14 junho 2018

Brasil em Transe: morrer jovem

14/06/2018


em 1978, 40 anos atrás, a eclosão da greve dos metalúrgicos do ABCD aponta o rumo para se por abaixo a ditadura e erguer um projeto de Brasil: movimentos sociais organizados pela base nos locais de moradia e trabalho, retomar os sindicatos, fundar um partido político e uma central única dos trabalhadores.

caso então um extravagante e diabólico anjo se materializasse para revelar que 40 anos depois estaríamos nesta deplorável situação atual no Brasil, a resposta viria no ato: "É preferível morrer jovem!".

devemos nos conformar que nossos sonhos, um por um, todos se transformem em sombras?

envelhecer calmamente, orgulhoso e impenitente...

"se extinguir e murchar-se aos poucos com a velhice, deixando a alma se esvair lentamente, enquanto a noite cai com suavidade sobre todos os vivos e todos os mortos?"

ou é melhor precipitar-se na morte no apogeu de uma paixão?

se o nascimento do PT foi sob o lema "a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores", como se chegou ao ponto, inimaginável e repulsivo 40 anos atrás, de se declarar com muito orgulho e sem nenhuma vergonha: "Voto em quem o presidente Lula mandar!".

como já é muito tarde para se morrer jovem, qualquer um não estando mal com tudo isto, não pode de modo algum estar bem.

não se trata mais de construir um movimento coletivo, coordenado a partir de estratégias estabelecidas coletivamente. tão somente obedecer os desígnios de um grande líder salvador.

mesmo ele estando encerrado numa prisão, para onde se deixou levar sem resistência. e de onde nenhuma outra proposta seja encaminhada, exceto a ele delegar pelo voto, em uma eleição certamente viciada, a "transferência de responsabilidade" de uma emancipação que só pode ser obra coletiva.

assim é nossa abdicação de nos tornarmos uma Nação. e assim se dá nossa renúncia a um projeto de país.

desde 1989 permanecemos girando em círculos, aprisionados por um onipresente monstro de duas cabeças, sendo ambas xifópagas em sua incapacidade para qualquer pensamento de como elaborar um projeto de Brasil.

tanto os neoliberais quanto o social-liberalismo. tanto PT quanto PSDB. tanto a Casa das Garças quanto a Fundação Perseu Abramo. tanto FHC, do "Manifesto por um polo democrático e reformista", quanto Lula, com sua "Mensagem à Nação Brasileira".

mas não é um déficit restrito ao Brasil. em todo o mundo a Esquerda se deslegitimou, com a crise de representação pulverizando a credibilidade de representantes políticos e sindicais.

ainda há lugar para sindicatos num mundo no qual o trabalho foi precarizado estruturalmente, com cada trabalhador autônomo metamorfoseado em "empreendedor de si mesmo"?

qual o espaço dos partidos políticos no âmbito de um Estado Pós-Democrático Global?

com a Crise de 2008, toda uma institucionalidade se tornou obsoleta. este esgotamento precisa ser enfrentado em toda sua dimensão e complexidade.

não há nenhuma alternativa que não seja da perspectiva de um pós Capitalismo. ao se negar esta obviedade, apenas se acentua a deslegitimação e a crise de representação.

se os ovos da serpente são chocados por toda a parte, o fascismo do séc. XXI está muito menos em Trump e Bolsonaro, do que no GAFA (Google, Amazon, FaceBook e Apple) e nas capas e ternos negros do Partido da Lei e da Ordem da Autocracia do Judiciário.

há algum pensamento de projeto para o Brasil que não passe pela reciclagem da ociosa e parasitária poupança financeira?

dito em outras palavras, mais claras e por isto mais chocantes: há recuperação para a economia brasileira sem a estatização do sistema financeiro?

cerca de R$ 1 trilhão dormem no overnight remunerados à uma das maiores taxas de juros reais do mundo. em abril de 2018: "As operações compromissadas, excluídas as realizadas com o Banco Central, alcançaram médias diárias de R$1,1 trilhão e de 6.664 operações."

desde o maldito Plano Real, que converteu uma inflação fácil de sentir no bolso pela quase incompreensível inflação da dívida púbica, o Brasil está aprisionado neste nó.

qual o pensamento de Esquerda para desatá-lo? há algum, além de "Lula Livre"?

enquanto deixarmos os fortes fazerem tudo o que podem, nós, os fracos, devemos sofrer o que merecemos.

com certeza, era preferível ter morrido jovem...
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09 junho 2018

Brasil em Transe: cegueira endêmica

09/06/2018


a vidência é quase sempre compreendida como a capacidade de se antever o futuro. mas do futuro nada há a se ver, a não ser uma nuvem fugidia de possibilidades em incessante alteração.

longe de ter a ver com o futuro, a vidência é "a visão do que está tomando forma" aqui e agora. ver neste exato instante aquilo que apenas tarde demais todos acabarão também por ver.

assim, ver é a capacidade de perceber os processos em sua forma dinâmica, tanto em seus efeitos intoleráveis quanto nas suas possibilidades de transformação.

por outro lado, há também o fenômeno da cegueira coletiva, pela qual grupos inteiros recusam-se voluntariamente a encarar a própria realidade.

um golpe só pode ser derrotado por um movimento de massas.

como o melhor exemplo histórico no Brasil temos o processo de redemocratização a partir do 1977, com a retomada do movimento estudantil, o ressurgimento das lutas sindicais, a fundação do PT e da CUT e a campanha pelas "Diretas Já".

apesar disto, a maior parte de todos os que se opõe ao Golpe de 2016 insiste na prioridade das Eleições de 2018 e na centralidade do papel de Lula.

é impossível substituir o poder das massas ocupando as ruas, em greves e todo tipo de manifestações, por um pleito viciado, facilmente manipulável através da urna eletrônica, sujeito a todo tipo de ingerência jurídica e submetido ao peso do poder econômico.

do mesmo modo, o trabalho vivo das massas em movimento é irredutível ao capital eleitoral de uma única pessoa.

ainda mais encerrada numa cela para onde se deixou conduzir não opondo resistência, sem qualquer proposta definida de como superar o atual impasse brasileiro, e, mais grave, alheia à completa mudança de circunstâncias em relação aos seus governos anteriores.

não há mais qualquer solo por onde possa trilhar uma reedição da conciliação permanente de Lulinha Paz e Amor: já não se pode dar a uma classe sem tirar de outra.

as famosas conquistas sociais do Lulismo nunca passaram de esparsos pontos brilhantes numa vasta e opaca superfície acobertando a concessão de quase todas as demandas do grande capital.

quanto a estes milagres sempre celebrados mas nunca realizados, o mais recente desmascaramento se fez pela própria Ermínia Maricato sobre o incensado "Minha Casa, Minha Vida". um programa muito mais a serviço das farra das empreiteiras do que de fato ensejando melhor qualidade de vida para a população carente em nossas caóticas cidades.

tudo o que aparentava solidez se volatizou num ar irrespirável de tão denso e putrefato. impiedosamente todas as ilusões serão descarnadas fibra por fibra, não restará pedra sobre pedra. tudo está em avançada decomposição.

a mãe de todas as nossas catástrofes atuais já aconteceu: a incapacidade de sequer se tentar resistir e superar o Golpe de 2016. desta se procriam todas as demais catástrofes por vir.

enquanto isto, a visão do que está tomando forma é assustadora, tenebrosa, macabra, maligna.

antes que todos acabem por ver, quando então será tarde demais, a Esquerda precisa urgentemente virar a página do Lulismo e abandonar todas suas últimas fantasias quanto a saídas eleitorais e institucionais para um golpe de Estado.

mas todos já sabemos muito bem que infelizmente isto não vai acontecer...

se ainda resplandece a miragem da última quimera, as Eleições de 2018, com sua chegada ao invés da enxurrada de votos tão piamente aguardada, acontecerá uma avalanche recorde de não-voto (nulos, brancos e abstenções) e uma epidemia avassaladora de depressão e suicídio.
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