03 março 2006

Um Outro Édipo

“Vocês, que vão emergir das ondas,
em que nós perecemos,
pensem quando falarem das nossas fraquezas
nos tempos sem sol
de que vocês tiveram a sorte de escapar.”
[1]



PRÓLOGO

Foi durante uma viagem à Grécia que aconteceu. Eu estava num daqueles ferrys indo para Santorini e sentia grande expectativa de conhecer a ilha, formada pela explosão de um vulcão em 1.450 AC.

Era um lindo dia de sol e o azul intenso do Mar Egeu chegava a resplandecer.

Apesar da paisagem, a viagem me causava um certo desconforto. Eu estava no deck do navio e soprava um vento frio e irritante que se infiltrava corpo adentro.

Além disto, grupos de turistas ocupavam todos os espaços disponíveis, acotovelando-se e disputando cada palmo de lugar ao sol.

Decidi descer e procurar um lugar no salão principal do barco.

Velhos jogavam gamão. Casais discutiam. Jovens se beijavam. Muita gente fumava sem parar. Várias pessoas dormiam jogadas em cima das poltronas. Pilhas de mochilas e bagagem se amontoavam pelos cantos.

Sinceramente, a cena me sugeria exatamente uma excursão de interioranos para alguma praia famosa numa cidade grande.

Demorei a encontrar alguma poltrona vaga. Percorri os corredores observando aquela mistura de nacionalidades.

Tão diferentes e tão iguais.

Quando enfim consegui me acomodar, logo reparei num jornal dobrado ao meio, bem embaixo do lugar onde me sentei. Peguei-o e vi que não conseguiria ler coisa alguma. Era grego. Mal dava para identificar algumas letras. Para mim, aquilo era tão indecifrável quanto os mistérios do mundo.
Entretanto algo me chamou a atenção. Folheei o jornal e caíram no meu colo algumas folhas manuscritas. Haviam outras no meio do jornal.

Examinei-as. Era papel comum, branco. Pareciam anotações. A caligrafia era clara e definida e no idioma inglês.

Comecei a ler e rapidamente descobri tratar-se de um rascunho de um texto para teatro.
Surpreendi-me com a complexidade do tema. E fiquei intrigado em como as idéias de quem escrevera se assemelhavam por demais com as minhas próprias.

Durante o restante de minha viagem à Grécia reli várias vezes aquelas folhas. Indaguei-me quem teria sido o autor. Embora tenha examinado detalhadamente o texto, nada pude descobrir que fornecesse a menor pista quanto a isto.

Imaginei inúmeras hipóteses para que alguém perdesse um trabalho que tivera tanta dedicação em elaborar. Quem sabe até não teria sido um esquecimento intencional...

Para quem ler o texto que encontrei ficará claro que não se trata de um trabalho acabado. O autor parecia reunir idéias e apenas esboçara o que de fato pretendia realizar.

Cheguei a considerar a possibilidade de eu mesmo completar a tarefa. Infelizmente, creio que minha habilidade literária jamais terá sido menos apropriada.

Talvez o texto acabe encontrando as mãos de quem enfim o possa finalizar. Ou mesmo, numa dessas irônicas reviravoltas do destino, venha a reencontrar aquele que foi o seu autor.


[1] “Aos que virão depois de nós”, Brecht

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