07 outubro 2007

tropa de elite

“na cara não... na cara não... prá não estragar o velório.”

caído no chão, já desarmado e ferido, o traficante suplica. mas não implora pela vida. só pede para não tomar um tiro no rosto, que não lhe prejudiquem o velório...

o sucessor do Capitão Nascimento aponta a arma. no contra-plano, encara a platéia, que passa a ocupar o lugar de quem vai ser executado. com o dedo no gatilho, parece titubear por um momento. por detrás dele, a luz do sol invade a cena e explode a imagem no instante do disparo.

numa época de total crise de valores de uma sociedade dominada pela hipocrisia e o cinismo, o filme “Tropa de Elite” cria um herói.

onde tudo tem um preço e todos se vendem, o personagem do capitão do BOPE não compactua com o tráfico e muito menos com a corrupção da própria polícia.

pesquisa do Datafolha indica que 19% dos paulistanos já viram o filme antes da estréia, sendo que 80% destes classificam “Tropa de Elite” como ótimo ou bom. estimativa do diretor calcula que mais de 5 milhões de pessoas, em São Paulo e no Rio, já assistiram ao filme em cópias piratas, sem nenhum investimento de marketing, numa fenomenal demanda espontânea.

por quê as camadas populares estão aplaudindo o filme?

por quê o Capitão Nascimento é um justiceiro? o Salvador, acima de tudo e de todos, que encarna em si a Lei.

ou apenas alguém que, finalmente, assume valores que pareciam perdidos para sempre? um homem comum, com toda a fraqueza de suas certezas, perdido no meio de uma guerra suja, instado a tomar decisões e agir, sem nunca desobedecer sua própria consciência.

num tempo de líderes traidores e de tantos anti-heróis, o Capitão Nascimento jamais abre mão de seus princípios: jurou fazer o bem, nem que seja à força. é tão forte seu compromisso com o bem, que ele não pode deixar de fazê-lo, nem que seja pelo mal...

missão dada é missão cumprida.

como fenômeno de massas, o surgimento de um personagem como o Capitão Nascimento é um sintoma importante. uma reação extremada a uma época em que a perda de referências chegou ao extremo.

é possível se fazer o bem à força? certamente que não!

o Capitão Nascimento sente remorso. tem consciência que está errado. dispensa os que não concordam em prosseguir na caçada de vingança ao traficante.

mas, por outro lado, é possível se fazer o bem quando se é fraco?

assim como todos são contra a criminalidade e pela paz, se mantém incessante o movimento nas bocas-de-fumo. as mesmas ONGs que trabalham pela consciência social nas favelas, também selam acordos de coexistência “mais do que pacífica” com os traficantes. políticas de redução de danos se recusam a combater as causas do vício e perenizam a dependência dos viciados. chefes do tráfico são tratados como magnânimos patronos beneméritos pelos moradores das “comunidades’.

como se tornar forte? quem está disposto a ir até o fim com os seus princípios? qual é esta força que nos torna invencíveis para jamais trairmos nossos valores?

a ascensão irresistível de um símbolo é sempre claro indicativo de mudanças sociais. a espontânea adoção do Capitão Nascimento como herói popular é indício que a sociedade brasileira começou a subida do fundo do poço.

revela movimento e saída da estagnação. busca de valores pelos quais há um alto preço a se pagar, às vezes com a própria vida, e não mais a conveniente malandragem de se “levar vantagem em tudo”. busca de soluções, mesmo a qualquer preço, ao invés do plácido conformismo do “não tem mais jeito”.

o Capitão Nascimento é um líder autêntico. sabe que não pode se perpetuar na liderança. sabe que ninguém fica incólume muito tempo na linha de frente. prepara seu substituto. alguém digno para sucedê-lo e liderar a equipe. seu sucessor é também o passo a frente no processo. caberá a ele questionar os métodos de Nascimento.

terá a força necessária para fazê-lo? como se tornar forte?

na cena final do filme, um rito de passagem, o substituto do Capitão Nascimento atira contra a platéia. a luz do sol invade a cena, explodindo a imagem no instante do disparo. a tela fica branca. plena de luz.

embora a narrativa nos induza a crer que o traficante acaba executado, a rigor não se pode ter certeza disto. não se vê esta imagem. não se sabe ao certo o que acontece. apenas se imagina.

só há uma única certeza: quem leva o tiro na cara é a platéia.

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