"Fiquem em casa!", foi o que ouvimos por toda parte.
foi o que ouviram mesmo aqueles moradores de rua sem casa alguma para
ficar.
foi o que ouviram os que habitam em moradias insalubres, com várias
pessoas ocupando o mesmo cômodo.
foi o que ouviram os informais precarizados, cujo pão de cada dia é ganho
a cada dia, fora de casa nas ruas.
impositivo. mandatório. taxativo. "Fiquem em casa!".
agora estamos em casa... quanto tempo ficaremos? nem mesmo o próprio COVID-19
saberia responder.
o impensável aconteceu: uma paralisação geral por tempo indeterminado. um
lockout sanitário compulsório.
o COVID-19 conseguiu concretizar uma palavra de ordem que o movimento revolucionário ainda sequer colocara:
"Greve Geral Global".
a curva da infecção está sendo "alisada". não por questão
"humanitária". o contágio não pode ser mantido livre, precisa ser
regulado.
os ultraliberais reagem indignados com irada discordância: "Deixem
a mão invisível da seleção natural fazer seu trabalho, que sobrevivam os mais
fortes".
como um vírus cibernético hackeando o processamento do Capitalismo de
Crise, o COVID-19 inviabiliza a hipótese de alguma "imunidade
em massa" espontânea.
disseminando-se através da veloz replicação de seu código, implanta uma
rotina de choque e pavor: 20% necessitam cuidado médico-hospitalar, 5%
precisam de internação em UTI, mais de 4% de taxa de letalidade.
a combinação da velocidade de seu contágio com o índice de necessidade de
assistência hospitalar aos infectados, não confere tempo suficiente para surgir
alguma "imunidade em massa".
mas para se combater o COVID-19 é necessário matar a Economia?
e ao se matar a Economia, a população também não perderá as condições de
seu sustento?
ou:
- não seria exatamente a Economia a causa primária criadora do
meio no qual o COVID-19 é capaz de se ativar e se reproduzir?
qual a taxa de letalidade, humana e não-humana, desta doença chamada de Capitalismo?
a burguesia vocifera: "Voltem ao Trabalho!".
e o COVID-19 retruca com uma magistral aula de economia política:
"Rendam-se: o Capital é um vírus incapaz de se reproduzir
sozinho, precisa hospedar-se num corpo que trabalha!".
agora estamos em casa. enfim, sós...
como sempre estivemos, confinados numa existência sem
sentido. encarcerados num mundo que ao mesmo tempo nos parasita para se manter
vivo, também nos expele como dejetos descartáveis.
agora estamos em casa.
à beira de um ataque de nervos, abalados pelo tedioso e
insuportável encontro com si mesmos, alguns se indagam quanto tempo levará até
se atirarem pelas janelas.
aterrorizados pela infinitesimal ameaça os espreitando nas
ruas, outros começam finalmente a ganhar consciência de estarem em cárcere
privado.
talvez, e simplesmente talvez, haja uns poucos se colocando
a fatal questão trazida pelo COVID-19: fiquem em casa? casa?! qual
"casa"?
não nos ordenaram ficar em casa? pois agora em casa
ficaremos daqui em diante.
nunca mais retornaremos. ficaremos "em casa". seja
lá onde isto for.
uma casa haveremos de erguer para morarmos. não para "ficar", e sim para viver.
e lá estaremos. nunca mais retornaremos para aquele mundo
doente e amaldiçoado.
passou o tempo do "vem prá rua", chegou a hora de "ir
para casa".
e iremos construir esta casa naquele território com o qual temos laços.
laços com a terra, laços com a água, laços uns com os outros.
no território onde vivemos. na terra que amamos e onde sofremos. a ela
defenderemos e preservaremos, pois sem ela não poderíamos estar vivos.
nela seremos enterrados, nela nossas cinzas serão espalhadas ao vento.
e por ela nosso espírito passeará nostálgico. agora e sempre, sempre
agora. em casa.
vídeo:
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