10 outubro 2010



a teoria lulista

 o lulismo já tem sua teoria. [1]

reviradas pelo avesso do avesso, as concessões de Lula aos mercados são apresentadas como impositivas para conquistar o apoio do eleitorado de baixíssima renda. numa metamorfose da servidão voluntária do governo Lula ao capital financeiro em nada mais nada menos que a realização de um completo programa de classe em nome do subproletariado.

ao colocar Lula à frente de uma fração de classe tradicionalmente caudatária dos partidos da ordem, o lulismo pretende executar um programa de combate à desigualdade dentro da ordem. entretanto, trata-se da mesma ordem que reproduz a desigualdade sobre a qual ela própria se funda.

se na teoria o lulismo seria a retomada da combinação de autoridade e proteção aos pobres que Getúlio encarnou, na prática Lula projetou a cultura política para atrás de Vargas, revertendo-a no mínimo à República Velha (1889-1930), com a sua tralha de favores, hoje reforçada pela ampliação capitalista e pelas técnicas de controle sociocultural, monitorando as eleições desde as imagens dos candidatos até o mais recôndito sufrágio. [2]

Vargas fez São Paulo engolir goela abaixo um programa industrializante, reformista e socialmente avançado: [3] formou uma força de trabalho industrial, urbana, organizada. sua outorga de direitos ao trabalhador não gerou uma consciência autônoma, mas não explorou o puro assistencialismo. [4]

ao chegar à Presidência em 2002, Lula era a maior liderança histórica da classe trabalhadora brasileira, nascido das greves operárias e forjado nas organizações de base dos movimentos sociais.

ao final de seus dois mandatos, a  teoria do lulismo reduziu Lula a um nordestino saído das entranhas de um subproletariado, que por ser estruturalmente incapaz tanto de se organizar quanto de se representar, tem antes que ser representado, a partir da Presidência da República, pelo próprio Lula.

numa completa regressão política, o lulismo transmutou Lula em protetor paternal dos pobres, em líder das massas desorganizadas e incapazes de protagonizar, já que atomizadas pela sua inserção no sistema produtivo, necessitam de alguém que possa, desde o alto, receber a projeção de suas aspirações.

nem mesmo na teoria o lulismo é capaz de equacionar suas insuperáveis contradições. ao mesmo tempo se definindo como uma plataforma política de representação de uma certa fração de classe e também como um projeto nacional pluriclassista.

na combinação do Bolsa Família com o Bolsa BNDES, a teoria do lulismo enxerga o ressurgimento da aliança entre a burguesia nacional e o povo, mas não quer ver, e não pode ver, o que significa para a democracia brasileira a formação de duas clientelas governamentais, uma no andar de cima, com recursos para financiar campanhas, outra no andar de baixo, com votos para eleger. [5]

a teoria do lulismo é um ardiloso discurso ideológico que inverte e oculta a realidade concreta de um governo Lula focado em atender os grandes interesses da minoria, mas legitimando-se através de alguns poucos benefícios para a maioria.  

enquanto mantém pacificados os setores dominantes com o tripé fundamental do neoliberalismo (juros altos, elevado superávit primário e câmbio flutuante), o lulismo apazigua a imensa maioria, através das políticas sociais compensatórias: Bolsa Família, recomposição do salário mínimo, crédito consignado.

sob o lulismo, sem que haja qualquer risco de confronto social, nem os pobres deixam de ser pobres, como os ricos se tornam ainda mais ricos...

Bolsa Família, Selic banqueiro e os subsídios do BNDES ao megaempresariado formam a trindade operacional do lulismo: a ideologia do neoliberalismo à brasileira.

[1] André Singer, "Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo" e “A história e seus ardis”
[2] “De casas, pastores e lobos”, Maria Sylvia Carvalho Franco
[3] “O avesso do avesso”, Francisco de Oliveira
[4] “De casas, pastores e lobos”, Maria Sylvia Carvalho Franco
[5] “A outra face do lulo-petismo”, Sérgio Fausto

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