24 setembro 2006

cada povo tem a elite culpada que merece

a Esquerda não se cansa de repetir que toda a culpa é das Elites.

há uma boa dose de razão nesta acusação. afinal, as classes dominantes Brasileiras demonstram ter como inspiração os piratas que vinham ao nosso litoral com o intuito exclusivo de saquear o Pau-Brasil. desde então o espírito empreendedor continua o mesmo: conseguir se apossar do máximo no menor tempo possível.

não se trata apenas de extrativismo selvagem. é bem mais um caso de insuperável falta de visão estratégica. não há sequer a preocupação em preservar o ambiente de negócios.

a pilhagem do Pau-Brasil nunca deixou de ser um fim se esgotando em si próprio, sem jamais se cogitar os rumos do negócio após a derrubada da última árvore.

do mesmo modo, os setores contemporâneos, cuja fortuna resulta das altas taxas de juros que asfixiam a economia nacional, não consideram ser problema deles se, por causa de um modelo econômico que só a eles interessa, o país como um todo entre em colapso.

apesar de ser evidente a parcela de culpa das Elites em nossa História, não é tão fácil admitir que elas têm, no decorrer de todo o processo, um cúmplice inseparável: o Povo.

as análises da Esquerda sempre infantilizaram o Povo, cujas opções equivocadas seriam fruto da imaturidade política e do baixo nível de consciência. contudo, o Povo e as Elites são resultados do mesmo processo histórico e se igualam em seu imediatismo e no desprezo pela questão nacional.

em termos econômicos, nunca fomos uma nação voltada para seus próprios anseios. ao contrário, nos constituímos como uma empresa sob controle estrangeiro para atender demandas externas. enquanto as Elites no fundo se envergonham de terem nascido no Brasil, para o Povo a nação só existe quando a Seleção Brasileira calça as chuteiras.

nossa sociedade ainda não superou o estágio da “Casa Grande e Senzala”. o Povo ao invés de exigir seus direitos, suplica por benefícios. as Elites ainda se comportam, desde a época da Abolição da Escravidão, como se lhe fosse devido o benefício da indenização para que o Povo tenha direito à liberdade.


politicamente, o paradigma Brasileiro continua sendo o das “Capitanias Hereditárias”, no qual as Elites não cometem crimes, porque, em último caso, ordenam que se revise o código penal. além de donas do poder, encarnam em si a lei. o Povo vê a justiça não como algo que se luta para conquistar e manter, tratando-se muito mais de uma caridade a ser recebida, nem que seja pelo maroto expediente da malandragem.

invertidas as posições sociais entre Povo e Elites, nada se alteraria no Brasil, a não ser, talvez, para pior.

trazendo para o exemplo da atual eleição, apesar de até Lula admitir com certo orgulho que banqueiros e grandes empresários jamais ganharam tanto dinheiro quanto no governo do PT, as Elites se unem solidamente em torno de Alckmin.


no caso, mais que o bolso, importa o berço. as Elites podem até permitir que a gestão seja conduzida por um capataz. não admitem porém, em hipótese alguma, que o Povo não se resigne ao seu lugar.

como antes já fizera com FHC, o Povo está disposto a reeleger Lula, mesmo que também o responsabilize pela corrupção de seu governo. para o Povo o berço não importa, desde que se leve alguma vantagem no bolso.

o mesmo Povo que, por causa do Plano Real, levou FHC duas vezes ao Planalto, agora, motivado pelos programas sociais, quer repetir a dose dupla com Lula. se da primeira vez as Elites aprovaram a sábia escolha do Povo, hoje repudiam sua opção, denominando-o de “massa ignara”.


a Esquerda é crítica com as Elites, porém condescendente com o Povo e indulgente consigo mesma. mais do que as Elites e ao Povo, cabe a Esquerda a obrigação de formular um projeto para o país. até mesmo porque é ela quem defende ser um outro mundo possível.

apesar disto, uma candidatura de Esquerda, como a de HH, é incapaz de, senão da formulação de um projeto, pelo menos apresentar um programa de governo.

mais uma eleição passará. pode ser que continuem nossos eldorados. como já tivemos o do açúcar, o do tabaco, e de tantas outras commodities tiradas de nossas terras férteis, enquanto férteis, como o ouro e os diamantes se extraem, até se esgotarem, do cascalho, sem retribuição de benefícios. nossa procissão dos milagres tem sido assim, desde todo o período colonial, sem que a tenha interrompido a Independência, sequer, ou a República.

desta vez, entretanto, mergulhamos num vôo cego, imersos em uma crise de destino, a maior da nossa existência. a História está nos encarando nos olhos, indagando: “afinal, o que vocês são? o que querem ser? tem sentido existir Brasil? qual Brasil?”

diante da Esfinge, nem as Elites, nem o Povo, tampouco a Esquerda, parecem ser capazes de responder a pergunta. sem que ninguém o decifre, o Brasil devora a si mesmo.

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