08/12/2017
as tragédias se abatendo repetidamente sobre o Brasil tem uma de suas
principais origens numa grande farsa: o jogo de cena do Lulismo e da Ex-querda na luta contra o Golpeachment.
um golpe só pode ser derrotado por um contra-golpe. sem um amplo e capilarizado
movimento de massas, nenhum contra-golpe pode ser desferido.
a pedra fundamental da luta conta o Golpe
de 2016 é obrigatoriamente a nulidade do impeachment, cuja
inconstitucionalidade já foi reconhecida pelos próprios golpistas, ao admitirem
não ter sido cometido nenhum crime de responsabilidade.
ainda assim, tanto o Lulismo
quanto a Ex-querda jamais situaram a
luta contra o Golpeahment no eixo da
nulidade do impeachment, e muito menos fundada num movimento de massas.
a conveniente ilusão quanto a via eleitoral como a centralidade,
redundará em não mais do que derrotas anunciadas e frustrações
desmobilizadoras. a luta contra o Golpe
de 2016 deve ser travada aqui e agora, não vai ser decidida mais tarde por
algum candidato hipotético numa eleição viciada.
para justificar a estratégia de se pautar mais uma vez exclusivamente
pelo calendário eleitoral, forjou-se uma série de frágeis argumentos claramente
diversionistas, sem nenhuma base na análise dos fatos e na dinâmica da
conjuntura.
- falta de reação
popular: embora a resistência dos movimentos sociais ao golpe seja aquém do
necessário, está muito além da expectativa, ao se levar em conta os longos 13
anos de cooptação de suas lideranças e amortecimento de sua mobilização.
trata-se muito mais de paralisia das lideranças tradicionais do que imobilismo
das bases. quanto a isto, um dos mais emblemáticos exemplo vem a ser o próprio
Lula. após sua midiática "condução coercitiva" em 04/03/2016, embora
tenha anunciado em entrevista coletiva a volta da Jararaca, prometendo a partir de então correr o Brasil, nada
aconteceu além do retorno daquele que nunca se foi: Lulinha Paz e Amor;
- poder da Globo: apontar a Globo
como quem manda no Brasil, nunca passou de um ardil hipócrita do Lulismo, pois nomear banqueiros, rentistas e exportadores de commodities como o núcleo da
lumpenburguesia brasileira seria também inviabilizar sua principal fonte de
recursos de financiamento de campanhas. apesar da narrativa reducionista na
qual a luta de classes se
converte numa briga contra a Globo, esta sempre recebeu generoso patrocínio
público e fartas verbas publicitárias durante os governos Lula e Dilma. sem
nunca ter investido na criação e no fortalecimento das mídias alternativas e
independentes, com um movimento autônomo sendo capaz de produzir autonomamente
seus meios de expressão e comunicação, o Lulismo
manteve paralisada esta enorme energia criativa;
- maioria no
Congresso: na maior parte de seus governo, Lula e Dilma contaram com maioria no
Congresso, sem disto resultar nenhuma conquista estrutural para o conjunto da
população. formada a partir acordos fisiológicos de curto-prazo, tais maiorias não
poderiam servir de base de apoio para qualquer projeto de país. ainda assim,
mesmo quando o "congresso mais
corrupto da história" aprovou a auditoria da dívida pública, Dilma se encarregou
de vetar. foi também Dilma, ela mesma vítima de bárbara tortura durante a
Ditadura Civil-Militar, quem propôs e sancionou a Lei Anti-Terrorismo. a
"Democracia Liberal Burguesa" jamais foi além de instituição para
cercear e manter sob controle a soberania popular, e nunca autenticamente representá-la.
a construção da Democracia Participativa exige canais de exercício direto do
poder popular. o que torna uma Democracia forte não são exatamente instituições
sólidas e permanentes. e sim a forte e constante presença do Poder Instituinte,
inclusive no seu aspecto destituinte. é ao se auto-organizar que a sociedade
muda a si própria, através de uma práxis instituinte;
- interdição das
críticas: o silenciamento do contraditório tem sido uma prática constante do Lulismo e da Ex-querda, seja sob o slogan de toda e qualquer crítica "fazer o jogo da Direita",
estigmatizando posições contrárias como "a
Esquerda que a Direita adora", ou mesmo do assassinato de caráter dos
opositores, por uma infame e sistemática desqualificação pessoal como arma de
neutralização do discurso crítico. como nenhum
processo político emancipador avança se não tiver como um de propulsores o
exercício de uma constante e rigorosa autocrítica, o Lulismo foi se degradando
ao ponto de se converter numa espécie de seita política, com um arraigado culto
à personalidade de Lula, fazendo deste um messiânico Salvador do Brasil, para com a permissão da Casa Grande ser o único capaz
de cuidar do povo das Senzalas;
- união das Esquerdas: qualquer
articulação política só se torna viável e produtiva a partir de um programa
mínimo e de sua estratégia de aplicação. o Lulismo
não propõe acordo com aqueles à sua Esquerda, sempre impôs submissão
incondicional. não há nenhum debate sobre pontos mínimos programáticos, nada
além de consenso em torno de Lula. mesmo as Caravanas
acabam reduzidas a uma pré campanha eleitoral, impedindo de se tornarem um
potente motor de mobilização social contra o golpe ao submeter ainda mais uma
vez o movimento social autônomo ao calendário eleitoral, engessando-o na via
institucional. as recente referências a um possível Referendo Revogatório, para
anular as medidas do governo usurpador, são vagas e indefinidas e ainda assim
condicionadas a uma vitória eleitoral e não como instrumento de luta e forma de
organização popular. não será nenhuma "união
das Esquerdas" que viabilizará a luta contra o golpe. é na luta
concreta contra o golpe que se faz a união das Esquerdas;
- pesquisas de popularidade e intenção de voto: um dos mais nocivos erros da Esquerda é transferir para institutos de
pesquisa uma responsabilidade intrínseca ao próprio movimento: sua capacidade
de aferir seu próprio pulso com seus próprios meios. isto só se torna possível
quando há organização de base e quando existem canais efetivos de comunicação
com a coordenação. este é um dos motivos do Lulismo ter sido apanhado de
surpresa por Junho de 2013, como se houvesse sido não mais que
imprevisível raio num céu azul, mas suficiente para levar Dilma a despencar de
seus píncaros de popularidade até o chão do deserto do real. caso houvesse
diálogo com a dinâmica dos fatos, ficaria óbvio como então a crise econômica já corroera a Pax Lulista. segundo o Sistema
de Acompanhamento de Greves do DIEESE, se em 2012 haviam ocorrido 877 greves, em
2013 foram 2.050;
- reconstrução do centro democrático:
não se pode ter qualquer centro sem ser referenciado à Direita e à Esquerda.
mas no espectro político brasileiro, ser de Direita ou de Esquerda tornou-se um
tabu. muito embora tenhamos Direitas de todos os tipos, nenhuma delas ousa se
assumir como tal, com a exceção de BolsoNazi, este um dos motivos de seu
fortalecimento. com uma Esquerda envergonhada em dizer o seu nome, todos querem
ser de Centro, por isto o Centro migrou cada vez mais à Direita. não sem
motivos, foi como Dilma definiu o fatal ajuste fiscal que acabou por corroer decisivamente sua já estreita base social: "Tivemos
que fazer esse ajuste, que não é nem de direita, nem de esquerda, nem de
centro". numa situação de
extrema radicalização, com o grande capital globalizado avançando de modo
brutal sobre direitos do trabalho e patrimônio público, sem qualquer margem
para a mínima conciliação, a busca por algum caminho do meio está na contra-mão
da História;
- crise da representação: sem
compreender a raiz de todos os problemas da conjuntura política atual, não se
consegue estabelecer qualquer linha de ação adequada para sua superação. muito
mais relevante do que o primeiro lugar nas pesquisas pré-eleitorais, é se considerar
a grave crise de representação, aprofundada ao ponto de em 2014 os votos nulos, brancos e
abstenções terem sido superiores a votação recebida por Aécio Neves no 1º turno. no Rio de Janeiro, o total de nulos, brancos e abstenções superou a votação de Pezão, candidato do
PMDB e apoiado pelo PT. em 2016 o índice de rejeição às urnas se acentua. a
soma de votos nulos, brancos e abstenções ultrapassa votação do candidato que ficou em primeiro lugar em nove capitais. mesmo para uma estratégia puramente eleitoral, a
disputa prioritária se dá muito mais pelo não-voto que pelo voto
propriamente dito. mas para o não-voto ser reconquistado não basta
marketing eleitoral, sendo indispensável uma outra relação entre parlamentares
e eleitorado;
- única liderança: a trajetória do Lulismo
foi também uma constante asfixia de toda e qualquer liderança que pudesse fazer
frente a Lula. jamais se investiu na qualificação e desenvolvimento de novas
lideranças, resultando uma direção burocrática com o movimento, autoritária com
as bases, fechada sobre si mesma e servil ao Grande Líder. como
incontestável exemplo se tem as sucessivas direções do PT e da CUT. mas não somente
estas. pois o modelo contaminou muitas outras entidades, se disseminando na
estrutura administrativa dos diferentes níveis de governo e também pela
hierarquia das empresas estatais. ainda assim, a quantidade e qualidade de
lideranças proliferando por toda a parte é prova inequívoca de vitalidade dos
diversos movimentos, não só de resistência como de construção de alternativas concretas
de outras formas de organização social. a superação da crise de representação
impõe um outro modelo de liderança, colocado a serviço dos movimentos
coletivos, e não fazendo estes movimentos orbitarem ao seu redor. a luta contra
o Golpe de 2016 exige o reconhecimento e fortalecimento das lideranças
locais e regionais, para deste processo algumas dentre elas se consolidarem no
plano nacional. é sempre a luta concreta que faz surgir as lideranças
autenticamente comprometidas com o movimento. não são as lideranças que fazem
surgir as lutas, mas são elas fator decisivo para que as lutas ganhem força ou
feneçam;
que se vayan
todas as máscaras. a medida que diminuem os dias a nos separar de um ano longe demais,
avança o estado de Alzheimer político, provocando sintomas mórbidos e fenômenos
bizarros. caem todas as máscaras apenas para desmascarar rostos sem face. se
tudo é farsa, as tragédias não cessam de se repetirem. um teatro sinistro no
qual os principais personagens vagam pateticamente, sem haver qualquer autor. a
máscara de cada um de nós também precisa se ir. não vai ser nenhum São Lula quem irá nos proteger. ou somos
capazes de proteger a nós mesmos e uns protegerem os outros, e nos tornarmos
autores e protagonistas coletivos, ou os fascistas vão nos caçar à pauladas em
nossas casas. ou entendemos de uma vez por todas estarmos numa guerra. e que
estamos perdendo. ou continuamos a esperar um salvador por surgir nas eleições
de 2018. e de arbitrariedade em arbitrariedade, chegará aquela manhã em que o
bonde da PF invadirá os blogs e a web, para nos conduzir coercitivamente a
todos, com transmissão on-line pelo YouTube.
continuamos no rumo de tragédias sem fim,
ninguém será poupado. podemos estar certos disto. não restará pedra sobre
pedra. só nos resta fazer destas pedras nossas armas e com elas fundar os
alicerces de um outro Brasil. seja onde estiver, seja como for: rebele-se!
o anjo da história tem agora seu rosto voltado para a frente. ele
gostaria de deter-se para sacudir os vivos, juntar os escombros e enterrar os
mortos. mas uma terrível tempestade sopra do inferno, vinda do futuro, e
prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. essa
tormenta o impele irresistivelmente para trás, em direção a um passado
imaginário, ao qual ele vira as costas, enquanto as ruínas se amontoam,
crescendo até o céu.
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