nunca houve neste
país nenhuma Direita unida. a luta de classes é também uma luta entre frações
de classe. a cleptocracia brasileira não hesitou em demolir as empreiteiras e
tentar conduzir a JBS ao abatedouro. o Almte. Othon e o programa nuclear estão
encarcerados, sem nenhuma manifestação do Clube Militar ou qualquer vôo rasante de jatos despedaçando vidraças do
STF.
a indústria naval jaz encalhada, enferrujando. enquanto Aécio dá seguimento a sua carreira
elogiável, Cabral em Bangu admite
ter exagerado. cadeia produtiva de óleo e gás desarticulada, desindustrialização,
queda no consumo arrasando com o mercado interno, setor de serviços insolvente,
recessão, estagnação, deflação, ainda assim nenhuma reação coletiva
empresarial. na guerra de famiglias, as grandes empresas de mídia começam também a se
devorar;
a Globo nunca mandou
neste país. nascida do Golpe de 1964, a Globo sempre foi sócia do capital financeiro
internacionalizado, portanto do grande negócio da economia mundial: o Black Market. apontar a Globo como quem manda no Brasil,
nunca passou de um ardiloso e conveniente diversionismo do Lulismo, pois nomear banqueiros e grande empresários
como o núcleo da plutocracia brasileira seria também inviabilizar sua principal
fonte de recursos de financiamento de campanhas. apesar da narrativa
reducionista na qual a luta de
classes se converte numa briga contra a Globo, esta sempre pode contar com
generoso patrocínio público e com fartas verbas publicitárias. sem nunca ter
investido na criação e no fortalecimento das mídias alternativas e
independentes, com um movimento autônomo sendo capaz de produzir autonomamente
seus meios de expressão e comunicação, o Lulismo
manteve paralisada esta enorme energia criativa. mantendo os olhos fixos na
telinha televisiva, dando audiência para o Jornal Nacional e o Fantástico,
mesmo sendo apenas para mais uma vez repetir uma tediosa confirmação: a Globo
distorce, omite e mente. em vez de construir uma mídia que somos nós, manteve cativos espectadores revoltados,
mas sempre espectadores;
a mídia produz
modos de viver. todo o poder da Globo não consiste exclusivamente em ser uma grande
empresa de mídia, e sim por se constituir na agência de propaganda e marketing
da plutocracia brasileira e de seus sócios internacionais. a Globo não é apenas
uma arma de controle, e sim uma fábrica de modelos de comportamento, uma
geradora de estilos de vida. o negócio da Globo, enquanto mídia, é produzir
subjetividades: criar e moldar a legião uniforme de insaciáveis consumidores,
mas sem nenhuma apetência para se tornarem cidadãos. com a web esvazia-se
irrecuperavelmente o espaço de atuação tanto da Globo como de todas as mídias
tradicionais. cada usuário se converte também em produtor de conteúdo.
produção, consumo e circulação convivem simultaneamente no mesmo circuito. não
que isto tenha tornado o problema menor. ao contrário, ao deslocá-lo e
descentralizá-lo, o mesmo efeito produzido antes pela Globo, agora está disseminado
pelas bolhas das redes sociais. temos agora livre acesso a comunicação. e
quanto mais nos comunicarmos por este acesso, menos livres seremos;
uma superação da
crise exige a superação do Lulismo. a Ex-querda e o Lulismo agem como se estivessem negociando um acordo,
mas na verdade não estão. mas ainda que estivessem, seria uma inútil solução
para o impasse atual. já não existe qualquer viabilidade para um Pacto à la Brasil. tanto à Direita
quanto à Esquerda, todas as máscaras caíram. em situações limite todos se
revelam como realmente sempre foram: esfinges sem enigmas. meros personagens
desorientados em busca de autoria. da mesma forma que o setor dominante no
Brasil revelou sua completa incapacidade de gerir com a mínima funcionalidade o
país, também o Lulismo deixou patente
seu fracasso. ambos não tem nada a oferecer, senão mais do mesmo. ainda mais
fundo num poço interminável. se Moro tornou-se cabo eleitoral de Lula, este por
sua vez se gabarita como o maior eleitor de Bolsonaro. Lulinha Paz e Amor nada propõe além do mesmo Lula-Lá
de antes. foi este Lula-Lá que nos
arrastou até a crise atual, não será por este Lula-Lá que a superaremos. estamos numa estranha contagem regressiva. quanto mais chega
ao seu término, mais distante ficava de seu objetivo. 2018 é para sempre
um ano longe demais.
Emir Sader - 13/07/2012 - artigo após a
condenação sem provas de Lula
"Senhoras da
Casa Grande, permitam que alguém da Senzala faça o que vocês não tem
competência de fazer neste país. Permita que alguém cuide desse povo, porque
este povo não está precisando ser governado pela elite."
nenhum retorno. a Constituição de
1988 foi jogada no lixo e o pacto Getulista foi assassinado. a cleptocracia
brasileira jamais se conformou nem com um, tampouco com o outro. o único pacto
por ela admitido é o das costas com a chibata. com o sistema político em estado
terminal, as instituições disfuncionais e os poderes Constituídos sem mais
qualquer legitimidade, não há nenhuma curva no caminho com algum retono a um
mítico passado dourado. além da ausência de contexto econômico internacional
favorável, o Golpeahment não deixa
margem para resgate da estratégia de conciliação de classes. a hegemonia às
avessas não mais atende os interesses de bancos e grandes empresas, que
pretendem continuar como nunca ganhando tanto dinheiro, mas agora às custas dos
direitos dos trabalhadores. já não se pode dar a uma classe sem tirar de outra.
o sistema de poder está morto e seu sucessor ainda não se consolidou. no vácuo deste
interregno proliferam as patologias sociais: criaturas monstruosas, fenômenos bizarros e sintomas mórbidos;
nenhuma saída. pela via
parlamentar e através da política institucional o Brasil chegou a um beco sem
saída. o burocrático calendário eleitoral é incapaz de dar conta dos intensos
momentos das lutas concretas cotidianas. as frias pesquisas de popularidade e
intenção de voto jamais substituirão o calor dos laços efetivos com as
comunidades. a hipocrisia do marketing político é ineficaz frente as autênticas
experiências de uma vida que valha a pena ser vivida. é preciso fazer política
onde se vive e com as pessoas com quem se convive. nas comunidades, inclusive
as virtuais. nas ruas da rede. e na rede das ruas. ocupar os espaços públicos,
para torná-los de fato públicos. construir coletivamente a única rota de fuga
viável: para a frente;
o futuro é o
presente. enquanto os movimentos sociais permanecerem imóveis, girando em falso
numa encruzilhada, hipnotizados pela miragem de um ano longe demais, 2018, não
haverá qualquer futuro. e o presente será uma perene sucessão de duras derrotas.
o futuro não está em 2018, está aqui e agora. em cada luta presente para
derrotar o golpe. nunca antes neste país foi tão claro quanto agora que o
impeachment é o golpe da plutocracia contra todos os demais. apenas mais um
episódio na longa tradição de golpes da História brasileira. está mais do que
desmascarado o Pacto a la Brasil para
estancar a sangria e manter incólume
o sistema de poder, expurgando apenas seu sócio mais recente: o PT. com a
condenação sem provas de Lula, desmoraliza-se definitivamente uma justiça
venal, corporativa, seletiva e classista. já não resta pedra sobre pedra. não
são apenas as pedras de nossa derrota. são também a ruína da cleptocracia
brasileira. seu atestado de incompetência para gerir o país. o setor dominante
é a crise;
o presente já não
é mais como costumava ser. com o colapso do sistema de poder, também se tornam
vencidos os velhos paradigmas. é todo um modo de se fazer política que perdeu qualquer
viabilidade. a política deve mais uma vez se enraizar no tecido das comunidades,
para produzir outras relações sociais e, portanto, outras subjetividades. esta crise
é fundamentalmente uma guerra de mundos. um mundo moribundo se recusa a morrer
para outros mundos poderem nascer. uma guerra travada também no coração e mente
de cada um de nós. os monstruosos estertores do velho mundo provocam
experiências bizarras e mórbidas: frustração,raiva, impotência, depressão, anomia. tanto à Direita quanto à Esquerda,
busca-se ainda tábuas de salvação: líderes redentores e estruturas
hierárquicas, em vez da autonomia de um movimento vivo em constante
transformação. em detrimento do impulso emancipatório, as soluções
autoritárias: o stalinismo e o fascismo, o caudilhismo e a intervenção militar;
2018, para sempre um ano longe demais. o presente é o
tempo do esgotamento. o momento do fim. o aniquilamento de todas as ilusões. a
partir de agora o futuro do Brasil e o futuro de todos nós dependem de nossa
capacidade de nos reinventarmos. não há nenhuma síntese possível entre a Casa Grande
e a Senzala, entre o Bolsa Família e o Copom, entre a Selic e a redistribuição
de renda. o Senhor jamais permitirá que o Escravo seja livre. a liberdade é uma
conquista. e não a consequência do "cuidado" de algum capataz
generoso. o futuro depende de um amplo movimento de massas e de sua capacidade
de cuidar de si mesmo. a vida é agora.
a cada vez que a
Esquerda se omite a Direita se levanta. após um ciclo ascendente do movimento de
massas em contra-ataque ao golpe, passando pelo ato de solidariedade a Lula de
10-MAI em Curitiba, pela ocupação de Brasília em 24-MAI e desembocando na maior
greve geral brasileira em 28-MAI, mais uma vez há um repetido recuo. como é
possível para um movimento em pleno exercício de sua potência subitamente
arrefecer seu ímpeto? a resposta é dura: a Ex-querda e o Lulismo temem mais o movimento de massas do que
temem a Direita. jamais se colocam como catalisadores de um movimento de massas
autônomo, e sim atuam para subordinar este movimento e convertê-lo em massa de
manobra. o velho e conhecido peleguismo nascido junto com a burocracia sindical
brasileira. o povo na rua para defender Lula em Curitiba sim, mas nunca para
acampar em Brasília e parar o Brasil em sucessivas greves gerais. o retrocesso
do movimento popular sempre redunda um inevitável avanço da Direita. este foi o
caminho que nos conduziu ao Golpeachment,
e este será a via de ascensão de uma ditadura neo-fascista no Brasil;
a crise
brasileira é a crise de nossas lideranças. e a crise da luta contra o golpe é a crise das
lideranças de Esquerda. a quase totalidade das lideranças de Esquerda sucumbiu frente
ao Golpeachment. não é possível derrotar o golpe pela via
parlamentar, tampouco ao se pautar pelo calendário eleitoral. só um amplo
movimento de massas, profundamente capilarizado no tecido social, é capaz de
alterar a correlação de forças. um movimento sob o paradigma da transversalidade:
uma verticalidade profundamente enraizada num ampla e enraizada
horizontalidade. num contexto em que a crise da representação se consumou, apenas
o próprio poder instituinte, a soberania popular, será capaz de promover
mudanças nas relações sociais. por isto as mudanças não se dão pura e
simplesmente através dos poderes constituídos, na maior parte das vezes nada
mais que os grandes obstáculos para qualquer tipo de mudança. ou seja: a
chegada ao governo deve ser precedida, e resultado, de um sólido processo de
organização de um movimento popular necessariamente permanente. sem isto, os
golpes continuarão triunfando, seremos sempre derrotados e afundaremos no
cinismo e na depressão;
o golpe começa
com Dilma Roussef. ainda antes de iniciar seu segundo mandato, Dilma assentou a pedra
fundamental do golpe ao lançar o Plano Levy. com um viés de enfrentamento, a
campanha de Dilma pulverizou Marina, abertamente defensora da autonomia do BC,
e encurralou Aécio, com suas “medidas
impopulares”. ainda assim, logo após a eleição Dilma imediatamente trai seus
eleitores e implementa uma versão mitigada de um projeto derrotado por quatro
vezes nas urnas. então a estratégia de conciliação permanente do Lulismo já vencera seu prazo de
validade. a cleptocracia exigiu uma rendição incondicional do Lulismo. apesar das insistências do Lulismo, Dilma não cedeu, por isto foi
deposta pelo golpe do impeachment. Dilma é a grande personagem trágica do Lulismo, não Lula. apesar de seus
equívocos, Dilma foi a única a tentar encaminhar um projeto de mudanças,
enquanto Lula nunca cogitou ultrapassar a conveniente fronteira de uma
hegemonia às avessas: curvar-se a quase totalidade das exigências de uma
minoria, para tentar se legitimar pela concessão de alguns poucos benefícios
para a maioria;
"E se eu fosse
Dilma, no dia em que a Câmara votou a admissibilidade do impeachment eu teria
chutado o pau da barraca. Iria em rede na TV dia sim dia não e anunciaria que
estava enviando ao Congresso todas as medidas que faria até o fim do mandato,
com um pacote de bondades sobre salário mínimo, mudança na tabela do imposto de
renda ficando mais progressiva (beneficiando inclusive a classe média), criação
do imposto negativo para quem ganha menos e das grandes fortunas para os
verdadeiramente ricos, imposto sobre lucros extraordinários, lei do teto e piso
salarial no serviço público cair para a diferença de 1 para 20 e ir decaindo ao
longo dos anos até ficar 1 para 8, marco regulatório da democratização das
comunicações, incentivos para uso da internet e por fim enviaria convocação de
uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para reconstruir o sistema
político e construir alguns pactos nacionais."
só a Antropofagia
nos une.ou se devora ou se
é devorado. ou lutamos ou não sobreviveremos. tupi or not tupi. that is the
question. esta é a definitiva lição da pedagogia do golpe.será a base de nossa educação pela pedra. por lições, para aprender da pedra,
frequentá-la. um outro Brasil se erguerá dos escombros. já não restou pedra
sobre pedra. será com estas pedras presentes da ruína institucional brasileira que
coletivamente construiremos nosso futuro. ou será pela pedra, ou não haverá
qualquer futuro.
o golpe de 2016 é
a regra. o Golpeachment não é uma exceção, e sim apenas mais um
evento numa ancestral guerra civil,
na qual a cleptocracia brasileira se impõe contra todos os demais. se o
impeachment de Dilma teve como objetivo aplicar plenamente as “medidas impopulares” derrotadas por
quatro vezes nas urnas, o golpe
brasileiro é um processo. jamais será derrotado pela via parlamentar e
institucional. ao contrário, o golpe desmascara os poderes constituídos como
sem qualquer legitimidade. só um amplo movimento de massas é capaz de se
sobrepor ao golpe. assim como o golpe, este próprio movimento de massas é
também um processo. ao Estado de Exceção permanente deve-se opor um incessante
movimento de insurreição.
nenhuma pax nos
salvará. num mundo tomado por uma grande guerra global híbrida e assimétrica, a
linha de frente de batalha está em todos os lugares, sem que nenhum desses
lugares seja a linha de frente principal. o front em cada um, e mais
ninguémem cada front. mais do que
conquistar territórios e se apossar de recursos naturais, a guerra
contemporânea objetiva o controle das populações. submeter seus corações e
mentes ao ponto de desejarem a submissão. não haverá retorno aos keynesianos anos
dourados do capitalismo fordista no pós II Guerra Mundial. ao mesmo tempo que
precariza estruturalmente o emprego, o capitalismo cognitivo expande o tempo de
trabalho para colonizar todo o tempo de vida. jamais se deixa de trabalhar na produção
de valor imaterial.
a Esquerda
brasileira tradicional está obsoleta. prisioneira de paradigmas vencidos, a
Esquerda brasileira, em sua quase totalidade, não consegue agir, sequer pensar,
minimamente conectada com as novas condições contemporâneas. a Esquerda
institucional jaz inerte, sempre pautada pelo calendário eleitoral, operando
pela via parlamentar e orientada a pesquisas de popularidade e intenção de
voto. oportunismo, fisiologismo e caudilhismo se mesclam numa fórmula de nunca
ousar qualquer mudança, tão somente elaborar argumentos para justificar seu
imobilismo. por outro lado, a arcaica Esquerda stalinista jamais se livrará de
seus vícios de nascença: sectarismo, dogmatismo, centralismo, autoritarismo e
culto a personalidade.
uma nova Esquerda
só pode nascer de um novo modo de vida. se todo o tempo de vida se tornou tempo de
trabalho, e se a guerra se processa no tecido das relações sociais e através da
governança das subjetividades, nenhuma militância política pode estar separada
do modo mesmo de se viver. o inimigo está em toda parte. onipresente, polimorfo
e multifacetado, o inimigo somos nós. definitivamente, todos os Muros de Berlim
vieram ao chão. já não há nenhuma fronteira nítida dividindo blocos claramente
distintos. num mundo em que a vida se tornou o teatro de operações da guerra
civil sem fim, é no modo de se viver que são travadas todas as batalhas.
a Ex-querda e o Lulismo fazem parte do golpe. Dilma não foi derrubada por se opor a adotar
as “medidas impopulares”. logo após sua
reeleição em 2014, Dilma lançou o Plano Levy, encaminhou as reformas da
previdência e trabalhista, assim como também ampliou o programa de
privatizações, e não apenas sob o modelo de novas concessões, como no caso da
BR Distribuidora e do pré-sal. o golpe foi uma exigência natural do esgotamento
da estratégia de conciliação permanente do Lulismo, o que a Direita soube muito
bem compreender, mas a Ex-querda até agora não quis assimilar. Dilma foi
derrubada porque a cleptocracia brasileira, e seus sócios majoritários globais,
não aceitaram senão uma completa rendição incondicional do Lulismo. nenhum versão mitigada das “medidas impopulares”, apenas sua brutal
e rápida implementação. do mesmo modo, não será pela versão
"mitigada" de oposição ao Golpeachment
que ele será superado. como o golpe só pode ser derrotado por um incessante
movimento de massas, algo absolutamente fora de questão para a Ex-querda e o Lulismo, ambos são na prática sustentadores passivos do golpe.
as novas formas
de organização nascerão das lutas. não é “o povo” que produz a luta e a resistência, é a luta e a resistência
que forjam o seu Povo. do mesmo modo,
as novas formas de organização não são preexistentes e serão geradas pela luta
e pela resistência. quem muda o mundo
são as pessoas, e o que muda as pessoas são as experiências de vida
compartilhadas na luta para mudar o mundo. numa economia fundamentalmente
terciária, onde tudo são serviços e mesmo a produção de commodities está
determinada pela logística, já não pode haver qualquer centralidade de uma
mítica "classe operária", cada vez mais deslocada para os gulags industriais chineses. a classe deve ser procurada onde há luta. ali a classe vive
e se reinventa. não há e nunca houve nenhuma "nova classe média", esta fantasia conceitual tão
conveniente tanto aos economistas neoliberais quanto aos teóricos do Lulismo. no Brasil como no mundo, a
única novidade para as classes médias é seu inexorável empobrecimento. não está
em curso nenhuma mobilidade social através da qual os pobres estão se tornando
classe média, e sim o tornar-se pobre
das classes médias. é ao se levantar para lutar como Multidão, como em Junho de 2013 e agora na resistência ao golpe e suas
contra-reformas, que a classe se constitui. esta ascensão selvagem da classe
sem nome não admite nenhuma homogeneização de suas irredutíveis diferenças,
ficando como única característica comum serem todos pobres sem perspectiva de futuro. a fábrica onde habitam são os
grandes centros metropolitanos. sua única chance de sobreviver é criar um outro
modo de viver.
o golpe não se
estabilizará. o golpe de 2016 tem seu marco zero quando Dilma lançou o Plano Levy, antes
mesmo do início de seu segundo mandato, traindo seus eleitores que rechaçaram
nas urnas tal proposta. assim como então foi inútil tentar reverter uma crise
econômica aplicando as mesmas medidas que a produziram, nenhuma das
contra-reformas neoliberais será capaz disto. ao contrário, apenas aprofundarão
a estagnação econômica,o caos social e
a instabilidade política. a plutocracia brasileira jamais poderá apresentar
qualquer solução viável para a crise, pois ela é a causa da crise. em situações
limites tudo e todos se revelam como de fato são. para um golpe imposto pela
exigência de se impor por cima de qualquer legitimidade popular as “medidas impopulares”, não deixa de ser
irônico ter criado um impasse frente ao qual a única forma de superação seja
justamente através das "medidas
populares". ou seja: a nulidade do impeachment e o grande capital pagar
o pato de uma crise por ele desencadeada.
um novo modo de
viver se processa pelas lutas no cotidiano. não haverá nenhuma solução para a atual
crise brasileira vinda de cima para baixo. nenhum Salvador da Pátria, nenhum Pai
dos Pobres, nenhum Pacto à la Brasil. a crise de representação é irreversível.
nunca antes neste país foi tão grande a fratura entre os poderes constituídos,
com suas instituições, e o poder instituinte da soberania popular. esta fratura
tende a se acentuar, desembocando num regime autoritário, mas que tampouco
conseguirá estabilizar o golpe, por nada mais ser do que um outro golpe na
sucessão de golpes dentro do golpe. não há mais qualquer possibilidade de saída
para a crise brasileira atual. apenas a construção de um portal de entrada para
um novo ciclo. esta construção só se concretiza por meio de lutas localizadas
integradas num amplo movimento de massas em âmbito nacional. com a periferia se
tornando o centro, o interior a capital, a membrana o núcleo, a pele como a
mais profunda carne. é no processo de suas lutas concretas por pautas concretas
que pessoas concretas experimentam o Poder
da Comunidade. chegando então a compreender como o local e o global são
apenas duas perspectivas de uma mesma luta: viver uma vida que valha a pena ser
vivida.
nosso inimigo tem
muitas faces. nos espreita em todos os lugares. nos ataca o tempo todo. mas agora
temos uma vantagem. todas as máscaras caíram. já não temos como nos enganar.
nem mesmo quando nos olhamos no espelho. ou lutamos, ou não sobreviveremos.
as briófitas são vegetais muito antigos, os primeiros a evoluírem no
ambiente terrestre, há cerca de 420 milhões de anos. são minúsculas e vivem em
colônias. além de indicadores de saúde ambiental, em eco-sistemas degradados
são as espécies pioneiras no processo de sucessão ecológica para regeneração
daquele meio ambiente.
líquens e musgos são exemplo de briófitas. reduzem a erosão, servem como
reservatório de água e nutrientes, fornecem abrigo à micro-fauna e funcionam
como viveiros para outros vegetais.
apesar de seu diminuto tamanho e de aparentemente terem irrelevante
importância, exercem um papel capital no eco-sistema, o que só é possível por
viverem em colônias. sua potência não reside em cada espécime isolada, mas em
seu poder coletivo.
vivemos nos Brasis o momento
perene do Capitalismo de Crise. incapaz de se
auto regenerar e submetido a crises periódicas cada vez mais destrutivas, o
Capitalismo incorporou a crise como um modo de governar. as medidas tomadas
para superar a “crise” não servem
para combatê-la. ao contrário, a “crise”
é desencadeada como pretexto para aplicar tais medidas.
portanto, não há nenhuma saída para a crise do Golpeachment que não se
fundamente sobre sua nulidade.
o eco-sistema social está degradado, os poderes constituídos perderam sua
legitimidade, as instituições faliram e a representação morreu. a única saída
para deste deserto é um portal de entrada: iniciar um processo de regeneração
no qual a espécie pioneira há de ser Multidão.
numa economia terciária, onde tudo e todos são rede de fornecedores de
serviços, com o tempo de vida convertido plenamente em tempo de trabalho não
remunerado, um incessante trabalho imaterial e desvinculado do emprego e do
salário, agrega valor ao produto através de sua associação com um modo de viver.
a mesma camiseta de malha, idêntica materialmente, tem valor absurdamente
diferente caso esteja associada a uma grife. ao usá-la, se faz do corpo um
comercial vivo. se está trabalhando gratuitamente para agregar valor a esta
grife, mas se experimenta como de fato vivendo o modo de vida associado aquela grife. então nos tornamos apenas
escravos felizes com a própria escravidão. mas tanta “felicidade” ilusória só
pode redundar em depressão, o distúrbio psico-somático de nossa época.
ao colonizar o tempo de vida, o biopoder
expropria nossa energia vital. aos poucos, nos tornamos zumbis num ambiente de
anomia. ao biopoder devemos afirmar a
biopotência: uma indomável vontade de
viver. o cuidado de si, para
neutralizar o processo de zumbificação. mas isto só pode ser feito
coletivamente, numa sucessão de regeneração do eco-sistema social.
com o Golpeachment todas as máscaras caíram. em situações
limites, tudo e todos se revelam como são.
uma cleptocracia colonial e escravagista jamais deixará de ser
atavicamente golpista. não é sustentável nenhuma estratégia de conciliação de
classes. todo pacto é apenas uma traição adiada.
nenhum neo-desenvolvimentismo
terá êxito, a não ser abandonando a própria noção de “desenvolvimento”.
os recursos naturais limitados impõe limites definitivos a uma expansão
ilimitada das forças produtivas. do mesmo modo, um meio-ambiente ecologicamente
equilibrado só se sustenta numa sociedade onde haja justiça social. nenhuma
inclusão social é autêntica quando baseada no consumo. qualquer projeto
econômico deve se erguer além da dicotomia natureza/cultura.
o processo de reconstrução da Democracia e da refundação da República,
não se dará sob a luz dos velhos modelos. tudo terá que ser reconstruído de
baixo para cima, de dentro para fora, sob o paradigma da transversalidade: uma
verticalidade profundamente enraizada num ampla e capilarizada horizontalidade.
para a sobrevivência dos Brasis,
tudo deverá ser reinventado, a partir de nos mesmos, de nosso modo de viver. a regeneração de nosso
eco-sistema social, econômico e político começa com nosso poder de fazer-se musgo e tornar-se Multidão.