17 março 2007

velhos odres

o indicado para assumir o Ministério da Agricultura no segundo governo de Lula, deputado Odílio Balbinotti (PMDB-PR), maior produtor de sementes de soja do Brasil, responde a inquérito sigiloso, no Supremo Tribunal Federal, por crime contra a fé pública e falsidade ideológica. além disto, a Procuradoria da Fazenda Nacional iniciou cobrança judicial contra ele e abriu processo para inscrevê-lo na Dívida Ativa da União. também foi multado pela Receita Federal por causa de impostos atrasados e o INSS move contra ele três ações de execução fiscal. [1]

Balbinotti, que chegou à Câmara em 1995, emprega em seu gabinete um cunhado e uma cunhada. em 12 anos de legislatura, apresentou apenas dois projetos, nenhum deles aprovado. entre as eleições de 2002 e 2006, seu patrimônio registrou um salto de 2.151%. é dono da segunda maior fortuna declarada da Câmara – R$ 123,8 milhões. e tem um dos mais altos índices de faltas as sessões de votação. [2]

quando Tomé de Sousa aportou no Brasil em 1549, para assumir o cargo de
governador-geral, trouxe um Código Regimental de Governo e vieram em sua comitiva o Ouvidor-Mor, o Provedor-Mor, membros do clero e tropas armadas. entretanto, não desembarcaram das caravelas os colonos para povoar nossas imensas terras férteis e verdejantes.


das populações indígenas, tornadas estrangeiras em sua própria terra, não era possível pilhar riquezas acumuladas, tampouco extorquir tributos, nem com elas estabelecer um comércio desigual.


o Brasil se formou pelo avesso. teve Coroa antes de ter Povo. teve Estado antes de ser Nação. fomos obra de inversão.
[3]


não fomos constituídos como nação, nem mesmo como sociedade. surgimos como uma empresa territorial voltada para fora e controlada de fora.
[4] a implantação portuguesa na América teve como base a empresa agrícola-comercial. o Brasil é o único país das Américas criado, desde o início, pelo capitalismo comercial sob a forma de empresa agrícola. [5]

organizou-se uma holding multinacional, com administração portuguesa, capitais holandeses e venezianos, mão-de-obra indígena e africana, tecnologia desenvolvida em Chipre e matéria-prima dos Açores e da ilha da Madeira – a cana. em torno do excelente negócio do açúcar, a primeira mercadoria de consumo de massas em escala planetária, se formou o moderno mercado mundial. [6]

a organização da empresa agrária voltada para exportação, buscando o lucro fácil e imediato, resultado do modelo de colonização implantado, fez com que a atividade agrícola se efetuasse de modo quase extrativo, com total desleixo pela terra, buscando exclusivamente a total exploração, sem qualquer planejamento de longo prazo. [7]

em perspectiva histórica, a organização da agricultura brasileira é marcada por um elemento invariante, que se mantém até os dias de hoje: o sistema de privilégios concedidos à empresa agro-mercantil, instrumento de ocupação econômica da América Portuguesa. [8]


constituiu-se no Brasil um Estado caracterizado pela apropriação do público para interesses privados, em que um grupo social impera, rege e governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando. [9]


assim tem sido os nossos eldorados. a procissão dos milagres há de continuar assim através de todo o período colonial, e não a interromperá a Independência, sequer, ou a República. [10]


nascida
no berço esplêndido das velhas classes dominantes, a burguesa brasileira surge das entranhas do complexo cafeeiro, sem nunca escapar da sina de ser caudatária e agregada ao latifúndio. essa origem servil marcará o desenvolvimento capitalista no Brasil. os respectivos interesses, da burguesia e do latifúndio, se entrelaçam e se completam no decorrer de nossa história. [11]

com a modernização do latifúndio, sob a forma do agronegócio, os antigos latifundiários se transformam numa das frações da burguesia, enquanto os demais setores burgueses se tornam sócios do latifúndio, convertido em sesmarias capitalistas, através do uso de modernos meios de produção. a selvagem industrialização do campo expropria moradores, agregados, rendeiros, foreiros, parceiros, arrendantes e meeiros, criando-se um vasto exército industrial de reserva, miserável e favelado. [12]

o modelo agrícola do agronegócio é orientado para gerar dólares através de produtos que atendem ao mercado externo, por isso não produz comida, empregos e justiça social. em virtude da concentração da propriedade da terra, apenas 14% da área cultivável brasileira é utilizada. o agronegócio ocupa 75% da área cultivada, as melhores terras, para produzir soja, algodão, cacau, laranja, café, cana-de-açúcar e eucalipto. [13]

o Brasil do agronegócio tem que importar arroz, feijão, milho, trigo e leite (alimentos básicos dos trabalhadores brasileiros). e também soja em grãos, farelo e óleo de soja, algodão em pluma, matérias-primas industriais de larga possibilidade de produção no próprio país. [14]

a civilização brasileira chama-se Veleidade, sombra coada entre sombras. é uma "monstruosidade social", engendrada por instituições anacrônicas as quais haurem sua longevidade do veneno, que as alimenta e corrompe o vinho novo, incapaz assim de fermentar. as velhas caldeiras, a fim de que se expanda a pressão, hão de romper-se e fragmentar-se em mil peças disformes. a explosão há de ser total e profunda e os velhos odres devem ser abandonados. [15]


por causa das denúncias, Lula pediu 48 horas para decidir sobre a confirmação de Balbinotti como Ministro da Agricultura. Balbinotti, por sua vez, declarou estar "triste, chateado e magoado". as entidades, associações e demais empresários ligados ao agronegócio ainda não se manifestaram.




[1] Leonardo Souza, Folha de São Paulo, 17/03/2007
[2] Ranier Bragon e Fábio Zanini, Folha de São Paulo, 16/03/2007
[3] Alceu Amoroso Lima, "À margem da História do Brasil – Inquérito por escritores da geração nascida com a República"
[4]
Caio Prado Jr, "A formação do Brasil contemporâneo"
[5]
Celso Furtado, "Análise do Modelo Brasileiro"
[6] César Benjamin, "Uma certa idéia de Brasil"
[7] Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil
[8] Celso Furtado, "Análise do Modelo Brasileiro"
[9] Raymundo Faoro, "Os donos do poder"
[10] Sérgio Buarque de Holanda, "Visão do Paraíso"
[11] Wladimir Pomar, "Um mundo a ganhar"
[12] Wladimir Pomar, "A nova estirpe burguesa"
[13] João Pedro Stedile, "Brasil: A quem interessa o modelo agrícola do agronegócio"
[14] Ariovaldo Umbelino de Oliveira, "Os mitos sobre o agronegócio no Brasil "
[15] Raymundo Faoro, "O estamento burocrático no Brasil: consequências e esperanças"

Nenhum comentário: