05 julho 2007


Brasil favela

para sempre se foi o tempo romântico do Rio quatro vezes favelas. agora no berço do samba proliferam os falcões do tráfico. as vozes que vem do morro são estampidos de armas automáticas.

ainda há salvação para as favelas?

mega complexos de construções desconexas de alvenaria erguidas umas sobre as lajes das outras, como labirintos de labirintos. múltiplos andares de favelas, empilhados sobre os escombros daquilo que deveria ter sido uma cidade e um país. um território posto à parte do controle do Estado. uma terra de ninguém para que o Chefe do Morro possa reinar. onde prospera o melhor negócio do Brasil.

um negócio imune à desestruturação de nossa infra-estrutura produtiva. capaz de reconciliar grandeza de escala com descentralização de operações, conforme as práticas empresariais mais avançadas. e combinar o autofinanciamento típico das antigas estratégias nacionais de produção com a aceleração de prazos e com a flexibilidade de métodos que marcam os empreendimentos internacionalizados de última geração. transforma desespero em prazer, prazer em dinheiro, dinheiro em força. o melhor negócio no Brasil. o narcotráfico. [1]

entretanto, não há plantação de maconha nas favelas. ou de cocaína. tampouco instalações de refino. muito menos fábricas de armas. a verdadeira favela não está na favela. assim como os verdadeiros imperadores do tráfico lá também não estão. a polícia pode executar tantos e quantos traficantes nas favelas. sempre surgirão mais e mais. ou mesmo bombardear a favela com napalm. inútil. novas favelas se multiplicarão em seu lugar.

o segredo do poder do narcotráfico é sua dupla sustentação em pólos inversos da pirâmide social: as favelas e o sistema financeiro.

o território sem lei das favelas é imprescindível na rede do tráfico. fora do alcance do Estado, os territórios das favelas são as bases a partir da quais a rede começa a se capilarizar, ramificando-se por todo o tecido social. as favelas não são pontos de venda no varejo, funcionam como as grandes centrais de abastecimento.

é esta estratégia de negócio que obriga os traficantes a se armarem. as armas pesadas do tráfico não são utilizadas, prioritariamente, para ações criminosas fora das favelas. e muito menos servem para o enfrentamento com a polícia, com a qual sempre é preferível um "pacto de não agressão" (ou além). o armamento tem como objetivo a manutenção e conquista de território. proteger-se de incursões de facções rivais e dominar outras bases de atuação.

para se legalizar, os lucros astronômicos do narcotráfico passam pelo mesmo circuito do capital financeiro especulativo, beneficiando-se do livre fluxo de capitais em vigor na economia brasileira. são remetidos ao exterior através das contas CC5 e retornam por um fundo offshore, sob o manto de capital estrangeiro.

a maneira mais eficaz de estrangular o crime organizado é cercear suas atividades financeiras de duas maneiras: impedindo a circulação de dinheiro e coibindo as atividades que, de alguma forma, possam estar ligadas ao crime organizado. [2] é preciso tratar penalmente a lavagem de dinheiro com os mesmos instrumentos jurídicos de crimes como o tráfico, mesmo que os crimes correlatos (os que geraram os fundos iniciais) estejam sujeitos a penas pequenas. [3] na medida que o BC amplia enormemente as facilidades para a remessa de dinheiro para o exterior, pratica-se lavagem de dinheiro a céu aberto. pelos dutos que passa o dinheiro frio, passa também o dinheiro de origem criminosa. [4]

a explosão dos mega complexos de favelas é a contrapartida de uma modernização conservadora do latifúndio brasileiro, sob a forma do agronegócio, através de uma selvagem industrialização do campo, que expropriou os moradores das áreas rurais, criando-se um vasto exército industrial de reserva, miserável e favelado. [5]

o caminho para desenvolvimento trilhado pelos atuais países industrializados - de um passado rural e agrícola, para um urbano e industrial - não pode mais ser reproduzido. o contexto histórico se alterou irreversivelmente. o binômio indústria/urbanização foi tributário da existência de colônias, das migrações em larga escala e das guerras mundiais. além disto, hoje as indústrias empregam cada vez menos. [6]

não há saída para as cidades brasileiras sem uma ampla erradicação das favelas. não há rumo para o crescimento economicamente sustentado que não seja através da inclusão social e de um novo ciclo de desenvolvimento rural.

o Brasil necessita de uma economia de guerra.

a chave para destravar o desenvolvimento está nas massas do trabalho informal. são os marginalizados das cidades e das áreas rurais, os bóias-frias e os favelados, que, ao serem incorporadas à economia formal de modo organizado e estratégico, trarão consigo o crescimento.

é na inclusão maciça da periferia das grandes metrópoles brasileiras, implicando na construção de bairros inteiros, escolas, centros de saúde e de capacitação profissional, creches, postos policiais e áreas de lazer, acompanhada da implantação de um modelo agrícola baseado em pequenas unidades produção, mas com uso intensivo de alta tecnologia, é desta economia de guerra, com suas inevitáveis imposições de inovações e criatividade de soluções, que virá o desenvolvimento do Brasil.

nenhum outro país do mundo reúne como o Brasil condições tão favoráveis à criação gradual de uma nova civilização baseada na exploração sistemática do trinômio biodiversidade-biomassas-biotecnologias, estas últimas aplicadas nas duas pontas para aumentar a podutividade das biomassas e abrir o leque dos produtos dela derivados. [7]



[1] Roberto Mangabeira Unger, "Qual o melhor negócio do Brasil?"
[2] Luis Nassif, "O crime organizado e os bancos", 17/05/2006
[3] Luis Nassif, "Um dia de cão", 16/05/2006
[4] Luis Nassif, "O crime organizado e os bancos", 17/05/2006
[5] Wladimir Pomar, "A nova estirpe burguesa"
[6] Ignacy Sachs, "A revolução energética do século XXI "
[7] Ignacy Sachs, "Inclusão social pelo trabalho decente"

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