06/01/2018
Guilherme Boulos encarna a atual fase do processo coletivo de construção
dos Brasis: o fazer-se Brasil.
Getúlio Vargas personificou a impossibilidade de haver no Brasil uma
"Burguesia Nacional", sendo seu suicídio um tiro de misericórdia
nesta ilusão.
Lula é um símbolo vivo da ascensão do trabalhador brasileiro ao
protagonismo social e político que lhe cabe, sem o qual o Brasil não se
viabiliza como Estado, tampouco se ergue como Nação.
Getúlio Vargas iniciou a industrialização do Brasil pela via de uma
ditadura sanguinária, às custas do massacre de movimentos sociais autônomos dos
trabalhadores. o preço da CLT e do sindicalismo pelego atrelado ao Estado foi a
prisão, a tortura, o exílio e a morte de anarquistas e militantes do Bloco
Operário Camponês.
Lula era um típico dirigente da burocracia sindical gerada pelo pacto
populista firmado por Getúlio, mas nas greves dos metalúrgicos do ABCD,
uma multidão de anônimos metalúrgicos o transformou na maior de todas as
lideranças dos trabalhadores brasileiros.
assim também começa
a gestação do único partido no Brasil até hoje nascido dos movimentos sociais:
o PT, em cujo Estatuto de fundação consta como sua principal forma de
organização interna os Núcleos
Autônomos de Base.
o passaporte de Lula à Presidência foi concedido com a "Carta ao
Povo Brasileiro" e a nomeação de Henrique Meirelles para o BC. ao fazer o
percurso inverso de Getúlio, Lula sai definitivamente da história dos
movimentos sociais que o geraram, para entrar na vida política tradicional de
renovação permanente dos falidos pactos de conciliação nacional.
a moeda de troca pelos 13 anos de governo Lulista foi cunhada através da cooptação de
lideranças dos movimentos sociais e pela manutenção intocada da política
econômica neoliberal, tendo como contrapartida a implementação de políticas
sociais compensatórias.
Guilherme Boulos corporifica a liderança de uma nova composição social: a
multidão de pobres produzida pela hiper-precarização do trabalho.
assim como Lula representou o operariado do capitalismo industrial fordista,
Boulos é nascido das lutas contra um capitalismo financeirizado, no qual a divisão de classe passa prioritariamente
não mais pela oposição entre Capital x Trabalho, e sim entre Credores
e Devedores.
da fábrica à
metrópole, de Lula a Boulos, o campo de luta se deslocou.
no contemporâneo Capitalismo cognitivo prevalece o trabalho imaterial, a mercantilização da vida se completou. o
tempo de vida coincide com tempo de trabalho não remunerado.
num Capitalismo
logístico, no qual tudo se tornou serviços, a criação de valor já não se limita
a esfera da produção, hoje a circulação agrega valor em vez de
desvalorizar o produto.
foram várias as encruzilhadas históricas de Lula.
em 1979, após a
intervenção nos sindicatos do ABCD, Lula estava pronto a retornar ao seu
emprego na Villares. tudo levava a supor o refluxo do movimento, com os
operários voltando ao trabalho de cabeça baixa e mãos vazias. mas a greve
prosseguiu, com os braços cruzados e as máquinas paradas. os metalúrgicos
repetiam com orgulho: ”Somos todos Lula. Podem
prender o Lula, agora todo mundo é Lula”. depois de dois dias sumido, Lula
reapareceu num estádio lotado pelos peões do chão de fábrica, dando início a
formação do PT e da CUT.
em 1989, Lula entrou em colapso na última semana de campanha, no segundo
turno da primeira eleição direta para Presidente da República após 1964. após
uma derrota consentida, inicia-se o lento, seguro e gradual transformismo de
Lula e do PT, rompendo com a lógica da
diferença para se tornarem parte da sustentação da ordem.
Lula é mais um ciclo no processo de amadurecimento dos Brasis, no qual se cumprirá a profecia
de Getúlio Vargas: “Um dia será um de
vocês que estará aqui no meu lugar”. infelizmente, Lula ainda não é "esse
cara". até mesmo porque já não será um
cara, e sim um coletivo de coletivos.
agora é a vez de Boulos fazer sua opção na fatídica encruzilhada de um interregno: ser ou não ser. ou melhor: qual
vir a ser?
pela pedagogia do Golpe de 2016
chegamos a duas grandes lições:
1. não há, nem
nunca houve, nenhuma "burguesia nacional" no Brasil.
o núcleo do setor dominante no Brasil são os banqueiros, os rentistas e
os exportadores de commodities. sócios minoritários do mega Capital
trans-globalizado, são uma lumpenburguesia extrativista e golpista,
neo-colonial e semi-escravocrata, sem qualquer compromisso com o país e sua
população.
com ela nenhum pacto ou conciliação é viável, pois exige rendição
incondicional. enquanto não for derrotada, jamais o Brasil será independente e
terá qualquer desenvolvimento com inclusão social;
2. a via
parlamentar está bloqueada para a transformação social.
uma lumpenburguesia neo-colonial e semi-escravagista jamais consentirá em
qualquer governo comprometido com outro interesse a não ser exclusivamente o
dela própria. no Brasil não existem sequer condições para um reformismo de
baixa intensidade, como tentou implementar o Lulismo.
apesar da Ex-querda se recusar
a assimilar as duras lições da História, ainda em 1950 Carlos Lacerda já o deixou
definitivamente claro, referindo-se a Getúlio Vargas: "Não pode ser candidato. Se for, não pode ser eleito. Se eleito,
não pode tomar posse. Se tomar posse, não pode governar".
{comentário:
mesmo o Lulismo se colocando
como nada além de um disciplinado gestor do capital, e a isto confirmando a
partir da contra-reforma da Previdência Pública em 2003, ainda assim quase foi
derrubado em 2005, na crise do Mensalão.
observe-se também como em seu segundo mandato Lula não foi assediado em virtude
do imenso desarranjo na economia causado pela Crise de 2008, a qual soube gerir em perfeita sintonia com os
interesses do grande empresariado}
destas duas lições do Golpe de 2016
chega-se também a duas decorrências lógicas:
1. não será
através das Eleições de 2018 que o
Golpe será derrotado.
muito embora a via parlamentar tenha sua importância, não há qualquer
possibilidade de transformação social única e exclusivamente através dela, pois
sempre deve ser complementar ao movimento autônomo de massas.
ainda mais nas atuais circunstâncias no Brasil, onde o setor dominante
fará o impossível para as Eleições de
2018 não expressarem a soberania popular e sim seus interesses de
continuidade golpista.
as eleições são um momento de intensificação do debate político e da
mobilização social, neste sentido devem ser utilizadas para ampliar e
aprofundar a organização social.
se as Eleições de 2018 em si
não são o instrumento adequado para a superação do Golpe de 2016, elas fornecem um ambiente adequado para isto ocorrer
por outros meios;
2. um novo
Governo Lula, ao tentar reeditar suas versões anteriores, redundará em
fracasso.
a economia global ruma em direção a um novo crash, ainda mais devastador do que a Crise de 2008.
a economia brasileira já está num crash
causado pelo Golpe de 2016, sem que
haja qualquer viabilidade de retomada de crescimento. ao contrário, todas as
medidas do Governo usurpador desestruturam cadeias produtivas inteiras,
arrastando o PIB para uma duradoura estagnação.
frente à iminente nova crise mundial e com a barbárie interna já
instalada, se impõe uma total inflexão
da política econômica. não havendo para isto a mais remota condição de se
manter o tradicional tripé neo-liberal: juros, câmbio e carga tributária não
podem mais servir aos interesses do rentismo.
a taxa de juros reais de curto prazo (overnight)
deve ser negativa e não a maior do mundo. o câmbio passa a ser administrado e
não mais flutuante. a carga tributária
deixa de ser regressiva, adotando-se uma incisiva progressividade até a alíquota
de 100% em sua faixa superior.
nenhuma conclusão
além de um duro processo de lutas:
a crise da Democracia brasileira é uma crise de identidade. este é o intenso
tempo do agora, no qual nos tornamos nossa própria esfinge nesta encruzilhada diante
de dois portais de entrada: ou o Estado de Exceção permanente, ou um processo
de reconstrução radical da Democracia.
esta é a questão.
para ela não haverá respostas fáceis, apenas um complexo debate para
construir alternativas: a conversa
concreta entre diferenças evoluindo na busca do conhecimento e da ação que dele
deriva.
no momento mais delicado e mais perigoso de nossa História, não o
superaremos pelo mesmo caminho que a ele chegamos. não há saída pactuada para
esta crise. não haverá nenhuma reedição de mais um Pacto à la Brasil. nenhuma pax nos
salvará. numa guerra de extermínio, só podemos lutar por nossa sobrevivência.
{citação:
"Fazer os cidadãos petrificados compreenderem que mesmo que não
entrem em guerra, já estão nela de qualquer jeito. Que ali onde é dito que é
isso ou morrer, é sempre, na realidade, isso e morrer."
"COMO FAZER?", Tiqqun}
bibliografia:
- "Ideologia e Mobilização Popular", Marilena Chauí e Maria
Sylvia Carvalho Franco.
- "KorpoBraz", Giuseppe Cocco.
- "Só mais um esforço", Vladimir Safatle.
- "Além do PT", Fabio Luis Barbosa dos Santos.
- "PT: de oposição à sustentação da ordem", Cyro Garcia.
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