13/02/2017
foto: Mídia NINJA
“Então, quando eu
morrer, não espere por mim,
Andando pelo
corredor sombrio;
No Céu ou no
Inferno, não espere por mim,
Senão você vai
esperar para sempre.
Você vai me
encontrar enterrado, morto-vivo
Nestes versos que
você leu.”
na tarde do dia 09/02/2017, as ruas do centro do Rio de Janeiro nas
imediações da ALERJ (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) tornaram-se
áreas conflagradas. havia uma sublevação em marcha. aquele era agora um
território insurgente.
o trânsito fora desviado. o comércio baixara suas portas. com a estação
mais próxima do metrô fechada, o VLT e o terminal de ônibus parados, o fluxo naquela
parte da metrópole estava comprometido. a circulação já não podia ser a mesma.
impossível não ignorar a magnitude daquele fato político. tudo e todos
foram de alguma forma afetados. nenhum mecanismo de controle psico-social seria
suficiente para induzir a negação daquela realidade.
os estrondos das bombas de efeito moral, lançadas pela tropa do Batalhão
de Choque da PM, faziam eco com as baterias de morteiros, disparados pelos
manifestantes contra a polícia. em alguns momentos, o som dos rojões chegou a
abafar as explosões das granadas.
de gás lacrimogêneo e spray de pimenta se formou uma densa e irrespirável
névoa, invadindo todos os espaços, espalhando-se pelas esquinas, subindo as
paredes dos prédios, penetrando em cada
fresta encontrada em seu caminho.
sem transporte coletivo, os pedestres protegiam sua respiração com
lenços, com as próprias mãos ou usando golas de camisetas e gravatas, para não
serem sufocados por um gás absolutamente democrático em não poupar ninguém de
seus efeitos.
servidores públicos, estudantes e professores. homens, mulheres e gays. brancxs,
mulatxs e negrxs. jovens, pessoas maduras e idosos. bombeiros e assistentes
sociais. agentes de saúde, policiais e oficiais de justiça. todos unidos no
protesto contra a privatização da CEDAE (Cia. Estadual de Águas e Esgoto).
mais uma vez ficava provado, só há unidade quando construída na luta, em
torno de bandeiras concretas, no enfrentamento de um inimigo comum a todos e como
tal por todos reconhecido.
aquela era apenas mais uma das inúmeras batalhas locais de uma grande
guerra mundial em curso, para se impedir a privatização de um bem comum: a
água.
novamente o confronto foi iniciado pelos policiais do Batalhão de Choque
da PMERJ. sem qualquer motivo, nem mesmo a mais banal provocação, deflagraram
um maciço bombardeio contra a manifestação, até então pacífica.
mas aquele já não era o Povo que
Faltava. aquele Povo nas Ruas
nunca fora um Povo de Frouxos.
ali estava encarnado o povo
que previamente faltava. pois não é “o povo” que produz a luta e a
resistência, é a luta e a resistência que geram o seu povo.
após tanta experiência com as repetidas brutalidades da PM, formou-se um esquadrão
para garantir a linha de frente. composto por dezenas de membros, equipados com
máscaras, luvas, óculos e capacetes de proteção, foram recebidos pelos demais
com aplausos e fogos de artifício.
aquele Povo sem Medo incorporara
a tática Black Bloc como forma de se defender
contra a repressão. assimilara também
como dispersar durante o ataque da polícia, para logo após reagrupar novamente.
um aprendizado pela pedagogia da luta, e não como obra de alguma liderança iluminada.
enquanto o grosso da multidão recua taticamente, abrigando-se nas esquinas
próximas, o bloco negro enfrentava a tropa de choque. as bombas de gás eram atiradas
de volta. lixeiras e caçambas de lixo foram incendiadas. tapumes usados como
escudos. pedras e morteiros impediam o avanço dos policiais.
apanhados de surpresa e desprotegidos entre a multidão, dois grupos de PM
ficaram retidos em meio ao fogo cruzado. alguns acabaram fugindo para a
portaria de um prédio. outros foram salvos pelo Caveirão, carro blindado geralmente usado na invasão das favelas, na
incessante campanha de extermínio da juventude negra.
ao retornarem à proteção do duplo alambrado cercando a ALERJ, há um
início de briga ente os PM resgatados e a tropa de choque. um oficial puxa uma pistola.
os ânimos se acalmam.
um representante dos policiais, discursando do alto do caminhão de som, exortara
para se diferenciar os “manga-curta” dos camuflados do choque. enquanto uns
estavam em condições tão difíceis quanto os demais servidores públicos ali
presentes, a tropa do choque recebia em sua mão
de macaco o arrego direto dos
traficantes e do Presidente da ALERJ.
já são dois os Caveirões
investindo contra a manifestação. encapuzados e de pé em caçambas de
camionetes, os soldados apontam seus fuzis para a população. mesmo sendo
impossível distinguir sua fisionomia, por detrás da viseira do capacete era
nítida a sede de sangue em seus olhos.
mais de uma dezena de duplas de PM passaram a circular em motocicletas,
disparam à queima–roupa tiros de balas de borracha. chegam a perseguir por dois
quarteirões os manifestantes. muitos dos quais se refugiam no CCBB (Centro
Cultural Banco do Brasil).
um estudante secundarista é alvejado por um projétil “não letal”, do
mesmo tipo usado na Palestina ocupada. tem o abdômen perfurado. é levado para o
hospital, direto para a mesa de cirurgia, com intestino e estômago afetados.
dezenas de cápsulas de gás se amontoam pelo asfalto. ardem as labaredas
nas barricadas. helicópteros sobrevoam o local. a grande mídia transmite ao
vivo, mercantilizando a repressão como espetáculo para ser consumido como reality
show.
já não havia qualquer condenação ao se ouvir o som estridente de portas e
vidraças de agências bancárias sendo estilhaçadas. ao contrário, surgiam gritos
de apoio e incentivo: “Quebra! Quebra
tudo mesmo!”.
um homem saca de uma pistola automática. vários tiros atingem uma imensa
placa blindex, na fachada de uma sobre-loja, espatifando-a pela metade. alguns comerciários
da loja de roupas em frente, saem para fotografar com seus celulares os rombos
das balas no vidro.
sempre vaiados, os integrantes da tropa de choque da PM, ainda que com
seus rostos cobertos pela tocas ninja, estavam definitivamente expostos. eram
eles os verdadeiros vândalos mascarados, defendendo os verdadeiros bandidos escondidos
dentro da Assembléia Legislativa.
ali estava materializado e personificado o monopólio da violência do
Estado em toda sua crueza. a polícia “fazendo
o seu trabalho”: defender os plutocratas e seus representantes e reprimir o
povo.
pouco a pouco, os manifestante voltam a se agrupar defronte ao prédio da
ALERJ. mais uma vez são atacados. novamente recuam, apenas para ainda uma outra
vez se reagruparem.
seqüestrada pelos representantes de uma plutocracia anti-Povo e anti-Nação,
a Casa do Povo era mantida isolada por
grades e cordões de policiais, como um castelo medieval, para nela o povo não
poder entrar.
com o crepúsculo, o Povo das Ruas,
os “deploráveis”, aderem ao movimento, gritando. “Vamos saquear a cidade toda!”.
morto o Brasil, diante de todos e em plena rua seu tecido social se
decompunha. não haverá retorno. nenhuma pax nos salvará. só a Antropofagia nos
une.
“chamamos por uma nação que ainda não
conhecemos, sim, e uma nação que ainda não conhecemos acorrerá a nós. terra dos
grilos alados, que fica além dos rios da Etiópia. uma nação de gente de pele
bronzeada, cuja terra é sulcada de rios. há profecias que são mais do que
profecias. só digo que quando assim suceder, perderá essa nossa História
gloriosamente o nome, e que deixará de ser História do Futuro, porque o será do
presente.”
vídeo: ALERJ 09/02/2107 – TV Sind Justiça RJ
vídeo: Policia Militar x batalhão de choque
vídeo: linha de frente
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