17 janeiro 2018

os Brasis: Lula-lá em 24-JAN-2018

17/01/2018

em 24-JAN-2018 o TRF-4 confirma uma decisão longamente anunciada: Lula é culpado. e como "decorrência natural" da condenação, sua prisão é decretada.

este é o pior cenário. é sempre para o pior cenário que se deve estar preparado. ao se capacitar para se posicionar frente ao pior cenário, todos os demais, de menor gravidade, podem ser enfrentados.

qual o planejamento em curso para o pior cenário: a prisão de Lula?

a única possibilidade de Lula não ser preso se dá por dois fatores, com seus diversos graus de intercombinação:

1. finalmente o Lulismo ter viabilizado seu ingresso no Pacto à la Brasil, mais uma reedição do acordo entre as elites, acrescentando um novo capítulo à longa tradição brasileira de modernizações conservadoras;

2. a mobilização social em defesa de Lula cresceu a ponto de atemorizar o setor dominante.

nada inspira mais terror aos que dominam, do que a multidão nas ruas. desde Junho de 2013 é esta a grande lição ainda nos rondando, até hoje atravessada na garganta da Ex-querda e do Lulismo.

em Junho de 2013 a grande mídia estava unida em bloco contra o "vandalismo", sempre conclamando os governos a reprimirem com violência as manifestações.

quando os psicopatas da PM começaram a vazar olhos com balas de borracha, também agredindo as equipes de reportagem, houve um reposicionamento da grande mídia, especificamente por conta da violência sofrida por jornalistas em 13-JUN-2017.

o único momento em que Junho de 2013 foi de fato amplificado pela grande mídia se deu em 17-JUN-2013, exceção também quanto ao arrefecimento da repressão.

o resultado deixou tanto o setor dominante como a Ex-querda e o Lulismo apavorados: houve uma expansão exponencial dos protestos. cerca de 1 milhão de pessoas tomaram a Av. Pres. Vargas, no Rio de janeiro, ocupando-a por completo, da Candelária ao prédio da Prefeitura.

se fosse objetivo da grande mídia amplificar as manifestações até a derrubada de Dilma, por que ela não o fez? porque era claro ser impossível controlar manifestações daquela magnitude. em virtude de seu caráter eminentemente anti-institucional, tudo viria abaixo.

então a grande mídia atuou para tentar canalizar o movimento para as bandeiras que lhe interessavam: corrupção e PEC-37.

a repressão retornou com ainda maior ferocidade já na noite de 20-JUN-2013. não houve restrição ao arsenal de brutalidades: cassetetes, bombas, gás, cães, cavalaria e até o blindado Caveirão da genocida PM-RJ.

a partir de então, o movimento foi sistematicamente expulso das ruas com requintes de violência.

tudo o que qualquer setor dominante em qualquer sociedade não quer é a multidão nas ruas. quando muito, por nada além de um breve momento e totalmente sob tutela, sempre obedecendo a uma agenda cuidadosamente executada.

o Golpe de 2016 foi concebido como um par de barulhentas e sórdidas tardes de domingo, com as manadas de patos amarelos com a camisa da CBF ocupando a Av. Paulista para protestarem contra a corrupção, corporificando por esta forma a base social necessária para legitimar um impeachment inconstitucional.

o principal objetivo do setor dominante, sócio minoritário dos mega interesses globalizados, é a selvagem reformatação do Brasil como uma neo-colônia semi-escravocrata, combinando plataforma de valorização do capital financeiro com porto concentrador de exportação de commodities.

um modelo no qual resta espaço apenas para uma residual industrialização, um pequeno mercado interno e um baixo índice populacional.

como reduzir e simplificar uma sociedade complexa, com mais de 200 milhões de habitantes e enorme diversidade sócio-cultural, para se encaixar numa moldura de tamanha restrição em tão curto intervalo de tempo?

a rápida travessia da Ponte para o Futuro, como programa do governo usurpador, não somente coloca abaixo todas as demais pontes, inviabilizando a reconstrução da Pax Lulista, como derruba a si mesma: não há retorno ao Brasil pré Golpe de 2016.

daquele Brasil já não resta pedra sobre pedra. esta fratura permanentemente exposta por um colapso ainda se agravando, não poderá ser restaurada sem um profundo acerto de contas da sociedade brasileira consigo mesma.

24-JAN-2018 vem a ser mais um evento neste impasse de tempos incertos, tomados por contradições além de qualquer perspectiva de síntese.

sendo a condenação sem provas de Lula ratificada por uma votação de 2x1, apenas se dará mais uma volta no desenrolar de um período de indeterminações.

com o resultado de 3x0, avança-se um passo em direção ao completo regime de exceção. mesmo assim, algumas postergações e recursos tentarão garantir o nome de Lula nas urnas, das certamente viciadas Eleições de 2018.

apesar de recentes declarações do TRF-4 avisando que Lula não será preso imediatamente após a sentença, não estar preparado para esta hipótese seria um erro fatal.

antes do Golpeachment, o presidente nacional da CUT prometera "ir às ruas com armas nas mãos" para impedir a derrubada de Dilma.

apesar disto a President@ submeteu-se disciplinada ao circo de horrores comandado por Eduardo Cunha, sem oferecer qualquer resistência a um golpe de Estado, ainda que jurídico-parlamentar mas desprovido de qualquer base legal.

após o sucesso da maior greve geral já realizada no Brasil, em 28-ABR-2016, a CUT recuou para centrar o movimento na direção das hipotéticas Eleições de 2018, em prol de uma sub judice pré-candidatura Lula.

Lula chegou a afirmar publicamente sobre a necessidade de lutar, sobretudo com o exército do MST colocado ao seu lado.

mas em privado sua conversa sempre foi outra, como afirma categoricamente num dos grampos: “Eu não quero incendiar o país. Eu sou a única pessoa que poderia incendiar este país". o Brasil acabou incendiado do mesmo jeito, com Lula chorando abraçado com Dilma.

o vício em se apoiar na muleta de apontar a Globo como quem manda no Brasil, nunca passou de um ardil hipócrita do Lulismo, pois nomear banqueiros, rentistas  e exportadores de commodities como o núcleo da lumpenburguesia brasileira, seria também inviabilizar sua principal fonte de recursos de financiamento de campanhas.

a moeda de troca pelos 13 anos de governo Lulista foi cunhada através da cooptação de lideranças sindicais e dos movimentos sociais, com o consequente apaziguamento de greves, protestos e manifestações, conjugada com a manutenção intocada da política econômica neoliberal, tendo como contrapartida a implementação de políticas sociais compensatórias, de caráter focado e não universal.

agora é preciso ocupar novamente as ruas, mas em seus longos 13 anos de governo o Lulismo não se preparou para fazê-lo, como mesmo se constituiu num poderoso instrumento de sedação para manter sob controle a luta de classes, em nome de uma conciliação frágil e incapaz de promover mudanças minimamente duradouras.

a crise da Democracia brasileira é a crise da Esquerda brasileira: uma crise de identidade. sem uma rigorosa e implacável análise crítica dos dados e dos fatos é impossível construir auto-conhecimento. sem auto-conhecimento nenhuma auto-transformação se concretiza.

se com Gleisi Hoffmann e Paulo Pimenta o PT recuperou consideravelmente seu retrocesso, ainda está infinitamente distante das raízes daquele único partido no Brasil até hoje nascido dos movimentos sociais, em cujo Estatuto de fundação consta como sua principal forma de organização interna os Núcleos Autônomos de Base.

atualmente o PT conta com uma bancada de 57 Deputados Federais. de quantos deles poderíamos citar espontaneamente seus nomes? quantos tiveram atuação decisiva em suas bases na luta contra o Golpe de 2016? qual a contribuição para esta luta vinda dos 5 governadores do PT, incluindo estados com maior população e recursos econômicos como Minas, Bahia e Ceará, além de uma escandalosa omissão?

com uma pequena mas combativa bancada de 6 Deputados Federais, o PSOL padece de um vício de origem: um partido eminentemente parlamentar criado em 2006 como suporte para uma candidatura à Presidência da República. ao contrário do PT, o PSOL jamais contou com uma ampla e enraizada base social, portanto sua capacidade de mobilizar a população até hoje é insuficiente.

assim como Lula e o PT representaram o operariado e o trabalhador sob um capitalismo industrial fordista, Guilherme Boulos e o MTST são nascidos das lutas contra um capitalismo financeirizado, no qual a divisão de classe passa prioritariamente não mais pela oposição entre Capital x Trabalho, e sim entre Credores e Devedores.

uma precoce candidatura de Boulos à presidência seria mais uma vez reconduzir a vitalidade orgânica dos movimentos sociais à engessada via parlamentar. sem qualquer outro resultado a não ser repetir o mesmo desgaste de velhas e conhecidas derrotas: uma institucionalidade em decomposição não pode ser regenerada senão pelo próprio poder instituinte. ou seja: o poder popular. e poder popular não é criado pelo voto, somente pela luta.

como no último baile do Império, todos nós dançamos ambiguamente sobre um vulcão. todos sentimos a explosão prestes a acontecer. todos já aprendemos que nenhuma Bastilha está eternamente a salvo, todas elas foram erguidas apenas para serem derrubadas.


talvez o 24-JAN-2018 não tenha a capacidade de vir a ser esta centelha. ao menos terá reacendido no PT a vontade de se reciclar da condição de peça de reposição da ordem para uma outra vez assumir a lógica da diferença?

os atuais protestos do MPL contra o aumento da tarifa poderiam resgatar Junho de 2013? mesmo que não, não seriam excelente oportunidade para dinamizar a luta contra o Golpe de 2016?

o que arrasta a multidão às ruas? recentemente nos últimos protestos no Irã, foi o aumento do preço dos ovos...

talvez não haja nenhum decisivo fator desencadeante, na medida dele se tratar apenas de uma última gota a fazer transbordar a fervura.

com toda certeza a materialização da multidão nas ruas não se processa através de convocações, manifestos ou programas.

possivelmente toda a função da Esquerda consista em apoiar, amplificar, disseminar e interconectar protestos, manifestações, ocupações, greves e todo tipo de movimento social e expressão coletiva. e seja esta miríade de minúsculas e anônimas fagulhas o processo catalisador da irrupção.

mas tudo pode se resumir aquele momento de juntos experimentarmos uma mesma sensação: a insuportável e irresistível repugnância frente a uma vida que não mais vale a pena ser vivida.

o momento em que frente a certeza de continuar a viver como um morto-vivo, é preferível sentir-se intensamente vivo mesmo correndo o risco de morrer.

assim a insurreição se dá não por uma questão de projeto político. e sim apenas por se querer viver. esta seria a irredutível ética das insurreições: a percepção compartilhada de ser possível um outro modo de viver.

vídeo: Um Motorista de Táxi - trailer legendado


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