31 dezembro 2007


skyline pigeon

se é tão melhor ser bom, por que alguns decidem ser maus? [1]

pelo quarto escuro e solitário projetam-se sombras de melancolia e desolação. e meus olhos são espelhos do mundo lá fora. [2]

sem que interesse por quê, enquanto escrevo posso ouvir pela janela uma antiga música romântica. a melodia vem da direção em que se perdem os sonhos há muito deixados para trás.

a cada vez que se abre o peito, algo escapa, como pombas libertam-se de mãos que as aprisionam e voam para a linha do horizonte.

uma geração inteira encara seu destino: o mergulho no abismo, em busca da luz do abismo.

numa terra imperfeita, cheia de gente imperfeita, o que é ser bom? como é possível ser justo?

por que praticamos tantas atrocidades? em nome da justiça? ou por não querermos ser bons?

neste mundo cheio de matizes, qual o caminho correto entre a bondade e a justiça?
só a arte pode trazer a resposta. [3]


[1] Reinaldo Azevedo, “Iscailainepijonflai”
[2] Skyline Pigeon, Elton John
[3] arkx, comentário no blog do Reinaldo Azevedo, “Iscailainepijonflai”

22 dezembro 2007

merda doce merda

nos tempos do Chile de Allende e de seu governo da Unidade Popular, Maria da Conceição Tavares declarou num desabafo exemplar: “É um governo de merda, mas é o nosso governo de merda.”

depois de 34 anos, a frase é repetida no Brasil de hoje pelos defensores incondicionais do governo Lula: "sei que não quero entrar na história como linchador de Lula e de um governo que ajudei eleger”. [1]

a queda de Allende, na manhã da terça-feira 11 de setembro de 1973, tornou-se uma data trágica e sempre relembrada pela Esquerda.

bem menos se recorda, porém, a posse de Pinochet como chefe das Forças Armadas chilenas, nomeado pelo próprio Allende não mais que poucos dias antes do golpe. [2]

embora Pinochet estivesse conspirando em segredo há mais de um ano, aos olhos de Allende se tratava de um homem leal: o “nosso” Pinochet.

assim que surgiram as primeiras notícias do golpe, Allende teria ordenado: "Chamem o Augusto, que é um dos nossos".

o chamado de Allende foi atendido com uma exigência de rendição e a oferta de um avião com destino ao exílio. numa comunicação para os demais oficiais golpistas, interceptada por um radioamador, revela-se a real intenção de Pinochet: "No caminho os jogaremos de lá". [3]

como explicar a atitude de Allende? um quadro político não age por acaso nem por impulsos repentinos. será que ele queria mesmo era morrer? esse é o grande enigma. um denso mistério que não pode ficar debaixo da terra junto com seu corpo. [4]

com a eleição de Lula, parecia ter sido derrotada a poderosa discriminação social brasileira, o preconceito de classe absurdamente alto num país com tradição racista. mas, para quê? para governar para os ricos. e os ricos consentem, desde que os fundamentos da exploração não sejam postos em xeque. é o que o Lula faz: uma hegemonia às avessas. [5]

ao negar-se a decifrar o enigma do auto-engano em que se imobilizou, parte da Esquerda apela para o argumento definitivo : “mesmo que fosse contra todas as políticas do Governo Lula, ainda assim seria a favor dele.” [6]

além de esquizofrenia política, tal raciocínio se constitui num grave problema de ética. [7]

por que parcelas da Esquerda sempre repetem os mesmos erros? algum insuperável impulso kamikaze?


[1] Bernardo Kucinsky, “O Natal da discórdia”
[2] Pinochet tomou posse em 25/08/1973
[3] Patricia Verdugo, “Interferência Secreta”
[4] Bernardo Kucinsky, “O bispo de Barra quer morrer”
[5] Francisco de Oliveira, “Hegemonia às avessas”
[6] Wladimir Pomar , “Declaração de Voto”
[7] arkx, "o nosso governo", 05/10/2003

21 dezembro 2007

suicídio

quando a razão se extingue, a loucura é o caminho? [1]

quantas vidas valem a vida de um rio e de seu povo?

o bispo de Barra quer morrer? é obvio que o que ele quer mesmo é morrer... [2]

então, faça o favor de morrer logo. prometem enviar flores. [3]

por que incomoda tanto a atitude do bispo?

por que a atitude do bispo incomoda tanto o governo? por que incomoda tanto algumas pessoas?

o PT foi fundado sob a premissa de não apenas apoiar-se no movimento social como colocar-se a serviço dele.

hoje, o PT não apenas está completamente desvinculado de sua base social histórica, como se tornou um instrumento de neutralização e desmobilização do movimento social.

o bispo incomoda tanto por ser liderança de um dos poucos setores da sociedade que não se desestruturou inteiramente no governo Lula.

durante um ano, de 04/10/1992 a 04/10/1993 [4], o bispo "suicida" realizou uma caminhada ao longo do Rio São Francisco, da nascente a foz.

visitou todas as comunidades, realizou palestras nas escolas – desde o pré-primário até as universidades. debateu os objetivos da caminhada com os meios de comunicação, com os grupos organizados e associações de bairro, com as entidades, câmaras de vereadores e prefeituras .

o bispo incomoda tanto por não ser possível silenciá-lo, comprá-lo. para que desfrute da conveniente ida de Lula ao paraíso através do pacto sinistro firmado pelo governo entre os grandes investidores, agraciados com os juros do Copom, e os miseráveis, mantidos desmobilizados pelo Bolsa Família.

incomoda tanto por não aceitar ser refém do impasse suicida no qual a maior parte da Esquerda se aprisionou: “É um governo de merda, mas é o nosso governo de merda.” [5]

afinal, tem certas coisas, no que tange a favorecer os que dominam fingindo defender os explorados, que só Lula é capaz de fazer...

em algum momento, infelizmente mais tarde do que cedo, os setores progressistas da sociedade brasileira enfim se renderão a inexorável compreensão do mal causado pelo apoio que incondicionalmente empenharam ao governo Lula.

por vários e vários motivos, Lula tudo confunde e nada explica, com sua dubiedade e sua arrogância, suas meias-medidas e sua vã onipotência, o que faz com que um país inteiro se paralise, prisioneiro de uma encruzilhada e de uma esfinge, sem que possa dar uma resposta simples a tão incômoda pergunta:

- como pode um governo dos trabalhadores executar tão bem a política dos patrões?

quando finalmente a resposta óbvia que os progressistas tanto teimam em deixar oculta não mais se for capaz de evitar, o impasse brasileiro terá se aprofundado a tal ponto que já não mais será possível nenhuma saída pactuada.

nada pior do que negar a realidade. ainda mais em nome de avanços frágeis, promessas destinadas a frustração e absoluta falta de compromisso com princípios e ética na política.

assim como os indivíduos, países e sociedade são responsáveis por seu destino. em última instância, nos tornamos aquilo que escolhemos. e o momento da opção já passou para o Brasil...

talvez o bispo seja um "suicida"? pode ser... quando a razão se extingue, a loucura é caminho? não sei...

nada porém é mais certo que Lula empenhou sua palavra num acordo com o bispo, e não cumpriu!

o bispo incomoda tanto por se tratar de uma questão de princípios! de se fazer valer a palavra empenhada! de se honrar compromissos assumidos!

e nada pode ser mais incômodo para os fariseus que nem todos aceitem se tornar semelhantes a eles.



[1] D. Luiz Cappio
[2] Bernardo Kucinski, “O bispo de Barra quer morrer”, Carta Capital, 11/12/2007
[3] comentário de Arlete Santos, no Blog do Nassif, 07/12/2007
[4] 4 de outubro: dia de São Francisco
[5] Maria da Conceição Tavares, no Chile antes da derrubada de Allende, ciatada por Bernardo Kucinski, “O Natal da discórdia”, Carta Maior, 18/12/2007

20 dezembro 2007

indústria da seca

em 1959, Celso Furtado foi chamado por JK para estudar e traçar um plano para o Nordeste. cumprindo essa missão, o economista paraibano chegou a conclusão de que não mais se deveria inutilmente combater as secas com “soluções hídricas e grandes projetos de engenharia”. [1]

embora no imaginário nacional o semi-árido seja visto como uma região seca, tem uma pluviosidade de 750 bilhões de metros cúbicos por ano, dos quais apenas são aproveitados 30 bilhões, tem águas de subsolo e muita água estocada em açudes. [2]

a “seca do nordeste” é muito mais um problema social do que um problema da natureza.

Celso Furtado entendia que o projeto da transposição do rio São Francisco era "uma panacéia”, prioritariamente beneficiando os grandes proprietários de terras, que teriam "novos açudes para evaporar”, pois “o problema não está em ter mais água, mas em usar bem a água que já existe." [3]

o Nordeste tem mais de setenta mil açudes particulares de pequeno e médio portes, e mais de quatrocentos açudes públicos de médio e grande portes, com capacidade de armazenamento total de cerca de trinta bilhões de metros cúbicos, maior que a da barragem de Três Maria (cerca de 21 bilhões) e quase igual ao da grande barragem de Sobradinho (cerca de 34 bilhões). [4] trata-se do maior volume represado em regiões semi-áridas do mundo. [5]

a defesa do projeto da transposição se baseia nos seguintes pontos principais:

- a transposição é indispensável para resolver a situação de doze milhões de pessoas no Nordeste Setentrional;
- prevê retirar apenas 1% da vazão do São Francisco, sem prejudicar a utilização já existente;
- só haverá utilização maior de águas quando o nível do reservatório de Sobradinho estiver acima de 94%.
- o custo é muito baixo, pois evitará as despesas de quase todo ano no socorro a flagelados da seca;

nenhum destes pontos tem o menor embasamento técnico.

no Eixo Norte não há déficit hídrico para abastecimento da população. conforme o EIA/RIMA do empreendimento, 80% da água a ser transportada para esta região destina-se à irrigação e à criação de camarões. [6]

no Ceará, por exemplo, existe uma oferta hídrica potencial de 215 m³/s em suas bacias hidrográficas e uma demanda atual de 54 m³/s. no Rio Grande do Norte existe uma oferta potencial de 70 m³/s e uma demanda de 33 m³/s . na Paraíba, um dos estados mais problemáticos da região em termos de garantias hídricas, existe uma oferta potencial de 32 m³/s e uma demanda atual de 21 m³/s. não há escassez hídrica nos estados receptores, não se justificando, portanto, o ingresso das águas do rio São Francisco naqueles estados para fins de abastecimento. [7]

só os 2,4 bilhões de metros cúbicos do açude Açu seriam suficientes para abastecer a população do Rio Grande do Norte durante vinte anos – mas prevê-se abastecer o estado com águas transpostas do São Francisco. [8]

se a região receptora precisasse de água apenas para consumo humano, nem haveria a necessidade da transposição. o problema básico do semi-árido é a falta de confiabilidade de água para atividade produtiva, o que obriga a manter muita reserva técnica nos açudes, parte das quais acaba se evaporando. [9]

o acréscimo vindo da transposição não cobre nem a evaporação dos açudes. se os 2,10 bilhões fossem totalmente direcionados só para o açude do Castanhão (CE), apenas compensaria a evaporação deste mega açude que é, igualmente, de 2,10 bilhões de m³/ano. [10]

é um sofisma dizer que a transposição utilizará apenas 1% da água do São Francisco que chega ao Atlântico. a comparação honesta é relacionar o volume a ser captado com a vazão outorgável definida no âmbito do Plano de Recursos Hídricos. a vazão outorgável foi definida em 360 m³/s. este é o volume reservado para uso consuntivo em toda a bacia. [11]

dos 360 m³/s alocáveis na bacia, cerca de 335 m³/s já foram outorgados, restando apenas 25 m³/s - coincidentemente o que se pretende alocar como a nova justificativa do projeto de transposição. [12]

a demanda média do projeto será de 65 m³/s, podendo a vazão máxima atingir cerca de 127 m³/s, como restam apenas 25 m³/s outorgáveis, o rio já não dispõe, hoje, dos volumes necessários ao atendimento das demandas do projeto. [13]

mesmo com a regra de operação do projeto, de retirar uma vazão acima de 26m³/s somente quando o reservatório de Sobradinho estiver vertendo, isto é, quando tiver água “sobrando”, traz mais dúvidas do que certezas, porque os estudos comprovam que esta situação ocorre somente em 40% do tempo. em 10 anos só seriam retirados mais de 26 m³/s durante 4 anos. [14]

a represa de Sobradinho verteu em 1997 e voltou a verter em 2004. nesses sete anos, a bacia do rio passou por secas sucessivas, culminando, em 2001, com a mais séria crise energética da nossa história. [15]

o custo médio da água do projeto de transposição cobrado pelo uso da água bruta nos estados receptores será de R$ 0,1467/m³. este será o metro cúbico de água para irrigação dos mais caro do mundo, os projetos agrícolas ficarão inviáveis. [16]

segundo o EIA-Rima do projeto, a região potencialmente irrigável a ser beneficiada pela transposição é de 265.853 hectares. no Vale do São Francisco - segundo o Comitê de Bacias - existem 340 mil hectares irrigáveis e um potencial de mais 800 mil hectares, hoje não aproveitados justamente por falta de investimentos em valor muito inferior ao da transposição. [17]


as projeções do Ministério da Integração Nacional apontam como beneficiados pela transposição 9,075 milhões de habitantes. número que, pela evolução demográfica, deverá alcançar cerca de 12 milhões em 2025. a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), com base em informações fornecidas pelos governos dos Estados "receptores" de águas do São Francisco (Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba), estima à população potencialmente beneficiada pelo projeto em 7,031 milhões de pessoas. [18]

conforme informa o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, o Projeto de Transposição atende a menos de 20% da área do Semi-Árido e 44% da população que vive no meio rural continuará sem acesso a água. significa dizer que, de 5.712.160 habitantes (Censo IBGE 2001) da população rural dos quatro estados, apenas 3.198.809 habitantes é que serão beneficiados. [19]

portanto um número muito diferente daquele anunciado pelo projeto, que é de 9,075 milhões de pessoas. [20]

de acordo com a Embrapa, do total de precipitação pluviométrica caído anualmente no Nordeste, estimado em cerca de 700 bilhões de m³, 642 bilhões são consumidos pelo fenômeno da evapotranspiração. cerca de 36 bilhões são despejados no mar, em virtude do intenso escoamento superficial existente. e 22 bilhões de m³ são efetivamente pelos habitantes da região. bastaria o aproveitamento de 1/3 dos volumes escoados e manejados para o efetivo abastecimento de toda população nordestina (hoje estimada em 47 milhões de pessoas), com uma taxa de 200 litros por pessoa/dia e para a irrigação de cerca de 2 milhões de hectares, com uma taxa de 7.000 m³ por hectare/ano. [21]

numa só noite chuvosa, com precipitação de 70 mm num terço do Semi-Árido (300.000 km²) desabam sobre esta superfície exatamente 2,1 bilhões de m³ de água, o mesmo volume da transposição. [22]

o problema não está em ter mais água, mas em usar bem a água que já existe.

falta apenas uma grande e potente rede de adutoras para levar esta água a todos os recantos do semi-árido.70% dos açudes públicos não estão disponíveis para a população.

o custo atual da transposição, a maior obra do PAC, totaliza R$ 6,6 bilhões. esta verba não inclui os investimentos adicionais para levar a água para a população nas áreas laterais dos canais e para regiões mais dispersas do sertão, cujas despesas ocorrerão por conta dos governos estaduais. estima-se na verdade, que o custo final da obra chegue à R$ 20 bilhões. [23]

nos últimos anos, apesar da obra não ter saído do papel, a transposição do Rio São Francisco já custou aos cofres públicos, de acordo com o SIAFI, cerca de 466 milhões de reais. a maior parte do dinheiro foi paga ao consórcio Logos-Concremat, que venceu licitação para administrar o projeto, a começar pelas licenças ambientais. [24]



[1] Celso Furtado, “A Operação Nordeste”
[2] Marco Antônio Coelho, “A política governamental de obras contra as secas”
[3] Washington Novaes, “A transposição demolida antes de começar”
[4] Alberto Daker, em “Os descaminhos do São Francisco”, Marco Antônio Coelho
[5] João Suassuna, “Abastecimento no Nordeste: morrendo de sede no deserto com água no joelho.”
[6] José Carlos Carvalho, depoimento na Câmara dos Deputados
[7] João Suassuna, “Abastecimento no Nordeste: morrendo de sede no deserto com água no joelho.”
[8] Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[9] Luis Nassif, “A transposição do São Francisco”
[10] Manoel Bomfim Ribeiro, “Ttransposição – uma análise cartesiana”
[11] José Carlos Carvalho, depoimento na Câmara dos Deputados
[12] João Abner Guimarães Jr., “O lobby da transposição”
[13] João Suassuna, “Transposição: projeto tecnicamente ruim, socialmente preocupante e politicamente desastroso.”
[14] José Carlos Carvalho, depoimento na Câmara dos Deputados
[15] João Suassuna, “Transposição: projeto tecnicamente ruim, socialmente preocupante e politicamente desastroso.”
[16] João Abner Guimarães Jr.
[17] Luis Nassif, “O Bird e a transposição”
[18] Alberto Daker
[19] Alberto Daker
[20] Alberto Daker
[21] Aldo Rebouças
[22] Manoel Bomfim Ribeiro, “Transposição – uma análise cartesiana”
[23] Alberto Daker
[24] Alberto Daker

12 dezembro 2007

Economistas: a chave do tesouro

economistas de mercado se distribuem em dois grandes grupos.

no primeiro estão os que fazem o marketing da política econômica neoliberal.

precisam adquirir currículo acadêmico em universidades norte-americanas. isto tanto os certifica como devidamente capacitados a servir os interesses do mercado, quanto confere respeitabilidade ao marketing, revestindo-o de "teoria e história da economia".

geralmente ocupam cargos ligados a análise macroeconômica, com grande visibilidade na mídia. e quase sempre não possuem a menor intimidade com o dia a dia das operações de mercado.

exemplo: Alexandre Schwartsman.

já os do segundo grupo não dão a mínima para o marketing, pois sabem que se trata apenas de jogo de interesses. preferem focar diretamente no cerne do negócio: rentabilidade.

decidem sobre o destino de centenas de bilhões de reais. são responsáveis por rolar aplicações de curtíssimo prazo. identificam oportunidades de arbitragem que se fecham em segundos. definem estratégia de investimentos baseada nos movimentos do mercado e não nos "fundamentos macroeconômicos". buscam a combinação certa de risco, prazo, rentabilidade, normas e instrumentos de gestão, para o que as "boas teorias econômicas" não passam de literatura ideológica.

embora tenham acesso franqueado a grande mídia, evitam o excesso de exposição. também não costumam se comprometer com a defesa fundamentalista do neoliberalismo.

exemplo: Armínio Fraga.

economistas do primeiro grupo até podem ocupar altos postos no mercado financeiro, como economistas-chefe ou diretores, mas não é comum lançarem-se a frente de empresas próprias (exceto consultorias), como acontece com os do segundo grupo.

para apoio a tomada de suas decisões de negócio, economistas do segundo grupo se valem de estudos técnicos, nos quais fica flagrante que, num cenário de queda de juros, o pré-fixado é excelente investimento, e não uma exatamente opção para "melhorar o perfil da dívida interna". [1]

entretanto, a manutenção da política econômica, que garante as rentabilidade obtida pelos economistas do segundo grupo em suas operações no mercado, necessita do marketing conduzido pelos economistas do primeiro grupo.


apesar disto, nas reuniões matinais realizadas pelos economistas do segundo grupo para traçar a estratégia das operações do dia, o marketing dos economistas do primeiro grupo não tem nenhum significado – nem mesmo como alguma poesia. [2]

tudo o que lhes importa é em quais mãos está segura a chave do Banco Central.






[1] vide Ricardo Summa, “Alongamento da dívida pública e pré fixados interessam aos rentistas”
[2] comentário do Economista no site Crítica Econômica, www.criticaeconomica.com.br

06 dezembro 2007

óbvio ululante

nada é mais cansativo do que tentar demonstrar o óbvio.
[1]

para Fabio Giambiagi, um dos “expurgados” do Ipea, o Brasil não cresce porque não merece. não passamos de um país com "mentalidade de funcionário público acomodado”.
[2]

talvez as correntes aprisionando nossa economia sejam mesmo as despesas com a previdência e os gastos sociais. e por causa da Constituição de 1988 nos tornamos cidadãos de mentalidade indolente, espírito acomodado e satisfeitos em depender do Estado.

também já houve época, no inicio do século XX, em que não podíamos crescer por causa do determinismo geográfico e racial. diziam que o desenvolvimento só era possível nos climas frios e por obra de grupos étnicos superiores.

talvez sejamos mesmo um povo de índole corrompida, sem caráter, padecendo no calor dos trópicos de triste sina, irremediavelmente inscrita pela mestiçagem em nossos genes, sem que jamais sejamos capazes de superar nossa preguiça e atraso ancestrais.

se assim for, como então conseguimos ser, até 1980, a economia mais dinâmica do mundo, dobrando o PIB cinco vezes seguidas em cinqüenta anos?

o descontrole do endividamento do Estado veio após o Plano Real (1994), com a dívida interna disparando de 7% do PIB em 1993, para 13% em 1994, até chegar aos 50% em 2006. apesar de sucessivos superávits primários, desde 1994, a taxa de juros reais se manteve a mais alta do mundo.
[3]

dissimulado sob a marca do Ipea, Giambiagi dedica-se em tempo integral a destruir o que restou da previdência pública brasileira. é também co-autor de um projeto de reforma previdenciária elaborado por encomenda de um conjunto de entidades do setor financeiro.
[4]

em 1989, quando Giambiagi estava em Caracas, como membro da equipe do BID que assessorava o governo de Andrés Pérez, a Venezuela foi sacudida por intensos protestos em reação a um pacote de medidas neoliberais inspirado pelo FMI .

iniciada em 27 de fevereiro daquele ano, a explosão social ficou conhecida como El Caracazo e sofreu repressão brutal. números oficiais admitem 300 vítimas. estima-se que entre 3.000 e 10.000 pessoas foram assassinadas.

referindo-se ao episódio, Giambiagi comenta da “perplexidade” que ele e seus colegas “sentiram na Venezuela vendo como as ruas reagiam diante daquilo que no resto do mundo pertencia ao terreno da obviedade”.
[5]

a quem serve Giambiagi? não é preciso ser profeta para se enxergar o óbvio ululante...
[6]



[1] Nélson Rodrigues, citado por Fabio Giambiagi, “Raízes do atraso - As dez vacas sagradas que acorrentam o país”
[2]
Fabio Giambiagi, Folha de São Paulo, 04/03/2007
[3]
arkx, “o que merecemos”
[4]
Henrique Júdice Magalhães , “A quem serve Giambiagi?”
[5]
Henrique Júdice Magalhães, “A Previdência e o Caracazo”
[6] Nélson Rodrigues: “Só os profetas enxergam o óbvio”

16 novembro 2007

a batalha do Ipea

tradicional colunista social do mercado execra o que denomina de “expurgos” no Ipea, segundo ele, um ataque a pluralidade do órgão. [1]

como se sabe, o famoso "pluralismo" do pensamento único do mercado foi inaugurado de forma categórica por Madame Thachter, na década de 80, ao decretar: “there is no alternative”.

sintomaticamente um dos "expurgados", dedicado em tempo integral a destruir o que restou da previdência pública brasileira, é também co-autor de um projeto de reforma previdenciária elaborado por encomenda de um conjunto de entidades do setor financeiro – aglutinadas na Ação Para o Desenvolvimento do Mercado de Capitais. [2]

trata-se de uma versão muito peculiar do pluralismo, desde que todos compartilhem das mesmas idéias e concepção do mundo e estejam a serviço, muito bem remunerado, dos mesmos senhores.

Pochmann e Sicsú implementam no Ipea o que Lula deveria fazer no BC: uma troca de guarda para reconduzir o Brasil ao rumo do desenvolvimento.

enquanto os fiéis defensores da democracia do pensamento único alugam os cadernos de economia da grande mídia para histericamente espernearem contra as mudanças no Ipea, uma pergunta não pode se calar:

por que o Ipea, um órgão público, deveria acobertar um emérito lobista da previdência privada, travestido de pesquisador, que nem funcionário é do Ipea, e sim do Bndes?

muito embora Pochmann já tenha trocado 5 dos 6 diretores do Ipea, não houve esta gritaria de agora. foi considerado normal. ninguém saiu se fazendo de "expurgado".

muito bem, por que?

é que agora mexeram com o lobista. e o lobby saiu em socorro dele.

agora mexeram com um dos inventores do déficit da previdência - aquele que nunca existiu, não existe e nem pode existir nos termos da Constituição de 88.

nenhum dos argumentos do lobista a favor de uma nova reforma da previdência tem sustentação técnica.

são apenas negócios. a cada vez que o governo apenas cogita uma nova reforma - e o lobby faz ecoar através da grande mídia – dispara a captação dos fundos privados de previdência.

por que o lobista não faz suas pesquisas contratado diretamente pela Febraban? porque então seria tudo muito descarado, revelando tratar-se apenas de negócios e não de produção de conhecimento.


o lobby funciona bem melhor disfarçado através da bandeira do Ipea.




[1] Guilherme de Barros, Folha de São Paulo, 15/11/2007
[2] Henrique Júdice Magalhães , “A quem serve Giambiagi?”

24 outubro 2007

concessões

enquanto a grande mídia classifica o leilão de concessão das principais rodovias do país como uma vitória pessoal da ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, é a própria Dilma Rousseff quem revela a razão do "sucesso": "aplicar regras capitalistas no capitalismo". [1]

de fato, as empresas vencedoras apresentaram preços bem abaixo do máximo estipulado pelo governo, com a proposta da espanhola OHL, que arrematou 4 dos 5 trechos leiloados, chegando a um deságio de 65% para a BR-381 (Fernão Dias).

segundo a ministra-chefe da Casa Civil da Presidência, "o governo aplicou regras de competição", e mesmo ao reduzir a taxa interna de retorno do projeto para 8,95%, ainda assim as tarifas vencedoras foram mais baixas.

Lula não pode conter seu júbilo e festejou: "pela primeira vez os pedágios ficaram mais baratos".

a questão das privatizações foi tema central no segundo turno das eleições presidenciais de 2006. encurralado pela campanha petista, Alckmin vestiu jaqueta e usou boné cobertos de logotipos das estatais ao assinar uma carta antiprivatização.

agora, segundo Lula, não se trata de privatização, e sim "concessão". por 25 anos. e sem que por ela o Estado nada receba. uma graciosa doação "não onerosa" de infraestrutura pública para ser explorada pelo capital privado internacional.

e como ironia maior, a bandeira da gestão não-ideológica, desfraldada sem sucesso pelo candidato tucano nas eleições passadas, é assumida por Dilma Roussef, já em pleno rumo da sucessão de 2010.

apesar de todos os aplausos e comemorações, ninguém no governo, ou mesmo fora dele, teve capacidade de explicar quais as justificativas técnicas e políticas para se privatizar, enquanto se prossegue transferindo cerca de 7% do PIB como juros da dívida pública interna aos setores rentistas.

logo nos primeiros dias subseqüentes ao leilão, as verdadeiras razões do "sucesso" das privatizações vieram a público:

- o BNDES financiará 70% do valor a ser investido nas rodovias;

- para estimular a internacionalização das empresas, o governo da Espanha concede incentivos e benefícios que podem alcançar 25% do total do investimento.

com tamanha felicidade em seus negócios com o governo brasileiro, os empresários espanhóis não podem deixar de se conceder um esfuziante entusiasmo:


"O Brasil é um país fantástico, com bancos fantásticos, empresários fantásticos. E teve o privilégio de contar com dois presidentes fantásticos: Fernando Henrique Cardoso e Lula, que é uma figura sensacional." [2]



[1] Dilma Roussef, entrevista à revista "Época", 10/2007
[2] Emilio Botín, presidente mundial do banco Santander, 23/10/2007

07 outubro 2007

tropa de elite

“na cara não... na cara não... prá não estragar o velório.”

caído no chão, já desarmado e ferido, o traficante suplica. mas não implora pela vida. só pede para não tomar um tiro no rosto, que não lhe prejudiquem o velório...

o sucessor do Capitão Nascimento aponta a arma. no contra-plano, encara a platéia, que passa a ocupar o lugar de quem vai ser executado. com o dedo no gatilho, parece titubear por um momento. por detrás dele, a luz do sol invade a cena e explode a imagem no instante do disparo.

numa época de total crise de valores de uma sociedade dominada pela hipocrisia e o cinismo, o filme “Tropa de Elite” cria um herói.

onde tudo tem um preço e todos se vendem, o personagem do capitão do BOPE não compactua com o tráfico e muito menos com a corrupção da própria polícia.

pesquisa do Datafolha indica que 19% dos paulistanos já viram o filme antes da estréia, sendo que 80% destes classificam “Tropa de Elite” como ótimo ou bom. estimativa do diretor calcula que mais de 5 milhões de pessoas, em São Paulo e no Rio, já assistiram ao filme em cópias piratas, sem nenhum investimento de marketing, numa fenomenal demanda espontânea.

por quê as camadas populares estão aplaudindo o filme?

por quê o Capitão Nascimento é um justiceiro? o Salvador, acima de tudo e de todos, que encarna em si a Lei.

ou apenas alguém que, finalmente, assume valores que pareciam perdidos para sempre? um homem comum, com toda a fraqueza de suas certezas, perdido no meio de uma guerra suja, instado a tomar decisões e agir, sem nunca desobedecer sua própria consciência.

num tempo de líderes traidores e de tantos anti-heróis, o Capitão Nascimento jamais abre mão de seus princípios: jurou fazer o bem, nem que seja à força. é tão forte seu compromisso com o bem, que ele não pode deixar de fazê-lo, nem que seja pelo mal...

missão dada é missão cumprida.

como fenômeno de massas, o surgimento de um personagem como o Capitão Nascimento é um sintoma importante. uma reação extremada a uma época em que a perda de referências chegou ao extremo.

é possível se fazer o bem à força? certamente que não!

o Capitão Nascimento sente remorso. tem consciência que está errado. dispensa os que não concordam em prosseguir na caçada de vingança ao traficante.

mas, por outro lado, é possível se fazer o bem quando se é fraco?

assim como todos são contra a criminalidade e pela paz, se mantém incessante o movimento nas bocas-de-fumo. as mesmas ONGs que trabalham pela consciência social nas favelas, também selam acordos de coexistência “mais do que pacífica” com os traficantes. políticas de redução de danos se recusam a combater as causas do vício e perenizam a dependência dos viciados. chefes do tráfico são tratados como magnânimos patronos beneméritos pelos moradores das “comunidades’.

como se tornar forte? quem está disposto a ir até o fim com os seus princípios? qual é esta força que nos torna invencíveis para jamais trairmos nossos valores?

a ascensão irresistível de um símbolo é sempre claro indicativo de mudanças sociais. a espontânea adoção do Capitão Nascimento como herói popular é indício que a sociedade brasileira começou a subida do fundo do poço.

revela movimento e saída da estagnação. busca de valores pelos quais há um alto preço a se pagar, às vezes com a própria vida, e não mais a conveniente malandragem de se “levar vantagem em tudo”. busca de soluções, mesmo a qualquer preço, ao invés do plácido conformismo do “não tem mais jeito”.

o Capitão Nascimento é um líder autêntico. sabe que não pode se perpetuar na liderança. sabe que ninguém fica incólume muito tempo na linha de frente. prepara seu substituto. alguém digno para sucedê-lo e liderar a equipe. seu sucessor é também o passo a frente no processo. caberá a ele questionar os métodos de Nascimento.

terá a força necessária para fazê-lo? como se tornar forte?

na cena final do filme, um rito de passagem, o substituto do Capitão Nascimento atira contra a platéia. a luz do sol invade a cena, explodindo a imagem no instante do disparo. a tela fica branca. plena de luz.

embora a narrativa nos induza a crer que o traficante acaba executado, a rigor não se pode ter certeza disto. não se vê esta imagem. não se sabe ao certo o que acontece. apenas se imagina.

só há uma única certeza: quem leva o tiro na cara é a platéia.

25 setembro 2007

o pátio dos milagres

enfim reconciliados, o governo Lula e a grande mídia celebram as últimas façanhas da política econômica: crescimento de 5,4% no PIB, com cerca de seis milhões de pessoas saindo da faixa da miséria.

consuma-se o milagre longamente anunciado.

do pacto perverso entre o Bolsa Família e a Selic Banqueiro é gerada a redenção dos miseráveis.

através dos juros do endividamento consignado em folha, com risco zero para os credores, as camadas populares são conduzidas, em longas prestações, ao paraíso do consumo.

pela obra e graça do aumento do salário mínimo se faz a multiplicação da renda a remissão da desigualdade.

parece se confirmar a santidade de uma política econômica capaz de fazer nascer, da estéril combinação de alta taxa de juros e câmbio apreciado, a milagrosa luz do desenvolvimento.

entretanto, de uma análise com mais profundidade dos números das pesquisas recentes sobre o desempenho da economia
[1] a única luz que emerge é a luz do abismo.

o crescimento do PIB está se desacelerando: de 2,8% de expansão no terceiro trimestre do ano passado em relação ao trimestre anterior, caiu para 1% no trimestre seguinte, para 0,9% no primeiro trimestre deste ano e para apenas 0,8 % agora. [2]

e continua bem menor do que os índices da China (11,9%), Índia (9,3%), Rússia (7,8%), Venezuela (8,9%) ou Coréia do Sul (6,7%).
[3]

no cálculo de redução das desigualdades não entram os ganhos de juros. os salários tiveram uma redução relevante na participação no PIB. dentro dessa redução, houve redução nas desigualdades. os juros tiraram cada vez mais recursos da economia. quem arcou com a conta foram os que pagam impostos, basicamente classe média assalariada (através do Imposto de Renda) e consumidores em geral (através dos impostos indiretos). a classe média perdeu renda; as classes D e E ganharam. houve redução na desigualdade apenas nesse universo que perdeu espaço na economia.
[4]

a renda domiciliar per capita para definir um pobre na metrópole paulista seria aquela inferior a R$ 250 por mês (a renda total de um domicílio dividida pelo número de moradores). a do miserável seria inferior a R$ 125 mensais. ao se considerar a pobreza absoluta, os que estão abaixo da média nacional, no Brasil de 2006, a renda de 70% a 80% das pessoas não passava dessa média.
[5]

a distribuição de renda que está em curso é intrasalarial. a riqueza está se concentrando, ou seja, os ricos estão mais ricos. a melhora na distribuição pessoal da renda (que exclui juros e lucros) vem acompanhada da piora da distribuição funcional, que coloca de um lado os salários e, de outro, juros e lucros. uma coisa é a distribuição de renda entre trabalhadores, outra entre eles e os capitalistas. se o Brasil estivesse melhorando, o Bolsa Família estaria diminuindo, porque as pessoas sairiam à medida em que tivessem trabalho e renda própria.
[6]

o extrato mais pobre da sociedade está todo pendurado em políticas de exceção, e a tarefa do Estado consiste nisso. não se pretende diminuir a desigualdade, eliminar a pobreza. quem é beneficiado pelo Bolsa Família não muda de classe social. programas como esse apenas contemplam os gastos mínimos de sobrevivência.
[7]

no pátio dos milagres do governo Lula cada dádiva é sempre um embuste.




[1] IBGE e FGV
[2] Bernardo Kucinski,, “O crescimento do PIB: A conspiração triunfalista”
[3] Paulo Passarinho, “A economia brasileira se recupera?”
[4] Márcio Pochman, citado por Luis Nassif em “O PNAD e os juros”
[5] Vinicius Torres Freire, “O que é um miserável?”
[6] Reinaldo Gonçalves, entrevista ao Jornal do Commercio
[7] Francisco de Oliveira, entrevista ao Brasil de Fato

20 setembro 2007

os miseráveis

no pátio dos milagres do governo Lula, milagres que não se realizam, a panacéia com maior louvação tem sido o Bolsa Família.

para seus devotos, o Bolsa Família possuiria o milagroso poder de promover inclusão social.

como programa compensatório, nos moldes recomendados pelo FMI e o Banco Mundial, o Bolsa Família é o atestado de falência de uma política econômica que produz desigualdade em abundância e faz prosperar a miséria avassaladora.

na imundície do pátio dá prá ver muitos bichos. catam comida entre os detritos. não examinam nem cheiram, apenas engolem com voracidade. não são cães. não são gatos. não são ratos. os bichos, meu deus, são homens... [1]

apesar de sua guerra sem tréguas contra Lula, a grande mídia deu tratamento bastante favorável à divulgação de pesquisas recentes sobre o desempenho da economia. [2] crescimento do PIB (5,4%) puxado pela indústria (6,8%), expansão de 5,7% no consumo das famílias e "6 milhões saíram da faixa da miséria".

foi como se no pátio dos milagres todos os sinos repicassem. desvalidos, mutilados, estropiados enfim ungidos com a graça.

qual este improvável mistério glorioso de uma elite fanatizada numa cruzada para lançar Lula na fogueira dos hereges, enquanto entoa cânticos à política econômica do governo?

as pesquisas apontam que o crescimento do consumo das famílias se deu em ritmo superior ao crescimento da massa salarial, indicando como são mecanismos de crédito que sustentam esse incremento. numa clara demonstração de como tem funcionado a expansão daquilo que alguns já denominam de economia do endividamento. o aumento em 26,5% do saldo das operações de empréstimos a pessoas físicas se reflete nos extraordinários resultados dos balanços dos bancos, com as receitas de crédito embaladas pela consignação em folha. [3]

quando o paralítico atira para longe as muletas, o coxo se endireita sobre os pés e o cego encara com olhos que resplandecem, não há dúvidas de se estar no Pátio dos Milagres [4], onde cada dádiva é sempre um embuste.




[1] Manuel Bandeira, “O Bicho”
[2] IBGE e FGV
[3] Paulo Passarinho, “A economia brasileira se recupera?”

[4] Victor Hugo, “Notre Dame de Paris"

11 setembro 2007

paulicéia ltda.

tão bem organizados vivem e prosperam os Paulistas na mais perfeita ordem e progresso.

esses heróicos sucessores da raça dos bandeirantes são a única gente útil do país, e por isso chamados de Locomotivas.

a cidade é belíssima, e grato o seu convívio. oh! este orgulho máximo de ser paulistanamente!!! [1]

para celebrar seu esplendor hipócrita, São Paulo cunhou uma sucessão viciosa de lendas e de mitos, como um cortejo triunfante de vencedores que se recusa a pagar qualquer tributo à virtude dos fatos históricos.

ah! tudo começa com o largo coro de ouro das sacas de café... [2]

mas por acaso o café floresceu de si próprio?

como capital faz capital antes de ser capital? pela acumulação primitiva: de um lado o Rio, com o comércio de escravos, de outro as fontes fiscais, drenando recursos das províncias superavitárias - Bahia, Pernambuco e Minas - para a deficitária - São Paulo. [3]

os Barões do Café jamais se metamorfosearam em Capitães de Indústria. o capital industrial brasileiro não surge num momento de crise do complexo cafeeiro exportador. ao contrário, desponta num instante de auge, em que a taxa de rentabilidade ainda alcançava níveis elevadíssimos. [4]

os vultosos excedentes líquidos foram desviados para o financiamento da indústria por meio dos bancos, que cumpriram o papel de transmissão entre a acumulação originária de capital na cafeicultura e a acumulação propriamente capitalista na indústria. [5]

o núcleo inicial da burguesia industrial brasileira encontra suas origens na emigração européia. [6] entretanto, ao contrário do mito do self-made man, de origem modesta e que constitui fortuna graças ao trabalho árduo e persistente, o imigrante que vem a se tornar proprietário de empresas no Brasil aqui já chega com alguma forma de capital. [7]

para a burguesia industrial nascente, a base de apoio para o início da acumulação não é a pequena empresa industrial, mas o grande comércio ligado às atividades de importação e exportação. do mesmo modo que a exportação, a importação é dominada em grande parte por empresas estrangeiras. por sua vez, o comércio interno é controlado pelos importadores. graças a sua origem social, o burguês imigrante encontra facilmente um lugar no grande comércio. [8]

desse modo, o latifúndio exportador, a importação, o grande comércio e a burguesia imigrante, que vem a ser o núcleo da burguesia industrial nascente, estão todos intimamente conectados – fazendo com que, desde os primórdios, a burguesia brasileira nunca tenha se distinguido pelo caráter “nacional”.

ainda na República Velha, as divisas empregadas na sustentação do preço do café no mercado internacional já superavam as receitas com as exportações. [9] o subsídio estatal ao café não apenas dificultou a acumulação de capital em outros setores como circunscreveu a concorrência, impedindo a expansão de outros segmentos.

muito embora o grande salto na industrialização brasileira tenha se dado com Getúlio, a partir de 1930, não há em São Paulo uma rua sequer, uma estrada, um monumento, uma praça de periferia que preste homenagem a Vargas. [10]

já para os Bandeirantes, aqueles bravos empreendedores privados tão eficientes em sua caça às esmeraldas para exterminar índios e escravos foragidos, São Paulo ergueu não só um monumento como em denominação deles reservou o próprio palácio do governo estadual. Borba Gato ganhou uma enorme estátua. e Raposo Tavares – que de suas marchas pelo sertão retornava com caixotes repletos com milhares de orelhas salgadas das vítimas de suas matanças - tem uma rodovia inteira.

São Paulo tem sido fiel guardião da supremacia natural do liberalismo, sem que admita sequer compensações sociais bancadas pelo Estado (ou seja, pelo contribuinte) [11] - como se o mercado fosse bom também para produzir valores, e não apenas lucros. [12]

enquanto execra o Bolsa Família, que corresponde a uma ínfima fração (0,4% do PIB) da despesa com os juros com a dívida interna (cerca de 7% do PIB), São Paulo abriga a sede de 12 dos 15 maiores bancos brasileiros. [13]

a capital brasileira do capital, em seus delírios de grandeza, nunca deixou de sonhar com a secessão, pois ao se ver como dínamo econômico que não pode parar e funciona por si próprio, São Paulo julga prescindir do Estado, entendendo-se na condição de locomotiva arrastando uma composição de vagões vazios.

sob a sombra da bandeira desfraldada do estado mínimo, São Paulo discretamente se apraz com as desonerações tributárias, os créditos oficiais subsidiados e as renúncias fiscais.

e sua auto-imagem de próspera ilha de capitalismo num país fadado ao atraso, por absoluta falta de vocação para o trabalho e sem nenhuma propensão a poupar, nada mais é que o reflexo da face nua do isolamento de São Paulo, sua incapacidade em compreender a diversidade regional brasileira e um dos motivos da impossibilidade de produção cultural paulista com âmbito nacional.


Paulicéia Ltda. nada tem contra o apoio recebido por Lula nos Estados nordestinos, já que neles se encontra a maioria dos eleitores devidamente subornados pelo Bolsa Família, mas, a bem da Nação, propõe que o presidente faça para o Nordeste uma longa viagem, com passagem só de ida. [14]

sem jamais lograr um consenso sobre juros e câmbio, São Paulo firmou consigo mesma um pacto tácito contra a carga tributária. [15] contudo, da arrecadação com impostos, apenas 33% são oriundos de receitas, enquanto 67% provêm das contribuições, caracterizando um sistema fiscal socialmente injusto e altamente concentrador de renda.

matriz do cansaço de uma burguesia sem ousadia, para a qual a miséria sempre foi pesadelo e nunca desafio, São Paulo é um palco de bailados, onde sapateiam as apoteoses da ilusão... [16]




[1] Mário de Andrade, "Macunaíma" e "Paulicéia desvairada"
[2] Mário de Andrade, "Paisagem nO 2"
[3] Francisco de Oliveira, "A hegemonia inacabada"
[4] João Manuel Cardoso de Mello, "O capitalismo tardio"
[5] Jacob Gorender, "A burguesia brasileira"
[6] Luiz Carlos Bresser-Pereira, "Origens étnicas e sociais do empresário paulista"
[7] Warren Dean, "A industrialização de São Paulo"
[8] Sérgio Silva, "Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil"
[9] Wilson Suzigan e Annibal Villanova Villela, "Política de governo e crescimento da
economia brasileira (1889-1945)"
[10] Cristóvão Feil, no blog “Diário Gauche”, www.diariogauche.blogspot.com
[11] Otavio Frias Filho, “Suspense”
[12] FHC, em matéria de João Moreira Salles, revista Piauí, 08/2007
[13] Jorge Alano, “Economia e política no processo de financeirização do Brasil”
[14] João Mellão Neto, “Os perigos da incomPeTência”, 03/08/2007
[15] vide Luis Nassif, “Dos consensos limitados”, 10/09/2007
[16] Mário de Andrade, "Paisagem nO 2"

25 agosto 2007

ficções do futuro

antecipar o futuro com o olhar do presente provoca distorções de perspectiva.

lançado em 1968, o clássico de ficção-científica "2001: Uma odisséia no espaço" descrevia um futuro de viagens espaciais.

a previsão não se cumpriu. no presente, muito além de 2001, mal se mantém uma estação orbital e naves interplanetárias tripuladas estão fora da agenda.

muito embora tenha sido uma decisiva batalha da Guerra Fria, a corrida espacial também esteve envolta num fantástico glamour. o fascínio da última fronteira, o caminho das estrelas, onde nenhum homem jamais pisou. [1]

tanto charme e sedução mascaram que a conquista do espaço nunca deixou de ser também um projeto expansionista. lançar-se por mares nunca antes navegados, nas grandes navegações pelo cosmos, em busca de novos mundos, para colonizar as terras desbravadas e explorar-lhes os recursos.

em 1968, no auge do programa espacial dos EUA, no limiar de num pequeno passo se dar um grande salto para a humanidade [2] - ao menos conforme a propaganda da época - era então previsível que o futuro de "2001" se apresentasse como o desenvolvimento das viagens espaciais.

nada há no filme, entretanto, que evoque o uso pessoal de computadores em miniatura e sua interligação numa rede planetária, a Internet.

na época da cibernética, em que existiam apenas os pesados e gigantescos mainframes, HAL, o computador a bordo de sua própria odisséia no espaço, era anunciado como o futuro da informática. sendo assim sintomático, como a IBM resistiu o quanto pode na preservação de seus domínios contra a invasão alienígena dos microcomputadores domésticos.

o futuro elaborado pelo presente releva muito mais acerca do presente, ele mesmo, que de um futuro supostamente provável.

qual então a trama futura tecida pela web, em sua teia de interconexões globais e instantâneas? qual futuro será a imagem e semelhança de nosso presente?

o drama de consciência do cérebro-eletrônico de "2001" já preconizava o advento da era das máquinas espirituais. o trans-humano cyborg gerado pelo salto quântico tecno-científico, produzindo de si a singularidade tecnológica. [3]

no justo agora, o delírio em rede de um amanhã não biológico, povoado por entidades imortais navegando sem limites na realidade virtual. um bravo novo mundo em que habitam seres intangíveis, codificados binariamente, sem mais qualquer resíduo físico. um neo-humano software concebido pela inteligência artificial.

a pós-sociedade em que todas as necessidades básicas da existência foram equalizadas, a partir de uma contínua expansão econômica baseada no avanço da computação, a qual, com sua progressiva queda de custos, gerou um ciclo virtuoso propagado para todos os setores da economia, incrementando mais e mais a produtividade, até liberar totalmente a humanidade de seus laços com a produção. [4]

o passado da corrida espacial de 1968, projetado na odisséia de "2001", não chegou a se confirmar ao alcançar o cotidiano presente do ano de 2001, posto que nada mais era que uma ficção de futuro, criada por aspirações e interesses do passado.

do mesmo modo, é bem possível jamais se concretizar o idílico upload da mente pós-humana numa paradisíaca realidade virtual concebida pela tecno-ciência.

o futuro nunca se dá com a simplicidade de um puro continuar do presente. pois o tempo da história não se realiza linearmente. sempre há desvios inesperados. surpreendentes saltos e rupturas. marcha e contra-marcha exasperantes.

o futuro não é o desdobramento do que já existe. o futuro é o que nunca houve.

apesar de situar a narrativa de seu filme no espaço, Kubrick teve como objetivo abordar a evolução do homem, o futuro da espécie, sugerindo o nascimento do neo-humano.

frente à evidência que a civilização criada pela Revolução Industrial aponta de forma inexorável para catástrofes, por concentrar riqueza em beneficio de uma minoria, cujo estilo de vida implica no esgotamento de recursos não-renováveis, enquanto a grande maioria é submetida à exclusão, o desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos que mudar o curso desta civilização, deslocar seu eixo dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos. [5]

mergulhados no fundo deste impasse, em busca da luz do abismo, ainda há motivos para se ter esperanças no futuro da humanidade?

talvez sim. porque o futuro é o que nunca houve. e nunca houve, nunca houve a humanidade. só agora ela está surgindo. o que estamos fazendo, no presente, são os ensaios desta futura humanidade. [6]




[1] Star Trek
[2] Neil Armstrong, ao pisar em solo lunar em 20/07/1969, 23:56 h
[3] surgimento de seres mais inteligentes que o homem capazes de acelerar o progresso tecnológico além da capacidade humana
[4] Raymond Kurzweil, "The Age of Spiritual Machines: Timeline"
[5] Celso Furtado, "Nova concepção de desenvolvimento"
[6] Mílton Santos, "Encontro com Milton Santos", filme de Silvio Tendler

21 agosto 2007

mutação

em 1336, Francesco Petrarca subiu o monte Ventoux. sua intenção era apenas admirar a vista. depois escreveu uma carta relatando a experiência. ali começava o Renascimento.

um homem sobe uma montanha e muda o mundo?

o que viu Petrarca do alto da montanha? os mares, os rios, o percurso dos astros? homens que contemplam a natureza, mas não se preocupam com eles mesmos? [1]

ao subir a montanha, envolto numa época de transição, Petrarca mergulha dentro de si. ao redor dele, a idade das trevas se dissipava. e, no horizonte, a ascensão das luzes parecia vir para iluminar o renascimento dos tempos.

Deus começava a morrer. o homem se colocaria no centro do universo. clero e nobreza sucumbiriam ao charme discreto da burguesia.

como captar a silenciosa movimentação social que marca a chegada do novo? qual o exato início da mudança?

o que hoje se detecta de alto a baixo, e por toda parte? a promessa iluminista não se cumpriu. redundou em desigualdade abundante, na qual prospera a miséria avassaladora. o critério da máxima racionalidade reduziu o homem ao seu valor de matéria-prima [2], cada vez mais e mais supérflua.

no circuito integrado e volátil das operações instantâneas em mercados apátridas, nação, trabalho e trabalhador estão obsoletos. o lucro prescinde da produção e do consumo. a sociedade inteira foi aprisionada num processo autofágico, uma espécie de buraco negro, em que tudo e todos estão submetidos à voracidade ilimitada do capital pós-financeiro.

robótica, nanotecnologia e engenharia genética engendram um futuro que já não precisa de nós, humanos. [3] confinados nos guetos, refugiados em nossa própria terra, sem nacionalidade, renegados, parias, filhos bastardos do apartheid, fornecedores de órgãos, fonte descartável de energia, cobaias, clones...

eis o homem. eis a obra capital do seu trabalho.

quando os coveiros enterraram Deus, eles mesmos já exalavam cheiro de putrefação. Deus continua morto, e aqueles que o mataram, assassinos entre assassinos, sem que ninguém os venha consolar, também eles estão agora à beira de sua própria cova... [4]

no intenso fulgor do meio dia se distingue também o suave traço de luz que prenuncia o crepúsculo. o inexorável desaparecer, como, na orla do mar, o desvanescer de um rosto de areia. [5]

eis o homem. que obra-prima é o homem! entretanto, o homem não passa da quintessência do pó. [6] a grandeza do homem é ser ele uma ponte, e não uma meta; o que se pode amar no homem é ser ele uma transição e um ocaso. [7]

estamos num ponto excepcional da história. há no mundo um número de pessoas vivas superior ao número de todas quantas viveram e morreram em todas as épocas precedentes. agora os mortos são minoria. [8] os vivos já não mais serão governados pelos mortos... [9] quando a experiência corrente excede a passada, a situação se reverte: a novidade e a mudança reinam supremas.

ao se examinar as fases principais do desenvolvimento humano, verifica-se uma brutal aceleração do tempo evolucionário. dois bilhões de anos para a vida, seis milhões de anos para o hominídeo, uns cem mil anos para a espécie humana, como a conhecemos. quando chegamos à agricultura, revolução científica e revolução industrial, estamos falando de dez mil anos, quatrocentos anos e uns cento e cinqüenta anos, respectivamente. identificamos períodos cada vez mais rápidos e curtos. isto significa que ao passarmos por uma nova evolução, ela estará tão acelerada a ponto que a veremos se manifestar dentro de nosso tempo de vida, dentro de uma mesma geração. [10]

eis o homem. eis a obra capital do seu trabalho.

com a ciência e a tecnologia convertidas em força produtiva, a produção de mercadorias é feita por meio de mercadorias. o circuito mercantil reorganiza a sua imagem e semelhança, pela primeira vez na história humana, toda a vida social. tudo o que é sólido se desmancha no ar. o capital ampliou suas possibilidades de acumulação numa forma na qual ele nunca deixa de existir como riqueza abstrata.

o capitalismo venceu. talvez, agora, possa perder. é preciso que o antigo atinja a sua forma mais plena, que é também a mais simples e mais essencial, abandonando as mediações de que necessitou para desenvolver-se. o momento do auge de um sistema, quando suas potencialidades desabrocham plenamente, é o momento que antecede seu esgotamento e sua superação. [11]

ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, a acumulação de capital não mais poderá ser o eixo em torno do qual a vida social se organiza. a humanidade, para sobreviver, precisa finalmente assumir o comando de sua própria história. esse passo pressupõe que o princípio organizador da vida social deixe de ser a acumulação de capital e a forma-mercadoria. é este o desafio que está posto para nós neste século. ainda não sabemos como resolvê-lo. [12]




[1] Petrarca citando Santo Agostinho, “Confissões”
[2] Heiner Müller
[3] Bill Joy, “Why the future doesn’t need us”

[4] Nietzsche, “A Gaia Ciência”
[5] Michel Foucault, “As palavras e as coisas”
[6] Shakespeare , “Hamlet”
[7] Nietzsche, “Assim falou Zaratustra”
[8] Robin Robertson, "Uma interpretação junguiana do apocalipse”
[9] Augusto Comte
[10] Eamonn Healy, no filme “Waking life”, de Richard Linklater
[11] César Benjamin , “Caminhos da transformação (uma abordagem teórica)”
[12] César Benjamin , “Caminhos da transformação (uma abordagem teórica)”

18 agosto 2007

pacto diabólico

o príncipe está nu.

como já fizera com o sapo operário, pego no contrapé de um entreato, João Moreira Salles agora desnuda FHC, expondo que também o príncipe não consegue se livrar do ranço batráquio. [1]

na constatação de sua própria neta, são barbaridades o que gorgeia o andarilho sabiá. [2]

talvez os ventos primaveris de Brasília tenham lhe virado ao contrário não somente os cabelos, como também todas as idéias...


confortavelmente entregue a uma lassidão evocada por um voluntário e bem remunerado exílio mental, não só das palmeiras de sua terra, como de si mesmo e de seu passado, a FHC já não mais se lhe importam as glórias, tão somente o dinheiro.

se para FHC o Brasil não tem nada e ser brasileiro é assim quase uma obrigação, então é como o sabiá perversamente invertendo o sentido dos versos de Gonçalves Dias, apenas a cantar o desânimo e a mediocridade de várzeas sem flores, bosques sem vida, vidas sem amores... a Deus pedindo não permitir que vivo volte para cá.

com nosso céu sem mais estrelas, mas com seu book full of stars, no Google, FHC recebe um dinheirão para fazer algo fácil e de seu inteiro gosto: falar de si mesmo. não é sem razão que a lucidez se tornou um estorvo. cavaleiro da ordem de Bath, tampouco lhe agrada ficar sofrendo no meio do povo, à toa...

embora estude a questão do desenvolvimento há cinqüenta anos, FHC não se pautou em seu governo pelo que agora, em sua risonha decadência, não se esquiva em admitir: mercado é bom para produzir lucros, não valores.

curiosamente foi de FHC a análise afirmando que o empresariado brasileiro sempre preferiu se acomodar na condição de sócio-menor do capitalismo internacional, voltando às costas à aliança com as classes populares e ao compromisso com o desenvolvimento nacional. [3]

mais tarde, FHC formulou uma teoria que postulava o desenvolvimento através de recursos externos. [4] como seria confirmado em seus dois mandatos de presidente, por tal teoria a dependência se torna eterna, sujeitando o país a manter-se para sempre ajoelhado frente ao capital financeiro internacionalizado.

enquanto vê em Lula um Macunaíma, FHC confessa se identificar muito com Picasso.

Lula e FHC sofrem do mesmo mal: paixão incontida por si próprio. não toleram concorrência no que tange a hipertrofia do ego.

FHC sente saudade dos tempos em que era Presidente da República, porque andava de helicóptero. Lula mandou comprar um avião novinho só prá ele. FHC não resiste a uma “buchada de bode”, desde que servida num restaurante em Paris. Lula, que já confessou sentir verdadeiro horror ao macacão de operário, é alérgico ao suor de seu rosto, quanto mais a ganhar o pão com dito cujo. ao chegar a Presidência FHC declarou que esquecessem o que escrevera. Lula se orgulha de que, para ser Presidente, não foi preciso ler até o final um único livro.

FHC já admitiu publicamente que queria ser igual ao Lula da época em que este era líder das greves contra a ditadura. o desejo inconfessável de Lula é um dia receber da elite o mesmo tratamento conferido a FHC: um igual entre iguais. [5]

a combinação das virtudes de FHC e Lula formaria o estadista capaz de colocar o país nos rumos do desenvolvimento. como em sua relação atormentada preferem privilegiar os defeitos, se tornaram cúmplices em um do mais bem sucedidos fracassos de nossa História: nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que poderíamos ser. [6]

tanto FHC quanto Lula pertencem a uma geração que teve a ambição de mudar a história. ao chegarem ao poder, constataram que as possibilidades de transformação eram limitadas. não foram capazes de propor alternativa. ou não quiseram fazê-lo...

não pelos anos que se já passaram, mas pela astúcia que tem certas coisas passadas, [7] é como se, em algum momento, tivessem os dois, FHC e Lula, vendido a alma ao diabo, sem que, mesmo respeitando o negócio firmado, possam eles, porém, jamais vir a saber, com certeza, se o diabo lhes aceitou ou não a compra... [8]



[1] João Moreira Salles, “Entreatos”, documentário de 2003 sobre Lula, e “O andarilho”, matéria sobre FHC, revista Piauí, 08/2007
[2] FHC, "Vou fazer uma proposta um pouco estranha: vamos mudar o bico do tucano e botar um bico de sabiá, porque o que nós precisamos é cantar nossos feitos", 14/08/2007
[3] FHC, "Empresariado industrial e desenvolvimento econômico"
[4] FHC e Enzo Faletto, "Dependência e subdesenvolvimento na América Latina"
[5] arkx, “desconstruindo Lula (2)”
[6] Celso Furtado, “A busca de novo horizonte utópico”
[7] Guimarães Rosa, “Grande sertão: veredas”
[8] ver César Benjamin, “O enigma Lula: Fausto, Maquiavel ou Riobaldo”

07 agosto 2007

finge que funciona

em janeiro de 2005, o então prefeito de SP, José Serra, passou por uma situação constrangedora na inauguração de um posto de saúde.

na frente dos repórteres, após duas enfermeiras e a própria secretária municipal da Saúde não conseguirem - em sete minutos de tentativa - medir sua pressão arterial, devido a defeito no equipamento, Serra discretamente sussurrou:

"Finge que funciona..."

muitas vezes, não é necessário mais que breve murmúrio para a alma de um homem lhe escapar pelos lábios...

apenas três dias após o fim da greve do Metrô de São Paulo, o atual governador do Estado, José Serra, demite 61 funcionários da companhia.

em relação às empreiteiras da tragédia da cratera do Metrô de São Paulo, acidente ocorrido em 12/01/2007, Serra ainda não foi capaz de emitir um pio sequer...

tido por muitos como o político mais preparado do país para assumir a Presidência da República, Serra se limita a reproduzir a tradicional postura do homem público brasileiro: forte com os de baixo. enquanto mansamente rasteja solícito e submisso aos poderosos.

nada como um cargo executivo para que as máscaras caiam por terra.

Serra jamais escondeu que seu grande sonho na política é se tornar presidente do Brasil.

quem ainda precisará de Serra quando ele estiver com 68 anos? terá ele ainda alguma importância em 2010? talvez possa trocar uma lâmpada. ou cuidar do jardim. quem sabe levar os bisnetos prá passear... [1]

os industriais paulistas sempre se opuseram encarniçadamente aos direitos dos trabalhadores. repudiaram as primeiras leis promulgadas classificando-as como um "ensaio de socialismo de estado" no Brasil. entretanto, quando Getúlio consolidou a legislação trabalhista o que se deu, como resultado, foi um tremendo impulso ao crescimento da economia brasileira.

em 1927, publicação do Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São Paulo contestava a Lei de Férias, então de apenas 15 dias e promulgada em 24/12/1925, nos seguintes termos:

"o operário é um trabalhador braçal, cujo cérebro não despende energias. assim, é ilógico que o trabalhador braçal necessite de um período de descanso, pois nada, ou quase nada, pede ao cérebro – a não ser os atos habituais e puramente animais da vida vegetativa."

"o período de férias representa um perigo eminente para o homem afeito ao trabalho. nos lazeres e no ócio o trabalhador encontra seduções extremamente perigosas, se não tiver suficiente elevação moral para dominar os instintos subalternos que dormem em todo ser humano."

"o homem do povo não teve suas faculdades morais e intelectuais afinadas pela educação e pelo meio. sua vida física, puramente animal, supera em muito a vida psíquica. o que fará um trabalhador braçal durante o período de férias, se for compelido por uma lei? como não tem o culto do lar, procurará matar suas longas horas de inação nas ruas."

"o trabalhador é, pois, um elemento da coletividade que as férias estragarão." [2]

é muito bonito se falar na necessidade de um projeto para o país, mas a coisa começa a pegar quando se deve definir qual o papel dos trabalhadores neste projeto.

é muito cômodo propor um mercado regulado, e não aceitar que a única força capaz de regular o mercado são os trabalhadores, o trabalho.

sem direito de greve não há democracia.

o direito de greve no Brasil é um tabu porque nunca se criou aqui um mercado de massas. para se ter um mercado de massas é necessário uma população com poder aquisitivo. aqui se produz, aqui se vende, também. quem irá comprar com salários aviltados?

ocorre que todo o nosso modelo econômico, desde os tempos da colonização, sempre foi voltado para fora, dirigido de fora, para atender interesses de fora.

nunca houve qualquer motivo para se criar um mercado de massas. portanto, quanto menor o salário melhor. quanto menor os custos do trabalho, melhor!

não há democracia sem mercado de massas. não há mercado de massas com desemprego e salários rebaixados.

querem construir um país? defendam o direito de greve.

ou façam como José Serra, finjam que funciona...


[1] Beatles, “When I'm Sixty-Four”, música citada pelo então prefeito da cidade de SP, José Serra, em seu aniversário de 64 anos, referindo-se a sua provável candidatura ao governo do Estado.
[2] “Um ensaio de socialismo de estado no Brasil e as indústrias nacionais”, citado por Marisa Saenz Leme em “A ideologia dos industriais brasileiros”

03 agosto 2007

o sonho de uma geração

ao ser indicado como futuro Ministro da Casa Civil, no primeiro mandato de Lula, Zé Dirceu afirmou que realizava “o sonho de sua geração”. em se tratando de uma geração cujos mais preciosos sonhos viraram pesadelos crônicos, a declaração soava como um péssimo augúrio.

como hoje todos sabemos, o mau presságio acabou se confirmando...

mudou-se a nossa estrela, as glórias vieram tardes e frias. Dirceu amarga um novo exílio, sem que possa sequer se queixar de alguma Marília ter-lhe roubado o sincero coração. [1]

havia uma certa ingenuidade otimista no Brasil. 1969. vivíamos em perigo. primeiro ano de vigência do AI-5. o demônio da descrença é melhor? a pergunta pode ser respondida por quem morre? [2]

daquele passado romântico ainda ecoam versos de uma canção de sucesso:

eu prefiro as curvas
da Estrada de Santos
onde eu posso esquecer
um amor que eu tive
e vi pelo espelho
na distância se perder
[3]

reflexos de uma época. tempos em que jovens idealistas tinham um sonho otimista de um futuro socialista. muitos morreram por seus sonhos, mas outros sobreviveram, e ainda estão por aí... [4]

perseguir os sonhos é mesmo um ato de coragem. arriscado. eles podem não dar certo. geralmente não dão.

mas viver... viver já é em si muito, muito perigoso. por um só dia que seja... [5]

aliás... escrever também é perigoso. quem tentou, sabe. há o perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas. há ciladas nas palavras. as palavras que dizemos escondem outras – quais? escrever é uma pedra lançada neste abismo sem fundo. [6] e um abismo sempre chama outros abismos. [7]

o que se escreve nunca é o que se escreve e sim outra coisa. é preciso que alguém leia. para que se possa ouvir o silêncio de quem escreve. para captar essa outra coisa que na verdade foi escrita, porque quem mesmo escreve não pode fazê-lo. [8]

houve certa vez, num passado nem tão distante, embora mais e mais remoto, uma geração capaz de ousar tomar os céus de assalto. talvez tenham se equivocado quanto ao assalto e quanto aos céus. porém, nunca em relação ao ímpeto que os motivava.

o mundo mudou? ou mudaram de idéia? e daí... [9] ninguém mudou? é a vida que muda... [10]

pode ser também que o mundo não tenha de fato mudado. e o que se apresenta como mudança não passe de um rearranjo para tudo alterar de modo que, fundamentalmente, nada fique diferente.

atualmente, a desolação do cenário político brasileiro provoca indignação e desalento. o governo não governa e a oposição não se opõe.

o demônio da descrença é melhor? a pergunta pode ser respondida por quem morreu? a morte não é a perda maior, e sim o que morre dentro de nós enquanto vivemos. [11]

devemos nos conformar que nossos sonhos, um por um, todos se transformem em sombras? é melhor precipitar-se na morte no apogeu de uma paixão? ou se extinguir e murchar-se aos poucos com a velhice, deixando a alma se esvair lentamente, enquanto a noite cai com suavidade sobre todos os vivos e todos os mortos? [12]

por quê é mesmo que se morre? talvez por não se sonhar o bastante... [13]

para trazer o morto de volta à vida não é preciso uma grande mágica. poucos estão inteiramente mortos. sopre sobre as cinzas de um homem morto, e uma chama viva surgirá. [14]




[1] Tomás Antônio Gonzaga
[2] Reinaldo Azevedo, “Atos gratuitos”, 27/12/2006
[3] Roberto Carlos e Erasmo Carlos, “As Curvas da Estrada de Santos”
[4] Virgínia, comentário no blog do Reinaldo Azevedo
[5] Virginia Woolf, “Mrs. Dalloway”
[6] Clarice Lispector
[7] Salmos 42:7
[8] Clarice Lispector
[9] Zé Dirceu, 05/2003
[10] Lula, 05/2003
[11] Norman Cousins
[12] James Joyce, “Os Mortos”
[13] Fernando Pessoa, “O Marinheiro”
[14] Robert Graves, “To bring the dead to live”

31 julho 2007

ai! que cansaço...

tudo vai num descalabro sem comedimento, estamos corroídos pelo morbo e pelos miriápodes!

por isso e para eterna lembrança destes paulistas, que são a única gente útil do país, e por isso chamados de Locomotivas, nos demos ao trabalho de metrificarmos um dístico, em que se encerram os segredos de tanta desgraça: [1]

“cansei...”

com as forças exauridas, por insistir em negar uma conjuntura política que lhes assombra como o seu pior pesadelo, as oposições conservadoras convulsionam-se em seus derradeiros suspiros.

OAB-SP, FEBRABAN , FIESP, Associação Comercial de São Paulo...
João Dória Jr., Luiz D'Urso, Paulo Zottolo...
milagres do Brasil são.
mas que importa o branco cueiro, se o cu é tão denegrido! [2]

São Paulo, São Paulo, por que tanto tropeças na pedra de tropeço? [3]

os que tão cansados estão, são também os que mais deveriam estar aplaudindo. foram os que mais ganharam dinheiro neste governo. basta ver quanto ganharam os banqueiros, empresários. [4] foram R$ 43,7 bilhões de superávit, um crescimento de 13,5% no primeiro semestre de 2007. no outro lado, o dos investimentos, só 10% do programado foi realizado. [5]

para o desespero das oposições conservadoras, a força de Lula advém de que não há mais retrocesso para o Brasil. as massas populares serão o protagonista de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo.

Lula, por sua vez, em sua ânsia de ser aceito pelas elites, recusa-se a aceitar a mais básica das lições, que a cada crise de seu governo lhe é cuspida na face.

pouco importa seus ternos exclusivos, sua renovada arcada dental, seus charutos e seus vinhos, seu botox e seu aero-Lula, seus 53 milhões de votos e sua reeleição consagradora.

para as elites, pouca importa Lula ser o Presidente da República, porque sempre será aquilo que nunca deixou de ser: um "baiano", um "paraíba". apedeuta. incompetente. analfabeto. leniente. inapetente. ignorante. vagabundo. um trabalhador brasileiro. [6]

Lula, um trabalhador brasileiro. um representante das massas populares que serão o protagonista de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo.

ainda mais uma vez é o anti-lulismo que reabilita e fortalece o lulismo. um paradoxo paralisando o país. um impasse que mantém o Brasil imobilizado no meio de uma travessia, sem que possa retornar e interditado seu avanço.

é possível se captar a silenciosa movimentação social que marca o inicio de novos tempos? qual o exato início da mudança? quando não há mais caminho de volta ao passado? e também não há como voltar-se para o futuro?



[1] Mário de Andrade. “Macunaíma”
[2] Gregório de Matos
[3] Romanos 9:32
[4] Lula, 31/07/2007
[5] blog do Zé Dirceu

[6] arkx, “a lição da chibata”

18 julho 2007

a origem da tragédia

  • "A informação que temos é que o avião pousou, e não caiu".
  • Vice-presidente de planejamento da TAM,
    declaração às 19:30h.
    O
    acidente ocorreu às 18:50h.


    a maior tragédia ainda não aconteceu.

    temos sido um país de tragédias discretas e desgraças silenciosas.

    aceitamos como inevitável a crônica tragédia dos juros e do câmbio, responsável por uma transferência de riqueza ainda mais brutal que a tragédia da inflação.

    tornou-se natural a tragédia continuada da concentração de renda, fazendo com que 0,7% da população possua fortuna estimada em cerca de metade do PIB, numa trágica herança dos tempos da escravidão.

    acompanhamos com enfado e deboche a tragédia da representação política, como se fosse cômico...

    uma das tragédias mais recentes é a obstinação na defesa irracional do governo Lula, que além de ter arrastado a esquerda brasileira para a pior crise de sua história, mergulha o país inteiro num buraco negro de cinismo, hipocrisia e total falta de perspectivas.

    são nossas tragédias do dia a dia. por maior que sejam suas dimensões, são ainda pequenas tragédias.

    se algumas utopias são verdades prematuras, até mesmo a mais óbvia e ululante verdade parece inexplicável para quem insiste em enxergar a realidade unicamente a partir de suas próprias premissas.

    a maior tragédia é a de se negar a grande tragédia que se anuncia. uma tragédia que se antevê a partir do desdobramento lógico dos fatos em curso.

    as portas para o futuro estão se fechando. estamos nos colocando, nós brasileiros, num rumo de muitas tragédias, de muito sofrimento. individual e, principalmente, coletivo.

    estamos assistindo ao desmoronamento de um modelo. como toda queda, será explosiva. haverá chamas. não serão poucos os mortos e feridos.

    não vai acontecer de uma vez, se arrastará ao longo da agonizante travessia do segundo mandato de Lula.

    o Brasil está condenado à civilização. ou progredimos, ou desapareceremos.

    13 julho 2007

    as multidões dos estádios

    cidades sem povo são cidades sem alma. em Brasília a política se faz através das intrigas palacianas, dos conchavos de corredor e dos discursos inflamados para um plenário vazio.

    as vaias a Lula num Maracanã lotado têm significado político claro e implacável: não se faz política sem povo.

    nas ruas e no encontro com as multidões, a popularidade das pesquisas de opinião pública se desmancha no ar.

    como decifrar o enigma de um presidente com mais de 60% de popularidade ser olimpicamente vaiado onde obteve 70% dos votos nas últimas eleições?

    Lula é um interregno. um entreato.

    para o desespero das oposições conservadoras, a força de Lula advém de que não há mais retrocesso para o Brasil. as massas populares serão o protagonista de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo.[1]

    eleito por duas vezes em nome da mudança, Lula se tornou o último bastião do continuísmo. como uma metáfora encarnada do processo histórico brasileiro, no qual, muito embora imposta como necessária pelo próprio desenvolvimento da sociedade, a mudança é sempre adiada ao máximo, e, ao se tornar inevitável, é antecipada, para que, no transigir, se possa limitá-la.

    com o Brasil imobilizado no meio de uma travessia, sem que possa retornar e interditado seu avanço, a desolação do cenário político provoca indignação e desalento. mesmo que nada se ouça, além do silêncio, ainda assim é possível sentir um grito infinito atravessando a paisagem.

    um grito silencioso parado no ar, que, por vezes, explode numa vaia vinda do fundo da alma.


    [1] Luis Nassif, “Os cabeças de planilhas”