novos impasses de uma antiga direita
as duas vitórias consecutivas de Lula da Silva provocaram danos irreparáveis em ambos os sentidos do espectro ideológico da política brasileira. esquerda e direita já não serão as mesmas. para o bem e para o mal...
quando o filho do povo Lula I, eleito em nome da esperança de mudança, subiu o Planalto apenas para inaugurar a era Palocci, um estelionato eleitoral como nunca antes se dera na história deste país, a esquerda silenciou. afinal, era o "nosso" governo. não importa que o "nosso" governo tenha uma prática contrária aos "nossos" interesses, ainda assim é o "nosso" governo e cabe a "nós" defendê-lo a todo custo até o último instante.
em vez de tomar a iniciativa de formular uma crítica consistente ao governo Lula, a quase totalidade da esquerda se empenhou na tentativa de legitimá-lo, entregando-se às mais delirantes teorias esquizofrênicas.
a manutenção da política econômica derrotada nas urnas era apenas uma inevitável opção tática, por ser impossível dar um cavalo-de–pau no Titanic da economia. ao chegar o devido tempo, um muito bem oculto plano "B" seria implementado. além disto, uma bem sucedida superação do transe da transição dependeria da correlação interna de forças de um governo em disputa. a suposta cautela também se justificava, por não se tratar de uma tomada de poder, apenas se vencera uma eleição presidencial.
o que restava desta farsa se converteu em tragédia, quando, em agosto de 2005, o publicitário Duda Mendonça confessou ter recebido de caixa dois no exterior pela campanha presidencial de 2002. então, Lula desceu a mais baixa taxa de aprovação a seu governo (28%), com a mais alta reprovação (29%). a cúpula do PT desmoronou, deputados do partido choravam descontrolados no plenário e ministros sugeriam a Lula renunciar. foi também então que PFL (atual DEM) e PSDB optaram por fazer o Presidente sangrar até as eleições de 2006.
a origem de Lula II deve ser buscada em erros estratégicos da oposição conservadora.
em janeiro de 2006, Serra tinha o dobro das intenções de votos de Alckmin. apesar disto, o tucanato, sempre tão cheio de pavões, começou a exibir papagaios aos montes, galinhas-d’angola, pardais, periquitos, uma vasta algaravia ornitológica. então, com raro senso de ousadia, o PSDB decidiu abrir mão de quem tem o dobro para escolher quem tem a metade. convenha-se: é preciso bastante "coragem" para fazer tal opção. o que mais impressiona é que o PT não precisou mover uma palha para que o PSDB entrasse em transe. ele fez isso absolutamente sozinho. [1]
quando já não se podia mais negar que Lula não só fraudara a vontade dos brasileiros, ao radicalizar o projeto que foi eleito para substituir, ameaçando a democracia com o veneno do cinismo, como comandara, com um olho fechado e outro aberto, um aparato político que trocou dinheiro por poder e poder por dinheiro, sendo assim obrigação do Congresso Nacional declarar o impedimento do presidente, também ficou claro que a oposição praticada pelo PSDB é impostura. acumpliciados nos mesmos crimes e aderentes ao mesmo projeto, o PT e o PSDB são hoje as duas cabeças do mesmo monstro que sufoca o Brasil. as duas cabeças precisam ser esmagadas juntas. [2]
se o repúdio de parcela bastante minoritária da esquerda em relação ao governo Lula foi politicamente canalizado com a criação do P-SOL, o mesmo não ocorreu com a sua contraparte da direita.
o anunciado fracasso da alckimia de um candidato a presidente com perfil de gestor não-ideológico só acrescentou frustração a estas parcelas da direita.
a reeleição de Lula, lastreado apenas na própria imagem e popularidade e impondo derrota arrasadora ao poderoso arco de forças conservadoras que enfrentou, deixou como última opção uma virada de mesa institucional, o recurso desesperado ao terceiro turno. fogo que não se apaga, consome-se por si mesmo. a tática das denúncias gira no vazio. numa confirmação de que certas armas são instrumentos de má sorte. empregá-las por muito tempo é trazer infortúnios para si próprio.
a sucessão de revezes conduz a direita indignada ao impasse. sem identificação partidária, incapaz de expressão no movimento social, nenhum horizonte histórico para o "golpe redentor"...
num impensável encontro de paralelas, segmentos da esquerda e da direita, órfãos de um impeachment que não houve e reféns do mesmo sentimento de traição de suas lideranças, convergem na constatação de que a política tradicional se tornou irrelevante.
enquanto a maior parte da esquerda recuou, se apaziguou e se apadrinhou nos corredores do poder, a direita indignada avançou. deu as caras. a maioria silenciosa se exprime pela web. fazendo dos blogs o seu partido político e dos fóruns de discussão seu parlamento, floresce uma neo-direita. sem envergonhar-se de seu conservadorismo, exibe orgulhosa sua face. o novo impasse faz com que o antigo obscurantismo se manifeste às claras. vindo à luz, corre o risco de se iluminar.
para uma esquerda que perdeu seu rumo, sua identidade e se prostrou a serviço de um governo que traiu 23 anos de lutas populares não há mais dignidade, nem mesmo no desprezo. ela é hoje o verdadeiro ninho no qual vem se alojar o ovo da serpente.
[1] Reinaldo Azevedo, em 40 textos defendendo a candidatura de Serra à Presidência, 2006
[2] Roberto Mangabeira Unger, “Pôr fim ao governo Lula”
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