15 maio 2016

o Brasil & o Brasil (2)

15/05/2016

“Só o lixo é uma exceção, quando fica velho o bastante. Jogado no pavimento cruzado ou soprado para uma área alter de onde foi deixado, ele começa como protub, mas depois de um tempo suficientemente longo para se desvanecer e a escrita illitana ou besź ser obscurecida pela sujeira ou clareada pela luz, e quando ele coagula com outro lixo, incluindo lixo da outra cidade, é apenas lixo, e vagueia entre as fronteiras, como neblina, chuva e fumaça.”
“A cidade & a cidade”, China Miéville

já não somos um país? nunca fomos um país. o Brasil se formou pelo avesso. teve Coroa antes de ter Povo. teve Estado antes de ser Nação.

a população indígena se tornou estrangeira em sua própria terra, tal qual hoje os refugiados políticos convertidos em párias no que fora sua pátria. no Brasil o contingente de negros desterritorializados chegou a quase 5 milhões, 44% do total dos africanos seqüestrados para as Américas.

nunca fomos um país. sempre se tratou de negócios.

organizou-se uma holding multinacional, com administração portuguesa, capitais holandeses e venezianos, mão-de-obra indígena e africana, tecnologia desenvolvida em Chipre e matéria-prima dos Açores e da ilha da Madeira – a cana. em torno do excelente negócio do açúcar, a primeira mercadoria de consumo de massas em escala planetária, se formou o moderno mercado mundial. a riqueza gerada pela cana de açúcar na época foi superior, proporcionalmente, ao petróleo na economia contemporânea.

no Brasil, foram pessoas do povo que abraçaram um projeto de nossa construção nacional.

se algum dia chegarmos a ser uma Nação, ela terá sido obra de Zumbi e dos quilombolas,  da resistência indígena, dos Tamoios,  Aimorés, Potiguares,  Tupinambás e Emboabas,  dos Cabanos, Malês e Balaios, do Almirante Negro, do anarco-sindicalismo, da Coluna Prestes, de Apolônio de Carvalho, Lamarca e Carlos Marighella, das greves do ABCD, da luta pela “Anistia, ampla, geral e irrestrita”, da fundação do PT e da CUT, das “Diretas Já”, de Junho de 2013, do movimento “Não vai ter golpe! Vai ter luta!”.

o Brasil concebido como mera base territorial para atender demandas externas, povoado por uma população extirpada de cidadania e dignidade. e um outro Brasil, construção inacabada da luta de trabalhadores, pobres, favelados, negros, mulheres, homossexuais, travestis, índios, todos os que lutam pela libertação de sua carne supliciada.

são demasiadas as fronteiras entre o Brasil & o Brasil. fronteiras por toda a parte. fronteiras agora excessivamente presentes. inclusive dentro de cada um de nós, na própria constituição daquilo que nos tornamos, como indivíduos e como sociedade. com o golpe do impeachment cruzou-se uma fronteira definitiva: o Brasil de poucos jamais será o Brasil de todos. não há retorno.
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