18 agosto 2007

pacto diabólico

o príncipe está nu.

como já fizera com o sapo operário, pego no contrapé de um entreato, João Moreira Salles agora desnuda FHC, expondo que também o príncipe não consegue se livrar do ranço batráquio. [1]

na constatação de sua própria neta, são barbaridades o que gorgeia o andarilho sabiá. [2]

talvez os ventos primaveris de Brasília tenham lhe virado ao contrário não somente os cabelos, como também todas as idéias...


confortavelmente entregue a uma lassidão evocada por um voluntário e bem remunerado exílio mental, não só das palmeiras de sua terra, como de si mesmo e de seu passado, a FHC já não mais se lhe importam as glórias, tão somente o dinheiro.

se para FHC o Brasil não tem nada e ser brasileiro é assim quase uma obrigação, então é como o sabiá perversamente invertendo o sentido dos versos de Gonçalves Dias, apenas a cantar o desânimo e a mediocridade de várzeas sem flores, bosques sem vida, vidas sem amores... a Deus pedindo não permitir que vivo volte para cá.

com nosso céu sem mais estrelas, mas com seu book full of stars, no Google, FHC recebe um dinheirão para fazer algo fácil e de seu inteiro gosto: falar de si mesmo. não é sem razão que a lucidez se tornou um estorvo. cavaleiro da ordem de Bath, tampouco lhe agrada ficar sofrendo no meio do povo, à toa...

embora estude a questão do desenvolvimento há cinqüenta anos, FHC não se pautou em seu governo pelo que agora, em sua risonha decadência, não se esquiva em admitir: mercado é bom para produzir lucros, não valores.

curiosamente foi de FHC a análise afirmando que o empresariado brasileiro sempre preferiu se acomodar na condição de sócio-menor do capitalismo internacional, voltando às costas à aliança com as classes populares e ao compromisso com o desenvolvimento nacional. [3]

mais tarde, FHC formulou uma teoria que postulava o desenvolvimento através de recursos externos. [4] como seria confirmado em seus dois mandatos de presidente, por tal teoria a dependência se torna eterna, sujeitando o país a manter-se para sempre ajoelhado frente ao capital financeiro internacionalizado.

enquanto vê em Lula um Macunaíma, FHC confessa se identificar muito com Picasso.

Lula e FHC sofrem do mesmo mal: paixão incontida por si próprio. não toleram concorrência no que tange a hipertrofia do ego.

FHC sente saudade dos tempos em que era Presidente da República, porque andava de helicóptero. Lula mandou comprar um avião novinho só prá ele. FHC não resiste a uma “buchada de bode”, desde que servida num restaurante em Paris. Lula, que já confessou sentir verdadeiro horror ao macacão de operário, é alérgico ao suor de seu rosto, quanto mais a ganhar o pão com dito cujo. ao chegar a Presidência FHC declarou que esquecessem o que escrevera. Lula se orgulha de que, para ser Presidente, não foi preciso ler até o final um único livro.

FHC já admitiu publicamente que queria ser igual ao Lula da época em que este era líder das greves contra a ditadura. o desejo inconfessável de Lula é um dia receber da elite o mesmo tratamento conferido a FHC: um igual entre iguais. [5]

a combinação das virtudes de FHC e Lula formaria o estadista capaz de colocar o país nos rumos do desenvolvimento. como em sua relação atormentada preferem privilegiar os defeitos, se tornaram cúmplices em um do mais bem sucedidos fracassos de nossa História: nunca foi tão grande a distância entre o que somos e o que poderíamos ser. [6]

tanto FHC quanto Lula pertencem a uma geração que teve a ambição de mudar a história. ao chegarem ao poder, constataram que as possibilidades de transformação eram limitadas. não foram capazes de propor alternativa. ou não quiseram fazê-lo...

não pelos anos que se já passaram, mas pela astúcia que tem certas coisas passadas, [7] é como se, em algum momento, tivessem os dois, FHC e Lula, vendido a alma ao diabo, sem que, mesmo respeitando o negócio firmado, possam eles, porém, jamais vir a saber, com certeza, se o diabo lhes aceitou ou não a compra... [8]



[1] João Moreira Salles, “Entreatos”, documentário de 2003 sobre Lula, e “O andarilho”, matéria sobre FHC, revista Piauí, 08/2007
[2] FHC, "Vou fazer uma proposta um pouco estranha: vamos mudar o bico do tucano e botar um bico de sabiá, porque o que nós precisamos é cantar nossos feitos", 14/08/2007
[3] FHC, "Empresariado industrial e desenvolvimento econômico"
[4] FHC e Enzo Faletto, "Dependência e subdesenvolvimento na América Latina"
[5] arkx, “desconstruindo Lula (2)”
[6] Celso Furtado, “A busca de novo horizonte utópico”
[7] Guimarães Rosa, “Grande sertão: veredas”
[8] ver César Benjamin, “O enigma Lula: Fausto, Maquiavel ou Riobaldo”

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