29 dezembro 2016

Considerações sobre reacionarismo brasileiro

29/12/2016


comentário ao post: Xadrez do Hommer Simpson e do desmonte nacional

1.  o reacionarismo brasileiro é atávico. desde que o Brasil é Brasil. não nascemos como nação, e sim como empresa exportadora. nosso berço não é a luta de libertação nacional, e sim a escravidão. o que esperar de uma sociedade constituída sobre estas bases?

2. a web apenas amplificou a visibilidade, e portanto retroalimentou um fascismo latente, mas sempre fortemente presente no tecido social brasileiro. jamais superamos a escravidão, os documentos foram queimados e os “senhores de escravos” receberam indenização pelo prejuízo lhes causado com a “libertação de sua peças”;

3. em nossa História jamais enfrentamos com determinação o elitismo, o autoritarismo, o racismo, o moralismo e a repressão, todos herdados de nossas raízes fundadas na escravidão. foi assim com a Lei da Anistia, e depois com a Comissão da Verdade. foi assim com a não auditoria da privataria tucana, e depois com o abafamento da operação Satiagraha. e está sendo assim agora, com a opção da maior parte da Esquerda pela não resistência ao golpe nas ruas, como se fosse possível derrotar os golpistas apenas dentro de uma lógica eleitoral pautada por eles;

4. mas o reprimido sempre retorna. volta como sintoma de alguma patologia. precisa ser enfrentado e transformado. seja no plano individual ou social, sempre se trata de uma guerra. de uma guerra de libertação, seja de pessoas ou de nações. nossa recusa em enfrentar nossos mais nocivos problemas, nos torna pessoas doentes numa sociedade doente;

5. da mesma forma que na web os múltiplos nichos fechados da Direita e do fascismo se reforçam mutuamente, numa produção incessante de pós-verdade, ocorre exatamente o mesmo mecanismo nos ditos sites de “Esquerda”. são redomas virtuais e aquários sociais que obedecem ao mesmo recorrente padrão. segregam o contraditório, interditam o debate, cultivam o maniqueísmo, exercem a violência contra os “não-sócios”. os estreitos círculos de giz são inimigos do diálogo, da conexão e, portanto, de uma sociedade plural e libertadora;

6. no processo político recente brasileiro, primeiro PT x PSDB, depois Lulismo e anti-Lulismo, coxinhas e paneleiros x Dilma Bolada e Amigos do Presidente Lula, são posições políticas que se alimentam uma da outra. reforçam-se mutuamente, paralisando o Brasil em meio a uma travessia, obrigando a sociedade a girar em círculos numa falsa encruzilhada. um pensamento binário que nega uma realidade complexa. ao se desconectar da realidade, por negá-la, o que foi reprimido retorna como sintoma de um tipo de Alzheimer político;

7. mas assim como os organismos, as sociedades tendem desesperadamente a autoregeneração. nosso desejo é desejo de vida, de conexão, de liberdade. é preciso doses monumentais de repressão para que acabemos desejando nossa própria morte. e isto sempre cobra um preço muito mais alto do que podemos pagar. os indivíduos adoecem precocemente, as sociedade se auto destroem em guerras e genocídios;

8. nenhuma Nação conquista a si mesma sem uma guerra de libertação. vivemos agora no Brasil uma guerra deste tipo. não vai ser com a negação de nossos erros que nos capacitaremos para vencer esta guerra. não vai ser nos escondendo confortavelmente em grupos fechados, na web ou não, onde apenas lambemos as feridas uns dos outros, sem nunca encararmos de frente aquilo que precisamos superar. não haverá qualquer futuro para nós na auto complacência, na auto indulgência, na auto comiseração e no mútuo enaltecimento de nossos enganos e fracassos;

9. toda esta destruição e todo este sofrimento terá sido em vão? ou chegou a vez de encerrarmos nosso exasperante ciclo de duro aprendizado? haverá novos tempos. mas dessa vez, não faremos prisioneiros. só a antropofagia nos une!

10. feliz Ano Novo!
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24 dezembro 2016

o fim, novamente

24/12/2016


foto: filme “A Chegada”

quantas vezes chegaremos ao fim, para enfim sermos capazes de começar?

quantas vezes abortaremos nosso próprio nascimento? quantas vezes seremos nós mesmos os coveiros de nossa aurora? até quando nossa grande obra se resumirá as nossas próprias palavras vazias gravadas em nosso melancólico epitáfio?

no Golpe de 2016 há um tributo pago pelo vício à verdade: tudo está revelado. com as máscaras no chão, os atores se mostram como sempre foram: personagens em busca de um autor.

em sua entrevista à Al Jazeera, em 16/12/2016, Dilma Roussef demonstra como foi o Lulismo a via de pavimentação para o sucesso do golpe da plutocracia contra o povo. com suas vãs e entediantes tentativas de explicação, sempre num burocrático tom professoral, a Presidenta afastada se esquiva vergonhosamente de todas as perguntas.

porém, mesmo a mais convicta prepotência finda por se desmascarar ao ser duramente confrontada com a inegável realidade dos fatos:

“- Se você realmente acredita ter sido um golpe de Estado, por que você não está nas ruas, liderando uma resistência popular não-violenta contra o governo ilegítimo?”, questiona o entrevistador. (2’30’’)

o que Dilma tem a dizer? o que Lula tem a dizer? o que o Lulismo tem a dizer?

afinal que tipo de “luta” é esta, resumida a duas limitadas variantes de um mesmo repetido slogan eleitoral: “Lula 2018” ou ”Lula Já”.

Lula, sempre Lula! mas nunca Lula nas ruas liderando uma resistência popular não-violenta contra o governo ilegítimo...

o Golpe de 2016 é o fim do caminho para o Lulismo e para a Ex-querda. não sairemos desta crise repetindo os mesmo erros do caminho que a ela nos arrastou.

do mesmo modo que nenhuma reforma neoliberal será capaz de reativar a economia, não há a menor possibilidade de através do Lulismo regenerar o tecido social rompido e a institucionalidade decomposta.

não há retorno. nenhuma pax nos salvará. só a Antropofagia nos une. dessa vez, não faremos prisioneiros.

os dados revelam uma brutal concentração de riqueza: apenas 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente a 45,54% do PIB do Brasil em 2014 e 0,91% das proprietários rurais têm 45% das terras.

chamá-lo-emos de plutocratas, cleptocratas, lumpenburguesia, neo-aristocratas... mas nosso principal chamamento não pode deixar de ser:  


não há nenhuma superação desta crise que não passe pela reconstrução da Democracia e pela refundação da República.

se a crise é a crise de nossas lideranças, a crise da luta contra o golpe é a crise das lideranças de Esquerda.

as novas lideranças, geradas sob um novo paradigma de liderança, já pululam por toda parte. no movimento dos secundaristas. nas ocupações. nos enfrentamentos nas ruas. na lutas das minorias. nos assentamentos. na arte e na cultura.

enquanto o velho país se recusa a morrer, o novo Brasil luta decididamente para nascer. o dragão agoniza. a fênix alça vôo.

2016 não é 1964, assim como 2017 jamais será 1968. o futuro já não é mais o que costumava ser. não haverá nenhuma noite de longos 21 anos. o tempo da era da hiperconexão on-line se recusa a durar tanto quanto no passado.

para que 2016 não seja mais um ano que não terminou, é preciso assumir que acabou o tempo do Lulismo. esta estratégia de conciliação permanente a serviço de um projeto de hegemonia às avessas. um modo de governar para atender a quase totalidades das demandas da minoria e de se legitimar através de alguns poucos benefícios para a maioria.

enquanto permanecermos girando em círculos na noite escura do interregno, prevalecerão os sintomas mórbidos, os fenômenos bizarros e as criaturas monstruosas.

é preciso que a velhas lideranças se reencontrem nas ruas com as novas lideranças.

para que o vigor da juventude em luta forme um amálgama com a experiência da geração das “Diretas Já”.

para que a derrota do impeachment se torne o fogo alto que forja o aço de nossas vitórias. pois não há nenhuma vitória efetiva que não venha precedida de uma grande derrota. a grande derrota nos purifica. ela nos retira certos laços que não éramos capazes de nos livrar.

para que a Lava Jato deixe de ser uma arma de destruição em massa da plutocracia contra a Nação  e contra o Povo, e passe a ser uma lança-chamas utilizado pela Nação e pelo Povo contra uma plutocracia nascida, crescida e mantida às custas de parasitar os recursos públicos – como provam grampos e delações premiadas obtidos no contexto da própria Lava Jato.

para que o trauma do impeachment seja compreendido como o eterno retorno do reprimido com uma escravidão nunca superada, nesta longa e exasperante tradição em nossa história de golpes sucessivos da minoria contra a maioria.


só pelo doloroso aprendizado com nossos erros, faremos a cidade dos espelhos e das miragens ser arrasada pelo vento, para enfim despertarmos de nosso sonho com quartos infinitos.

“Quando só, ele se consolava com o sonho dos quartos infinitos. Sonhava que se levantava da cama, abria a porta e passava para outro quarto igual, com a mesma cama de cabeceira de ferro batido, a mesma poltrona de vime e o mesmo quadrinho da Virgem dos Remedios na parede do fundo. Desse quarto passava para outro exatamente igual, cuja porta abria para passar para outro exatamente igual, e em seguida para outro exatamente igual, até o infinito.

“Uma noite, porém, duas semanas depois de o terem levado para a cama, Prudencio Aguilar tocou-lhe o ombro num quarto intermediário, e ele ficou ali para sempre, pensando que era o quarto real.”

“e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado.”

 “Cem Anos de Solidão” – Gabriel Garcia Marquez

Dilma – entrevista à Al Jazeera (LEGENDADO)


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21 dezembro 2016

summer is now: só a Antropofagia nos une

21/12/2016

ateadas as chamas do impeachment, o incêndio do golpe se propagou. o fogo destruidor da Lava Jato & Associados tornou-se incontrolável, ingovernável, interminável.


todos os velhos personagens do grande inverno de nossas almas serão tragados pelas chamas por eles mesmos acesas. o verão é agora. Dracarys.

dos empregos às instituições, das empresas ao investimento público, da CLT à Previdência Social, desde a saúde física e mental dos brasileiros até a própria viabilidade do Brasil como nação soberana, o país tal qual o supúnhamos conhecer é consumido pelas labaredas. nada e ninguém será poupado.

a cúpula já não consegue governar como antes. o agravamento do descontentamento e da indignação, provocados pela deterioração de sua condição de vida, leva os dominados a se encontrarem numa situação insuportável, empurrando-os para uma ação histórica independente.

embora tudo sob o céu esteja mergulhado no caos, a situação não é  ótima. é péssima.

o caos fez com que os véus fossem rasgados. está tudo desmascarado, despudoradamente. tudo está escancarado, obscenamente. as máscaras caíram. acabou a encenação. os atores se mostram como sempre foram: personagens em busca de um autor.

nenhum dos personagens tem qualquer proposta à altura para nos alçar do abismo de fogo em que fomos lançados. sem exceção, todos tem responsabilidade na co-autoria de uma crise que se tornou maior do que todos eles e do que todos nós.

o setor dominante nunca será capaz de solucionar a crise. ele é a crise.

uma lumpenburguesia empenhada desde suas origens em devorar a Nação e o Povo num picnic de abutres, enquanto prossegue em sua guerra de famiglias, a disputa interna pelo monopólio da pilhagem do Brasil, com cenas cada vez mais violentas de canibalismo explícito.

um permanente terror desta guerra infinita contra o povo. promovida por banqueiros, rentistas, exportadores de commodities, usineiros, empreiteiros e mídia-empresários em busca do pleno espectro de uma dominação total dos corações, mentes, corpo e alma dos brasileiros.

o caos revela o que sempre soubemos, mas nunca conseguimos suportar: não há qualquer racionalidade no sistema. nenhuma pax nos salvará.

tanto aqui como lá, tanto no plano nacional como no internacional, o 1% rachou. a luta de classes agora está crepitando dentro do próprio setor dominante. Hillary x Trump. Odebrecht x Setubal & Marinho.

se a crise é a crise de nossas lideranças, a crise da luta contra o golpe é a crise das lideranças de Esquerda.

enquanto tentam nos aniquilar a todos pelo fogo destruidor, a Ex-querda continua perambulando em seu labirinto. dele jamais chegará a sair sem desvencilhar-se de suas correntes, como invertidos fios de Ariadne, mantendo-a atada ao centro da armadilha: o Minotauro do Lulismo.

uma Ex-querda sempre paralisada pela hipnose do calendário eleitoral, pautada por pesquisas de intenção de voto e orientada pelos índices de popularidade.

um Ex-querda com tanto temor à autonomia do poder popular quanto sua contraparte: os plutocratas da cleptocracia brasileira.

por lhes faltar fé no povo, não conseguem ter fé em si mesmos. sempre traficando com seus próprios desejos. sempre desconfiados de suas próprias palavras de ordem. frases de efeito em lugar de projetos de país. sem energia, em nenhum sentido, plagiários em todos os sentidos. vulgares por incapacidade de originalidade, mas originais em sua vulgaridade...

 “Lula 2018” ou “Lula Já”, mas sempre Lula! como se o caminho dos repetidos e sempre apontados erros do Lulismo, que nos arrastaram pelo rumo de um golpe anunciado, pudesse ser também a rota de fuga para a frente, em direção à reconstrução da Democracia e da refundação da República.


apesar das lamentações da Ex-querda, ressentida da ausência nas ruas de um povo que ela mesma delas se encarregou de afastá-lo, desde que o golpe é golpe que o povo sem medo ocupa ruas, praças, prédios públicos e web em vibrantes e constantes manifestações.

se o povo não sai às ruas, é alienado. se sai, seus protestos pacíficos são reprimidos com violência. se não reage, é frouxo. se reage, é vândalo, baderneiro, apenas fornecendo munição para justificar ainda mais repressão. esta linha de raciocínio só serve aos impotentes, aos derrotados de véspera, aos que nunca quiseram se contrapor, aos que ainda suplicam pelo acordo, pelo conchavo, pela conciliação impossível.

entre os escombros do Estado Democrático de Direito, com o pacto constitucional de 1988 violado, a fratura exposta entre o poder instituinte e os poderes constituídos é irreparável.

como restaurar o tecido social rompido e a institucionalidade decomposta?

instalado com um golpe através de um impeachment inconstitucional, o governo Temer, é ilegítimo. assim sendo, todos seus atos e decisões são ilegítimos. portanto, todos os seus contratos, sejam de privatizações ou emendas constitucionais, devem ser sumariamente revogados assim que se reconquiste o governo.

há reestabelecimento do Estado Democrático de Direito no Brasil que não passe por este compromisso?

esta é pedra fundamental do pacto de reconstrução do Brasil.

o atual STF é um dos mais perversos legados malditos do Lulismo. em seus 13 anos o Lulismo indicou 13 Ministros. dos atuais 11 Ministros do STF, o Lulismo é responsável pela indicação de 8 deles. e nunca como antes neste país, está exposta a face monstruosa de um Judiciário venal, seletivo, classista e corporativo.

há reestabelecimento do Estado Democrático de Direito no Brasil sem a sumária dissolução do STF e sua responsabilização pelo crime de cumplicidade no impeachment? sem levar a Lava Jato & Associados a um tribunal popular por crime contra o Brasil e a Democracia? sem a responsabilização criminal da lumpenburguesia brasileira por sua guerra contra o Povo e o futuro do Brasil?

para esse país dar seu salto a frente a ordem deve ser clara: dessa vez, não faremos prisioneiros.

só a Antropofagia nos une. tupi or not tupi that is the question.

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a Ex-querda e Alice

21/12/2016


- Meu nome é Alice, mas…
- Um nome bem bobo!” Humpty Dumpty a interrompeu com impaciência. - O que significa?
- Um nome deve significar alguma coisa? Alice perguntou ambiguamente.
- Claro que deve, Humpty Dumpty respondeu com uma risada curta.
- Meu nome significa meu formato… aliás um belo formato. Com um nome como o seu, você poderia ter praticamente qualquer formato.

afinal, o que Alice quer? o que está fazendo?

seu olhar incisivo, rosto e cabelos cobertos, seios voluptuosos debaixo da sedutora lingerie vermelha, abraçada a um livro de filosofia, de joelhos estendendo um buquê de flores brancas à repressão.

isto é política, arte ou ... filosofia?

por que Alice tapa seu rosto? para esconder sua identidade? ou para expor seu anonimato?

há resistência fora da criação? há criação fora da resistência? se viver é uma invenção estética, não existe liberdade fora do coletivo.

a crise da Democracia brasileira é uma crise de identidade. a crise da Ex-querda é sua recusa ao único movimento capaz de construir uma nova identidade: mergulhar no abismo e atravessar a superfície do espelho.

- Este deve ser o bosque, disse pensativamente, - em que as coisas não têm nomes. O que será que vai ser do meu nome quando eu entrar nele? Não gostaria nada de perdê-lo…
Ficou em silêncio um minuto, pensando. Depois, de repente, recomeçou.
- Então, no fim das contas  a coisa realmente aconteceu! E agora, quem sou eu? Vou me lembrar, se puder! Estou decidida!  
Mas estar decidida não ajudou muito, e tudo que conseguiu dizer, depois de quebrar muito a  cabeça, foi: - L, eu sei que começa com L!

com o Brasil em transe, os surtos delirantes se propagam. tudo agora são performances. tudo é excessivamente simbólico. o choque de realidade gerado pelo golpe do impeachment tornou surreal a realidade nacional.

após o Alzheimer político entrar em colapso, os afetados pela Síndrome do Crepúsculo anseiam voltar para uma casa que já não existe. Édipo já não pode esconder seu desejo mais secreto: arrastar-se de volta para o protetor e aconchegante útero materno. mas como retornar de uma viagem definitiva?

há um pólo fascista e paranóico: a regressão do Brasil a um status pré revolução de 1930, condenando o país ao modelo liberal periférico, com sua completa subordinação à Tirania Financeira global;

há um pólo libertário e transformador: uma descentralizada e autônoma profusão de atos e manifestações de resistência contra o golpe, a emergência de um novo tipo de militância já não mais separado de um novo tipo de vida.

enquanto o velho país se recusa a morrer, o novo Brasil luta decididamente para nascer. o dragão agoniza. a fênix alça vôo. não há retorno. ou rejuvenescemos, ou não sobreviveremos. não basta resistir, é preciso re-existir.

- Oh! É inevitável, disse o Gato; - Somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você é louca.”
- Como sabe que sou louca?, perguntou Alice.
- Só pode ser, respondeu o Gato, - ou não teria vindo parar aqui.

o Chapeleiro Maluco e a Lebre de Março, Tweedledee e Tweedledum, o Cavaleiro Branco e o Cavaleiro Vermelho, o Leão e o Unicórnio, um mensageiro para trazer e outro para levar. nunca somos loucos sozinhos. é preciso ser pelo menos dois para sermos loucos.


como um delírio começa? o campo social é sempre anterior ao círculo familiar. a libido alucina a história e delira as civilizações.

o inconsciente é órfão. conhece apenas o desejo e o campo social, e nada mais. somos nosso filho, nosso pai, nossa mãe  e nós mesmos. o delírio sempre percorre o campo social histórico, como um campo de batalha, tomado pelas guerras de libertação, e não um palco de teatro burguês, com a tediosa encenação do triângulo edipiano. o Édipo antes de ser um sentimento infantil de neurótico, é uma idéia de paranóico adulto.

ser louco não é necessariamente ser doente. a demência é uma viagem definitiva. também pode ser a abertura de uma passagem. a loucura é um produto de uma destruição imposta e auto assumida. uma loucura é um grosseiro disfarce, uma caricatura grotesca do que poderia ser a cura natural. a autêntica saúde mental implica, seja de que modo for, a dissolução do ego denominado de “normal”...

- Sete anos e seis meses!, Humpty Dumpty repetiu, pensativo.
- Uma idade muito incômoda. Se tivesse pedido o meu conselho, eu teria dito: - pare nos sete… mas
agora é tarde.
Essa sugestão deixou Alice ainda mais indignada.
- Quero dizer que uma pessoa não pode evitar ficar mais velha.
- Uma não pode, talvez, disse Humpty Dumpty, - mas duas podem.

ao crescer, Alice fica simultaneamente menor. ao caminhar pela esquerda, acaba na direita. é punida antes de cometer o crime. de paradoxo em paradoxo, esquece o próprio nome. as aventuras de Alice são o colapso de sua identidade.

o bom senso é a afirmação de que, em todas as coisas, há um sentido determinável; mas o paradoxo é a afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo. os paradoxos de Alice são uma aventura pela linguagem através do inconsciente. não apenas o resgate de sua identidade perdida, mas a construção de um nova identidade, de um outro tipo de identidade.

Freud explica? claro que não? apesar de todo seu blá-blá-blá neurótico, a psicanálise ela mesma declara nada ter a dizer frente ao esquizo.

o que chamamos de “mundo” é uma construção daquilo que chamamos de “linguagem”. um espesso e intrincado texto vivo. uma linguagem de imagens interativas. uma ideografia dinâmica. uma sofisticada espécie de simulação multimodal de realidades virtuais. um hipertexto de autoria coletiva em permanente criação.

por isto qualquer texto sempre é um tecido de citações. palavras só podem explicar-se através de outras palavras. a única criatividade de um texto é seu poder de misturar outros textos, de contrariá-los uns aos outros, sem nunca se apoiar em qualquer deles, para fazer com que estes outros textos entrem em diálogo.

por isto escrever é tão perigoso. só quem tentou, sabe. há o perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas. há ciladas nas palavras. as palavras que dizemos escondem outras – quais? escrever é uma pedra lançada neste abismo sem fundo. um abismo que sempre chama outros abismos.

a princípio Lewis Carrol escolhera o título “As aventuras subterrâneas de Alice". mas é óbvio que era inadequado! Alice mergulha no abismo apenas para ascender à superfície, numa desmistificação da falsa profundidade. para descobrir que o mais profundo é a pele. para que tudo fique exposto. para que o óbvio não mais permaneça nas sombras.

- Se você conhecesse o Tempo tão bem quanto eu, disse o Chapeleiro, - falaria dele com mais respeito.
- Não sei o que quer dizer, disse Alice.
- Claro que não!, desdenhou o Chapeleiro, jogando a cabeça para trás. - Atrevo-me a dizer que você nunca chegou a falar com o Tempo!. - Mas, se você e ele vivessem em boa paz, ele faria praticamente tudo o que você quisesse com o relógio.

numa crise estrutural, quando o sistema entra em colapso, tudo se torna instável e volátil. então, pequenas ações podem gerar enormes mudanças. ocorre uma aceleração e uma condensação do tempo histórico.

na linearidade do tempo pendular e mecânico, a tirania do relógio capitalista, irrompe um tempo qualitativo e catalisador no presente de todos os momentos de revoltas no passado.

um tempo prenhe das possibilidades de um futuro indeterminado. o livre arbítrio se impõe ao determinismo. os homens já não mais fazem História sob circunstâncias determinadas. há escolhas a serem feitas num “tempo do agora”. o tempo dos acontecimento.

um tempo liberto do legado transmitido pelo passado. um tempo no qual os vivos se encontram momentaneamente não mais sujeitos ao pesadelo da opressão das gerações mortas. um tempo no qual atos individuais se potencializam e ganham efeito social.

para o tigre dar o seu salto sob um Sol imóvel no meio de seu curso, e o peão branco jogar e vencer em 11 lances, precisamos de uma outra “linguagem” e de uma outra relação com o “inconsciente”.

nunca como antes neste país, uma “Esquerda Alice” foi tão urgente quanto agora.

– O que é… isso? – disse finalmente.
– Isso é uma criança! – disse Hagar pressurosamente.
– Sempre pensei que fossem monstros fabulosos! – disse o Unicórnio. – Está viva?
 Alice não pôde deixar de esboçar um sorriso enquanto dizia:
– Sabe? Sempre pensei também que os Unicórnios fossem monstros fabulosos! Nunca tinha visto um antes!
– Está bem, agora que nos vimos um ao outro – disse o Unicórnio – se você acreditar em mim, acreditarei em você. Negócio fechado?

vídeo: Deixa Passar A Revolta Popular


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09 dezembro 2016

Reformas do mercado não serão capazes de reativar a economia

09/12/2016


1. nenhuma das reformas neoliberais propostas pelo governo golpista será capaz de reativar a economia. ao contrário. apenas aprofundarão a recessão, gerando estagnação e convulsão social;

2. são reformas “exigidas” pelo mercado, sob o pretexto de serem a única formar de recuperação econômica, mas não passam de brutal transferência de renda e patrimônio para a lumpenburguesia brasileira, aquela que sempre vampirizou o setor produtivo;

3. é ingenuidade ou má fé supor que exista grande capital produtivo brasileiro. banqueiros, rentistas, exportadores de commodities, mídia-empresários, usineiros e empreiteiros são parasitas dos recursos públicos. nenhum deles é capaz de sobreviver sem a diversas forma de subvenção, incentivos, desonerações, corrupção e pura e simples agiotagem. já que todo o grande capital brasileiro está financeirizado, confortavelmente deitado à sombra da jabuticabeira dos títulos públicos;

4. o setor produtivo brasileiro reduz-se aos trabalhadores, os pequenos e médios empresários e raras grandes empresas. qualquer projeto de recuperação da economia, e uma estratégio de desenvolvimento com inclusão social, deve se dar em torno desta espinha dorsal;

5. a lumpenburguesia brasileira declarou guerra ao país. esta é a guerra civil que nos assola. nenhuma pax nos salvará;

6. os formuladores da geopolítica global tem como sua principal arma de destruição em massa a política econômica neoliberal, fazendo do capitalismo uma religião, a qual devem ser convertidos todos os povos da terra;

7. daí seus prepostos brasileiros acreditarem piamente que através de ainda mais neoliberalismo é possível purgar os males causados pelo próprio neoliberalismo. são apenas os seguidores medíocres dos “proprietários da humanidade”;

8. Dilma, o PT e o tal “setor progressista”, os que pretendem se constituir como uma “Frente Ampla”, deveriam ter análises e propostas, amplamente divulgadas, se contrapondo a cada medida e plano do governo golpista, mostrando como nenhuma deles é de interesse do Povo e da Nação;

9. a crise é uma crise de nossas lideranças. nem os golpistas muito menos o governo afastado tem qualquer projeto viável de superação da crise. e nem poderiam: eles são crise!

10. 9,8,7,6,5,4,3...
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04 dezembro 2016

o Brasil & os Brasis: nenhuma pax nos salvará

04/12/2016



“Há uma estranha felicidade em se agir com o pleno conhecimento de que o que quer que se esteja fazendo pode bem ser o último ato sobre a terra. Nenhum de nós tem tempo suficiente.”

“Viagem a Ixtlan” - Carlos Castaneda




o Brasil & os Brasis ocupam o mesmo espaço geográfico, mas isto é tudo que compartilham: apenas o território. no mais só existem diferenças irreconciliáveis. são tão incompatíveis que agora se enfrentam num estado de guerra civil de baixa intensidade.

um Brasil é autoritário, elitista, repressor, preconceituoso, discriminatório, machista, racista, transfóbico, moralista, fascista...

os outros Brasis são habitados pelo Povo Brasileiro. um Povo sem Medo. esta construção única, do sincretismo multicultural e da miscigenação. esta visão do paraíso que levou os estrangeiros, invasores e emigrantes, a se encantarem e a nós se misturarem, deglutidos por nossa voraz e generosa antropofagia.

o Brasil & os Brasis agora chegaram a um impasse. já não suportam coexistir imbricados um nos outros. a fronteira geográfica inexistente acabou ganhando insuportável densidade, a ponto de comprometer todas as relações, desde o cotidiano até as grandes decisões nacionais.

são demasiadas as fronteiras entre o Brasil & os Brasis. fronteiras por toda a parte. excessivamente presentes. inclusive dentro de cada um de nós, na própria constituição daquilo que nos tornamos, como indivíduos e como sociedade.

com o golpe do impeachment cruzou-se uma fronteira definitiva: o Brasil de poucos jamais será os Brasis de todos. não há retorno.

o Brasil & os Brasis estão em secessão.

nunca fomos um país. o Brasil se formou pelo avesso. teve Coroa antes de ter Povo. teve Estado antes de ser Nação.

a população indígena se tornou estrangeira em sua própria terra e o contingente de negros desterritorializados chegou a quase 5 milhões, 44% do total dos africanos seqüestrados para as Américas.

nunca fomos um país. sempre se tratou de negócios.

organizou-se uma holding multinacional, com administração portuguesa, capitais holandeses e venezianos, mão-de-obra indígena e africana, tecnologia desenvolvida em Chipre e matéria-prima dos Açores e da ilha da Madeira – a cana. em torno do excelente negócio do açúcar, a primeira mercadoria de consumo de massas em escala planetária, se formou o moderno mercado mundial.

a riqueza gerada pela cana de açúcar na época foi superior, proporcionalmente, ao petróleo na economia contemporânea.

no Brasil, foram pessoas do povo que abraçaram um projeto de nossa construção nacional.

se algum dia chegarmos a ser uma Nação, ela terá sido obra de Zumbi e dos quilombolas, da resistência indígena, dos Tamoios, Aimorés, Potiguares, Tupinambás e Emboabas. dos Cabanos, Malês e Balaios. de Filipe dos Santos e Tiradentes. dos Alfaiates e dos Cariris. do Almirante Negro, do anarco-sindicalismo, da Coluna Prestes, de Apolônio de Carvalho, Lamarca e Carlos Marighella, das greves do ABCD, da luta pela “Anistia, ampla, geral e irrestrita”, da fundação do PT e da CUT, das “Diretas Já”, de Junho de 2013, do movimento contra o golpe de 2016.

um Brasil concebido como mera base territorial para atender demandas externas, povoado por uma população extirpada de cidadania e dignidade.

e vários outros Brasis, construção inacabada da luta de trabalhadores, pobres, favelados, negros, mulheres, adolescentes, homossexuais, travestis, índios, todos os que lutam pela libertação de sua carne supliciada.

após um longo e tortuoso percurso de adiamentos, o Brasil e os Brasis foram apanhados numa encruzilhada perigosa do destino. o Brasil e os Brasis já não mais podem sobreviver um aos outros.

em Junho de 2013 o sistema de poder estabelecido com a Nova República começa a ruir, assim como 1977 marca o início do fim da Ditadura.

a partir de 1977 iniciou-se um longa e tortuosa travessia. a falência histórica do velho já acontecera, mas não sua falência política. no vácuo deste interregno, através da luta entre os diversos setores sociais, ocorre a construção de um novo sistema de poder.

estamos hoje também no meio de uma destas arriscadas travessias. prevalecem os sintomas mórbidos, os fenômenos bizarros e as criaturas monstruosas.

com a fundação do PT em 1980, até hoje o primeiro partido brasileiro surgido das lutas sociais de base, um imenso e poderoso setor participa organizadamente da gestação de um novo modelo político. até então sempre condenados a um papel subalterno, os trabalhadores assumem inédito protagonismo.

a Constituição de 1988 é a obra ainda incompleta daquela travessia iniciada em 1977, e as eleições de 1989 sua abortada culminância política.

mas cada geração tem sua missão, ou cumpre ou trai. a geração das “Diretas Já” tem fracassado miseravelmente. aprisionada numa maldição, na qual se repete a ressaca interminável de um dia seguinte que insiste em retornar.

como em 2016, com o golpe do impeachment de Dilma; como em 2015, com o “ajuste fiscal” de Dilma Roussef; como em 2014, com a Lava Jato; como entre 2009 e 2014, com as desonerações e incentivos para os grandes empresários; como em 2005, com o Mensalão; como em 2008, com a operação Satiagraha; como em 2003, com a reforma da Previdência de Lula; como em 2002, com a “Carta ao Povo Brasileiro”; como em 1999, com a crise cambial de FHC; como em 1994, com o Plano Real; como em 1993, com o escândalo dos anões do orçamento; como em 1992, com o impeachment de Collor; como em 1989, com o segundo debate entre Collor e Lula; como em 1985, na posse de Sarney; como em 1984, com as Diretas Já; como em 1979, com a Lei da Anistia...

a maldição de ser possível algum acordo dos Brasis com a plutocracia colonial e escravocrata do Brasil. a conta desta maldição é sempre paga com o sangue dos Brasis sendo derramado em vão, sob a ingenuidade e má-fé de uma justificativa pelo “não derramamento de sangue”.

em 1961, ao finalmente desembarcar em Porto Alegre, após a Rede da Legalidade garantir sua posse, Jango foi recebido por Brizola e comandantes militares com a proposta de marchar por terra com tropas e povo até Brasília, mas optou ir de avião ao lado de Tancredo, aceitando o Parlamentarismo.

então os golpistas tiveram caminho livre para depor Goulart em 1964.

na manhã do primeiro de abril de 1964, o herói da II Guerra Mundial e comandante da Base Aérea de Santa Cruz, Rui Moreira Lima, localizou e deu um vôo rasante sobre as tropas revoltosas, que se apavoraram e se jogaram no mato. contudo, não foi autorizado a atacar, nem mesmo quando propôs que o bombardeio seria tão somente às posições da estrada, vanguarda e retaguarda, para estabelecer um bloqueio.

então Mourão chegou ao Rio, para entregar a “revolução” a um Costa e Silva sonolento e de cuecas.

em 1964, após retirar-se do Rio para Brasília e em seguida para Porto Alegre, Jango decidiu pelo exílio, mesmo diante de militares que diziam NÃO ao golpe, como a garantia dada pelo General Ladário da viabilidade da resistência armada. Brizola não se conteve e desabafou: “Vai embora, traidor. Tu nunca mais vais voltar para este país.”.

então se iniciou o longo dia que durou 21 anos.

em 1984 o Brasil também estava em transe. o Povo das ruas conclamava por “Diretas Já”. contudo, em cima dos palanques estava Tancredo Neves. se na frente de milhões de pessoas Tancredo defendia as “Diretas Já”, nas sombras dos bastidores trabalhava por exatamente o contrário.

então Tancredo pagou a traição com a vida, antes mesmo de desfrutar uma gota sequer do gosto do poder.

em 1993, ao explodir o escândalo dos “anões do orçamento”, ficou também exposto o mecanismo de financiamento empresarial das campanhas eleitorais. logo após o impeachment de Collor, era o momento para desatar o capitalismo de laços brasileiro.

mas Lula e o PT optaram então pelo conchavo de cúpula, por julgarem ser inevitável sua vitória nas eleições do ano seguinte.

veio o Plano Real, que, sob o marketing de “estabilizar” a economia, doou ao setor privado quase todo o patrimônio público e mesmo assim gerou uma incontrolável dívida interna.

Lula se tornaria presidente apenas após assinar a “Carta aos Banqueiros Brasileiros” e, antes de tomar posse, em Washington anunciar Henrique Meirelles como presidente do Banco Central.

se em 1954, foi necessário Getúlio atirar contra o próprio peito e sair morto do Palácio, para que o povo ocupasse as ruas e barrasse o golpe, mesmo assim em 2016 Dilma Roussef não foi capaz de abrir as portas do Planalto, para o Povo sem Medo nas ruas entrar e  ocupar, sob a palavra de ordem: “Só sairemos daqui mortos! Não vai ter golpe! Vai ter luta!”.

então o Brasil & os Brasis mergulharam na mais grave crise de nossa história.

a crise do Brasil & os Brasis é a crise de seu setor dirigente. a plutocracia brasileira jamais solucionará a crise. desde suas origens, ela tem sido a crise que nos assola.

por que Marcelo Odebrecht, mesmo condenado a mais de 19 anos e preso desde junho de 2015, com a própria empresa Odebrecht sendo penalizada, não divulga a única “delação premiada” que lhe caberia: expor a Lava Jato e o impeachment como uma intrincada luta política contra os interesses do Brasil, de suas grandes empresas e de sua população?

porque simplesmente não existe nenhuma “burguesia nacional”. os grandes empresários jamais romperão com a lógica do sistema, mesmo com o encarceramento de seus pares e o aniquilamento de suas empresas.

por que o Almte. Othon, “pai do programa nuclear brasileiro”, condenado a 43 anos de cadeia, não repete suas enfáticas declarações sobre os interesses estratégicos dos EUA em barrarem as pesquisas brasileiras na área nuclear, principalmente no que tange as ultra centrífugas para enriquecimento de urânio?

porque simplesmente não existe nenhuma “Forças Armadas nacionalista”. os oficiais superiores jamais romperão com a lógica do sistema, mesmo com a destruição da soberania de um país e do massacre de um povo que receberam a missão de defender.

por que Lula e Dilma não expõe a Lava Jato como uma operação umbilicalmente conectada aos interesses geopolíticos das corporações transnacionais, dentro do escopo de uma guerra mundial híbrida, apresentando a este respeito provas abundantes fornecidas pelas agências de inteligência dos demais membros do BRICS?

porque simplesmente não existe nenhuma intenção de Lula, Dilma, e toda a Esquerda da qual fazem parte, em romper com a lógica do sistema.

mesmo sob os escombros do Estado Democrático de Direito, com um Executivo em estado terminal, um Legislativo irremediavelmente degradado, um Judiciário e um MP eivados pela venalidade, corporativismo, seletividade e classismo.

mesmo com a completa ruína das instituições, nenhuma garantia da manutenção do calendário eleitoral, sem qualquer perspectiva de recuperação da economia e o país à beira da convulsão social.

mesmo com um mundo em rápida mutação, com o fracasso do império unipolar com sua guerra infinita de extinção contra o planeta, em direção a uma multipolaridade capaz de evitar o armagedon nuclear e reerguer a economia global do abismo da crise de 2008.

ainda assim, a mesma Esquerda que arrastou os Brasis pelo caminho anunciado do golpe, insiste em brandir como solução o pacto, o acordo, a conciliação, o apaziguamento, o conchavo, a covardia e a traição.

já não há retorno. nenhuma pax nos salvará. chegou o momento de o Brasil e os Brasis terem seu encontro inexorável com a morte.
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01 dezembro 2016

summer is coming

01/12/2016


(foto: Gisele Arthur)

vem vindo o Verão. e o que fizemos neste verão futuro? onde estávamos nós neste verão futuro, no qual todos seremos consumidos por suas inadiáveis labaredas?

já somos hoje apenas os fósseis do amanhã? estamos destinados a traumas futuros? por que esta insistência nas ciências da morte e da castração, seja a paleontologia ou a psicanálise, como se através delas pudéssemos nos libertar de um presente distópico? existe mesmo alguma outra possibilidade de construir uma utopia sem ser através do excesso de lucidez?

winter is now. tudo aquilo que sob o Lulismo parecia tão sólido, dissolveu-se no pântano do golpeachment e da decomposição institucional. agora espalham-se por toda a parte as emanações de raiva, hipocrisia, cinismo, melancolia, impotência e depressão. prevalecem os sintomas mórbidos, os fenômenos bizarros e as criaturas monstruosas.

se permanecermos congelados neste interregno, paralisados no inverno de nossas almas, a Ex-querda não se renovará. vai fracassar como um monstruoso contingente de zumbis conduzidos por mortos-vivos. e o Brasil será completamente devorado no picnic de abutres desta guerra de famiglias, com cenas cada vez mais violentas de canibalismo explícito.

o que fizemos no verão passado? apesar de todas as evidências, preferimos nos aconchegar na confortável auto-ilusão do verão do Lulismo já não trazer em si as larvas de seu inevitável inverno?

o presidencialismo de coalizão pariu o presidencialismo condominial. a não auditoria da privataria tucana e a supressão da Satigraha pariram a Lava Jato. a Lava Jato & Associados destruiu o Brasil tal qual o conhecíamos. não há retorno.

um cadáver ainda carente da necropsia, o Lulismo vive sua última quimera: a ilusão de ter sido vítima. mas foram os repetidos e sempre apontados erros do Lulismo que nos arrastaram pelo rumo de um golpe anunciado.

o Lulismo não é vítima. a Ex-querda não é vítima. nenhum de nós é vítima.

somos todos responsáveis por nossas escolhas e por nossos atos. e todos compartilhamos as conseqüências de escolhas e de atos da coletividade na qual vivemos.

não existe essa coisa de indivíduos! indivíduo/sociedade é apenas uma vívida alucinação provocada pela disfuncionalidade do pensamento binário. o que há são fluxos e processos. não há “indivíduos” dentro de uma “sociedade”, e sim pontos de intercessão, nós numa imensa e complexa rede. tudo e todos são relações sociais.

o que deve nos manter unidos e nos dar força para lutar não é nenhum ingênuo otimismo. muito menos uma improvável esperança. mas sim a consciência de ser a união na luta nossa única chance de sobrevivermos: um sentimento radical de solidariedade.

com o golpeachment e a destruição do Brasil, tudo está às claras e revelado: nunca existiu nenhuma “burguesia produtiva nacional”.

por que Marcelo Odebrecht, mesmo condenado a mais de 19 anos e preso desde junho de 2015, com a própria empresa Odebrecht sendo penalizada, não divulga a única “delação premiada” que lhe caberia: expor a Lava Jato e o impeachment como uma intrincada luta política contra os interesses do Brasil, de suas grandes empresas e de sua população?

porque o setor dominante nunca será capaz de solucionar a crise. ele é a crise.

banqueiros, rentistas, empreiteiros, usineiros, exportadores de  commodities e mídia-empresários são todos os atuais piratas pilhando as terras brasileiras. os abutres devorando em seu picnic a cidadania e a soberania, sem qualquer compromisso com o país e sua população.

uma degradada lumpenburguesia sempre parasitando os recursos públicos, eternamente esplêndida em se colocar subalterna a serviço de sua contraparte internacional. sua única grandeza é o tamanho de sua pequenez frente aos desafios de um projeto de país.

não sairemos deste golpe pelo caminho que a ele nos trouxe. esta é uma guerra de mundos, nenhuma paz nos salvará. um golpe se institui pela força e só um contra-golpe pode detê-lo.

a fratura exposta entre o poder instituinte e os poderes constituídos é irreparável. o poder soberano do povo a ele deve voltar. este é o obrigatório e inadiável passo inicial para a superação do impasse de uma governabilidade inalcançável, nem agora e muito menos em 2018.

golpe é golpe. golpistas são traidores da Democracia e do Brasil. não existe mais Democracia no Brasil. ela terá que ser reconstruída a partir de suas bases, com a refundação de uma República autenticamente popular.

são imensas e inesgotáveis as forças da vida e do desejo que habitam este país. só nos entregando a elas poderemos descongelar este presente distópico, para começar a construir uma utopia tendo como fundamento o excesso de lucidez. o desejo como infindável conexão. a vida como eterna criação.

para não sermos os fósseis do futuro, o trauma do presente precisa ser encarado e superado.

1. instalado com um golpe através de um impeachment inconstitucional, o governo Temer, é ilegítimo. assim sendo, todos seus atos e decisões são ilegítimos;

2. todos os seus contratos, seja de privatizações ou emendas constitucionais, serão sumariamente revogados assim que se reconquiste o governo;

3. todos os responsáveis pelos contratos ilegítimos estabelecidos pelo governo Temer serão sumariamente afastados e processados por crime de traição contra a Democracia Brasileira – sejam membros do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário;

4. toda a cadeia hierárquica dos que participaram ou referendaram os contratos ilegítimos do governo Temer serão sumariamente afastados e processados por crime de traição contra a Democracia Brasileira;

5. os que se beneficiaram dos contratos ilegítimos do governo Temer na posição de compradores de ativos públicos, também serão processados por crime de traição contra a Democracia Brasileira, com a imediata perda da posse e do controle do que adquiriram ilegitimamente pela via do golpe;

6. a Lava Jato é uma operação umbilicalmente conectada aos interesses geopolíticos das corporações transnacionais e dentro do escopo de uma guerra mundial híbrida. provas a este respeito são abundantes nos arquivos do Wikileaks e das agências de inteligência de Rússia e China;

7. membros da Lava Jato, e toda a cadeia do Judiciário e do MPF a ela ligados, serão sumariamente afastados e processados por crime de traição contra a Democracia Brasileira.

o Verão virá. ou pelas chamas da barbárie e da extinção ou pela fênix da reconstrução da Democracia e a refundação da República.

o que faremos nós neste inexorável Verão que vem?

vídeo: Dracarys

(legendado)
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