03 março 2006

ÉDIPO E O ORÁCULO

Surge Tirésias. Ele para no centro do palco. Retira o óculos escuros, levanta-o e o examina, verificando se está sujo. Enquanto limpa com cuidado as lentes, introduz um novo ato :

“Édipo e o Oráculo :
onde cada pergunta já traz em si sua resposta
e o mais importante é saber o que perguntar.”


Um homem sentado numa pedra sobre uma extensão de areia. No lugar dos olhos apenas buracos com marcas de sangue escurecido escorrendo rosto abaixo. Do seu lado direito há uma coluna grega, semi enterrada e bastante inclinada, com uma esfinge em seu topo.


Édipo, atormentado pela culpa e remorso, luta inutilmente para afugentar seus fantasmas.

“Ah! Nuvem de trevas ! Nuvem abominável que te estendes sobre mim, imensa, irresistível, esmagadora ! Ah ! Como sinto penetrar em mim o aguilhão de minhas feridas e a lembrança de meus males !”

”Se existe uma infelicidade maior que toda infelicidade, esse é o quinhão de Édipo !”

“É tão doce a alma viver fora de seus males!”

“Depressa, em nome dos deuses, ocultai-me em alguma parte, longe daqui, matai-me, ou lançai-me no mar, num lugar onde nunca mais me vejais...”

“Olhai. Vede Édipo, esse famoso decifrador de enigmas, que se tornou o primeiro dos humanos. Ninguém em sua cidade podia contemplar seu destino sem inveja. Hoje, em que terrível mar de miséria ele se precipitou ! É portanto esse último dia que um mortal deve sempre considerar. Guardemo-nos de chamar um homem feliz, antes que ele tenha transposto o termo de sua vida sem ter conhecido a tristeza.”
[1]

Após o monólogo de Édipo, entram em cena duas mulheres. Toca uma música oriental. Talvez uma antiga melodia persa. As mulheres executam uma dança na qual rodopiam vertiginosamente.

Quando as mulheres cessam de girar, posicionam-se de cada lado de Édipo e de frente para a platéia.
Começam a mover-se lentamente, sem saírem do lugar. Seus corpos ondulam suavemente como reagindo a uma vibração transmitida a partir de seus umbigos. Quadris, braços, mãos e cabeça balançam harmoniosamente.

São movimentos sutis mas ao mesmo tempo intensos e de muita energia.

Enquanto dançam, pronunciam suas falas.

“O que mais poderia ser dito ? Sua velha e repetida pergunta só obterá a conhecida resposta. Seu destino é o mesmo. Sempre aquele mesmo, profetizado há milênios. Matarás seu pai e casarás com sua mãe. “


“Mas o que é o destino ? O que é o destino senão procurar um caminho. Um caminho entre os milhares de caminhos que não levam a parte alguma. Mas o que será o destino senão encontrar os milhares de caminhos que nos levam e que somos nós.”

“Os oráculos estão em toda a parte. Consulte o relógio. 14:14 28O C. READ THE CODE. Atenção ! Aqui e Agora ! Atenção ! Sintonia. Sincronia. Contato. Nós somos o oráculo. Somos a notícia no jornal. A cena do filme e a música no shopping. O mendigo na rua e o vendedor de picolé. Estamos nesse algo que fala. Atenção ! Aqui e Agora ! Atenção ! Sintonia. Sincronia. Contato. Existe uma voz que fala. Nós somos o oráculo.”

“Abraça teu destino. Conhece-te a ti mesmo.”

“ Você é que você é. O que sempre tem sido. O que todos foram antes de você. Pais e filhos. Assassino incestuoso. Busque a luz e não a escuridão. Aceite quem você é. Integre a sua origem. É inútil tentar escapar. Você é o que você é. Apenas proclame : Sou eu, mas não é meu !”

“Há sempre tantas perguntas a fazer... Por quê sempre indagar o que já se sabe ? Enquanto você fugir do destino, ele lhe perseguirá implacável. Os caminhos sempre se encontrarão. Sempre aquela encruzilhada maldita. Sempre Deus e o Demônio. Você é o que você é. Apenas proclame : Sou eu, mas não é meu !”

“É de dentro prá fora. É de baixo prá cima. O que está em cima está embaixo. O que está embaixo está em cima. Segurei a mão de um demônio e falei com a língua dos anjos, apenas para estar com vocês.”

Coro :

“De início a dança é a imagem do jogo rítmico, fonte de todo o movimento do ser; em seguida, libera o homem ilimitado da ilusão de ser um indivíduo aprisionado nas fronteiras de sua pele: seu corpo e seu ser são o universo inteiro; finalmente o ‘lugar’ da dança, o centro do universo, está no coração de todos os homens.”

“Dançar a vida não seria, antes de tudo, tomar consciência de que não apenas a vida, mas o universo é uma dança, e sentir-se penetrado e fecundado por esse fluxo do movimento, do ritmo, do todo ?” [2]



[1] “Édipo Rei”, Sófocles
[2] "Dançar a Vida", Roger Garaudy

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