23/09/2018
a candidatura Bolsonaro presta um imenso e
inédito serviço ao Brasil.
agora está em farrapos o fino, delicado e
transparente véu, com o qual a hipocrisia brasileira sempre pretendeu manter
oculta toda nossa barbárie atávica.
as idéias e os valores dominantes em cada
época são as idéias e os valores da classe dominante naquela mesma época.
seja em qual for a época, a classe dominante
no Brasil nunca deixou de ter idéias e valores racistas, elitistas,
autoritários, machistas, homofóbicos, discriminatórios, preconceituosos,
reacionários e de forte viés fascista.
com Bolsonaro fica exposta a face horrenda da
lumpenburguesia brasileira.
longe de ser um inesperado ponto fora da
curva, Bolsonaro encarna fidedignamente as idéias e valores não apenas do
grande empresariado, como os de seus associados e serviçais.
no Brasil, a quase totalidade das
instituições, durante quase todo o tempo, tem sido o suporte histórico e
inabalável de nossa barbárie: desde as FFAA e o Judiciário até Igrejas,
Associações Empresariais e Profissionais, grande mídia, partidos políticos...
mas a barbárie brasileira não poderia vir de
tão longe, e ainda ser tão presente, caso não estivesse profundamente enraizada
em nosso tecido social, nos corações e mentes não apenas da classe dominante,
mas no próprio povo.
caso não estejam empenhadas num processo de
luta emancipatória, amplas parcelas da população tendem a incorporar as idéias
e os valores dominantes, tornando-se portanto num fator de sua própria
subjugação.
com toda certeza, a maior de todas as nossas
barbáries é a suposição de ser possível superar a barbárie através de algum
"pacto civilizatório" com a própria barbárie.
exatamente este é o imenso, mas não inédito,
desserviço que a candidatura Haddad presta ao Brasil.
mais uma vez se tenta a impossível varredura
para debaixo do tapete, mas a barbárie sempre é demasiadamente presente para
ser apenas ocultada.
tudo aquilo que Bolsonaro revela, Haddad pretende
relevar.
Bolsonaro escancara, Haddad distribui máscaras
e mais máscaras...
Haddad propõe mais um giro em falso em nossa exasperante tradição de
modernizações conservadoras, transições tuteladas, conchavos de cúpula, revoluções
palacianas, acordos de gabinete, pactos entre a elite.
em cada "pacto civilizatório", os
desaparecimentos...
as unhas arrancadas, os olhos vazados, os
testículos esmagados, ratos na vagina, empalamentos no pau-de-arara.
mais mortes violentas do que na guerra civil
na Síria. o perene genocídio do povo pobre e negro. a execução dos travestis. a
opressão das mulheres. o extermínio dos povos originários. o holocausto da
população e da natureza.
no fundo, no fundo, bem lá no fundo, a gente gostaria de ver nossos
problemas resolvidos por decreto. extinto por lei todo o nosso problema,
maldito seja quem olhar pra trás, lá pra trás não há nada, e nada mais.
de pacto civilizatório em pacto civilizatório,
os desaparecidos se amontoam em algum porão renegado de nossas memórias.
mas aos Domingos, como hoje, todos eles, os
desaparecidos e os seus entes queridos, também desaparecidos, saem juntos a passear.
voltam para nos assombrar.
e para nós, apenas sorriem ironicamente.
pois sabem sermos merecedores de cada gota de
sofrimento atroz, que já tivemos, ainda temos e muito ainda teremos por vir.
a dor não desaparecerá por alguma solução
mágica. a dor não pode ser varrida para baixo do tapete, tampouco ficar trancada
nos armários.
esta dor, somos nós. esta dor, é a nossa vida.
nem mesmo com a nossa morte, ela cessará.
Deus já não tem qualquer misericórdia desta
Nação. nenhuma pax nos salvará.
p.s.:
SOBRE D. QUIXOTE E SANCHO PANÇA
Quixote e Sancho Pança sempre foram um o
demônio do outro.
se nas visões de Quixote eram aventuras, Sacho
enxergava apenas delírios. se Quixote sonhava com feitos heróicos, Sancho
aspirava apenas por uma pacata aposentadoria.
Quixote acabou seus dias numa clínica, sedado
por ansiolíticos. Sacho envelheceu prematuramente, consumido pelo fumo e o
alcoolismo.
a desgraça de Quixote não foram suas
fantasias, mas sim o ceticismo de Sancho. ou teria sido ao contrário?
ambos jamais vieram a compreender o óbvio: os
dois personagens nunca deixaram de ser a mesma pessoa.
o engenhoso Cervantes em sua criação literária
para exorcizar seus demônios.
vídeo: Fight Club -
Queimadura química
vídeo: Fight Club -
Raymond K Hessel motivation scene
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