31 outubro 2006

a era Palocci

no Ministério da Fazenda, Palocci teve uma atuação inquestionável, exercendo com absoluto brilhantismo seu profundo desconhecimento de economia.

como líder de "uma equipe de excelência e eficiência técnica, totalmente voltada para o interesse público", conduziu o país a uma memorável façanha, que só não foi completa porque o Haiti defendeu com êxito o posto de último lugar em crescimento econômico na América Latina, no ano de 2005.

seu desempenho como médico no comando da economia só é comparável ao de um economista chefiando uma cirurgia.

Palocci manteve a economia Brasileira paralisada sob a ortodoxia convencional: taxa juros real alta, câmbio valorizado, superávit primário. resultado previsível: o ganho com a inflação sob controle foi anulado por crescimento medíocre, elevado desemprego e aumento da carga tributária.

numa metáfora médica: o medicamento ministrado não deixa o doente morrer, tampouco permite que saia da UTI... os mercados foram pacificados às custas da economia ser mantida com a estabilidade dos necrotérios.

graças à “era Palocci”, Lula pode admitir, com certa dose de orgulho, que jamais banqueiros e grandes empresários ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo. já os votos, foram para seu adversário.

se os investimentos de Lula junto à elite não retornaram a rentabilidade eleitoral esperada, as camadas populares, porém, não retribuíram afagos com ingratidão. o custo da cesta básica em queda, o aumento do salário mínimo e um maior acesso ao consumo proporcionaram a Lula uma esmagadora maioria no eleitorado de baixa renda.

a herança de Lula para si próprio é um pacto maldito entre a Casa Grande e a Senzala, entre os bancos e os grotões, entre as forças do mercado e as favelas. para uns distribui juros, enquanto perpetua a miséria dos outros com políticas compensatórias.

excluída da aliança paradoxal dos mais ricos com os mais pobres, a classe média é a principal vítima da “era Palocci”. desde o milagre brasileiro na década de 70, a participação dos salários no PIB caiu de 50% para os atuais 27%.

com sua renda encolhida em 12% nos últimos quatro anos, a classe média foi o pêndulo das eleições de 2006. mandou um incisivo recado a Lula ao forçar o segundo turno, para, então, reafirmar seu repúdio à política econômica da “era Palocci”, legado de FHC.

tanto sob o aspecto político quanto o econômico, o modelo chegou ao seu limite. por fadiga de material, esgotou-se a capacidade de reciclagem do acordo entre o Copom e o Bolsa Família. mesmo o tempero de uma tímida distribuição de renda bancada pelo Estado não é compatível com o ajuste fiscal perene exigido pelo liberalismo sem meias medidas.

já não há como sustentar a manutenção dos programas sociais, ainda mais transferência pontual de renda via aumento de salário mínimo, sem a retomada do desenvolvimento, o que pressupõe mudanças macroeconômicas: queda dos juros e mudança no câmbio.

embora choque de gestão seja necessário para melhorar qualidade do funcionamento da máquina estatal, seu impacto no total de gastos públicos, considerando juros da dívida, é insuficiente. algo como cortar cabelos para perder peso.

inviável expandir ainda mais a carga tributária. novas reformas neoliberais (previdência, trabalho) e privatizações ficam descartadas após a inflexão política do segundo turno.

para arrecadar mais e gastar menos, resta como única opção o Estado alavancar o desenvolvimento com distribuição de renda. a própria lógica interna do modelo levou-o a um beco sem saída: nem viabilidade econômica tampouco apoio político.

seja de um jeito ou de outro (aliás, em Ribeirão Preto está aberta a porta da cela) não resta dúvida: acabou-se a “era Palocci”.

29 outubro 2006



mensagem

era incerto, derradeiro
estava disperso, não era inteiro
se dissipa o nevoeiro

a hora é agora!

28 outubro 2006

aniversário

27/10/2006. no dia de seu aniversário, que melhor presente poderia Luiz Inácio desejar?

as pesquisas apontavam que ele abrira uma dianteira de mais de 20 pontos sobre seu adversário. ao soprar as 61 velinhas já poderia comemorar antecipado a realização de seu pedido. a faixa do segundo mandato estava ao alcance da mão.

para aquela noite se esperava, no último debate das eleições, uma exibição de afável bom-humor do vencedor magnânimo. mesmo se Alckmin ressuscitasse alguma vocação de guerreiro, não valia a pena Lula aceitar provocação e chutar uma candidatura morta.

havia mesmo a expectativa que, no melhor estilo “paz e amor”, Lula lançaria, no clímax do debate, um apelo conciliatório à oposição.

entretanto, como nos velhos tempos das greves de metalúrgico, naquele dia Lula não estava bom.

muito embora Alckmin mantivesse todo o tempo sua inofensiva postura leguminosa, Lula o golpeou com tanta agressividade, não dispensando inclusive o contato físico, que faltou muito pouco para uma intervenção do mediador a fim de evitar as vias de fato.

ao invés de sorrisos de um feliz aniversário, uma carrancuda irritação. o Presidente-candidato contrariou todas as boas-maneiras do marketing político. deixando de lado o manual do politicamente correto, extravasa espontaneidade e emoções. não que passasse descontrole, e sim um total desinteresse em reprimir a tensão.

com sua atitude, Lula desdenha por completo as consequências eleitorais. já não é o voto que importa. algo o perturbava, mas nada tinha a ver com a certeza da vitória.

quem poderá dizer o que vai no coração de um homem?

talvez Lula já se sentisse à distância, e que distância, sobrevivendo a si mesmo, sem saber como ter esperança, ao se ver, enfim, com uma nitidez que cega, como foi no tempo em que festejavam o dia dos seus anos.

como parar um coração? para que não pense. como fazer para que não vendam a casa? e que os dias não se somem... e que já não se faça anos...

quem sabe Lula apenas pensasse em quando não mais festejarem os dias dos seus anos. mais nada...

26 outubro 2006

Lula II: o Homem-Presidência

a reeleição de Lula o colocará numa situação absolutamente singular.

ele não se descolou somente do PT, move-se através da estrutura partidária e acima do sistema político com a desenvoltura de um mito.

lastreado na própria imagem e popularidade, Lula enfrenta, nesta eleição, um poderoso arco de forças, ao qual está impondo uma derrota arrasadora. não terá qualquer obrigação de compartilhar os créditos da vitória com quase ninguém. “quase”, porque sempre é bom prestar alguma satisfação ao eleitor.

o quebra-cabeça político do segundo mandato está sendo montado por inteiro, e com exclusividade, na mente de Lula. nunca um Presidente se elegerá com tanta autonomia para ditar os rumos de seu governo.

caso seja consagrado pelas urnas da reeleição, que outra glória mundana poderia cobiçar aquele antigo retirante nordestino, filho de Dona Lindu? alguma outra fortuna? ainda mais prestígio? envelhecer calmamente, orgulhoso e impenitente?

o surgimento de Lula II será um momento crítico na biografia de Luiz Inácio da Silva. do ponto de vista das ambições pessoais, seu currículo estará completo, mas à sua frente estará se abrindo uma nova perspectiva.

caberá a Lula decidir se aceita o desafio que lhe será lançado: iniciar a contagem regressiva para uma confortável aposentadoria política, ou abraçar sua definitiva oportunidade de entrar para a História.

24 outubro 2006

uma nova chance

mesmo todo coberto com a lama dos sucessivos escândalos, nada parece deter a marcha triunfal de Lula em direção ao segundo mandato.

a perspectiva de uma votação acachapante conduz ao retorno do contexto da vitória de 2002.

então, havia júbilo no ar. furando o asfalto, o tédio, o nojo, o ódio e o medo, brotava a Rosa do Povo.

antes mesmo de tomar posse, porém, Lula-lá vai a Washington para selar, num aperto de mão com Bush, a nomeação de um banqueiro como presidente do BC. apesar das mil flores nas ruas, mais uma vez se adiava a chegada da primavera...

o temor às “forças do mercado” derrotara a esperança de uma inteira nação. antes de sequer ousar lutar, Lulinha paz e amor preferiu sucumbir voluntariamente, dando continuidade à maldita política econômica herdada de FHC.

agora, a espiral do tempo completa mais uma volta, trazendo Lula de novo ao mesmo ponto em que, da primeira vez, rejeitara o chamado da História.

já não há festa. o voto é desanimado. muito mais contra o PSDB que de aprovação ao Presidente-candidato. o eleitorado associa Alckmin a FHC e se identifica com Lula. entre os dois governos, faz uma óbvia escolha pelo menos ruim.

por outro lado, o modelo do pensamento único caiu estilhaçado. o debate por alternativas se propaga na sociedade. as “forças do mercado” entram em movimento defensivo, sem condição de manter o Governo como refém. com seus “fundamentos” abalados, a macroeconomia se torna suscetível a mudanças.

a remota probabilidade de reversão do jogo eleitoral, leva a oposição ao desespero de cogitar uma virada de mesa institucional. resta o recurso ao terceiro turno. caso haja reeleição, prevêem, o novo governo acabará antes de começar. mesmo Lula reconhece que, confirmado crime eleitoral no dossiegate, será ele quem terá que pagar.

o PT também já não é o mesmo. demorou 23 anos para chegar ao poder, e menos de um mandato para ter seus principais quadros afastados dos postos chaves do governo e do próprio partido. rompido com sua base social e deteriorado seu solo histórico, o PT sobrevive às custas da popularidade de Lula.

na repetição de 2002 em 2006, as respectivas conjunturas trocam sinais entre a farsa e a tragédia. para Lula, contudo, permanece a mesma questão: fazer História ou submeter-se às circunstâncias legadas pelo passado.

22 outubro 2006

giro no vazio

na passagem para o segundo turno havia a percepção de Alckmin estar em superioridade estratégica.

enquanto os tucanos, acomodados no ninho, cantavam vitória, Lula não perde tempo em reagrupar suas forças e lança a contra-ofensiva. a vertiginosa recuperação da campanha do PT deixa tonta a cúpula alckmista.

ao conduzir com brilhantismo a arte da guerra política, ganhando primeiro para só então iniciar a batalha, Lula reconquista a iniciativa e assume a pauta das eleições.

como um exército derrotado que primeiro luta para depois tentar a vitória, a campanha de Alckmin tarda em se dar conta que, pelos fatos em curso, se inclina ao fracasso.

numa pronta, e inédita, autocrítica, Lula reconhece publicamente o erro de faltar ao último debate, reformula sua relação com os meios de comunicação, afasta os envolvidos com o dossiegate e desnuda as vulnerabilidades do adversário, trazendo a eleição para um terreno em que não pode perder.

Alckmin não tem como exorcizar a maldição que herdou de FHC.

à medida que nas pesquisas se amplia a vantagem do PT, também se intensifica na mídia a campanha contra Lula. as primeiras páginas dos jornais e as capas de revistam rivalizam na disputa pela publicação da matéria com poder para, enfim, fulminar a imagem do Presidente.

muito barulho, pouca repercussão. há muito que o quarto poder sucumbira a si próprio. por reduzir informação e crítica à publicidade, já não forma opinião e atinge apenas audiência cativa.

mesmo que Lula e seu governo de “aloprados” tenham fornecido todos os argumentos para a oposição de grande parte da mídia, na verdade esta precisa de apenas um único motivo: o próprio Lula. caso não houvesse nenhuma das razões de fato existentes, a mídia agiria do mesmo modo. o que incomoda não são os inúmeros defeitos, mas as poucas virtudes do Presidente-candidato.

as oligarquias regionais tentam a todo custo manter acesas as chamas do caso dossiegate. fogo que não se apaga, consome-se por si mesmo. a tática das denúncias gira no vazio.

não que haja ilusão e ingenuidade no eleitorado. voto não é absolvição. pesquisa indica Lula como o mais "corrupto", entretanto Alckmin é visto como o que "mais defenderá os ricos”.

certas armas são instrumentos de má sorte. empregá-las por muito tempo produz calamidades.

18 outubro 2006

a terceira via

aquela vinha sendo a eleição presidencial mais apática desde a redemocratização do país. parecia que a política se tornara definitivamente irrelevante.

o jogo eleitoral fora armado de tal forma a não haver possibilidade de terceira via. como na época da ditadura militar, a disputa se reduzia a dois partidos, ambos a serviço do mesmo projeto político conservador. pouco importa quem vencesse, os Mercados festejariam pacificados.

entretanto, a cada vez que os homens pretendem ser mais espertos que a História, e a ela dar fim, acabam logrados como tolos.

quando a campanha de Lula já comemorava por antecipação, o "Núcleo de Inteligência" do PT mira no dossiê Vedoin e acerta o próprio pé. o escândalo resultante, somado aos votos não precificados pelo Mercado, dados a HH e Cristovam, provoca o adiamento de uma vitória anunciada.

mais importante: altera-se por completo o perfil das eleições. se Lula já não podia manter-se escondido em cima do salto alto, Alckmin, por sua vez, tinha que deixar para trás o currículo de Governador e mostrar suas propostas como Presidente.

sem compreender que a pauta das eleições já lhes fugira ao controle, as "forças do mercado" tentam monopolizar o debate em torno do lema do pensamento único: ajuste fiscal.

inútil. o curto-circuito viciado se rompera. as duas campanhas precisavam render alguma homenagem à virtude, mesmo que sob o manto da hipocrisia.

as urnas do primeiro turno revelaram um outro país, nunca uma eleição fora tão polarizada, com as diversas camadas sociais votando claramente conforme seus respectivos interesses.

com a inflação sob controle, o custo da cesta básica em queda e o aumento do salário mínimo, silenciosamente uma multidão se incorporara ao consumo e à política e não podia mais ser ignorada.

a classe média, esmagada entre o Bolsa-Família e a Selic-Banqueiro, dá seu basta à estagnação e ao desemprego. o agronegócio se revolta contra o câmbio artificialmente desvalorizado. a indústria recusa-se a morrer de “doença holandesa”. banqueiros e grandes empresários aplaudem e pedem mais do mesmo, se possível, sem Lula...


com o segundo turno, a surpresa: abre-se inesperadamente o caminho da terceira via.

entram em discussão juros e câmbio. cai o tabu do controle de capitais. Alckmin assina carta antiprivatização. Lula carimba o segundo mandato como "desenvolvimentista". economistas de mercado têm faniquito, mas são obrigados pelo patrão a ficar de boca fechada.

mais uma vez, o Brasil se move. o rumo para o futuro começa agora.

14 outubro 2006


reinventando Alckmin

inebriados com uma vitória que euforicamente alardeavam ter obtido no primeiro debate do segundo turno, os tucanos se prepararam para voar mais alto.

com os resultados das pesquisas, porém, são abatidos em pleno ar.

a brutal reversão de expectativas faz com que o candidato do PSDB procure sua identidade nos reflexos do espelho despedaçado.

Alckmin ou Geraldo? polido ou agressivo? técnico ou passional? PSDB ou PFL? HH ou Cristovam? ricos ou pobres? Sul ou Nordeste? gerente ou estadista? choque de gestão ou Bolsa-Família? privatizar ou resgatar o Estado? desenvolvimentista ou neoliberal? cortar gastos públicos ou controlar fluxo de capitais? soberania nacional ou submissão internacional?

foi como se, de repente, o tucano se tornasse a encarnação das contradições das classes dominantes Brasileiras.

no meio de tanta angústia e desorientação, os alckmistas ainda não descobriram que lhes resta uma chance de vencer. precisam encontrar a pedra filosofal que transforme a eleição. para que deixe de ser uma disputa de projetos de poder e se torne busca de rumos para o Brasil.

a marca de nascença das classes dominantes Brasileiras é jamais terem lutado por um projeto para o país. sempre mantiveram planos exclusivos para si mesmas, resignadas a um papel dependente e submisso à sua contraparte internacional.

neste aspecto, o PT, após sua chegada ao governo, em nada difere. e o mesmo se pode afirmar da candidatura Alckmin. todos têm em comum abdicar espontaneamente a professar idéias próprias, sem qualquer outro horizonte estratégico além de perpetuar o exercício do poder.

apesar da exigüidade de tempo e recursos, Alckmin vive um dilema extremamente rico. precisa se reinventar.

caso seja bem sucedido, com ele estarão sendo reciclados os setores que representa: as elites Brasileiras, que jamais chamaram para si o destino do país, privado do sentido de nação e mantido na condição de empresa constituída para abastecer o mercado externo.

muito embora o próprio candidato-Presidente admita que nunca as elites ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo, os banqueiros e grandes empresários, mesmo considerando Lula e Alckmin como iguais, ambos "conservadores", dão seu apoio a Alckmin, maciçamente.

não é sem motivo que pesquisa do Datafolha, na qual Lula aparece como o mais "corrupto", aponta o tucano como o mais "inteligente, moderno e inovador" e também como o mais "autoritário" e o que "mais defenderá os ricos".

como o país que almeja governar, Alckmin está no centro de uma crise de destino. para vence-la, não lhe bastará sua religiosidade conservadora, tampouco seu orgulho interiorano e, muito menos, sua competência de gestor não ideológico.

chegou o momento de Alckmin provar que pode ser algo mais. caso consiga, mesmo que não ganhe as eleições, terá sido vitorioso.

09 outubro 2006


os olhos de quem vè

após o primeiro debate do segundo turno, eleitores de Alckmin não conseguiam conter a euforia e entraram em estado de êxtase. para eles, não restava a menor dúvida, o candidato do PSDB massacrara Lula. uma vitória completa e inquestionável, anunciando o nascimento de um Presidente.

o eleitorado do PT, por sua vez, também festejava. sem fogos de artifício, entretanto.

os petistas sonhavam em liquidar as eleições no primeiro turno. estavam agora um tanto inseguros, desacostumados que ficaram do confronto direto de idéias e propostas.

apesar das ironias de Lula durante o debate, tão a gosto de sua turma, a mudança de estilo de Alckmin deixara a cúpula petista desorientada. como se tocado por alguma pedra filosofal, o candidato alckmista transmutou-se de "xuxu" em "pimenta". tão cheio de som e fúria que parecia uma HH calva e engravatada.

como se vê, dependendo de quem olha o debate teve vencedores diferentes.

o tucano entrou em cena decidido a vencer por nocaute logo no início do primeiro round. estratégia correta e surpreendente. porém, tática equivocada e previsível.

escolheu o tema óbvio, para o qual Lula ensaiara exaustivamente. muito embora o petista deixasse suspensa no ar a pergunta que não quer se calar, sua resposta, mesmo insuficiente, não o comprometeu com seu próprio eleitorado.

empolgado com o papel inédito como gladiador, em contradição com a imagem construída ao longo de sua carreira política, o ex Governador de SP acabou exagerando. mostrou o que não devia: a cara nua do conservadorismo à Brasileira. por exemplo, quando Lula o comparou a Bush, só faltou agradecer o elogio.

a partir de então, Alckmin foi aos poucos retornando à sua habitual condição de Geraldo. do ímpeto inicial restou a agressividade ensaiada e uma indignação caricatural.

seja como for, a performance de Alckmin atendeu de forma impecável a expectativa de seus eleitores cativos. uma platéia com sede de sangue que ganhou um momento catártico. mais do que aplaudir Lula apanhando, vibraram mesmo foi com aquilo pelo que tanto ansiaram: os rugidos de seu candidato.


cruel paradoxo. quanto mais Alckmin agrada a seu eleitorado convicto, mais se afasta daqueles que precisa conquistar para vencer a eleição. como a disputa é pelos votos dados à HH e Cristovam, os alckmistas deveriam adiar a festa. a não ser, é claro, que pretendam comemorar apenas entre eles mesmos.

além disto, Alckmin também deve perder apoio entre os que nele votaram com intenção de forçar um segundo turno. tratou-se muito mais de um protesto contra a arrogância lulista do que um aval à santa aliança entre PSDB e PFL.

assim que vier a ressaca, os alckimistas estarão chegando a uma desesperadora conclusão: Alckmin perdeu o debate.

07 outubro 2006


à esquerda

mesmo com o fraco desempenho nacional, menos de 7%, HH teve no estado do Rio de Janeiro 17% dos votos, alcançando 20% na capital.

apesar da mediocridade de sua política local, dividida entre Césares e Molequinhos, os cariocas mostraram, mais uma vez, vocação de alcance nacional e uma orientação nitidamente à esquerda.

numa eleição polarizada, HH e Cristovam dividiram 25% do eleitorado do RJ. sem qualquer prejuízo para Lula, que obteve mais de 49%.

Juscelino foi mesmo um visionário ao transferir a capital para os ermos do planalto central do país. isolou a casta política do contato direto com as massas numa cidade sem raízes e povoada por burocratas e lobistas. até hoje Brasília não tem a menor característica de caixa de ressonância, quanto mais de vanguarda. militares ditadores, tecnocratas e economistas neo-liberais devem muito a Kubitschek.

embora tenha cometido erros básicos que minaram sua chance real de tornar-se a terceira via nas eleições de 2006, a campanha de HH conquistou uma grande vitória para todos os Brasileiros. a realização do segundo turno, para o que a candidatura de HH contribuiu como fator decisivo, permitirá ao país se questionar e amadurecer.

infelizmente, a frente de apoio a HH, formada pelo P-SOL, PSTU e PCB, mostrou-se coerente com o insuperável talento da esquerda em sucumbir a seus próprios conflitos internos. nem ao menos um programa de governo foram capazes de produzir.

sempre se critica o aspecto multifacetado da Esquerda como um de seus mais graves problemas. este tipo de análise é um erro monumental. multiplicidade e diversidade são inerentes a Esquerda e uma vacina infalível contra todos os tipos de totalitarismos. como somos grupúsculos todos nós, que os grupos se multipliquem ao infinito, ao invés de se devorarem uns aos outros.

nascido da falência do PT, e tendo como um dos lemas de campanha que PSDB e PT são como irmãos siameses, o P-SOL se vê diante da encruzilhada de um segundo turno, que possivelmente não aconteceria sem a candidatura de HH.

alguns de seus dirigentes declaram ser inaceitável uma "neutralidade insossa". afirmam também que não se faz política com o fígado, não se importando em ser ou não coerentes. exatamente o mesmo rumo que o PT tomou para se converter no que é hoje em dia. só que demorou mais tempo...

não se trata de mera coincidência que os defensores de um apoio a Lula no segundo turno são os mesmos que permaneceram agarrados ao PT até o último instante. enquanto aqueles que foram expulsos por se manterem fiéis ao programa petista traído por Lula, são também os que fundaram o P-SOL e se mantém firmes às posições assumidas pela campanha de HH.

talvez nunca tenha sido tão necessário quanto agora assumir posições claras e conservar princípios inabaláveis. para resgatar a ética na política o país precisa superar um cenário no qual a Direita sempre vence eleições com candidatos de aluguel; e a Esquerda se conforma em seguir a reboque, condenando-se a optar entre o péssimo e o muito ruim.

sob o disfarce desta encruzilhada se esconde um beco sem saída. é sempre melhor seguir o próprio caminho.

06 outubro 2006

secessão

o grande empresariado Paulista tem uma imagem extremamente peculiar de si próprio. sempre se considerou o portador da modernidade e exemplo de um Brasil que funciona e prescinde do Estado.

curiosa auto-definição para uma classe cuja origem não veio, como nos EUA, de camadas médias lutando pela independência do país, mas, ao contrário, nasceu dos antigos latifundiários e dos traficantes de escravos, contando com a proteção do Império e sempre agregada a sua contraparte internacional.

são os atuais descendentes dos “barões do café“, que produziam para exportar e não para abastecer o mercado interno, dependendo inteiramente do capital estrangeiro, tanto para a colocação internacional do produto quanto para a construção das ferrovias pelas quais escoava a produção.

é a brava gente que hoje prega um corajoso corte dos gastos públicos e defende uma redução generosa na carga tributária.

não se referem, é claro, a reduzir as despesas com os juros da dívida pública. já que, sem esforço, ganham nas aplicações em títulos federais, investimento sem risco garantido pelo Estado, uma rentabilidade maior do que conseguiriam em qualquer atividade produtiva.

como sempre, propõe corte na carne alheia.

as despesas com os serviços públicos que atendem a maior parte da população oscilaram, nos últimos dez anos, em torno de 17% do PIB, sem grande variação.

já a dívida pública segue acima de 50% do PIB, alimentada pela maior taxa real de juros do mundo. os gastos com os juros atingem 8% PIB, com cerca de 80% dos títulos concentrados em apenas 15 mil famílias.

tamanha transferência de riqueza é sustentada por uma carga tributária de 37% do PIB, dos quais apenas 33% são oriundos de receitas, enquanto 67% provêm das contribuições.

ou seja, tanto os rendimentos com os juros da dívida pública, quanto o sistema tributário, são altamente concentradores de renda, beneficiando as camadas mais ricas da população.

apesar disto, nossa brava gente vê, quando examinam o resultado do primeiro turno das eleições de 2006, ao Norte e Nordeste um Brasil vermelho, pobre e dependente do Estado, que seria sustentado pelos impostos arrecadados no Brasil rico do Sul e Centro-Oeste, colorido com o azul da economia de mercado.

FEBRABAN e FIESP ainda não se libertaram do modelo da Abolição da Escravatura. quem tem direito à indenização é o senhor, afinal foi expropriado de seus “meios de produção“, e não o escravo a quem negaram a condição humana.

não é que falte fé no povo para nossas classes dominantes, não têm fé em si mesmas. desconfiam de suas próprias palavras de ordem. divulgam chavões em vez de idéias. intimidadas pela crise do país, mas dela desfrutando. vulgares porque nunca foram originais e originais em sua vulgaridade. sem energia, em nenhum sentido, plagiaria em todos os sentidos.

não avançaram nem avançam para um projeto político alternativo para a sociedade nacional. jogam com as classes subalternas de modo tímido, pouco elaborado. temem a força política dessas classes, principalmente o risco de ter de compartilhar o poder. não construíram nem constroem um projeto de cunho hegemônico, porque não interpretam os interesses das outras classes e muito menos da sociedade como um todo. apenas defendem seus próprios interesses corporativos.

nestas eleições, apóiam um candidato com perfil similar ao que possuem, embora tudo façam para negar esta condição para si próprias. em vez de progressista, Alckmin é católico conservador; em vez de cidadão cosmopolita, ostenta com orgulho a marca do interiorano; em vez de sociólogo ou economista, é um gerente pós-ideológico.