28 outubro 2010

o lulismo e o nosso futuro [1]


algum dia Lula talvez tenha sido um socialista, mas agora é um discípulo de Margaret Thatcher... [2]


se em nos seus 8 anos de governo Lula manteve inalteradas as linhas de conduta do receituário neoliberal,  [3] com juros altos, superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, como explicar que esta macroeconomia da estagnação [4] possa ter gerado a “mobilidade social” celebrada pelo lulismo?

no pátio dos milagres do lulismo todos os sinos repicam, pois através do pacto perverso entre o Bolsa Família e a Selic Banqueiro nasce a redenção dos miseráveis: [5] o paralítico atira para longe as muletas, o coxo se endireita sobre os pés e o cego encara com olhos que resplandecem. [6]

o marketing oficial lulista se ufana do número de pessoas situadas abaixo da linha da pobreza extrema ter caído de 21,3%, em 2003, para 10,5%, em 2008, o que representa mais de 20 milhões de pessoas que saíram do nível de miséria extrema. além disto, outras 31 milhões de pessoas teriam subido para a classe C, ou seja, ascenderam para a classe média. [7]

como se dão os milagres do lulismo?

a pobreza extrema é definida pelo rendimento médio domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo (R$ 127).  uma família de 4 pessoas com renda total de 1 SM ($ 510) está situada nesta faixa e também dentro do perfil para um benefício de até R$ 66 do Bolsa Família. consuma-se então o milagre da redenção dos miseráveis: com uma renda per capita de R$ 144 a linha de pobreza extrema é ultrapassada, muito embora a família continue sendo extremamente pobre...

já para ingressar na "nova classe média" lulista basta ter renda residencial de R$ 1.126 a R$ 4.854. portanto, uma família com cinco membros em que cada um receba metade do salário mínimo já tem seu ingresso garantido nesse tipo de "classe média", [8] mesmo que um rendimento médio domiciliar per capita de até meio salário mínimo seja também definido pobreza absoluta [9]. assim, o que se enxerga como o lado brilhante da pobreza [10] muitas vezes nada mais é que a pobreza absoluta da classe C lulista.

como se dão os milagres do lulismo? milagres sempre celebrados mas nunca realizados...

com a mesma política econômica, no período Lula a economia brasileira obteve um desempenho menos pior do que no período FHC, em razão do grande crescimento da economia mundial e com um melhor balanço de pagamentos do país, a política econômica pôde ser flexibilizada quantitativamente: o pagamento de juros da dívida pública para o capital financeiro pôde ser compatibilizado, momentaneamente, com mais crédito ao consumidor e mais gastos do governo, com a ampliação do Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e dos benefícios da Previdência Social. [11]

o aumento do nível de consumo dos segmentos de menor renda não deve ser identificado com a ampliação da classe média brasileira, a partir de um conceito estatístico, não sociológico, de classes sociais utilizado pelos institutos de pesquisa (classes A, B, C, D e E).  o que ocorreu foi uma redistribuição dos rendimentos do trabalho e uma quase manutenção da distribuição funcional da renda (entre capital e trabalho). [12]

por trás da vagarosa queda do índice de Gini, que mede o desnível entre os que recebem salário, há na realidade uma piora na repartição da riqueza entre o capital e o trabalho. com uma menor desigualdade entre os que vivem do próprio trabalho sendo compensada por um aumento da parcela apropriada pelos capitalistas sob a forma de lucros e dividendos. [13]

enquanto celebra milagres que não se realizam, o lulismo jamais se refere ao resultado real de sua política econômica: milagres às avessas.

considerando entre as moedas de 20 dos principais emergentes, o câmbio real efetivo brasileiro é o que mais se apreciou (88,7%) desde dezembro de 2003, 8% acima de 1998, quando o câmbio era fixo. [14]

a indústria de transformação passou de uma participação de 19,2% no PIB em 2004 para apenas 15,5% em 2009, segundo o IBGE. esse é menor percentual desde 1947 (16%) quando o Brasil ainda era um país agrícola e não possuía nenhuma montadora de automóveis. [15]

conforme estudos do Iedi, o Brasil aparece com um peso da indústria ainda menor (14,4%) no PIB, enquanto na China ela era de 35,4% e na Argentina de 16,8%, em 2008. [16]

de janeiro a junho de 2010, os produtos manufaturados responderam por 40,52% das exportações brasileiras, ao passo que os produtos básicos atingiram 43,38%. é a primeira vez desde 1978 que as exportações de básicos superam as exportações de manufaturados. [17]

em acelerado processo de desnacionalização do nosso parque produtivo, em franca trajetória de reprimarização de nossa pauta de exportações, aprofundando o processo de liberalização financeira e sem nenhuma autonomia na estratégica área de geração de conhecimentos científicos e tecnológicos, que possam atenuar nossa dependência externa, qual  nosso futuro sob o lulismo? que país, afinal, estamos construindo? [18]



[1] André Singer, “O lulismo e o seu futuro”
[2] Rupert Murdoch, 21/10/2020 ("Lula pode ter começado sua vida como um socialista, mas agora é um thatcherista.")

[3] André Singer, “O lulismo e o seu futuro”
[4] Luiz Carlos Bresser-Pereira, “Macroeconomia da Estagnação”
[5] arkx, “os miseráveis”
[6] Victor Hugo, “Notre Dame de Paris”
[7] cartilha de campanha do PT, “O Brasil no rumo certo: governo do PT x PSDB”
[8] Monitor Mercantil, "Nova classe média" aceita até quem ganha 1/2 salário”
[9] André Singer, “O lulismo e o seu futuro”
[10] Marcelo Néri, “A Nova Classe Média”
[11] Luiz Filgueiras, entrevista ao Correio da Cidadania
[12] Luiz Filgueiras, entrevista ao Correio da Cidadania
[13] André Singer, “O lulismo e o seu futuro”
[14] Folha de São Paulo, 29/10/2010
[15] Valor, 19/09/2010, em José Luis Oreiro (http://jlcoreiro.wordpress.com/)
[16] Valor, 19/09/2010, em José Luis Oreiro (http://jlcoreiro.wordpress.com/)
[17] O Globo, 09/08/2010, em José Luis Oreiro (http://jlcoreiro.wordpress.com/)
[18] Paulo Passarinho, “Os Anos Lula”

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