlio Vargas personificou a impossibilidade de haver no Brasil uma "Burguesia Nacional", sendo seu suicídio um tiro de misericórdia nesta ilusão.

Lula é um símbolo vivo da ascensão do trabalhador brasileiro ao protagonismo social e político que lhe cabe, sem o qual o Brasil não se viabiliza como Estado, tampouco se ergue como Nação.

Getúlio Vargas iniciou a industrialização do Brasil pela via de uma ditadura sanguinária, às custas do massacre de movimentos sociais autônomos dos trabalhadores. o preço da CLT e do sindicalismo pelego atrelado ao Estado foi a prisão, a tortura, o exílio e a morte de anarquistas e militantes do Bloco Operário Camponês.

Lula era um típico dirigente da burocracia sindical gerada pelo pacto populista firmado por Getúlio, mas nas greves dos metalúrgicos do ABCD, uma multidão de anônimos metalúrgicos o transformou na maior de todas as lideranças dos trabalhadores brasileiros.

assim também começa a gestação do único partido no Brasil até hoje nascido dos movimentos sociais: o PT, em cujo Estatuto de fundação consta como sua principal forma de organização interna os Núcleos Autônomos de Base.

o passaporte de Lula à Presidência foi concedido com a "Carta ao Povo Brasileiro" e a nomeação de Henrique Meirelles para o BC. ao fazer o percurso inverso de Getúlio, Lula sai definitivamente da história dos movimentos sociais que o geraram, para entrar na vida política tradicional de renovação permanente dos falidos pactos de conciliação nacional.

a moeda de troca pelos 13 anos de governo Lulista foi cunhada através da cooptação de lideranças dos movimentos sociais e pela manutenção intocada da política econômica neoliberal, tendo como contrapartida a implementação de políticas sociais compensatórias.

Guilherme Boulos corporifica a liderança de uma nova composição social: a multidão de pobres produzida pela hiper-precarização do trabalho.

assim como Lula representou o operariado do capitalismo industrial fordista, Boulos é nascido das lutas contra um capitalismo financeirizado, no qual a divisão de classe passa prioritariamente não mais pela oposição entre Capital x Trabalho, e sim entre Credores e Devedores.

da fábrica à metrópole, de Lula a Boulos, o campo de luta se deslocou.

no contemporâneo Capitalismo cognitivo prevalece o trabalho imaterial, a mercantilização da vida se completou. o tempo de vida coincide com tempo de trabalho não remunerado.

num Capitalismo logístico, no qual tudo se tornou serviços, a criação de valor já não se limita a esfera da produção, hoje a circulação agrega valor em vez de desvalorizar o produto.

foram várias as encruzilhadas históricas de Lula.

em 1979, após a intervenção nos sindicatos do ABCD, Lula estava pronto a retornar ao seu emprego na Villares. tudo levava a supor o refluxo do movimento, com os operários voltando ao trabalho de cabeça baixa e mãos vazias. mas a greve prosseguiu, com os braços cruzados e as máquinas paradas. os metalúrgicos repetiam com orgulho: ”Somos todos Lula. Podem prender o Lula, agora todo mundo é Lula”. depois de dois dias sumido, Lula reapareceu num estádio lotado pelos peões do chão de fábrica, dando início a formação do PT e da CUT.

em 1989, Lula entrou em colapso na última semana de campanha, no segundo turno da primeira eleição direta para Presidente da República após 1964. após uma derrota consentida, inicia-se o lento, seguro e gradual transformismo de Lula e do PT, rompendo com a lógica da diferença para se tornarem parte da sustentação da ordem.

Lula é mais um ciclo no processo de amadurecimento dos Brasis, no qual se cumprirá a profecia de Getúlio Vargas: “Um dia será um de vocês que estará aqui no meu lugar”. infelizmente, Lula ainda não é "esse cara". até mesmo porque já não será um cara, e sim um coletivo de coletivos.

agora é a vez de Boulos fazer sua opção na fatídica encruzilhada de um interregno: ser ou não ser. ou melhor: qual vir a ser?

pela pedagogia do Golpe de 2016 chegamos a duas grandes lições:

1. não há, nem nunca houve, nenhuma "burguesia nacional" no Brasil.

o núcleo do setor dominante no Brasil são os banqueiros, os rentistas e os exportadores de commodities. sócios minoritários do mega Capital trans-globalizado, são uma lumpenburguesia extrativista e golpista, neo-colonial e semi-escravocrata, sem qualquer compromisso com o país e sua população.

com ela nenhum pacto ou conciliação é viável, pois exige rendição incondicional. enquanto não for derrotada, jamais o Brasil será independente e terá qualquer desenvolvimento com inclusão social;

2. a via parlamentar está bloqueada para a transformação social.

uma lumpenburguesia neo-colonial e semi-escravagista jamais consentirá em qualquer governo comprometido com outro interesse a não ser exclusivamente o dela própria. no Brasil não existem sequer condições para um reformismo de baixa intensidade, como tentou implementar o Lulismo.

apesar da Ex-querda se recusar a assimilar as duras lições da História, ainda em 1950 Carlos Lacerda já o deixou definitivamente claro, referindo-se a Getúlio Vargas: "Não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se eleito, não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar".

{comentário:

mesmo o Lulismo se colocando como nada além de um disciplinado gestor do capital, e a isto confirmando a partir da contra-reforma da Previdência Pública em 2003, ainda assim quase foi derrubado em 2005, na crise do Mensalão. observe-se também como em seu segundo mandato Lula não foi assediado em virtude do imenso desarranjo na economia causado pela Crise de 2008, a qual soube gerir em perfeita sintonia com os interesses do grande empresariado}

destas duas lições do Golpe de 2016 chega-se também a duas decorrências lógicas:

1. não será através das Eleições de 2018 que o Golpe será derrotado.

muito embora a via parlamentar tenha sua importância, não há qualquer possibilidade de transformação social única e exclusivamente através dela, pois sempre deve ser complementar ao movimento autônomo de massas.

ainda mais nas atuais circunstâncias no Brasil, onde o setor dominante fará o impossível para as Eleições de 2018 não expressarem a soberania popular e sim seus interesses de continuidade golpista.

as eleições são um momento de intensificação do debate político e da mobilização social, neste sentido devem ser utilizadas para ampliar e aprofundar a organização social.

se as Eleições de 2018 em si não são o instrumento adequado para a superação do Golpe de 2016, elas fornecem um ambiente adequado para isto ocorrer por outros meios;

2. um novo Governo Lula, ao tentar reeditar suas versões anteriores, redundará em
fracasso.

a economia global ruma em direção a um novo crash, ainda mais devastador do que a Crise de 2008.

a economia brasileira já está num crash causado pelo Golpe de 2016, sem que haja qualquer viabilidade de retomada de crescimento. ao contrário, todas as medidas do Governo usurpador desestruturam cadeias produtivas inteiras, arrastando o PIB para uma duradoura estagnação.

frente à iminente nova crise mundial e com a barbárie interna já instalada,  se impõe uma total inflexão da política econômica. não havendo para isto a mais remota condição de se manter o tradicional tripé neo-liberal: juros, câmbio e carga tributária não podem mais servir aos interesses do rentismo.

a taxa de juros reais de curto prazo (overnight) deve ser negativa e não a maior do mundo. o câmbio passa a ser administrado e não mais flutuante.  a carga tributária deixa de ser regressiva, adotando-se uma incisiva progressividade até a alíquota de 100% em sua faixa superior.

nenhuma conclusão além de um duro processo de lutas:

a crise da Democracia brasileira é uma crise de identidade. este é o intenso tempo do agora, no qual nos tornamos nossa própria esfinge nesta encruzilhada diante de dois portais de entrada: ou o Estado de Exceção permanente, ou um processo de reconstrução radical da Democracia.

esta é a questão.

para ela não haverá respostas fáceis, apenas um complexo debate para construir alternativas: a conversa concreta entre diferenças evoluindo na busca do conhecimento e da ação que dele deriva.

no momento mais delicado e mais perigoso de nossa História, não o superaremos pelo mesmo caminho que a ele chegamos. não há saída pactuada para esta crise. não haverá nenhuma reedição de mais um Pacto à la Brasil. nenhuma pax nos salvará. numa guerra de extermínio, só podemos lutar por nossa sobrevivência.

{citação:

"Fazer os cidadãos petrificados compreenderem que mesmo que não entrem em guerra, já estão nela de qualquer jeito. Que ali onde é dito que é isso ou morrer, é sempre, na realidade, isso e morrer."

"COMO FAZER?", Tiqqun}

bibliografia:

- "Ideologia e Mobilização Popular", Marilena Chauí e Maria Sylvia Carvalho Franco.
- "KorpoBraz", Giuseppe Cocco.
- "Só mais um esforço", Vladimir Safatle.
- "Além do PT", Fabio Luis Barbosa dos Santos.
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