22 dezembro 2007

merda doce merda

nos tempos do Chile de Allende e de seu governo da Unidade Popular, Maria da Conceição Tavares declarou num desabafo exemplar: “É um governo de merda, mas é o nosso governo de merda.”

depois de 34 anos, a frase é repetida no Brasil de hoje pelos defensores incondicionais do governo Lula: "sei que não quero entrar na história como linchador de Lula e de um governo que ajudei eleger”. [1]

a queda de Allende, na manhã da terça-feira 11 de setembro de 1973, tornou-se uma data trágica e sempre relembrada pela Esquerda.

bem menos se recorda, porém, a posse de Pinochet como chefe das Forças Armadas chilenas, nomeado pelo próprio Allende não mais que poucos dias antes do golpe. [2]

embora Pinochet estivesse conspirando em segredo há mais de um ano, aos olhos de Allende se tratava de um homem leal: o “nosso” Pinochet.

assim que surgiram as primeiras notícias do golpe, Allende teria ordenado: "Chamem o Augusto, que é um dos nossos".

o chamado de Allende foi atendido com uma exigência de rendição e a oferta de um avião com destino ao exílio. numa comunicação para os demais oficiais golpistas, interceptada por um radioamador, revela-se a real intenção de Pinochet: "No caminho os jogaremos de lá". [3]

como explicar a atitude de Allende? um quadro político não age por acaso nem por impulsos repentinos. será que ele queria mesmo era morrer? esse é o grande enigma. um denso mistério que não pode ficar debaixo da terra junto com seu corpo. [4]

com a eleição de Lula, parecia ter sido derrotada a poderosa discriminação social brasileira, o preconceito de classe absurdamente alto num país com tradição racista. mas, para quê? para governar para os ricos. e os ricos consentem, desde que os fundamentos da exploração não sejam postos em xeque. é o que o Lula faz: uma hegemonia às avessas. [5]

ao negar-se a decifrar o enigma do auto-engano em que se imobilizou, parte da Esquerda apela para o argumento definitivo : “mesmo que fosse contra todas as políticas do Governo Lula, ainda assim seria a favor dele.” [6]

além de esquizofrenia política, tal raciocínio se constitui num grave problema de ética. [7]

por que parcelas da Esquerda sempre repetem os mesmos erros? algum insuperável impulso kamikaze?


[1] Bernardo Kucinsky, “O Natal da discórdia”
[2] Pinochet tomou posse em 25/08/1973
[3] Patricia Verdugo, “Interferência Secreta”
[4] Bernardo Kucinsky, “O bispo de Barra quer morrer”
[5] Francisco de Oliveira, “Hegemonia às avessas”
[6] Wladimir Pomar , “Declaração de Voto”
[7] arkx, "o nosso governo", 05/10/2003

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