18 fevereiro 2017

18/02/2017


fotos: Jornalistas Livres

aquela era uma estranha contagem regressiva. quanto mais chegava ao seu término, mais distante ficava de seu destino. 2018 é para sempre um ano longe demais.

não haverá retorno ao paraíso perdido do big-bang das commodities. nenhum regresso à ilusão dos anos dourados do “político mais popular da Terra”. adeus à qualquer reedição da estratégia de conciliação permanente para viabilizar um projeto de hegemonia às avessas.

já não pode existir uma coexistência pacífica na qual a minoria mantém seus privilégios ultrajantes e seus lucros exorbitantes, enquanto se tenta mitigar a vergonhosa miséria da maioria através de políticas sociais compensatórias.

numa economia mundial mais uma vez à beira de um novo colapso, desta vez provocado pela crise da dívida privada na China, desapareceram as mínimas condições para num país acorrentado ao modelo liberal-periférico, como mero exportador de matéria-prima, se implementar programas sociais redistributivos.

com a mudança climática se agravando em todo o planeta, no Brasil a ponta deste iceberg é a crise hídrica, enquanto em sua profundidade submersa se propaga uma epidemia de distúrbios do sono.

por toda parte as chamas crepitam. mesmo abafadas  pelo lockout da MídiaGlobal. mesmo repudiadas por uma proposta não de superação do golpe, e sim do congelamento da oposição a ele. como se fosse possível reduzir o brilhante calor da luta ao desolador inverno de uma resignada pax social fundada na capitulação e no fatalismo.

o verão chegou. as grandes labaredas do incêndio nacional se alastram, sem que ninguém mais possa reservar para si tanto o desejo quanto a capacidade de ateá-las. queremos incendiar o país, somos nós, o Povo sem Medo, os únicos que podem fazê-lo. Dracarys.

a representação política faliu. as instituições estão em coma. a economia se desintegra. o tecido social se decompõe. com o véu constituinte em farrapos,  Executivo, Legislativo, Judiciário e MP estão despidos de qualquer poder emanado do povo, e se alinham a serviço de um único poder: o econômico. o poder do grande capital financeirizado e internacionalizado.

por um lado, uma Direita sem qualquer pudor em exibir a brutalidade de sua face colonial e escravagista. não lhe basta condenar o Brasil à pena perpétua como produtor de commodities, com seu povo submetido à precarização estrutural do trabalho e completa extirpação da cidadania. é preciso ir além: a alienação do próprio território nacional.

do outro lado uma Ex-querda pelega e perdida. sempre pautada pelo calendário eleitoral, orientada à pesquisas de intenção de voto e movida pelo sonho impossível de através da conciliação de classes promover a redenção dos trabalhadores.

e nós no meio desse nó. um nó que nenhum dos gestores de BrazilPar conseguirá desatar. nós que nenhuma facção da guerra de famiglias poderá cooptar. nós que não estão presos a nenhum limite, pois se há limites insuperáveis, não deve haver limite no desejo de superá-los.

se o tigre parar, as presas possantes do elefante irão transpassar. mas o tigre jamais vai parar e o elefante de hemorragia e exaustão morrerá.

a lumpenburguesia brasileira forjou as condições inéditas para o impensável. tudo sob o céu está mergulhado no caos. já não haverá nenhuma retomada da economia, muito menos reconstrução do Brasil, a não ser pela aplicações das duras, necessárias e inadiáveis medidas populares”. o grande capital pagará a conta de uma crise gerada por ele e só a ele beneficiando.

o setor dominante nunca será capaz de solucionar a crise. ele é a crise. se a crise da luta contra o golpeachment é a crise de nossas velhas e moribundas lideranças, diversas novas lideranças nascem em cada ato e manifestação. há inúmeras outras lideranças pululando nas lutas das ruas e das ocupações, rompendo as couraças da repressão e do conformismo.

tanto no mundo quanto no Brasil precisamos de um novo Breton Woods. estamos todos entre Roosevelt ou Hitler x Stálin.

neste cenário, corremos o alto risco de entrar em cena um Trump tupiniquim. mas nenhum grotesco Capitão Bolsonaro se encaixa no perfil. menos ainda o multi-show paulistano de João Dória. tampouco Mouros, Jobims e assemelhados. nem mesmo alguém saído do fundamentalismo neo-pentecostal.

mas pode até ser um general preparado, ponderado, inteligente, bem assessorado, carismático e articulado internacionalmente às demais lideranças do BRICS. um novo Geisel, mas além da bandeira nacional-desenvolvimentista, com um forte apelo popular.

uma guerra de mundos. nesta guerra mundial híbrida em curso, a batalha do Brasil ganhou dimensões épicas. o Brasil é um dos pilares fundamentais, para num mundo multipolar se evitar o armagedon nuclear e reerguer a economia global do abismo da crise de 2008.

de um jeito ou de outro, por bem ou por mal, mais cedo ou um pouco mais tarde, assim como nos EUA o pântano precisa ser drenado, no Brasil não sairemos do mesmo lugar sem dragar este atoleiro. nós precisamos cortar estes nós. se não o fizermos, ninguém mais será capaz de fazê-lo. pois a construção da Nação é concomitante ao parto de seu Povo.

1. anular o impeachment;
2. punir os responsáveis pelo golpe;
3. revogar todos os atos e contratos do governo usurpador.
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13 fevereiro 2017

os Brasis: falta um Povo?

13/02/2017


foto: Mídia NINJA

“Então, quando eu morrer, não espere por mim,
Andando pelo corredor sombrio;
No Céu ou no Inferno, não espere por mim,
Senão você vai esperar para sempre.
Você vai me encontrar enterrado, morto-vivo
Nestes versos que você leu.”

na tarde do dia 09/02/2017, as ruas do centro do Rio de Janeiro nas imediações da ALERJ (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) tornaram-se áreas conflagradas. havia uma sublevação em marcha. aquele era agora um território insurgente.

o trânsito fora desviado. o comércio baixara suas portas. com a estação mais próxima do metrô fechada, o VLT e o terminal de ônibus parados, o fluxo naquela parte da metrópole estava comprometido. a circulação já não podia ser a mesma.

impossível não ignorar a magnitude daquele fato político. tudo e todos foram de alguma forma afetados. nenhum mecanismo de controle psico-social seria suficiente para induzir a negação daquela realidade.

os estrondos das bombas de efeito moral, lançadas pela tropa do Batalhão de Choque da PM, faziam eco com as baterias de morteiros, disparados pelos manifestantes contra a polícia. em alguns momentos, o som dos rojões chegou a abafar as explosões das granadas.

de gás lacrimogêneo e spray de pimenta se formou uma densa e irrespirável névoa, invadindo todos os espaços, espalhando-se pelas esquinas, subindo as paredes dos prédios,  penetrando em cada fresta encontrada em seu caminho.

sem transporte coletivo, os pedestres protegiam sua respiração com lenços, com as próprias mãos ou usando golas de camisetas e gravatas, para não serem sufocados por um gás absolutamente democrático em não poupar ninguém de seus efeitos.

servidores públicos, estudantes e professores. homens, mulheres e gays. brancxs, mulatxs e negrxs. jovens, pessoas maduras e idosos. bombeiros e assistentes sociais. agentes de saúde, policiais e oficiais de justiça. todos unidos no protesto contra a privatização da CEDAE (Cia. Estadual de Águas e Esgoto).

mais uma vez ficava provado, só há unidade quando construída na luta, em torno de bandeiras concretas, no enfrentamento de um inimigo comum a todos e como tal por todos reconhecido.

aquela era apenas mais uma das inúmeras batalhas locais de uma grande guerra mundial em curso, para se impedir a privatização de um bem comum: a água.

novamente o confronto foi iniciado pelos policiais do Batalhão de Choque da PMERJ. sem qualquer motivo, nem mesmo a mais banal provocação, deflagraram um maciço bombardeio contra a manifestação, até então pacífica.

mas aquele já não era o Povo que Faltava. aquele Povo nas Ruas nunca fora um Povo de Frouxos.

ali estava encarnado o povo que previamente fal­tava. pois não é “o povo” que produz a luta e a resistência, é a luta e a resistência que geram o seu povo.

após tanta experiência com as repetidas brutalidades da PM, formou-se um esquadrão para garantir a linha de frente. composto por dezenas de membros, equipados com máscaras, luvas, óculos e capacetes de proteção, foram recebidos pelos demais com aplausos e fogos de artifício.

aquele Povo sem Medo incorporara a tática Black Bloc como forma de se defender contra a repressão. assimilara  também como dispersar durante o ataque da polícia, para logo após reagrupar novamente. um aprendizado pela pedagogia da luta, e não como obra de alguma liderança iluminada.

enquanto o grosso da multidão recua taticamente, abrigando-se nas esquinas próximas, o bloco negro enfrentava a tropa de choque. as bombas de gás eram atiradas de volta. lixeiras e caçambas de lixo foram incendiadas. tapumes usados como escudos. pedras e morteiros impediam o avanço dos policiais.

apanhados de surpresa e desprotegidos entre a multidão, dois grupos de PM ficaram retidos em meio ao fogo cruzado. alguns acabaram fugindo para a portaria de um prédio. outros foram salvos pelo Caveirão, carro blindado geralmente usado na invasão das favelas, na incessante campanha de extermínio da juventude negra.

ao retornarem à proteção do duplo alambrado cercando a ALERJ, há um início de briga ente os PM resgatados e a tropa de choque. um oficial puxa uma pistola. os ânimos se acalmam.

um representante dos policiais, discursando do alto do caminhão de som, exortara para se diferenciar os “manga-curta” dos camuflados do choque. enquanto uns estavam em condições tão difíceis quanto os demais servidores públicos ali presentes, a tropa do choque recebia em sua mão de macaco o arrego direto dos traficantes e do Presidente da ALERJ.

já são dois os Caveirões investindo contra a manifestação. encapuzados e de pé em caçambas de camionetes, os soldados apontam seus fuzis para a população. mesmo sendo impossível distinguir sua fisionomia, por detrás da viseira do capacete era nítida a sede de sangue em seus olhos.

mais de uma dezena de duplas de PM passaram a circular em motocicletas, disparam à queima–roupa tiros de balas de borracha. chegam a perseguir por dois quarteirões os manifestantes. muitos dos quais se refugiam no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil).

um estudante secundarista é alvejado por um projétil “não letal”, do mesmo tipo usado na Palestina ocupada. tem o abdômen perfurado. é levado para o hospital, direto para a mesa de cirurgia, com intestino e estômago afetados.

dezenas de cápsulas de gás se amontoam pelo asfalto. ardem as labaredas nas barricadas. helicópteros sobrevoam o local. a grande mídia transmite ao vivo, mercantilizando a repressão como espetáculo para ser consumido como reality show.

já não havia qualquer condenação ao se ouvir o som estridente de portas e vidraças de agências bancárias sendo estilhaçadas. ao contrário, surgiam gritos de apoio e incentivo: “Quebra! Quebra tudo mesmo!”.

um homem saca de uma pistola automática. vários tiros atingem uma imensa placa blindex, na fachada de uma sobre-loja, espatifando-a pela metade. alguns comerciários da loja de roupas em frente, saem para fotografar com seus celulares os rombos das balas no vidro.

sempre vaiados, os integrantes da tropa de choque da PM, ainda que com seus rostos cobertos pela tocas ninja, estavam definitivamente expostos. eram eles os verdadeiros vândalos mascarados, defendendo os verdadeiros bandidos escondidos dentro da Assembléia Legislativa.

ali estava materializado e personificado o monopólio da violência do Estado em toda sua crueza. a polícia “fazendo o seu trabalho”: defender os plutocratas e seus representantes e reprimir o povo. 

pouco a pouco, os manifestante voltam a se agrupar defronte ao prédio da ALERJ. mais uma vez são atacados. novamente recuam, apenas para ainda uma outra vez se reagruparem.

seqüestrada pelos representantes de uma plutocracia anti-Povo e anti-Nação, a Casa do Povo era mantida isolada por grades e cordões de policiais, como um castelo medieval, para nela o povo não poder entrar.

com o crepúsculo, o Povo das Ruas, os “deploráveis”, aderem ao movimento, gritando. “Vamos saquear a cidade toda!”.

morto o Brasil, diante de todos e em plena rua seu tecido social se decompunha. não haverá retorno. nenhuma pax nos salvará. só a Antropofagia nos une.

“chamamos por uma nação que ainda não conhecemos, sim, e uma nação que ainda não conhecemos acorrerá a nós. terra dos grilos alados, que fica além dos rios da Etiópia. uma nação de gente de pele bronzeada, cuja terra é sulcada de rios. há profecias que são mais do que profecias. só digo que quando assim suceder, perderá essa nossa História gloriosamente o nome, e que deixará de ser História do Futuro, porque o será do presente.”

vídeo: ALERJ 09/02/2107 – TV Sind Justiça RJ



vídeo: Policia Militar x batalhão de choque



vídeo: linha de frente


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09 fevereiro 2017

os Brasis: a Ex-querda e a re-existência

09/02/2017


o Brasil fora estilhaçado. como pedaços de espelhos partidos, os vários Brasis já não refletiam nenhuma identidade coletiva.

assim como a teoria e a interpretação majoritárias sobre o Brasil haviam sido volatizadas pelo golpeachment, os tradicionais conceitos e práticas da Esquerda se revelaram como apenas mitologias e equívocos.

junto com o Brasil também estava morta a Ex-querda.

a Ex-querda é uma ampla frente de partidos, organizações, associações, tendências e diversos tipos de grupos. todos reunidos sob a incontestável liderança do Lulismo.

ainda mais definidor que sua organicidade, a Ex-querda é um modo de se pensar o Brasil e de como encaminhar a luta política.

foram pensadores da Ex-querda os principais responsáveis pela arquitetura teórica de um Brasil mitológico, conveniente a uma tradição liberal conservadora; foram também políticos da Ex-querda os que por aquela teoria balizaram na prática o movimento popular, fazendo dele uma conveniente forma de gestão do capital.

a Ex-querda é o Brasis contraface ao Brasis dominante. verso e reverso de um mesmo modelo. São Paulo Ltda. tem sua outra face no PT quatrocentão. a Lava Jato & Associados tem sua correspondência no Republicanismo companheiro.

ainda mais irônico e surpreendente é a constatação de boa parte dos integrantes da Ex-querda serem habitantes do Brasis BrasiNazi. com seu sectarismo, seu dogmatismo, seu centralismo, seu autoritarismo, seu culto a personalidade e sua abominação ao contraditório, a Ex-querda apenas deseja substituir uma estrutura de poder por outra, tão perversa quanto.

em seus 13 anos na gestão de BrasilPar, a Ex-querda jamais se poupou de louvar seu desempenho no bem cuidar dos interesses da Tirania Financeira Global: “Nunca os bancos ganharam tanto dinheiro".

a Ex-querda nutria enorme ressentimento pela MídiaGlobal, apesar de suas doações bilionárias, sob a rubrica de patrocínios e publicidade, jamais conseguira cooptá-la inteiramente.

após sua destituição pelo golpeachment, a Ex-querda continua perdida, perambulando em seu labirinto. dele jamais chegará a sair sem desvencilhar-se de suas correntes, como invertidos fios de Ariadne, mantendo-a atada ao centro da armadilha: o Minotauro do Lulismo.

agora, sua única plataforma se restringe a mirar num ano para sempre longe demais: 2018. sua única bandeira se limita a uma única candidatura.

sua obsessão com um futuro inalcançável só era comparável à compulsão em retornar ao passado no paraíso do big-bang das commodities.

sua única e perpétua liderança é Lula. “Lula 2018” ou ”Lula Já”. sempre Lula!

mas nunca Lula nas ruas e nas ocupações liderando uma resistência popular contra o governo ilegítimo. nunca Lula explicitamente defendendo a anulação do impeachment, a punição dos responsáveis pelo golpe e a revogação de todos os atos e contratos do governo usurpador.

a insistência em anunciar Lula como o “grande líder Salvador da Pátria”, apenas revelava repetidamente como ele já não possuía o vigor físico necessário, tampouco nunca tivera o perfil político, para conduzir uma guerra pela libertação do Brasil. ainda pior, deixava claro que tipo de “salvação do Brasil” se pretendia obter.

como artifício para justificar sua própria capitulação, a Ex-querda transfere sua omissão para os fantasmas que forjou: “esse povo não vai prá rua!”, “esse povo de frouxos!” e “esse povo que não sabe votar!”.

sempre “esse povo”, e nunca ela mesma...

desde o início do processo de impeachment, relevante parcela da população jamais saíra das ruas e das ocupações, participando ativamente de centenas de atos, protestos, manifestações e passeatas.

quem das ruas se ausentara e se empenhara em delas afastar o povo foi a própria Ex-querda.

não havia também qualquer fundamento histórico na acusação de sempre termos sido “um povo de frouxos”. a História do Brasil é escrita com o sangue dos massacres dos levantes populares.

quem nunca demonstrara a combatividade necessária para enfrentar o golpe era a Ex-querda, sempre se ofertando em súplicas pelo último acordo.

se o Congresso Nacional fora usurpado por uma horda fisiológica, isto não ocorrera legitimado pelo voto popular. e sim através da promíscua coalizão do quociente partidário com o financiamento empresarial. dos 513 deputados federais, só 36 foram eleitos unicamente com votos próprios.

ao contrário, “esse povo” elegera por quatro vezes Presidentes da Ex-querda comprometidos com a reforma política, sem que estes jamais tratassem, na prática, esta questão como vital para a manutenção da Democracia brasileira.

se “esse povo” não sai às ruas, é alienado. se sai, seus protestos pacíficos são reprimidos com violência. se não reage, é frouxo. se reage, é vândalo, baderneiro, apenas fornecendo munição para justificar ainda mais repressão.

esta linha de raciocínio só serve aos impotentes, aos derrotados de véspera, aos que nunca quiseram se contrapor, aos que ainda imploram pelo acordo, pelo conchavo, pela conciliação impossível.

quanto mais a Ex-querda insistia na tentativa de trazer seus mortos à vida, mas ela confirmava sua própria morte.

“trazer os mortos à vida
não é nenhuma grande mágica.
poucos estão completamente mortos:
sopre as brasas de um homem morto
e uma chama viva se levantará.

então conceda-lhe a vida, mas considere
que o túmulo que o abrigou
agora não pode ficar vazio:
você com suas roupas manchadas
nele você deve se aconchegar deitado.”
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07 fevereiro 2017

a morte do Brasil: re-existir

07/02/2017


o Brasil tal qual o imaginávamos conhecer, está morto!

por que morremos? talvez por não sonhar o bastante... e países, por que morrem? por que sociedades se suicidam? por que também já não podem sonhar, intoxicados pelo pesadelo interminável do cinismo e da hipocrisia?

mas onde tudo termina, também algo renasce.

já não existe mais aquele Brasil surgido com a Revolução de 1930 e consagrado pela Constituição “cidadã” de 1988.

mas aquele fora um Brasil erguido sobre um mito fundador através de uma narrativa conveniente ao setor dominante, mesmo quando elaborada por intelectuais de esquerda. só era real como discurso ideológico. sua existência sempre estivera circunscrita ao imaginário social.

o Brasil que agora morre ainda não tinha sido plenamente um país gestado no útero das lutas populares, não nascera de um grande movimento social pelo qual um Povo conquista sua Nação.

ainda era mais um dos Brasis parido pelas modernizações conservadoras, pelas transições tuteladas, pelas revoluções palacianas, pelos acordos de gabinete, pelos pactos entre a elite.

ainda um dos Brasis nos mantendo aprisionados entre dois mundos: um definitivamente morto e outro que luta por vir à luz.

aquele fora um Brasil cujas raízes vinham de uma mítica Casa Grande & Senzala, na qual a escravidão teria sido pacificada no hospitaleiro leito da “miscigenação”. um Brasil do “jeitinho” e da “cordialidade” para que  homens pacíficos escrevessem uma história sem sangue.

um Brasil onde um “corrupto Estado Patrimonialista”, “maldita herança ibérica”, sempre maculara a “pureza de um mercado” abençoado com as virtudes da meritocracia e do empreendedorismo.

como se os Donos do Poder fossem mero estamento burocrático, e não uma elite selvagem nascida no berço da escravidão, incessantemente dedicada a corromper as instituições públicas para privatizar os bens comuns.

como se o Brasil mulato não fosse filho do estupro de mulher negra escravizada. como se o “homem cordial”  não tivesse suas mãos permanentemente manchadas com o sangue do genocídio indígena e de uma população massacrada a cada vez que se levantara por sua libertação. 

agora já não fazia qualquer sentido aquela certa idéia de Brasil. toda a sua tolice estava exposta. já não havia qualquer correspondência entre aquela idéia e o Brasil do golpe do impeachment.

a realidade não mais se encaixava numa narrativa desmascarada. a versão se tornara impotente como interpretação dos fatos concretos em curso. aquele tão sólido Brasil imaginário se desmanchou na frente de todos nós, como uma bolha explodindo no ar.

junto com aquele Brasil idealizado morria também toda uma ilusão acerca da luta política.

do mesmo modo como foram pensadores de Esquerda os principais responsáveis pela arquitetura teórica daquele Brasil, foram também militantes de Esquerda os que por ela balizaram na prática o movimento popular.

frente a morte daquele Brasil, também estava morta um estratégia de conciliação permanente a serviço de um projeto de hegemonia às avessas. já não havia qualquer viabilidade num modo de governar atendendo a quase totalidade das demandas da minoria, e se legitimando através de alguns poucos benefícios para a maioria.

aquele Brasil fora estilhaçado. e como pedaços de espelhos partidos, os vários Brasis já não refletiam nenhuma identidade coletiva.

qualquer projeto de re-existência para o Brasil exige uma nova interpretação e uma nova estratégia política, fundamentados não em construção ideológica, e sim naquilo que concretamente se tornou impossível de negar:

1. nunca como antes a plutocracia brasileira revelou sua verdadeira face. abutres cujo único projeto é a rapina de curto prazo e a manutenção perene do Brasil em condição semi-colonial e semi-escravagista;

2. há uma parcela da população, e dos agentes sócio-políticos, alinhada incondicionalmente, e definitivamente, com esta plutocracia. a base social do proto-fascismo brasileiro. tanto a plutocracia quanto sua base social são irrecuperáveis;

3. há também uma outra considerável parcela da população, e dos agentes sócio-políticos, que não se curvaram ao golpe. enquanto quase todas as lideranças e organizações se omitiram ou capitularam, este grupamento continuou em luta ocupando as ruas.

4. a crise do Brasil sempre foi a crise de suas lideranças. precisamos não apenas de novas lideranças, como ainda mais de um novo modelo de liderança

vídeo: Sob gritos de "assassino" e de "golpista", Temer chega a hospital para prestar condolências a Lula

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04 fevereiro 2017

o Brasil & os Brasis: descobrimento

04/02/2017


eram muitas as análises acerca de quando aquilo tinha acontecido. alguns até defendiam que sempre fora assim, desde o primeiro desembarque dos conquistadores. ou talvez fossem ruínas acumuladas ao longo de séculos.

seja como for, ninguém mais podia negar, pois estava escancaradamente à descoberto: já não existia apenas um único Brasil.

aquele Brasil de palmeiras e sabiás, da miscigenação inzoneira, da abençoada cordialidade tropical, aquele Brasil já não há – e para ele jamais iremos voltar. o Brasil tal qual o imaginávamos conhecer, está morto!

agora múltiplos Brasis ocupam um mesmo espaço geográfico, mas isto é tudo que compartilham: apenas o território. no mais só existem diferenças irreconciliáveis. são tão incompatíveis que agora se enfrentam num estado de guerra civil de baixa intensidade.

o Brasis da Lava Jato & Associados e o Brasis de São Paulo Ltda. se tornaram a principal coalizão
supra-regional do BrasilPar.

BrasilPar vem a ser uma gestora de participações acionárias em diversas empresas e empreendimentos, uma holding estrategicamente associada a USA Incorporation.

São Paulo Ltda. abriga a sucursal brasileira da Tirania Financeira Global, e tem principal commodity de exportação a taxa SELIC.

a Lava Jato & Associados fornece a blindagem jurídica da Democracia sem voto. na qual todo poder emana do Judiciário e de sua interpretação arbitrária das leis, para garantir a conformidade com uma constituição cujo fundamento são os juros pagos aos especuladores.

ainda alguns outros Brasis compõe o conglomerado gerido por BrasilPar, como a Vale do Rio Lama Tóxica. cartel exportador agropecuário, especializado na pilhagem do subsolo, extinção de biomas, desertificação de florestas tropicais, genocídio indígena e reabilitação de doenças infecto-contagiosas consideradas erradicadas.

BrasilPar possui também uma sofisticada agência de operações psicológicas, responsável por sucessivas campanhas de choque e pavor midiático, com objetivo de manter a população nativa sob permanente controle mental.

como um dos mais mórbidos fenômenos decorrente da morte do Brasil, ocorre a saída da semi-clandestinidade do BrasiNazi. o Brasis do povo superior da “raça Planaltina”, herdeiro do empreendedorismo colonial dos Bandeirantes, em busca do Eldorado da matança dos miseráveis e do holocausto do contraditório.

com a morte do Brasil, restaram apenas negócios, negócios e negócios. nenhum projeto de país. sem qualquer esperança de Nação. a cidadania se convertera em empreendedorismo de si mesmo. o Direito Público em Direito Privado Corporativo. o trabalho em desemprego estrutural. a verdade em fake news. o passado em pós-futuro.

então, sob a luz asfixiante de um sol negro imóvel no meio de seu curso, um outro insuportável descobrimento aconteceu.

mas por acaso ainda existiriam os brasileiros? todos nós que um dia fomos brasileiros? morto o Brasil, como ainda podiam estar vivos os brasileiros? existem os indivíduos isolados da sociedade da qual fazem parte?

uma extinção em massa povoara aquele vale dos mortos com criaturas bizarras e monstruosas. corpos sem almas vagando por uma escuridão sem forma. os anteriormente chamados de brasileiros padeciam de vários os tipos de patologias. diversas enfermidades físicas e múltipos transtornos mentais.

com o fim do Brasil, era inevitável para os ex-brasileiros a dissolução de seu ego denominado de “normal”. mas sem a loucura que é o homem mais que a besta sadia, cadáver adiado que procria?

num mundo surreal e numa sociedade hiper-normalizada, pode aquilo que é denominado de “loucura” ser um processo em direção a cura natural?

enquanto os necrófilos saboreiam seu banquete, somente os antropofágicos atravessarão o despenhadeiro das sombras. neste tempo de aniquilamento, a questão de todas as questões: tupi or not tupi?

ou fazemos nossa própria cremação com muita dança, música e alegria, ou continuaremos padecendo neste inferno que se tornaram os Brasis e nossas próprias vidas.

“há apenas uma história: a história dos abutres contra nós. eles têm casas maiores que a Disneylândia, nós temos aviso de execução hipotecária. eles têm jatinhos particulares para irem a ilhas particulares, nós pagamos suas dívidas de apostas financeiras com nossas pensões. eles têm redução de impostos, nós temos créditos de risco. eles financiam os candidatos que nas eleições nós devemos escolher. eles têm as minas de ouro, nós ficamos com os buracos.”
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02 fevereiro 2017

a verdade por inteiro

02/02/2017



desde o choque de realidade causado por aquela farsa dantesca encenada no teatro de horrores da Câmara, ainda era esta a frase ecoando em meio ao desastre e o caos.

como uma profética maldição, uma conspiração de circunstâncias negativas, para manter o país aprisionado numa era de Aquarius ao inverso.

como aquele interminável pesadelo tivera início? alguém ainda se lembrava?

após meses de incessante tortura psicológica, as mentes estavam atordoadas e confusas, dominadas pela frustração, raiva, impotência e depressão. ainda prevaleciam os sintomas mórbidos, os fenômenos bizarros e as criaturas monstruosas.

houvera um luminoso interregno, o tempo de uma sólida ilusão que o futuro enfim acabara de chegar. o milagre realizando-se para os trabalhadores brasileiros enfim entrarem no paraíso.

mas isto verdadeiramente estivera a ponto de acontecer? ou fora tão somente fake news, num ainda então não reconhecido reino da pós-verdade?

quando exatamente se desencadeou aquela maldita psi op? antes ou depois das bolhas começarem a estourar? desde quando aquele jogo era bancado pelas “trapaças da sorte”?

em que momento se atravessara a superfície do espelho, transformando a realidade num invertido reflexo infinito de miragens? quando se mergulhara naquele pavoroso abismo que parecia não ter mais fim?


apanhado numa armadilha do destino, o anjo da História se debate. com seu rosto voltado para o passado é impelido de costas para o futuro. tudo o que pode ver são ruínas se amontoando em direção ao céu.

2016 não tinha fim e 2018 continuará um ano longe demais. tudo se repetia, se repetia, repetia, repetia... como um dia que iria durar para sempre, com o Brasil preso num movimento em falso. o tempo circular do karma instantâneo. não há retorno, nem qualquer futuro para onde se fugir.

numa realidade liquefeita, a sociedade experimenta a História enquanto torturante acontecimento do agora. a intensidade do momento leva os indivíduos a delirarem o campo social. os surtos se tornam endêmicos. os delírios se propagam. tudo entra em colapso. um mundo surreal. uma sociedade hiper-normalizada.

quantas pessoas conseguem suportar a incerteza e perplexidade de um momento histórico enquanto ele se desenrola?

a verdade revelada por inteiro: todas as encenações eram verdadeiras. sim, é possível contar uma grande mentira dizendo só a verdade! com as máscaras caídas ao chão, só cabia aos personagens sua busca vã por algum autor.

após todas as bolhas desaparecerem, já não restara pedra sobre pedra. enfim, numa crise de pânico, todos se dão conta que ninguém mais sabia como sair daquele impasse. a crise se tornara maior do que tudo e maior do que todos.

todos os velhos personagens do grande inverno de nossas almas eram tragados pelas chamas por eles mesmos acesas. o verão é agora. Dracarys.

haveria algum transmutador histórico? algo capaz de destravar o karma instantâneo. não para restaurar o movimento linear do tempo pendular e mecânico do relógio capitalista. mas para fazer irromper um tempo qualitativo e catalisador no presente de todos os momentos de revoltas no passado.

haveria um tempo no qual atos individuais se potencializam e ganham efeito social? um tempo prenhe das possibilidades de um futuro indeterminado. como dar um salto sob um Sol imóvel no meio de seu curso? um salto para o passado e imediatamente de volta para o futuro, libertando o presente de sua agonia e desespero infindáveis.

só há um único movimento capaz de construir a nova identidade: mergulhar no abismo e atravessar a superfície do espelho. então era isso!

ser louco não é necessariamente ser doente. a loucura é um produto de uma destruição imposta e auto assumida. uma loucura é um grosseiro disfarce, uma caricatura grotesca do que poderia ser a cura natural. a autêntica saúde mental implica, seja de que modo for, a dissolução do ego denominado de “normal”...

“e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado.”
“Cem Anos de Solidão” – Gabriel Garcia Marquez
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