05 março 2007

o que merecemos

(a partir de entrevista com
Fabio Giambiagi, publicada em 03/03/2007, na Folha de São Paulo)


talvez o Brasil não cresça porque não mereça.

talvez sejamos mesmo um povo de índole corrompida, sem caráter, padecendo no calor dos trópicos de triste sina, irremediavelmente inscrita pela mestiçagem em nossos genes, sem que jamais sejamos capazes de superar nossa preguiça e atraso ancestrais.

talvez as correntes aprisionando nossa economia sejam mesmo as despesas com a previdência e os gastos sociais, e por causa da Constituição de 1988 nos tornamos cidadãos de mentalidade indolente, espírito acomodado e satisfeitos em depender do Estado.

talvez... talvez...


se assim for, como então conseguimos ser, até 1980, a economia mais dinâmica do mundo, dobrando o PIB cinco vezes seguidas em cinqüenta anos ?

o descontrole do endividamento do Estado veio após o Plano Real (1994), com a dívida interna disparando de 7% do PIB em 1993, para 13% em 1994, até chegar aos 50% em 2006. apesar de sucessivos superávits primários, desde 1994, a taxa de juros reais se manteve a mais alta do mundo.

somos mesmo merecedores de rastejar pela terceira década perdida ? será que não passamos de mero acidente geográfico e nunca seremos uma nação ?

nosso maior problema é aceitar os chavões feitos para nos apequenar, nos induzindo a crer que somos inferiores, para que aceitemos docilmente a subordinação, fazendo com que nunca tenha sido tão grande a distância entre o que nos tornamos e o que deveríamos ser.

já houve época, no inicio do século XX, em que não podíamos crescer por causa do determinismo geográfico e racial. diziam que o desenvolvimento só era possível nos climas frios e por obra de grupos étnicos superiores.

então, ousamos inaugurar, de forma inédita, o que nunca se fizera nessas latitudes. antecipando-nos a uma teoria econômica que naquele tempo ainda não se formulara, aplicamos inovadoras políticas anticíclicas para superar a crise de 1929. a fortuna acumulada com a monocultura cafeeira é reciclada, redirecionando a poupança para financiar o desenvolvimento industrial. deixamos de ser uma colônia agrária para chegarmos a condição de oitava economia do mundo.

foi quando descobrimos o vigor de nossa cultura sincrética, que mulatos, cafuzos e mamelucos geraram nas fissuras entre a casa grande e a senzala; foi quando as massas urbanas entraram em cena para fazer com que o homem cordial começasse a se transformar em cidadão; foi quando já não bastava a parceria coadjuvante na empresa colonial e aspiramos a desenvolver um projeto de nação.

foi quando o país abriu as portas do futuro que merecemos.

durante o período agrário-exportador (até 1930) e a industrialização (1930/80), as classes dominantes mantinham alguma forma de interação local com os trabalhadores, mesmo se na condição de escravos. após 1980, com a hegemonia do capital financeiro globalizado, nossas elites se desvincularam por completo dos compromissos com o país e a população.

no circuito integrado e volátil das operações instantâneas em mercados apátridas, nação, trabalho e trabalhador estão obsoletos. o lucro prescinde da produção e do consumo, graças à rentabilidade diária e sem risco de investimentos garantidos pelo Estado. a sociedade inteira foi aprisionada num processo autofágico, uma espécie de buraco negro, em que tudo e todos estão submetidos à voracidade ilimitada do capital financeiro.

foi quando deixamos de ser um país para nos reduzirmos a mercado emergente... foi quando voltou a ser motivo de orgulho nos envergonharmos de nós mesmos... foi quanto uma cultura ornamental, estéril, vulgar e plagiaria em todos os sentidos passou a nos impor a idéia de que merecemos a humilhação e a miséria...

foi quando abdicamos de nossa grandeza...

nós não merecemos isto...

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