24 dezembro 2016

o fim, novamente

24/12/2016


foto: filme “A Chegada”

quantas vezes chegaremos ao fim, para enfim sermos capazes de começar?

quantas vezes abortaremos nosso próprio nascimento? quantas vezes seremos nós mesmos os coveiros de nossa aurora? até quando nossa grande obra se resumirá as nossas próprias palavras vazias gravadas em nosso melancólico epitáfio?

no Golpe de 2016 há um tributo pago pelo vício à verdade: tudo está revelado. com as máscaras no chão, os atores se mostram como sempre foram: personagens em busca de um autor.

em sua entrevista à Al Jazeera, em 16/12/2016, Dilma Roussef demonstra como foi o Lulismo a via de pavimentação para o sucesso do golpe da plutocracia contra o povo. com suas vãs e entediantes tentativas de explicação, sempre num burocrático tom professoral, a Presidenta afastada se esquiva vergonhosamente de todas as perguntas.

porém, mesmo a mais convicta prepotência finda por se desmascarar ao ser duramente confrontada com a inegável realidade dos fatos:

“- Se você realmente acredita ter sido um golpe de Estado, por que você não está nas ruas, liderando uma resistência popular não-violenta contra o governo ilegítimo?”, questiona o entrevistador. (2’30’’)

o que Dilma tem a dizer? o que Lula tem a dizer? o que o Lulismo tem a dizer?

afinal que tipo de “luta” é esta, resumida a duas limitadas variantes de um mesmo repetido slogan eleitoral: “Lula 2018” ou ”Lula Já”.

Lula, sempre Lula! mas nunca Lula nas ruas liderando uma resistência popular não-violenta contra o governo ilegítimo...

o Golpe de 2016 é o fim do caminho para o Lulismo e para a Ex-querda. não sairemos desta crise repetindo os mesmo erros do caminho que a ela nos arrastou.

do mesmo modo que nenhuma reforma neoliberal será capaz de reativar a economia, não há a menor possibilidade de através do Lulismo regenerar o tecido social rompido e a institucionalidade decomposta.

não há retorno. nenhuma pax nos salvará. só a Antropofagia nos une. dessa vez, não faremos prisioneiros.

os dados revelam uma brutal concentração de riqueza: apenas 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente a 45,54% do PIB do Brasil em 2014 e 0,91% das proprietários rurais têm 45% das terras.

chamá-lo-emos de plutocratas, cleptocratas, lumpenburguesia, neo-aristocratas... mas nosso principal chamamento não pode deixar de ser:  


não há nenhuma superação desta crise que não passe pela reconstrução da Democracia e pela refundação da República.

se a crise é a crise de nossas lideranças, a crise da luta contra o golpe é a crise das lideranças de Esquerda.

as novas lideranças, geradas sob um novo paradigma de liderança, já pululam por toda parte. no movimento dos secundaristas. nas ocupações. nos enfrentamentos nas ruas. na lutas das minorias. nos assentamentos. na arte e na cultura.

enquanto o velho país se recusa a morrer, o novo Brasil luta decididamente para nascer. o dragão agoniza. a fênix alça vôo.

2016 não é 1964, assim como 2017 jamais será 1968. o futuro já não é mais o que costumava ser. não haverá nenhuma noite de longos 21 anos. o tempo da era da hiperconexão on-line se recusa a durar tanto quanto no passado.

para que 2016 não seja mais um ano que não terminou, é preciso assumir que acabou o tempo do Lulismo. esta estratégia de conciliação permanente a serviço de um projeto de hegemonia às avessas. um modo de governar para atender a quase totalidades das demandas da minoria e de se legitimar através de alguns poucos benefícios para a maioria.

enquanto permanecermos girando em círculos na noite escura do interregno, prevalecerão os sintomas mórbidos, os fenômenos bizarros e as criaturas monstruosas.

é preciso que a velhas lideranças se reencontrem nas ruas com as novas lideranças.

para que o vigor da juventude em luta forme um amálgama com a experiência da geração das “Diretas Já”.

para que a derrota do impeachment se torne o fogo alto que forja o aço de nossas vitórias. pois não há nenhuma vitória efetiva que não venha precedida de uma grande derrota. a grande derrota nos purifica. ela nos retira certos laços que não éramos capazes de nos livrar.

para que a Lava Jato deixe de ser uma arma de destruição em massa da plutocracia contra a Nação  e contra o Povo, e passe a ser uma lança-chamas utilizado pela Nação e pelo Povo contra uma plutocracia nascida, crescida e mantida às custas de parasitar os recursos públicos – como provam grampos e delações premiadas obtidos no contexto da própria Lava Jato.

para que o trauma do impeachment seja compreendido como o eterno retorno do reprimido com uma escravidão nunca superada, nesta longa e exasperante tradição em nossa história de golpes sucessivos da minoria contra a maioria.


só pelo doloroso aprendizado com nossos erros, faremos a cidade dos espelhos e das miragens ser arrasada pelo vento, para enfim despertarmos de nosso sonho com quartos infinitos.

“Quando só, ele se consolava com o sonho dos quartos infinitos. Sonhava que se levantava da cama, abria a porta e passava para outro quarto igual, com a mesma cama de cabeceira de ferro batido, a mesma poltrona de vime e o mesmo quadrinho da Virgem dos Remedios na parede do fundo. Desse quarto passava para outro exatamente igual, cuja porta abria para passar para outro exatamente igual, e em seguida para outro exatamente igual, até o infinito.

“Uma noite, porém, duas semanas depois de o terem levado para a cama, Prudencio Aguilar tocou-lhe o ombro num quarto intermediário, e ele ficou ali para sempre, pensando que era o quarto real.”

“e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado.”

 “Cem Anos de Solidão” – Gabriel Garcia Marquez

Dilma – entrevista à Al Jazeera (LEGENDADO)


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