06 outubro 2010







01 Outubro 2010







o espetacular tédio da política como espetáculo






ao fim dos mandatos duplos de FHC e Lula, a brutal desertificação realizada no cenário político brasileiro faz das eleições presidenciais de 2010 a de menor mobilização e participação popular desde a redemocratização do país.

como explicar que, com um Presidente no auge de seus recordes de popularidade e sua candidata em folgada dianteira nas pesquisas, ainda assim não haja qualquer euforia nas ruas?

formulada por marqueteiros bilionários, a política se empobrece, reduzido-se a fórmulas de marketing; extirpada da paixão, a política definha, aprisionada entre gráficos de pesquisas de popularidade e intenção de voto. reduzida a seu aspecto puramente parlamentar e focada no período eleitoral, a política acaba por se converter num espetáculo enfadonho e incapaz de atrair multidões às ruas, ocupadas apenas por militância remunerada.

sem a ânsia por transformação social, a política gira em torno de repetidos escândalos derivados de intensa corrupção, revelando apenas a irrelevância de uma política convertida na luta pelo poder do Estado travada por gangues patrimonialistas [1].

além de aplicar de modo magistral a receita econômica neoliberal, a mesma que fora apenas razoavelmente executada por FHC, Lula finda também por consagrar outro antigo projeto dos tucanos: enfim, uma política sem povo.

não porque definitivamente exclua qualquer possibilidade de participação popular, como no caso do PSDB; e sim por jamais alçar o povo a condição de sujeito da política, mantendo-o objeto de mecanismos assistencialistas com fins eminentemente eleitorais, no que o Bolsa Família lulista tem notável inserção na longa trajetória brasileira da cultura do favor.

nascido da organização de base dos movimentos sociais, o processo de criação do PT demonstra como a emancipação da classe trabalhadora deve ser obra dos próprios trabalhadores.

contudo, após 8 anos de governo Lula, completa-se uma viagem redonda, e o lulismo revira o PT ao avesso do avesso do avesso.

com sua base social num setor de baixíssima renda estruturalmente incapaz de se organizar, e também sem poder se representar, antes tendo que ser representado, [2] não há para lulismo motivo em temer alguma surpresa, como o surgimento de algum raio desde o alto irrompendo no céu azul. [3]

o subproletariado não deixará de obedecer com gratidão aos apelos a ele rogados por Lula: "Minha gente! Não me deixem só! Eu preciso de vocês." [4].



[1] Francisco de Oliveira, “Política numa Era de Indeterminação”
[2] Karl Marx, “O 18 Brumário”
[3] André Singer, "Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo"
[4] Fernando Collor, 2006 (pronunciamento feito durante o processo de impeachment







a ideologia do lulismo neoliberal

“Mas tem um porém: pergunto:
o senhor acredita,
acha fio de verdade nessa parlanda,
de com o demônio se poder tratar pacto?
 Não, não é não?” [1]
                                                               

o discurso ideológico

o discurso ideológico se caracteriza por ocultar a contradição.

através da  existência de lacunas a contradição é suprimida e o discurso ideológico se apresenta como coerente.

para aparentar coerência o discurso ideológico precisa pagar um preço: a existência de “silêncios” que nunca poderão ser preenchidos sob pena de destruir a coerência.

o discurso ideológico se apresenta como coerente porque entre suas “partes” há “vazios” responsáveis pela coerência.  assim, a coerência se dá não apesar das lacunas, mas por causa ou graças às lacunas.

é porque não diz tudo e não pode dizer tudo que o discurso ideológico é poderoso. o discurso ideológico se sustenta porque não pode dizer até o fim aquilo que pretende dizer. pois dissesse tudo, se quebraria por dentro.

ao se preencher todas as lacunas a contradição ressurge e o discurso ideológico é destruído. [2]

“Mas, por fim, eu tomei coragem,
e tudo perguntei:
– O senhor acha que a minha alma eu vendi, pactário?!
Então ele sorriu, o pronto sincero,
e me vale me respondeu:
– Tem cisma não. Pensa para diante.
Comprar ou vender,
às vezes, são as ações que são as quase iguais...”  [3]


a hegemonia

a dominação pelas idéias é muito mais eficaz do que a dominação pela coerção.

a dominação pela visão de mundo, pela cultura, pelo modo de vida acaba por se tornar “senso comum”, sendo assim se impondo como a única alternativa e aceita como “natural” e inevitável.

as idéias dominantes em cada época são as idéias da classe, ou fração de classe, que  domina em cada época. em nossa época são as idéias do neoliberalismo. e as idéias do neoliberalismo são as idéias da fração de classe dominante em nossa época: a burguesia financeira.

as idéias dominantes se impõe não como dominantes, mas como as únicas possíveis! não haveria alternativa, a não ser aquelas apresentadas pelas idéias dominantes.

por isto, a dominação pelas idéias (pela visão de mundo, pela cultura e pelo modo de vida como um todo) é muito mais eficaz do que a dominação pela força.

por isto a dominação pelas idéias é muito mais difícil de ser combatida, porque ela é dissimulada e insidiosa. é uma dominação que não se apresenta como tal. é uma dominação aceita docilmente como fazendo parte da ordem natural das relações sociais.

“O Arrenegado, o Cão, o Cramulhão,
o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo,
 o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape,
o Coisa-Ruim, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá,
o Rapaz,  o Tristonho, o Não-sei-que-diga,
O-que-nunca-se-ri, o Sem-Gracejos...
Pois, não existe!
E, se não existe, como é que se pode se contratar pacto com ele?” [4]


nunca antes neste país houve tanta mistificação

o discurso ideológico lulista é um cortejo triunfante de estatísticas ufanistas para supostamente consagrar “êxitos inigualáveis” do governo Lula.

entretanto,  a arrogante retórica lulista não passa da repetição enfadonha de slogans vazios, cuja falta de conteúdo é dissimulada através de dados descontextualizados.

os números são torturados até confessarem ser a meia-verdade lulista neoliberal a mais óbvia e inquestionável verdade.

através de distorções e de omissões, lulistas neoliberais transformam uma verdade desfavorável na meia-verdade conveniente que os interessa!

o discurso do lulismo neoliberal é ideológico porque é construído com lacunas, para através daquilo que não diz, e não pode dizer, ocultar as contradições que o desmascaram.

o cortejo ufanista de meias-verdades hipócritas

“O ciclo virtuoso está implantado no País.
 O crescimento econômico verificado no governo Lula
 é qualitativamente superior
 ao de qualquer­ outro período da história do Brasil.

Guido Mantega – 05/2007

cada estatística apresentado pelo lulismo neoliberal é apenas uma meia-verdade.

enquanto exibe um lado da verdade favorável a uma defesa do governo Lula, convenientemente oculta a outra metade que o revela como a mais bem sucedida operação conservadora da história do Brasil: um governo dos trabalhadores que executa magistralmente a política dos patrões.

o lulismo neoliberal

a política monetária é a matriz da política econômica e de todas as demais políticas: fiscal, cambial, rendas. mesmo as políticas sociais dependem da política monetária como matriz.

a política econômica neoliberal se baseia num tripé: juros altos, metas de inflação estreitas elevado superávit primário.

exige também um arcabouço jurídico-institucional: principalmente a independência do BC, a Lei de Responsabilidade Fiscal e as desvinculações do orçamento (permitem que se transfira recursos da saúde e da educação para pagamento de juros).

desde a nomeação de Meirelles para o BC, anunciada em Washington em 12/12/2002 após um aperto de mãos com Bush, ainda antes da posse de Lula em seu primeiro mandato, que o atual governo executa intocavelmente a política econômica neoliberal e mantém intacto seu arcabouço jurídico-institucional.

como a política econômica é o cerne do governo, o governo Lula, em seu cerne, que determina todas as suas demais políticas, tem sido neoliberal mesmo desde antes da posse!

políticas sociais compensatórias, como o Bolsa Família, fazem parte do receituário neoliberal. são recomendadas pelo Banco Mundial para mitigarem os efeitos sociais da política econômica neoliberal.

o objetivo é impedir que o aprofundamento do desemprego e da concentração de renda esgarcem o tecido social a ponto causar instabilidade política.

uma comparação de recursos destinados para o Bolsa Família e o pagamento de juros revela que os destinados aos juros são superiores em cerca de 10 vezes.

políticas sociais devem ser o centro da política econômica, e não apenas periféricas.

o governo Lula ao mesmo tempo que lança um Programa de Aceleração do Crescimento mantém inexpugnável um BC que freia a atividade econômica através dos juros altos, compromete o desenvolvimento via apreciação do Real e acentua a desigualdade social pela concentração de renda e desemprego.

em plena crise global do neoliberalismo, no governo Lula:

- o BC é independente;

- a LRF não foi alterada;

- as desvinculações do orçamento prosseguem;

- a Selic tem sido a campeã mundial;

- o superávit primário tem se mantido elevado;

- as metas de inflação continuam estreitas.

- e as políticas sociais compensatórias tem sido aplicadas nos moldes prescritos pelo neoliberalismo.

se isto não é ser neoliberal, o que mais poderia ser?

BC e a taxa de juros

“O fato concreto é que, no Brasil, temos hoje
a menor taxa nominal e real de juros da história do país.“

por 6 anos e meio de governo Lula a Selic foi a maior taxa de juros reais do mundo.

durante todo este período, lulistas sempre afirmaram que Lula não poderia intervir no BC para baixar a Selic, pois a “independência” do BC tinha que ser preservada, para manter a “estabilidade” dos mercados.

lulistas que antes afirmavam ser a política de juros altos de responsabilidade do “BC de Meirelles”, agora pretendem incorporar mais um slogan ao seu marketing político.

o feio filho bastardo dos juros altos do “ BC de Meirelles” é convertido no pródigo e bonito filho da redução da Selic por ordem de Lula!

como toda meia-verdade, lulistas omitem que a Selic prossegue como uma das mais altas taxas de juros reais do mundo!

como toda meia-verdade, lulistas omitem que se Lula mandou reduzir os juros, foi também Lula quem manteve os juros altos!

o discurso ideológico do lulismo neoliberal enfatiza o que favorece o governo enquanto suprime aquilo que o denuncia.

a meia-verdade conveniente ao governo: “temos hoje a menor taxa nominal e real de juros da história do país.“.

o que se oculta e que desmascara o governo:  apesar de temos hoje a menor taxa nominal e real de juros da história do país, a Selic ainda assim permanece como um das mais altas do mundo.

juros reais de 4% ainda são um dos mais altos do mundo, induzindo a movimentos especulativos contra o Real, em virtude das taxas mundiais estarem zeradas ou negativas.

além disto, juros altos induzem a apreciação dos Real, o que prejudica a qualidade da pauta de exportações brasileira. não é sem motivo que as exportações brasileiras estão se reprimarizando (voltando a ser majoritariamente de commodities, com os produtos manufaturados perdendo espaço)

a única garantia para uma taxa de juros compatível com as necessidades de desenvolvimento com inclusão social é incluir na missão do BC a preservação do nível de emprego e do crescimento econômico.

 entretanto, lulistas neoliberais nunca defendem esta mudança no BC, mantendo-o voltado apenas para os interesses do mercado financeiro.

a pretexto de exorcizar falsas expectativas de inflação futura, o BC neoliberal brasileiro tem sistematicamente abortado a retomada do crescimento econômico.

em 2004 o BC o iniciou um ciclo de alta da Selic. como resultado a variação do PIB Brasileiro caiu de 5,7% em 2004 para 2,9% em 2005. a recuperação em 2006, de 3,7%, foi insuficiente para retomar o patamar de crescimento anterior!

em setembro de 2008, o BC elevou a Selic de 13% para 13,75%. e isto mesmo num cenário de uma brutal crise global se acentuando!

taxa de juros reais desalinhada com o restante do mundo induzem a movimentos especulativos contra o Real, provocando apreciação artificial da moeda brasileira. como conseqüência o Brasil se encontra em processo de reprimarização das exportações e desindustrialização da economia.

a verdade sobre a taxa de juros é que enquanto o BC neoliberal de Lula prosseguir adotando o modelo neoliberal de “metas de inflação”, o crescimento da economia brasileira permanecerá refém dos interesses do capital especulativo!

 “metas de inflação”

”No governo Lula, controlar a inflação não é um fim em si mesmo,
mas um meio para se poder implementar políticas pró-crescimento,
pró-distribuição de renda e em favor da redução das desigualdades sociais.”

o modelo de metas de inflação foi baixado por decreto por FHC, em 1999.

de acordo com este modelo o único objetivo institucional da política monetária é o controle da inflação. não há menção a atividade econômica ou emprego.

no decreto, de número 3.088, o artigo 1o reza: “Fica estabelecida, como diretriz para fixação do regime de política monetária, a sistemática de ‘metas de inflação’”. E o art. 2o: “Ao Banco Central do Brasil compete executar as políticas necessárias para cumprimento das metas fixadas.”

trata-se de um instrumento de regulação do Sistema Financeiro, e este não poderia ser regulado a não ser por lei complementar, como está previsto no Art. 192 da Constituição.

o conceito de metas de inflação é produto de um contorcionismo semântico de primeira grandeza.

a melhor das artes de empulhação consiste em dar nomes de senso comum a fatos complexos apenas subentendidos.

o senso comum acha que "metas de inflação" é o que o nome diz, isto é, a simples intenção de se ter uma determinada taxa de inflação no futuro.

por isso, quando se pergunta a alguém se ele é a favor ou contra as "metas de inflação" do Banco Central, a reação imediata é favorável. como ser contra metas de inflação? isso parece tão sensato quanto a "responsabilidade fiscal", outro engodo da demagogia neoliberal.

inflação é uma distorção do equilíbrio da moeda, e ter como alvo uma distorção é como ter um alvo para gripe.

a inflação é apenas uma variável entre as dezenas que se entrecruzam para compor o complexo tecido econômico.

amoldar toda a condução da política econômica em torno de uma única variável é de uma simplificação extrema.

a moeda é apenas uma referência contábil dentro da vida econômica de uma sociedade, e dentro dessa única referência se reduz o que já é uma redução, a moeda, para uma redução ainda menor, a meta de inflação.

custa a crer que alguém possa considerar tal coisa lógica. mas a idéia simplória atrai as mentes simplistas.

entretanto, a contradição semântica não é o aspecto pior do conceito de "metas de inflação".

a utilização deste modelo transforma a inflação, que é consequência e não causa, em eixo central da política econômica, desprezando-se os elementos fundamentais que são emprego e crescimento.

o modelo matemático que está por trás das "metas" não passa de uma engenharia de favorecimento ao capital financeiro, em detrimento do setor produtivo.

crescimento do PIB

o lulismo neoliberal não suporta que se compare o crescimento do PIB brasileiro com o do restante do mundo. pois ao se fazer isto, fica evidente que o desempenho de Lula é apenas medíocre, mesmo contando com condições externas extremamente favoráveis durante seus primeiros 6 anos de mandato.

de 2003 a 2008 o Brasil cresceu a uma média anual de 4,1%, enquanto o mundo cresceu a uma taxa média de 4,4%. países considerados em desenvolvimento experimentaram nesse mesmo período taxas médias de crescimento acima de 8%.

desmascarada sua defesa da performance do governo pela revelação que a estatística em relação ao restante do mundo é desfavorável para Lula, lulistas neoliberais alegam que o desempenho do Brasil só pode ser comparado ao do próprio país.

entretanto, ao se comparar o desempenho do Brasil ao longo da história, também fica também evidenciada a performance medíocre de Lula.

ao se comparar todos os mandatos presidenciais brasileiros desde 1890 até 2006 (o último mandato presidencial concluído) tem-se:

- crescimento do PIB (média):  Lula 3,3% -> Brasil 4,5%;

- hiato de crescimento (diferença entre o crescimento mundial e o do Brasil) : Lula -1,5%(negativo) -> Brasil 1,2%;

- FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo, indica a taxa de investimento produtivo): Lula 3,5% -> Brasil 4,2%.

inconformados com a correta relativização dos dados estatístico em comparação com o próprio Brasil, proposta por eles mesmos, mas que acaba os contradizendo, lulistas neoliberais ponderam que é preciso levar em conta os anos de 2007 e 2008.

entretanto, ao se incluir os PIB de 2007 (5,7%) e 2008 (5,1%) e se considerar a expectativa, otimista, de 0% para 2009, ainda assim a média do segundo mandato de Lula permanece tão medíocre quanto no primeiro mandato: 3,6%.

é assim que nada mais resta para os lulistas neoliberais, a não ser reduzir toda a discussão política ao campo que lhes convém: uma simples e direta comparação com os governos FHC.

 lulistas neoliberais não tem um projeto para o Brasil. seu projeto é meramente eleitoral. por isto reduzem o debate político a uma perene comparação com o período FHC.

superávit primário

a partir de 1999, por imposição das exigências do FMI, o governo federal passou a ser obrigado a realizar o chamado superávit primário – gastar em despesas de manutenção administrativa e em investimentos menos do que se arrecada.

conforme a imposto pelos acordos assinados com o FMI, o superávit primário, em proporção ao PIB, deveria se manter acima de 3%.

apesar de todos essa “responsabilidade fiscal”, quando FHC entrega o governo a Lula, a dívida em títulos públicos, que em janeiro de 1995 era de R$ 62 bilhões, já se situa em torno de astronômicos R$ 700 bilhões!

o governo Lula não apenas manteve a política neoliberal de superávit primário, como se tornou um recordista! o superávit primário de 4,84% em 2005 é o mais elevado registrado.

superávit primário no governo Lula:

2003 : 4,32%;
2004 : 4,60%;
2005 : 4,84%;
2006 : 4,32%;
2007 : 3,98%;
2008 : 4,06%.

em 2008, mesmo com a crise global se acentuando, ainda assim o governo neoliberal de Lula praticou um superávit primário maior do que no ano anterior.

apesar disto, a dívida em títulos públicos ultrapassa a gigantesca cifra de R$ 1,2 trilhão!

para 2009, apesar de todos os indicadores apontarem para a necessidade de remover de uma vez por todos o entulho de FHC, mantido por Lula, a meta de superávit primário foi estipulada em 3,80%.

o superávit primário é apenas um instrumento neoliberal para cercear o crescimento econômico. as medidas corretas para a redução da dívida interna são a combinação da queda dos juros com o crescimento econômico.

participação relativa dos salários no PIB

lulistas costumam apontar o aumento do salário mínimo e estatísticas de geração de empregos para defender o desempenho do governo Lula.

a verdade sobre os salários no governo Lula é que ao se comprar 2002 e 2006, verifica-se que a participação relativa dos salários no PIB se reduziu.

o emprego cresceu 17,6%, o salário real caiu 14,7% e a massa salarial se manteve estável. no período o PIB teve crescimento acumulado de 14,1%.


renda per capita e distribuição funcional de renda

a relação entre a renda per capita do Brasil com a mundial se reduziu de 79,6% em 2002 para 74,8% em 2006.

entre 2003/2006 a renda per capita mundial cresceu a média real de 3,7%. no Brasil cresceu 2,1%

lulistas costumam apontar uma ligeira diminuição do coeficiente de Gini para fundamentar sua defesa que a concentração de renda caiu no Brasil durante o governo Lula.

o coeficiente de Gini é calculado a partir dos dados do PNAD do IBGE (Pesquisa por Amostra de Domicílios).

essa pesquisa subestima a renda do capital (juros e lucros, principalmente) e indica apenas a distribuição dos rendimentos de trabalhadores assalariados e autônomos. expressa portanto, em sua maior parte, uma distribuição intra-salarial de renda.

o que deve ser analisado é a distribuição funcional de renda, reveladora do padrão de desigualdade entre as várias classes sociais.

um dos indicadores da distribuição funcional de renda é a relação entre a salário médio e o PIB per capita.

entre 2003 e 2006, a variação média anual do salário real foi de -2,1% enquanto a do PIB per capita foi de 1,9%.

a perda de -3,9% revela que no primeiro mandato de Lula a distribuição funcional de renda piorou.

superávit comercial

”Lula  acumulou um superávit comercial de US$ 227 Bilhões
 e aumentou as exportações de US$ 60 Bilhões/ano (2002)
para US$ 198 bilhões/ano (2008)
acumulando um crescimento de 230% em 6 anos;”

 um cenário externo favorável fez com que a balança comercial (exportações menos importações) brasileira evoluísse positivamente entre 2002 e 2006.

entretanto, a conta de serviços (juros, remessas de lucros) apresentou no período uma elevação contínua.

a partir de 2007 o cenário externo se altera. além disto, devido as altas taxas internas de juros e uma abertura financeira e comercial extremamente liberal, há um crescimento das importações. por isto, o saldo comercial recua para US$ 40 bilhões e o resultado das transações correntes despenca para US$ 1,5 bilhão.

apesar dos sinais negativos em relação as contas externas, o BC mantém a Selic em 11,25% entre setembro de 2007 e março de 2008, sendo elevada a partir de abril de 2008, até atingir a 13,75% em setembro de 2008.

os resultados são trágicos. as contas externas fecharam 2008 com o recorde deficitário da conta de serviços e rendas de US$ 53 bilhões, puxado especialmente pelas remessas de lucros e dividendos (US$ 33,9 bilhões).

o saldo comercial do país continua em queda vertiginosa, fechando o ano em US$ 24,7 bilhões.

com esses resultados, o déficit das transações correntes em 2008 saltou para US$ 28,3 bilhões, o que nos levará a uma maior dependência de capitais estrangeiros para fechar o rombo externo.

de janeiro a junho deste ano, as exportações de básicos representaram 42% do total exportado pelo país. em 2008 respondiam por 35%.

as vendas de manufaturados seguem o movimento contrário. no primeiro semestre de 2008, respondiam por 48% das vendas internacionais, mas neste ano caíram para 43%.

caso a tendência prossiga, será a primeira inversão na pauta de exportações desde 1978.

a reprimarização das exportações brasileiras tem como uma de sua causas principais a política de juros altos do BC neoliberal de Lula, que induz a movimentos especulativos contra o Real.

como o Brasil segue o receituário neoliberal e não adota controle de fluxo de capitas, o resultado é a apreciação da moeda brasileira, com a conseqüente perda de competitividade internacional e a desindustrialização da economia brasileira.

desindustrialização

"O crescimento econômico verificado no governo Lula é qualitativamente superior ao de qualquer outro período da história do Brasil."

estudos recentes do Iedi apontam sinais de desindustralização da economia brasileira.

hoje, predominam na estrutura industrial setores com vantagens competitivas ligadas à exploração de recursos naturais, uma característica que se acentuou com a grande valorização recente dos preços de commodities, o que levou os ganhos dos setores produtivos associados a esses bens e ampliou seu peso na indústria brasileira.

em síntese, mesmo sendo dotado de um parque industrial amplo e diversificado, verifica-se nos últimos anos um processo de desindustrialização, que é fruto da combinação perversa de taxa de juros elevada e câmbio valorizado. Essa combinação inibe a expansão do investimento e das exportações, corroendo a competitividade e levando a perdas de produtividade na indústria.

o desenvolvimento está associado a uma estrutura produtiva diversificada e voltada para atividades econômicas intensivas em tecnologia como requisito para um crescimento sustentável.

com a política monetária de Lula, pratica pelo BC neoliberal brasileiro, o Brasil progride...em direção ao passado!

paulatinamente voltamos à condição colonial de fornecedores de produtos básicos baratos para o mundo!

financeirização da economia brasileira

" Tivemos, sim, um aumento dos lucros do setor produtivo,
que triplicaram no primeiro mandato de Lula.
E isso mostra que o tal 'privilégio' dado ao setor financeiro
simplesmente não aconteceu. "


com a política monetária de Lula baseada em juros altos e apreciação do Real, as empresas brasileiras perdem competitividade no exterior, prejudicando as exportações que entram em processo de reprimarização.

além disto, como exportadores tem a maior parte de seus custos em R$ e suas receitas são em US$, com a apreciação do Real, os lucros tendem a diminuir.

para compensar as perdas causadas pela apreciação do Real, as empresas passaram a recorrer a operações no mercado financeiro (entre elas o infame swap reverso, oferecido pelo próprio BC!) desviando-se do foco de seu negócio e praticando investimentos puramente especulativos.

com isto, seus lucros passam a vir mais de operações financeiras do que de suas atividades operacionais.

embora as empresas mantenham sua taxa de lucro, a conseqüência é a financeirização da economia brasileira.

numa economia financeirizada há um desalinhamento entre a taxa de lucro e a taxa de investimentos.

em outras palavras: o esperado seria que com a lucratividade ascendente, um sinal de aumento nas vendas e mercado aquecido, a empresa reinvestisse parte do lucro para aumentar a produção, vender mais e manter a alta lucratividade.

porém, como o lucro vem do financeiro e não do operacional, as empresas não tem motivo para reinvestir em aumento da capacidade de produção!

no segundo semestre de 2008, com a inversão da posição cambial e a desvalorização do Real, as empresas amargam pesados prejuízos.

Sadia, Aracruz e Votorantim são apenas os casos mais trágicos, segundo informações do próprio governo, mais de 200 empresas foram duramente atingidas em virtudes de operações no mercado financeiro.

Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)

”A LRF foi uma necessidade gerada pela irresponsabilidade com que os políticos brasileiros administravam os recursos públicos. Somente quem deseja o pior para o país é que pode querer a volta da situação anterior à da existência da LRF. A LRF representou um avanço no controle das finanças públicas "

ao contrário do que o seu nome induz, a LRF não é muito mais de irresponsabilidade social do que de “responsabilidade fiscal”.

a melhor das artes de empulhação consiste em dar nomes de senso comum a fatos complexos apenas subentendidos.

o senso comum acha que "responsabilidade fiscal" é o que o nome diz, isto: responsabilidade com as finanças públicas.

por isso, quando se pergunta a alguém se ele é a favor ou contra uma "Lei de Responsabilidade Fiscal" a reação imediata é favorável.

através da LRF os município e estados são submetidos a política econômica neoliberal do governo federal.

o objetivo da Lei – que não se aplica ao governo federal - é impedir que governadores e prefeitos resistam ao neoliberalismo do governo central.

a LRF, apesar de se denominar de “responsabilidade fiscal”, não impõe nenhum limite ao pagamento de juros”.

lulistas neoliberais defendem a LRF não porque sejam a favor de rigor com os gastos públicos, e sim porque também defendem o interesse dos sistema financeiro.

a LFR foi apresentada por FHC. em sua aprovação, em janeiro de 2000, o PT foi contra em bloco, na Câmara e no Senado. após a aprovação da LRF, o PT ingressou no STF com uma ação de inconstitucionalidade.

velhos tempos em que a LRF era defendida apenas pelos tucanos e neoliberais. hoje, com Lula no governo, são lulistas neoliberais que se encarregam de defendê-la.

lucros astronômicos dos bancos

” Então, como o volume de operações de crédito no país
quase dobrou(de 22% para 43% do PIB)
é claro que os lucros dos bancos cresceram neste processo.”

lulistas neoliberais são defensores dos altos lucros dos bancos. por isto não querem mudanças no BC!

por isto precisam explicar os astronômicos ganhos do sistema bancário por outros motivos que não sejam a Selic e as tarifas bancárias.

a rentabilidade dos bancos não tem sido afetada pelas oscilações da economia brasileira. a única diferença está na fonte de lucros das instituições financeiras. em períodos de menor crescimento e maior instabilidade econômica, os ganhos são inflados pelas operações com títulos públicos, que ficam mais rentáveis com o aumento da taxa básica de juros. com um maior dinamismo da economia, o lucro vem da cobrança de tarifas, impulsionadas pela expansão das operações de crédito.

em 2002, quando as especulações em torno das eleições presidenciais levaram o dólar perto de R$ 4, os principais bancos privados do país tiveram uma rentabilidade sobre patrimônio líquido de 28%. naquela ocasião, a elevada taxa Selic – oscilando em torno de 20% ao ano - favorecia os ganhos com aplicações em títulos públicos. as receitas com operações de tesouraria representavam 34% do faturamento total, enquanto o peso das tarifas era de apenas 11%.

já em 2007, a rentabilidade desse grupo de instituições chegou a 35%, sendo que o peso das tarifas no faturamento subiu para 18%, e os ganhos com tesouraria, ao contrário, caíram para 23% da receita total.

emprego ou desemprego?

“A taxa de desemprego em Dezembro de 2002 foi de 10,5%,
sendo que em Dezembro de 2008 ela estava em 6,8%.
Assim, a taxa de desemprego caiu 35% durante o período 2003/2008.”

"No governo Lula houve geração líquida de 7,7 milhões de empregos formais
entre 2003-2008."

dados sobre o alarmante nível de desemprego, cfe. pesquisa do IBGE para junho de 2009:

desemprego aberto: 8,1%
- sub-emprego (renda inferior a 1 salário mínimo): 17,2%

ou seja, temos ¼ da força de trabalho do país desempregada ou recebendo menos do que 1 SM!

na verdade, cfe. o IBGE, o subemprego (renda inferior a 1 SM) quase dobrou no governo Lula!

- Janeiro/2003 - 9,8%
- Junho/2009 - 17,2%

desemprego e subemprego devem ser avaliados conjuntamente! pois habitualmente há migração de um índice para o outro. sendo que o índice de subemprego, pela metodologia do IBGE que apenas considera o “desemprego aberto”, é tão ou mais importante quanto o índice de desemprego.

a metodologia utilizada pelo IBGE é a de “desemprego aberto”:

“são classificadas como desocupadas na semana de referência as pessoas sem trabalho na semana de referência, mas que estavam disponíveis para assumir um trabalho nessa semana e que tomaram alguma providência efetiva para conseguir trabalho no período de referência de 30 dias, sem terem tido qualquer trabalho ou após terem saído do último trabalho que tiveram nesse período. ”

portanto: não considera as pessoas que simplesmente desistiram de procurar trabalho no período de referência.

desemprego IBGE: 06/2009 = 8,1%

a metodologia utilizada pelo Dieese é mais abrangente.

desemprego aberto: pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum trabalho nos sete últimos dias;

desemprego oculto pelo trabalho precário: pessoas que realizam trabalhos precários - algum trabalho remunerado ocasional de auto-ocupação - ou pessoas que realizam trabalho não-remunerado em ajuda a negócios de parentes e que procuraram mudar de trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista ou que, não tendo procurado neste período, o fizeram sem êxito até 12 meses atrás;

desemprego oculto pelo desalento: pessoas que não possuem trabalho e nem procuraram nos últimos 30 dias anteriores ao da entrevista, por desestímulos do mercado de trabalho ou por circunstâncias fortuitas, mas apresentaram procura efetiva de trabalho nos últimos 12 meses.

desemprego Dieese: 06/2009 – 14,8%

salário mínimo

para junho de 2009, o salário mínimo necessário, de acordo com a Constituição Federal, deveria ser de R$ 2.046. enquanto o presente salário mínimo, uma das jóias máxima do marketing lulista, é de apenas R$ 465.

ao se examinar o salário mínimo ao longo da história (em valores reais cfe.calculado pelo Dieese) se desmascara mais um dos falsos milagres do marketing oficial lulista.

- Vargas = R$ 899,25
- José Linhares = R$ 727,32
- Dutra = R$ 494,03
- Vargas = R$ 829,83
- Café Filho  = R$ 1.274,48
- Nereu Ramos = R$ 1.139,53
- JK = R$ 1.238,17
- Jânio = R$ 1.189,69
- Jango= R$ 1.008,37
- Castelo Branco = R$ 889,05
- Costa e Silva = R$ 718,15
- Junta = R$ 693,83
- Médici = R$ 654,69
- Geisel = R$ 582,91
- Figueiredo = R$ 601,31
- Sarney = R$ 436,48
- Collor = R$ 287,58
- Itamar = R$ 276,21
- FHC = R$ 273,00
- Lula = R$ 375,07


nova classe média

o que é necessário para numa pesquisa sobre mercado de consumo alguém estar nas classes D ou C?

se um morador de uma favela carioca construir mais um cômodo em sua residência e adquirir alguns eletrodomésticos “produzidos na China” ele sai da classe D para a classe C?

se a intenção for de fato analisar o que ocorre no Brasil coma festejada “mobilidade social” ocorrida sob Lula, poderíamos chegar a constatações bastante desalentadoras!

qual a metodologia para a classificação sócio-econômica utilizada no Brasil? o que é preciso para sair da classe D para a C2?

- variáveis selecionadas e pontos cfe. qtde (1-2-3-4)
—————————————————————————
• TV em cores (1-2-3-4)
• vídeo cassete ou DVD (2-2-2-2)
• automóveis (4-7-9-9)
• rádios (1-2-3-4)
• banheiros (4-5-6-7)
• empregadas domésticas (3-4-4-4)
• máquina de lavar roupa (2-2-2-2)
• geladeira e freezer (4-4-4-4)
• nível de instrução do chefe de família (1-2-4-8)

- pontos de corte das classes
——————————————
classe A1 - 42/46 pts.
A2 - 35/41
B1 – 29/34
B2 – 23/28
C1 – 18/22
C2 – 14/17
D – 8/13
E – 0/7

exemplo de classe D com 13 pts
——————---------—————-
• TV em cores (1)
• vídeo cassete ou DVD (0)
• automóveis (0)
• rádios (2)
• banheiros (4)
• empregadas domésticas (0)
• máquina de lavar roupa (0)
• geladeira e freezer (4)
• Nível de instrução do chefe de família (2)

exemplo de classe C2 com 15 pts
——————----------—————-
• TV em cores (1)
• vídeo cassete ou DVD (2)
• automóveis (0)
• rádios (2)
• banheiros (4)
• empregadas domésticas (0)
• máquina de lavar roupa (0)
• geladeira e freezer (4)
• nível de instrução do chefe de família (2)

ou seja:

através de um crediário, adquirindo um eletro-eletrônico “produzido na China”, se dá a “mobilidade social” ocorrida no governo Lula!


“governabilidade”

“Se o próprio demônio, Satanás ele mesmo,  fosse presidente do Senado
e apoiasse o governo Lula,
o PT teria que defender o demônio.”

enfim, todas as máscaras no chão!

se o demônio ele próprio apoiar Lula, o PT, a Esquerda e todos os brasileiros tem que defender o demônio!

após 6 anos e meio de Lula, após Lula trair 23 anos de luta do PT, eis a questão: apoiar ou apoiar o demônio.

faltou explicar o principal: o que levaria o demônio a apoiar Lula? que tipo de pacto Lula fez com o demônio para ser apoiado por ele?

entretanto, em acordos como estes são negociadas a alma do Brasil e as almas de todos nós.

Lula traiu 23 anos de história do PT. Lula traiu o movimento popular. Lula traiu a si próprio. e Lula arrastou a esquerda brasileira, o PT e todas as forças progressistas do país para a uma crise em que a falta de perspectiva é tão cruel que a opção que resta ao lulismo se resume a apoiar ou apoiar o demônio!

sim! existe o lulismo! não se trata mais de apoio político a Lula. não mais se trata de militantes ou simpatizantes do PT. e sim de seguidores de Lula. sem crítica. e sem condições.

para Lula, o grande dilema não é ter vendido sua alma ao diabo. e sim não ter absoluta certeza se o diabo efetivou a compra.

no rumo para 2010, o que vemos agora, com Sarney se tornando a “garantia de estabilidade”, é apenas o inicio.

Lula, e com ele o PT e a política brasileira, vão descer ao fundo do fundo do fundo do poço.

mais uma derrota que Lula impõe a democracia. mais e mais Lula se torna o grande neo-coronel. mais uma descaracterização que Lula impõe ao PT. mais e mais o PT se converte no neo-PMDB. mais uma infantilização e regressão do debate político. mais e mais a discussão política se reduz a um embate entre os seguidores e os que execram Lula.

mais distante o Brasil de se tornar uma nação. mais e mais nos tornamos um Estado disputado por gangues patrimonialistas.

mais distante de qualquer proposta para 2010. mais e mais estamos pautados por acordos fisiológicos voltados exclusivamente a manutenção do poder.

que percamos todos nós todas as esperanças. e quem quiser que apoie Sarney. ou até mesmo o demônio. não haverá nenhuma misericórdia para nenhum de nós. cada um por si. Deus contra todos. e que ninguém se salve.

“Ou então – será que pode também ser que, quando um tem noção de resolver a vender a alma sua, que é porque ela já estava dada vendida, sem se saber; e a pessoa sujeita está só é certificando o regular dalgum velho trato – que já se vendeu aos poucos, faz tempo?
Todos não vendem? Digo ao senhor: o diabo não existe, não há, e a ele eu
vendi a alma… Meu medo é este. A quem vendi? Medo meu é este, meu senhor: então, a alma, a gente vende, só, é sem nenhum comprador”[1]


a grande tragédia política brasileira

lulistas cometem um erro. um erro de conseqüências catastróficas para o Brasil.

o erro catastrófico dos lulistas não está, de modo algum, em apoiar Lula. não há nenhum problema no apoio a Lula. e muito menos em defender o governo. e menos ainda em evitar qualquer possibilidade de volta dos tucanos.

o erro catastrófico dos lulistas está em apoiar a política econômica neoliberal que Lula herdou e de FHC e mantém até hoje!

FHC pretendia desenvolver o Brasil às custas de investimentos externos. o resultado foi que o governo FHC se tornou um dos períodos mais medíocres da história brasileira no que tange a desenvolvimento e inclusão social.

Lula pretende desenvolver o Brasil mantendo intocado o cerne neoliberal da economia.

mas não há qualquer conciliação possível entre desenvolvimento com inclusão social e neoliberalismo.

e o neoliberalismo na economia se traduz em: juros altos, utilização da taxa de juros como único instrumento para controlar a inflação, BC independente da missão se preservar o emprego e o crescimento econômico, regime de metas de inflação, superávit primário, livre fluxo de capitais, LRF, DRU...

mantido os fundamentos neoliberais (como até o momento nos dois governo de Lula), alguns avanços pontuais podem ser obtidos, mas no geral não haverá desenvolvimento. e muito menos inclusão social.

lulistas que defendem desenvolvimento com inclusão social deveriam ser os primeiros a propor e defender mudanças na política econômica.

este é o erro catastrófico dos lulistas: fazer coincidir seu apoio a Lula com um apoio automático à política neoliberal de Lula.






[1] Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”
[2] Marilena Chauí, “Crítica e Ideologia”
[3] Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”
[4] Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”


22 Maio 2009







história do futuro


as grandes crises financeiras internacionais, ao provocarem rupturas estruturais na economia mundial, criaram para o Brasil oportunidades de mudança que marcam épocas históricas. [1]

assim foi no final do século 19, com a abolição da escravidão, e também na década de 30, quando se iniciou a industrialização acelerada do Brasil.

do mesmo modo, são igualmente extraordinárias as chances geradas pela atual crise global para um avanço relativo do Brasil, algo que provavelmente não ocorrerá de novo nesta ou na próxima geração.[2]

se o redesenho mundial dos mercados abre espaços, estes rapidamente serão reocupados. para o Brasil não desperdiçar o momento é preciso ter rumo e estratégia.

qual o rumo que se alinha com a oportunidade atual e ao mesmo tempo atende a demanda da história brasileira?

sob qual bandeira se reuniriam trabalhadores e desempregados, autônomos e profissionais liberais, pequenos e médios empresários e possivelmente muitos setores do grande capital?

alguma proposta formaria um arco tão amplo que abrangesse desde o MST, passando pelas Centrais Sindicais e setores progressistas da igreja, movimentos sociais e ONGs, até partidos de extrema-esquerda, o PT até algumas parcelas do PSDB e do PMDB?

qual agenda seria ao mesmo tempo de âmbito nacional mas com aplicação regional e mesmo pontual, reunindo esforços dos executivos nacional, estadual e municipal?

que perspectiva direcionaria a intelectualidade, as universidades, os centros de pesquisa e produção de conhecimento, a blogosfera e a web brasileira para convergirem como inteligência coletiva na criação de uma teoria para o Brasil do século XXI?

existiria algum objetivo tão claro e necessário que não deixasse dúvidas quanto a sua necessidade de implementação e ao mesmo tempo fosse tão mobilizador que catalisasse a paixão e os esforços do povo brasileiro?

possivelmente, a única resposta vem a ser: desenvolvimento com inclusão social!

para o Brasil seguir no rumo do desenvolvimento com inclusão social é preciso evitar que a pauta das eleições de 2010 seja capturada pelo curto-circuito da oposição binária entre lulistas e anti-lulistas, e trazer ao primeiro plano o debate sobre um projeto estratégico nacional para o Brasil do seculo XXI, dentro da perspectiva aberta pela atual crise global.

até o próprio destino parece conspirar neste sentido, ao inserir numa disputa aparentemente definida entre Dilma e Serra o fator da incerteza e as questões da complexidade.

para assumir nosso destino de grande nação, compatível com nosso território, nossos recursos naturais, nossa população e a riqueza e o vigor de nossa cultura, o Brasil necessariamente passará por um processo de amadurecimento, envolvendo o país e a sociedade, as instituições e as empresas, os partidos políticos e os movimentos sociais: todos nós e cada um de nós, coletiva e individualmente envolvidos na construção nacional.

se já não mais admite um retorno ao neoliberalismo tucano, o Brasil precisa definitivamente avançar para o pós-Lula.

não mais podemos deixar de reconhecer a contradição fundamental bloqueando o desenvolvimento brasileiro: o B





C de Meirelles, que banca uma política monetária contracionista, com a Selic induzindo a apreciação cambial que nos mantém sob perene ameaça de vulnerabilidade externa.


não mais podemos nos omitir frente ao crime organizado, que se imiscuiu nos três poderes e é hoje o principal financiador da injustiça no Brasil, tão obscenamente simbolizado pelo STF de Gilmar Mendes.

não mais podemos deixar de compreender como a política econômica e o crime organizado estão intrinsecamente relacionados, posto que o livre fluxo de capitais permite ao dinheiro sujo do narcotráfico, da corrupção, das sonegações e de todo tipo de negócios ilícitos sair impune do país e retornar maquiado de “investimento estrangeiro”, para ser remunerado pela maior taxa de juros reais do mundo.

não mais podemos ignorar que a força inexpugnável mantendo Lula inatingível e com popularidade recorde vem do que Lula simboliza: a ascensão de um homem do povo e das massas populares à condição de protagonistas da política. mas que é preciso reconciliar o protagonismo simbólico com a realidade concreta de um projeto de desenvolvimento fundado na democracia com participação popular e impulsionado por maciça inclusão social.

a história do futuro se escreve agora. discursos sem visão de futuro são apenas palavras. quando se tem visão de futuro, os discursos se tornam profecias. [3]podemos fazer com que as profecias se realizem?
somos capazes de aceitar o desafio de planejar estrategicamente nosso futuro?

como nunca antes na história deste país, nossa chance enquanto povo e nação não mais está em poder das elites e sim em nossas próprias mãos. só nós mesmos podemos impedir que ela escorra por entre nossos dedos.




[1] Yoshiaki Nakano, “Remover o entulho”, 17/05/2009
[2] Paulo Rabello de Castro, “O Brasil e a crise: a ficha ainda não caiu”, 11/02/2009
[3] Antonio Vieira, “Sermão da Terceira Dominga do Advento”, 
“Os discursos de que não viu, são discursos. Os discursos de quem viu, são profecias.”



25 Abril 2009










my sweet Lady Jane [1]

oh, minha doce Lady! fiz tudo que podia. agora tenho que ir. tenho um compromisso. acabou-se, meu amor. sua hora chegou. eu lhe havia jurado lealdade. estimo suas melhoras. mas já caíram as areias da ampulheta. para você... e para mim... 
 [2]

por que adoecemos?

o que é esta doença em mim me assolando como vingança cruel?

acidente ou destino?

um mal invasor a ser combatido com todas as forças de nosso ser?

ou na doença deveríamos reconhecer nós mesmos? nossa perversa face nos encarando com escárnio enquanto ao mesmo tempo nos suplica pela cura.

é a doença quem cura a doença?

ou o que nos cura são medicamentos, máquinas, operações, transplantes? nossa cura é dependente e tributária dos altos lucros da indústria farmacêutica?

afinal, temos ou não cura? seríamos todos nós, e a sociedade que criamos, absolutamente incuráveis? somos nós mesmos a doença que não pode ser curada?

doenças pessoais podem ser sintomas de doenças coletivas? sociedades também ficam doentes? é possível permanecer sadio em sociedades doentes? a doença é uma metáfora?

quem de nós não precisa de tratamento? de um jeito ou de outro...

mas que merda!

pobres de nós. pobres de nós brasileiros. pobre país. tantas lágrimas ainda. tanto sofrimento desnecessário.

a tortura de estarmos aprisionados entre o tormento de dois mundos. a maldição de um definitivamente morto, mas que não somos capazes de enterrar. e as dores abençoadas do parto daquele que luta por nascer, sem ainda o conseguirmos trazer à luz. 
 [3]

uma exasperante travessia consumindo gerações. vidas inteiras que podiam ter sido e que não foram. fazer o quê por ti Brasil, se a única coisa a fazer é tocar um tango argentino... 
 [4]

ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de brasileiros! quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu. 
 [5]

se então é neste abismo que devemos nos atirar, que nele nos joguemos todos de uma só vez. agora. já. para que nos tornemos todos companheiros em nossa jornada coletiva de cura. para que do fundo do abismo possamos enfim emergir em direção ao céu.

ah, Lady Jane! eu sinto o gosto dos esgotos no chão. sob essas catedrais. sob essa escuridão. os edifícios tem de cair. ah, Lady Jane! toda essa terra vai se consumir. com os seus mistérios. como uma fogueira. vai queimar. ah, Lady Jane! eu tive um sonho estranho. de morte. e vida. 
 [6]

seja feita a vossa vontade.
 




[1] Joana Grey, conhecida como Lady Jane, foi Rainha da Inglaterra por cerca de nove dias, mas não chegou a ser coroada e morreu executada por traição.
[2]Rolling Stones, “Lady Jane”
[3] Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil”
[4] Manoel Bandeira, “Pneumotórax”
[5]Fernando Pessoa, “Mar Português”
[6] A Barca do Sol, “Lady Jane”







11 Março 2009










nas asas da Embraer

em 1943, quando o Brasil não fabricava sequer bicicletas e mesmo os vasos sanitários eram importados, [1] um visionário, dos que sabem da necessidade de manter os pés solidamente apoiados no chão para concretizar o sonho de voar, começou a dar asas ao futuro da aviação brasileira.

convicto do que mais engrandece uma nação é o conhecimento que ela detém [2], em 1950 Casemiro Montenegro Filho cria o ITA e o CTA [3], e pessoalmente se encarrega de motivar os alunos conclamando-os a um dia implantarem a indústria aeronáutica no Brasil. [4]

segundo a concepção do plano idealizado por Montenegro, quando nos laboratórios houvesse produtos com potencial de comercialização, seriam fundadas empresas. em 1969 toma forma o avião “Bandeirante” para linhas regionais, e é criada a Embraer. [5]

nascida indissociavelmente integrada a um projeto de desenvolvimento nacional, a Embraer que agora promove uma demissão em massa, 20% do quadro pessoal [6], tornou-se uma empresa com uma visão de futuro atrelada à demanda internacional por jatinhos executivos. antes da crise global, a empresa pretendia que aviões deste tipo viessem a representar 20% do total de suas vendas.

enquanto o Brasil tem toda uma aviação regional para desenvolver, a americana Robb Report, espécie de bíblia mundial dos artigos de luxo, elegeu o "Phenom 100" o melhor jato executivo do planeta em seu 20º anuário The Best of the Best, destacando como um dos pontos mais cativantes do avião o seu bagageiro capaz de acomodar com facilidade sacolas de tacos de golfe e esquis. [7]

apesar de atribuir as demissões como decorrência da crise que afeta a economia global [8], a previsão de entregas em 2009, mesmo reduzida de iniciais 270 para 242 unidades, representa ainda assim um aumento expressivo em relação a 2007 (169 aviões) e 2008 (204). [9]

como outras empresas induzidas à financeirização pela política cambial do BC, a Embraer apostou parte dos seus lucros especulando em moeda estrangeira e teve perdas de R$ 177 milhões no 3º trimestre, valor equivalente ao custo anual com os salários dos 4.270 demitidos. [10]

além disto, o Presidente da Embraer e mais nove diretores executivos, os onze membros do Conselho de Administração e os cinco membros do Conselho Fiscal, receberam juntos uma bonificação de R$ 50 milhões em 2008. em média, os acionistas da Embraer ficam com cerca de 60% do lucro da empresa (em 2007, do lucro de R$ 657 milhões, R$ 448 milhões foram para os acionistas) uma taxa altíssima indicando que os investimentos não são prioridade. [11]

em 2006, a empresa faturou 8,2 bilhões de reais. em 2007, foram 9,9 bilhões de reais. em 2008, a estimativa é que o valor totalize cerca de R$ 10 bilhões. ou seja, os últimos anos são de resultados recordes. a Embraer também dispõe cerca de R$ 3,6 bilhões em caixa, valor suficiente para bancar a folha de pagamento de todos os seus funcionários no mundo por dois anos, período que a empresa diz que durará a crise no setor. [12]

a posição acionária da Embraer mostra que 19,27% estão distribuídos entre a Previ (13,92%) [13], BNDESPar (5,05%) e a Golden Share do governo(0,3%) [14] [15], o que politicamente dá ao governo instrumentos para participar do comando da empresa. por outro lado, 51,7% são de capitais internacionais, deixando uma empresa estratégica para o desenvolvimento nacional sob controle externo.

privatizada em 1994 por Itamar Franco pelo valor irrisório de R$ 154 milhões, a Embraer já recebeu do BNDES, 
em financiamentos às exportações da empresa desde 1997, um total de US$ 8,39 bilhões, o equivalente a 44 vezes seu valor de venda, considerando uma paridade dólar/real de 1 para 1. [16] apesar disto,NDES não tem representação no Conselho de Administração.

como forma de forçar a empresa a rever as demissões, o BNDES deveria usar seu poder de agente financeiro para obrigara Embraer a comprar insumos, componentes e equipamentos no Brasil. assim se criaria uma cadeia produtiva em torno da Embraer, promovendo micro, pequenas e médias empresas à condição de fornecedoras da empresa. atualmente, cerca de 95% do faturamento da Embraer é de peças, partes e componentes importados. nem o tecido das poltronas dos aviões é produzido no Brasil. isso é um disparate e uma distorção. o Estado precisa reassumir seu papel ativo no setor aeroespacial e tomar nas suas mãos as rédeas da Embraer. [17]

precisamos de um projeto de nação, não de um projeto de empresas para o mercado. com um projeto de nação o atendimento das demandas do mercado será uma consequência e não uma condição para o desenvolvimento. planejamento, visão de longo prazo e defesa da nossa soberania são os fundamentos sobre os quais se constrói um projeto de nação. nada disso é preocupação do mercado. [18]

embora tenha reagido a princípio com irritação e indignação frente as demissões, Lula desistiu de pedir à empresa para rever os cortes, 
 
após uma reunião com a Diretoria da Embraer, segundo o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, os argumentos da Embraer foram consistentes e o Presidente se convenceu ser uma questão de demanda determinada pelo mercado externo.

Miguel Jorge também deixou claro que o governo não pode fazer nada a mais pelos 4.200 desempregados: 
 “- O governo não pode fazer mais por estas pessoas além do que é feito para outros dispensados.”

em 2006, a Embraer compôs o seleto grupo dos 12 maiores doadores de recursos para a campanha presidencial do PT, contribuindo com R$ 1,3 milhão. [19]

as asas da Embraer são o sonho de um brasileiro visionário que vislumbrou na indústria aeronáutica um meio do Brasil voar em direção ao desenvolvimento. para que o sonho continue voando, é preciso reestatizar a Embraer.
 





[1] Fernando Morais, “Montenegro – as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil” 
[2] Marechal-do-Ar Casemiro Montenegro Filho 
[3] ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e CTA (a partir de 1969, Centro Técnico Aeroespacial) 
[4] Major-Brigadeiro-Engenheiro Tércio Pacitti, ex-reitor do ITA, em seu livro "Do Fortran à Internet" 
[5] Wikipédia, http://pt.wikipedia.org/wiki/História_do_ITA 
[6] 19/02/2009, Embraer demite 4.200 funcionários, o equivalente a 20% do quadro de pessoal 
[7] “Embraer é a melhor em jatos executivos, diz "bíblia" mundial do luxo”, 02/07/2008 
[8] “A Embraer informa que, como decorrênciada crise sem precedentes que afeta a economia global, em particular o setor de transporte aéreo, tornou-se inevitável efetivar uma revisão de sua base de custos e de seu efetivo de pessoal, adequando-os à nova realidade de demanda por aeronaves comerciais e executivas.” [...] “a Empresa depende fundamentalmente do mercado externo e do desempenho da economia global – mais de 90% de suas receitas são provenientes de exportações”, Comunicado Embraer, 19/02/2009 
[9] Gilberto Maringoni, “As demissões na Embraer” 
[10] Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos, “A verdade sobre a Embraer” 
[11] Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos, “A verdade sobre a Embraer” 
[12] Sindicato dos Metalúrgicos de S. José dos Campos, “A verdade sobre a Embraer” 
[13] Previ, Fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil 
[14] Janus Capital Management (10,24%), grupo Bozano (7,64%), Oppenheimer Funds (6,04%), Thornburg Investment (5,27%.), ADR (29,39%), Bovespa (19,86%) http://www.bovespa.com.br/Empresas/InformacoesEmpresas/ExecutaAcaoConsultaInfoEmp.asp?CodCVM=20087 
[15] criada com a privatização, a Golden Share dá ao governo direito de veto em relação à mudança de denominação da companhia ou de seu objeto social; alteração e/ou aplicação da logomarca; criação e/ou alteração de programas militares, que envolvam ou não a República Federativa do Brasil; capacitação de terceiros em tecnologia para programas militares; interrupção de fornecimento de peças de manutenção e reposição de aeronaves militares e a transferência do controle acionário da companhia. 
[16] Gilberto Maringoni, “As demissões na Embraer” 
[17] Angelo, comentário no Blog do Nassif, no post “Propostas para a Embraer“, 25/02/2009 
[18] Angelo, comentário no Blog do Nassif, no post “Propostas para a Embraer“, 25/02/2009 
[19] Contas Abertas, baseado em dados do TSE - http://contasabertas.uol.com.br/noticias/imagens/Comite_Fin_Nac_Pres_Rep_PT_RESUMO.xls







08 Março 2009










às ruas

a divulgação dos primeiros resultados do desempenho da economia brasileira no início de 2009 [1] indicam que a marolinha provocada pela crise internacional atinge o país com a força devastadora de um tsunami. [2]

enquanto a popularidade de Lula prossegue se dilatando em recordes sucessivos [3], mesmo entre notícias de retração econômica e demissões em massa [4], as oligarquias brasileiras - herdeiras de uma longa história de autoritarismo e subordinação a interesses externos - ensaiam através da grande mídia uma revisão histórica da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. [5]

apesar de todas as concessões de Lula, desde a blindagem neoliberal do BC até submeter-se as ingerências do STF, os setores dominantes brasileiros são perenemente refratários a um governo popular que pretenda conduzir o país no rumo do desenvolvimento com inclusão social.

num cenário da mais grave e profunda crise internacional desde 1929, até mesmo o Diretório Nacional do PT, que não se notabiliza exatamente por seu radicalismo, reconhece a necessidade de transformar a oportunidade para acelerar a transição em direção a outro modelo econômico-social. [6]
um agravamento da crise econômica, com recessão prolongada e alto desemprego, conduzirá a inevitáveis impactos políticos, podendo enfraquecer a popularidade de Lula, até agora o inexpugnável bastião que neutralizou todas as tentativas de desestabilização do governo.

mais do que apenas o horizonte das eleições de 2010 e uma aglutinação em torno da candidatura de Serra, o resgate nostálgico da “ditabranda” [7] vem a ser o ninho ideológico do ovo da serpente para tentar provocar uma crise institucional, caso haja acentuada queda de popularidade de Lula em virtude da crise econômica.

entretanto, a mesma popularidade que imuniza o governo dos ataques da oposição conservadora, mantém Lula paralisado num giro imobilista em torno de si mesmo.

sem a queda da bastilha da Selic e a derrubada da ditadura do Copom, o Bolsa Família se reduz a medida compensatória do alto desemprego gerado pela política monetária contracionista, e o PAC se torna insuficiente para acelerar um crescimento freiado pela maior taxa de juros reais do mundo.

no auge de seu poder, o qual jamais chega a exercer de fato, Lula investe seu capital político na ressurreição dos mortos-vivos, como a vitória de Collor para Comissão de Infraestrutura do Senado, [8] e em propor a estatização dos bancos, só que os dos exterior. [9]

até mesmo para economistas conservadores a ficha já caiu, reconhecem as extraordinárias oportunidades abertas pela crise global para um avanço relativo do Brasil, algo que provavelmente não ocorrerá de novo nesta ou na próxima geração. [10]

com o epicentro da crise no coração do sistema, fazendo com que os EUA sejam obrigados a lamberem suas próprias feridas, abre-se uma fresta histórica. ao contrário de 1930 e Getúlio Vargas, 1950 e JK e 1964 e a ditadura militar, que foram modernizações conservadoras e encaminhas pela cúpula, Brasil se vê com a inédita possibilidade de um arranque do desenvolvimento induzido pela base social para mudar a economia e a sociedade. [11]

apanhados numa das encruzilhadas perigosas da história, é o próprio país quem nos encara nos olhos, perguntando: “afinal, o que vocês são? o que querem ser? tem sentido existir Brasil? qual Brasil?” [12]

como em todos os grandes momentos decisivos quandoo futuro bate às nossas portas, a resposta ao desafio, se alguma houver, só será encontrada nas ruas.
 




[1] produção industrial recua 17,2% em janeiro de 2009, o pior resultado desde o Plano Collor, em 1990
[2]“Lá [nos EUA], ela é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar.”, Lula, 04/10/2008
[3] segundo pesquisa CNT/Sensus, divulgada em 03/02/2009, a aprovação ao presidente Lula passou de 80,3%, em dezembro de 2008, para 84% em janeiro de 2009.
[4] fevereiro de 2009: Embraer promove a maior demissão que uma empresa privada já fez no país: 4.270 funcionários, 20% de sua força de trabalho.
[5] editorial da Folha de São Paulo, “Limites a Chávez”, 17/02/2009, e Marco Antonio Villa, “Ditadura à brasileira”, 05/03/2009
[6] Diretório Nacional do PT, “Resolução do PT: É hora de aprofundar as mudanças e de fazer o embate ideológico”, 10/02/2009
[7] “[...]as chamadas "ditabrandas" -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça [...]”, editorial da Folha de São Paulo, “Limites a Chávez”, 17/02/2009
[8] "Os votos que elegeram Collor foram os votos que elegeram Sarney. Não vejo isso com surpresa. E [vamos] fazer disso uma boa salada.”, Lula, 06/03/2009
[9] "Será que os países ricos vão continuar apenas colocando dinheiro com o intuito de salvar bancos ou será que alguns países terão coragem, sem medo da palavra, de estatizar os banco [...].”, Lula, 06/03/2009
[10] Paulo Rabello de Castro, “O Brasil e a crise: a ficha ainda não caiu”, 11/02/2009
[11] "Vargas redefiniu o país na crise de 30; a chance é que o PT faça o mesmo na primeira grande crise da globalização", Carta Maior, entrevista de Francisco de Oliveira, 06/01/2009
[12] César Benjamin, “Uma certa idéia de Brasil”







31 Dezembro 2008










a nossa cara

muito embora garantisse em entrevista que Paulo Lacerda poderia retornar ao comando da Abin quando quisesse [1], Lula acaba afastando-o definitivamente. [2]
 


em mais uma patética tentativa de varrer para debaixo do tapete os elefantes de seu governo, Lula dá prosseguimento a estratégia de demolição controlada da Operação Satiagraha.

Tarso e Dilma são os arautos de uma das mais peculiares realizações do governo Lula: nos bicos das galinhas nascem dentes, para despedaçar com voracidade o que resta de justiça no Brasil. [3]
o maior esquema de crime organizado já surgido no Brasil opera livre e os que zelam pela justiça são perseguidos e afastados.

enquanto a máscara cai e fica exposta a verdadeira face do governo, a reação da opinião pública obedece a um mesmo recorrente padrão.

inicialmente, parte dos que apóiam o governo ficam indignados; outra parte, ainda assim, persiste no autoengano, desde não aceitar a veracidade da notícia até a irrestrita confiança numa paciência infinita para aguardar que tudo se esclareça num futuro próximo, o qual jamais se torna presente.

num segundo momento, muitos dos indignados também recaem no autoengano. surgem várias explicações para sustentar o estado de negação. desde a aparente capitulação do governo não passar de complexos movimentos do xadrez político, até uma cínica resignação de não restar para Lula outra opção além de submeter-se voluntariamente a Direita, senão acabará derrubado por ela.

em sânscrito, Satigraha significa “firmeza em busca da verdade”. ao ser conhecida, a verdade libertará. [4] mas quanta verdade o Brasil ainda pode suportar? [5]

vivemos em tempos sombrios. aquele que ainda ri é porque ainda não foi capaz de aceitar a terrível notícia. [6]

enquanto atende minimamente as demandas dos desfavorecidos e submete-se a quase totalidade das exigências dos poderosos, Lula faz aquilo que as classes dominantes nunca imaginaram que aconteceria: realiza magistralmente o que o governo FHC fez apenas razoavelmente bem. [7]

como na crise do mensalão, em que da própria carne foram cortados Delúbio, Silvinho, Genoíno, Gushiken, Dirceu e Palocci, mais uma vez Lula não recusa a ceder dedos e anéis, mão, membros, tronco e cabeça. apesar de manter a coroa, cada vez mais se limita a presidir apenas o Bolsa Família. [8]

situações limites são reveladoras e podem conduzir a um salto de maturidade e de crescimento, para além da paralisadora divisão entre a ilusão estéril do autoengano e uma indignação impotente. o apoio incondicional ao governo Lula, hipotecado sem exigir nenhuma contrapartida, o subprime político brasileiro.

as consequências passam pela continuidade nos seis anos de mandato da política monetária dos mercados financeiros, cujo resultado é a perene maior taxa de juros reais do mundo, para gerar o mais grave de todos os problemas: a desmobilização e regressão do poder de pressão popular.

em suas características atuais, em que a crítica ao governo é desqualificada por supostamente fazer “o jogo da Direita”, o apoio a Lula é a principal causa da inércia do governo.

se o índice de popularidade recorde do governo não se reciclar em apoio e cobrança de um projeto de nação, Lula jamais atravessará o Rubicão, pois governo algum se move, a não ser empurrado pela pressão popular.

por outro lado, modelo de governabilidade montado por Lula é incompatível com as necessidades de um projeto de construção nacional, pois foi moldado unicamente através de acordos pela cúpula, conduzindo o governo a seguidos impasses políticos, tornando-o refém de si próprio.

qual a melhor escolha para o Brasil: a conciliação ampla ou o enfrentamento exaustivo? [9]

há dois tipos de consenso e conciliação.

um tipo é quando a conciliação é considerada uma premissa. todos os esforços são determinados por ela e em direção a ela. geralmente é feita pela cúpula e na cúpula. um consenso frágil e uma conciliação oportunista. os resultados políticos obtidos quase sempre são dúbios e inconsistentes.

outro tipo de conciliação é aquela produzida por um exaustivo processo de enfrentamento. não um enfretamento suicida. mas um enfrentamento consciente que se paute pelo constante desequilíbrio da dinâmica da correlação de forças. um árduo movimento de crescimento e maturação, gerando condições para, então, nascer o consenso. um consenso construído na luta: uma conquista e não uma capitulação.

no primeiro caso a conciliação precede e se impõe ao processo de construção do consenso.

no segundo, é através dos enfrentamentos inerentes ao processo de construção do consenso que se forja uma conciliação.

agora mais uma vez exposto em sua cara lavada, este governo Lula é também a expressão do grau de desenvolvimento político da sociedade brasileira.

a sociedade somos nós. portanto, este governo Lula tem a nossa cara. mas não a cara de cada um de nós individualmente. e sim a cara de todos nós coletivamente.

é ao se auto-organizar que a sociedade muda a si própria.

é de dentro prá fora
é de baixo prá cima
o que está cima está embaixo
o que está embaixo está em cima




[1] “Se o Paulo Lacerda não tiver culpa no cartório, o Paulo Lacerda é um profissional do Estado brasileiro da mais alta competência. Pode voltar a hora que quiser depois que for terminada essa investigação”, em entrevista de inauguração da TV Brasil, 17/09/2008
[2] afastado desde 01/09/2008, Paulo Lacerda é exonerado do cargo e indicado o posto de “adido policial”, na Embaixada de Lisboa, 29/12/2008
[3] blog do Luis Nassif, “Dilma explica”, 17/09/2008
[4] João 8:32
[5] Nietzsche,
“Quanta verdade pode um espírito suportar?”, Ecce Homo
[6] Bertold Brecht, “Tempos Sombrios”
[7] Ricardo Antunes, entrevista ao Correio da Cidadania, 08/04/2008
[8] Paulo Henrique Amorim, “Golpe já deu certo: Eisenhower manda na CIA, 04/09/2008
[9] Felipe Guerra de Oliveira, Comunidade do Blog do Luis Nassif, 23/12/2008







28 Setembro 2008










o texto somos nós [1]

um texto não é uma sequência linear de palavras, mas uma amplidão infinita de dimensões múltiplas, onde se entrelaçam, e também se chocam, muitos outros textos, nenhum dos quais é original.

um texto sempre é um tecido de citações. palavras só podem explicar-se através de outras palavras.

a única criatividade de um texto é seu poder de misturar outros textos, de contrariá-los uns aos outros, sem nunca se apoiar em qualquer deles, para fazer com que estes outros textos entrem em diálogo.

por isto escrever é tão perigoso. só quem tentou, sabe. há o perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas. há ciladas nas palavras. as palavras que dizemos escondem outras – quais? escrever é uma pedra lançada neste abismo sem fundo. 
 [2] um abismo que sempre chama outros abismos.

o que se escreve nunca é o que se escreve e sim outra coisa. é preciso que alguém leia. para que se possa ouvir o silêncio de quem escreve. para captar essa outra coisa que na verdade foi escrita, porque quem mesmo escreve não pode fazê-lo. 
 [3]

pois se há lugar no qual se possa reunir essa multiplicidade de que um texto se faz, esse lugar não é o autor. o leitor é o espaço exato em que se inscrevem todas as citações de que um texto é feito.

ler um texto é recolocá-lo sobre ele mesmo para rasgar a superfície de sua linearidade inicial. é o trabalho da leitura que produz o sentido de um texto, ao reportá-lo não apenas a outros textos e imagens, como também a sentimentos e desejos de quem lê.

pouco a pouco, não é mais o sentido do texto que nos ocupa, mas a direção e a elaboração de nosso pensamento. e do texto, logo nada mais resta. ele nos serviu de interface conosco mesmos.

a interpretação e o sentido não remete mais, desde então, à intenção de um autor, mas antes à apropriação de um leitor. já não interessa o que pretendeu um autor ausente, desde que o texto nos faça pensar, aqui e agora.

para que nasça o leitor tem de pagar-se com a morte do Autor. para um texto se iniciar, para que a linguagem possa falar, o autor adentra em sua própria morte. o texto não está mais em sua origem, mas no seu destino: o leitor.

entretanto, até este destino já não pode ser pessoal.

para se escrever um texto ainda hoje são usados sistemas de signos, sejam alfabéticos ou ideográficos, surgidos quando se dispunha apenas de suportes estáticos. mesmo o hipertexto multimídia apenas conecta em rede signos inventados para suportes anteriores.

como seria um sistema de signos específico para um suporte dinâmico, interativo, dotado de memória e de capacidade de cálculo autônomo que constitui a tela do computador?

uma linguagem de imagens interativas. uma ideografia dinâmica. capaz da simulação multimodal de realidades virtuais.

as simulações gráficas interativas, nem experiência nem teoria, são uma forma de texto, certamente não sob a notação da palavra, que abrem uma nova via à descoberta e à aprendizagem. um outro modelo de construção e transmissão de conhecimento.

o conhecimento é o fundamento do poder. é a capacidade de aprender e de inventar que sustenta o poder econômico.

nas sociedades anteriores à escrita, o saber estava encarnado na comunidade viva e sua transmissão era oral. quando um velho morria, uma biblioteca se queimava. com o advento da escrita, o saber se registrou nos livros, se expandiu para as enciclopédia e se arquivou nas bibliotecas. através da invenção da imprensa, o acesso ao conhecimento se disseminou.

com a web, é como se todos os textos fizessem parte de um só texto. um hipertexto de autoria coletiva em transformação permanente. não é mais o leitor que se desloca diante do texto. é o texto que, como um caleidoscópio, se desdobra diferentemente diante de cada leitor.

toda leitura passa a ser uma escrita em potencial. informação e conhecimento se tornam fluxo. as pessoas não mais giram em torno do saber, mas o saber gira em torno das pessoas.

a web está se tornando o lugar fundamental da comunicação e do pensamento humano. é como se o coletivo novamente fosse portador do conhecimento.

por um retorno em espiral à oralidade das origens, o saber pode ser retomado pelas coletividades humanas vivas. não a comunidade física, mas o cyberspace, por intermédio do qual a comunidade conhece a si própria e ao seu mundo.

as pessoas deixam de estar separadas entre si e ligadas todas em relação a um centro, e são multiplicadas as conexões transversais entre todos.

a comunicação não é mais concebida como difusão de mensagens, troca de informação, mas como emergência continuada de uma inteligência coletiva.

a transcendência do texto começa a declinar. menos irradiados pelo espetáculo midiático, a imanência do saber à humanidade que o produz e o utiliza torna-se mais visível.

seremos tanto mais livres quanto mais formos um texto vivo.
 



[1] referências: Michel Foucault (“O que é um autor?”), Roland Barthes (“A morte do autor”), Pierre Lévy (“Nós somos o texto”)
[2] Clarice Lispector
[3] Clarice Lispector







21 Setembro 2008










ainda assim, se move
com a repercussão da divulgação de um acordo entre o governo Lula e Daniel Dantas, através da Editora Abril, para anular a Operação Satiagraha 
[1], os Ministros Dilma Roussef [2] e Tarso Genro [3] - este em nome e a pedido do próprio Presidente da República - se vêem compelidos a um desmentido: seria mais fácil nascer dente em galinha. [4]

entretanto, ao se considerar o atual nível de entrelaçamento de cumplicidades na política brasileira, nada parece ser verdadeiramente difícil.

em almoços e jantares, os que não se bicam e vivem se mordendo, acabam mastigando do mesmo cardápio.

na data da divulgação da notícia do acordo, a agenda de Gilmar Mendes apontava um almoço com a Diretoria da Revista Veja. 
 [5] ainda naquela noite, num jantar fechado e discreto, o mesmo Gilmar Mendes seria homenageado por Lula, compartilhando à mesa, além do próprio Presidente e do anfitrião Antônio Toffoli, Advogado-Geral da União, estavam Dilma Rousseff, Tarso Genro, José Sarney e Gilberto Carvalho. [6]

data sinistra. noite confusa. patético momento... 
 [7]

além de clara demonstração da existência de outros focos de pressão da opinião pública, capazes de contrabalançar ofensivas maciças da mídia convencional,
 [8] o impacto da divulgação do acordo provoca um curto-circuito no pensamento binário, até então paralisando o país num falso dilema entre campos opostos, mas complementares: a oposição conservadora anti-Lula e um apoio incondicional ao Presidente. [9]

capturada por uma esfinge sem enigmas, a política girava no vazio. e o projeto original de organização popular do PT fora reduzido a grupos de auto-ajuda, intitulados como “Amigos do Presidente Lula”. 
 [10]

se a queda tardia no deserto do real impõe seu preço na forma de decepção e desencanto, também oferece a chance de um salto de maturidade política, desde que a inexpugnável popularidade de Lula se transforme em defesa inegociável daquilo que Lula simboliza: a ascensão das massas populares como protagonistas da política brasileira. 
 [11]

longe de ser 
 uma ação entre amigos, e menos ainda entre os amigos dos amigos, a política é um jogo complexo de pressões e contra-pressões, forçando a dinâmica correlação de forças a uma constante reavaliação.

o motor da política é a participação popular. sem ela, a política se esgota em si mesma, nas modernizações conservadoras, nas transições tuteladas, nas revoluções palacianas, nos pactos entre a elite e nos acordos de gabinete.

ao mesmo tempo, se expandem também as possibilidades da utilização da web como fator decisivo na política nacional, capaz de formar opinião e fomentar um debate mais amplo e profundo, influenciando decisões e arrancando respostas. 
 [12]

aqui e agora, ainda assim, a política brasileira se move. mesmo sob o manto da hipocrisia, é obrigada a render alguma homenagem à virtude. 
 






[1] blog do Luis Nassif, “Lula, Satiagraha e a Real Politik”, 16/09/2008, post às 8:00h
[2] blog do Luis Nassif, “Dilma explica”, 17/09/2008
[3] blog do Luis Nassif, “A Satiagraha e o Governo”, 17/09/2008
[4] blog do Luis Nassif, “Dilma explica”, 17/09/2008
[5] Agenda do presidente do STF para 16/09/2008, http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=96088
[6] Mônica Bergamo, Folha de So Paulo, 18/09/2008
[7] Cecília Meirelles
[8] blog do Luis Nassif, “A entrevista de Lula”, 18/09/2008
[9] arkx, “o pensamento binário”
[10] http://www.osamigosdopresidentelula.blogspot.com
[11] arkx, “bem vindos ao deserto do real”
[12] Eduardo Ramos, “A importância da internet na política”, Comunidade do blog do Luis Nassif







07 Maio 2008










grau zero [1]

pouco importa a pronúncia, é hora de se deixar arrebatar pela magia do momento, pois o Brasil foi declarado um país sério e merecedor da confiança internacional 
 [2], ombro a ombro com o Cazaquistão. [3]

não, não dá mais para endossar esse samba de uma nota só: ah, são os juros, os juros... 
 [4] e agora? talvez reclamem das agências de risco... [5]

ainda bem que o mercado não presta nenhuma atenção a tal orquestra desafinada, preferindo apenas ouvir seu solista mais virtuoso. 
 [6] visto que o BC se preocupa mais com a inflação futura do que com taxas imediatas. daí a importância das expectativas de inflação. [7]

foi cruzada uma fronteira importante e se abre uma estrada mais fácil de ser trilhada. 
 [8] é o resultado da persistência de uma política econômica coerente, baseada no tripé responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação. [9]

também recomenda-se cautela. não podemos achar que é o fim da linha. o fato de o Brasil ter sido campeão do mundo não significa que o título será eterno. se jogar mal, perde o título. 
 [10]

mas como? se o foco das agências de risco não é o crescimento ou o bem-estar da população. e se nem mesmo considera uma análise completa de todos os aspectos da economia de um país. e se trata tão-somente de uma avaliação acerca da probabilidade de que o país pague aquilo que deve... 
 [11]

a classificação da Standard & Poor's deveria ser tão importante? a resposta é não! como foi aprendido com a crise do sub-prime, é perigoso se dar tanto peso à avaliação de uma agência de classificação. 
 [12]

será que recebemos de presente uma maçã envenenada? uma futura herança maldita? 
 [13]

o problema estrutural da economia brasileira é sua condição de "economia reflexa", que apenas se adapta a ciclos externos e, por isso, não constitui um projeto próprio de desenvolvimento. aprofundamos essa condição ao nos inserir no processo de globalização, principalmente, pelos fluxos financeiros, ao contrário das economias asiáticas, que privilegiaram a inserção pela produção e o comércio. 
 [14]

com uma nova rodada de apreciação cambial, se aprofundará a tendência ao desequilíbrio em conta corrente e se consolida uma economia baseada em indústrias maquiadoras e na produção de commodities. mas essa é uma questão para o futuro, um tempo em que os especuladores de hoje não estarão mais aqui. 
 [15]

como o BC está ampliando o diferencial entre o juro brasileiro e o americano, em vez de diminuí-lo, ficamos na iminência de um ataque especulativo ao contrário. na esteira da nota "investment grade", a entrada de capitais no país pode assumir proporções nunca antes experimentadas pelo nosso Banco Central. passamos do risco de calote ao risco de cassino. portanto, ser considerado "investimento seguro", neste momento, é algo bem arriscado. 
 [16]

e o que dizer sobre o surpreendente timing de se conceder o grau de investimento bem no meio de um ciclo econômico que está prestes a virar? 
 [17]

causa espanto o momento da decisão: um cenário externo hostil, marcado pelo temor de recessão mundial e de inflação. assumiu-se o risco de fazer um upgrade importante em um momento complicado para a economia mundial e para as próprias agências, devido aos ratings dos subprimes. não se esperava um movimento tão importante. 
 [18]

não há nada de mágico no atual momento brasileiro. o que há é muita mágica. [19]




[1] Agência Standard & Poor's promove o Brasil a grau de investimento, 30/04/2008
[2] Lula, 
“O Brasil vive um momento mágico. Eu não sei nem falar direito a palavra ["investment grade'], mas, se a gente for traduzir isso para uma linguagem que os brasileiros entendem, o Brasil foi declarado um país sério, que tem políticas sérias, que cuida das suas finanças com seriedade e que, por isso, passou a ser merecedor de uma confiança internacional que há muito tempo necessitava.", 01/05/2008
[3] o grau de investimento tem dez subdivisões, e, com a elevação de "BB+" para "BBB-", o Brasil alcançou o nível mais baixo dentro dessa categoria, ao lado da Índia e do Cazaquistão.
[4] Paulo Leme, Departamento de pesquisa de mercados emergentes do Banco Goldman Sachs, 02/05/2008
[5] “Talvez agora reclamem das agências de risco”, Alexandre Schwartsman, 02/05/2008
[6] “Não atrapalhem o Banco Central!”,Valor Econômico, 28/04/2008
[7] Mario Torós , Diretor de Política Monetária do BC, 30/04/2008
[8] Luiz Carlos Mendonça de Barros, “Cruzando uma fronteira importante “, 02/05/2008
[9] “Talvez agora reclamem das agências de risco”, Alexandre Schwartsman, 02/05/2008
[10] Armínio Fraga, ex-Presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, 02/05/2008
[11] “Talvez agora reclamem das agências de risco”, Alexandre Schwartsman, 02/05/2008
[12] John Authers, Financial Times
[13] César Benjamin, “A futura herança maldita”, 03/05/2008
[14] César Benjamin, “A futura herança maldita”, 03/05/2008
[15] César Benjamin, “A futura herança maldita”, 03/05/2008
[16] Paulo Rabello de Castro, “A mágica do investment grade”, 07/05/2008
[17] Thomas Trebat, Diretor do Centro de Estudos do Brasil da Universidade Columbia, 01/05/2008
[18] “BCs discutem inflação” , Correio Braziliense, 05/05/2008
[19] Paulo Rabello de Castro, “A mágica do investment grade”, 07/05/2008







30 Abril 2008










a falta que não deixa fazer...

não é possível deixar de reconhecer que a autonomia do Banco Central implica um evidente déficit democrático. o Copom está dominado por um pensamento único, redundando em comportamentos idiossincráticos, apoiados não em evidências empíricas fortes, mas na perversão religiosa de um suposto conhecimento "científico" inspirado na imoralidade ínsita no DNA do sistema financeiro. 
[1]

juros mais elevados costumam cobrar o seu preço em termos de crescimento da economia e desemprego. o produto e o emprego acabam prejudicados pela contração da demanda, pela perda de dinamismo das exportações e pela substituição de produção doméstica por importações. os juros mais altos elevam o custo da dívida interna e desajustam as contas governamentais. concentram a renda, pois beneficiam a minoria de privilegiados que são credores diretos e indiretos do governo. e, como se isso tudo não bastasse, contribuem para agravar a valorização do real, ameaçando recriar o problema da vulnerabilidade externa no médio prazo. 
[2]

mantendo-se como o bastião inexpugnável que se outorga a única missão de conservar blindada a maior taxa de juros reais do mundo, o Copom entende estar, de fato, contribuindo para a sustentação do crescimento ao evitar que a maior incerteza detectada em horizontes mais curtos se propague para horizontes mais longos. 
[3]

com efeito, a balança comercial brasileira fechou a terceira semana deste mês com uma queda de 63,7% em relação ao resultado de 2007. na comparação entre os resultados do mesmo período, as exportações cresceram 3,1%, contra uma alta de 30,7% das importações. 
[4]

as contas do Brasil com o exterior tiveram o pior março já registrado pelo BC, que começou a coletar dados em 1947. considerando todas as transações de comércio - serviço e financeiras -, o resultado foi um déficit de US$ 4,429 bilhões, resultado que surpreendeu o mercado e o próprio BC. foi também o pior primeiro trimestre da história: US$ 10,757 bilhões de déficit. se for confirmada a previsão para abril, um saldo negativo de US$ 2,8 bilhões, o déficit superará, em quatro meses, o total estimado BC para o ano, que é de US$ 12 bilhões. o envio de recursos ao exterior a título de pagamentos de lucros e dividendos atingiu US$ 4,345 bilhões, o maior valor mensal já registrado. No trimestre, foram US$ 8,662 bilhões, também recorde para o período. 
[5]

o aumento das remessas de lucros e dividendos é causado por quatro fatores:

- os fortes investimentos diretos e em Bolsa, que aumentam o volume de capitais estrangeiros aplicados no país;
- a valorização do real, que aumenta os lucros, quando convertidos em dólares;
- o bom desempenho da economia, que aumenta o lucro das empresas;
- a crise internacional, que leva algumas empresas a remeter resultados ao exterior para cobrir prejuízos registrados em outros países. 
[6]

a tragédia brasileira é que o governo Lula deu certo para os de cima, para as classes dominantes. quem ganha dinheiro com esse governo? o sistema financeiro e o grande capital produtivo. e perdem com isso os assalariados médios, os de base. os interesses de cima estão absolutamente preservados e garantidos, e a relação com as massas pode prescindir dos partidos. 
[7]

é nítida também uma migração da base social do governo Lula. muito embora esse governo tenha sido eleito com o apoio da classe trabalhadora organizada, sindical e politicamente, hoje é cada vez menos ancorado nesses setores e cada vez mais respaldado pelas parcelas mais empobrecidas da classe trabalhadora, que não têm emprego, trabalham sem organização sindical e política e vivem da esmola vergonhosa que o governo dá sob o nome de Bolsa Família, que hoje atinge 11 a 12 milhões de famílias, cerca de 60 milhões de pessoas. 
[8]

há quem diga que se Lula não tivesse cumprido os compromissos assumidos com o mercado financeiro teria caído. entretanto, quem dá o golpe se o povo elegeu e reelegeu esse cara da forma como o elegeu e, sobretudo, como o reelegeu? a mídia compactamente contra ele, todo dia soltando informações sobre corrupção, envolvimentos terríveis com o que há de pior etc. etc., e assim mesmo ele foi reeleito. não havia condições para nenhum tipo de golpe. Lula é um sujeito extremamente dotado, além de tudo tem um QI muito bom. mas os grandes estadistas também precisam ter coragem. o que falta é peito, falta coragem.
[9]



[1] Delfim Netto, “Prestar contas”, 23/04/2008
[2] Paulo Nogueira Batista Jr. “Juros e inflação”, 24/04/2008
[3] Ata do Copom, 24/04/2008
[4] Folha Online, 23/04/2008
[5] Lu Aiko Otta, O Estado de São Paulo, 29/04/2008
[6] Altamir Lopes, Chefe do Departamento Econômico do BC, Valor Online, 29/04/2008
[7] Ricardo Antunes, entrevista ao Correio da Cidadania, 08/04/2008
[8] Ricardo Antunes, entrevista ao Correio da Cidadania, 08/04/2008
[9] Mino Carta, Revista do Brasil, abril de 2008








22 Abril 2008










derrama
essa não é ainda a pátria com a qual Tiradentes sonhou e, mais do que isso, pela qual morreu. o fato do Brasil ter os juros mais altos do mundo, distancia o país do seu potencial de desenvolvimento e nos conduz ao alto desemprego. [1]

num filme conhecido, reprisado diversas vezes desde o Plano Real, mais uma vez se interrompe o ciclo de recuperação da economia e aprecia-se o câmbio. o déficit em transações correntes, já com forte aumento, deverá se acelerar explosivamente. em relação ao controle da taxa de inflação, são dúbios os efeitos dessa elevação dos juros. a alta da taxa de inflação se deve à inflação importada, isto é, ao aumento dos preços de alimentos, petróleo e derivados, produtos siderúrgicos e outras commodities, todas com pressões vindas do exterior, o que nos diz que a taxa de juros brasileira será incapaz de afetá-la. 
[2]

a inflação que vemos é provocada pela disparada dos preços das commodities devido ao crescimento da demanda dos países asiáticos. com a desaceleração da economia mundial e a recessão nos Estados Unidos, a China vai junto e a Índia também, arrefecendo as pressões inflacionárias. se o Brasil quer algum dia crescer em um ritmo forte, o caminho tem de ser baixar os juros. se a taxa ficar na casa dos 14%, o país nunca vai realizar todo o seu potencial. 
[3]


os juros pressionam a inflação, pois fazem parte do custo de produção e comercialização. esses custos são repassados para o trabalhador, que não pode fazer o mesmo. o verdadeiro redutor de custos é a redução salarial. no Brasil a inflação nada tem a ver com excesso de demanda. o crescimento do salário e emprego nos últimos 24 meses foi ridículo. o estoque da dívida é afetado sem justificativa a cada alta dos juros, o que provoca aumento de gastos do governo. embora a participação da dívida pública atrelada à Selic possa estar caindo, isto se deve aos outros títulos pagarem ainda mais caro. 
[4]

a política monetária brasileira não é apenas imbecil, 
[5] assim como ontem Tiradentes via sangrar de nossas Minas Gerais o ouro, se vê hoje nos bilhões e bilhões repassados ao sistema financeiro do mercado o seqüestro de nossas esperanças, o adiamento de nossas aspirações legítimas e urgentes. [6]

a terra tão rica e – ó almas inertes! – o povo tão pobre... ninguém que proteste! todos querem liberdade, mas quem por ela trabalha? quem morre, para dar vida? quem quer arriscar seu sangue? pois os heróis chegam à gloria só depois de degolados. antes, recebem apenas ou compaixão ou desdém. 
[7]





[1] José Alencar, como Presidente interino, em Ouro Preto (MG), 21/04/2008
[2] Yoshiaki Nakano, “Juros na contramão “, 20/04/2008
[3] Leo Abruzzese, diretor editorial da consultoria Economist Intelligence Unit, que publica "The Economist", 20/04/2008
[4] Dércio Garcia Munhoz, entrevistado por Rogério Lessa, 22/04/2008
[5] José Alencar, como Presidente interino, em Ouro Preto (MG), citando Maria da Conceição Tavares, 21/04/2008
[6] José Alencar, como Presidente interino, em Ouro Preto (MG), 21/04/2008
[7] Cecília Meireles, “Romanceiro da Inconfidência”







19 Abril 2008










torcicolo
muito embora tenha garantido que uma elevação da taxa básica de juros não traria qualquer transtorno 
[1], no dia seguinte ao aumento da Selic em 0,50% Lula amanheceu com o pescoço imobilizado por causa de um torcicolo. [2]

ainda mais improvável do que alguém que não tem pescoço sentir dor de torcicolo 
[3] teria sido o BC recuar de seu anunciado ajuste dos juros. [4]

contrariando a maior parte das expectativas, inclusive do mercado financeiro, que apostava em alta de 0,25 ponto percentual, o Copom entendeu 
“realizar, de imediato, parte relevante do movimento da taxa básica de juros a fim de contribuir para a diminuição tempestiva do risco que se configura para o cenário inflacionário e, como conseqüência, para reduzir a magnitude do ajuste total a ser implementado”[5]

talvez a origem do problema no pescoço do Presidente tenha sido apenas contrariedade com resultados de partidas de futebol 
[6], mas seja como for todos no Palácio do Planalto já tinham absorvido uma subida de 0,25% ponto, como esperava a maior parte do mercado, “mas 0,50 foi demais"[7]

o governo Lula, que teve suas origens na esquerda mas optou por assumir a política e as preocupações da direita 
[8], realiza magistralmente aquilo que o governo de FHC fez apenas razoavelmente bem [9], criando as condições para corações e mentes da sociedade brasileira serem conquistados pelo slogan definitivo do mercado: o maior e mais incontestável sucesso do governo é a política econômica, que proporciona estabilidade e crescimento, além de bancar os programas sociais. [10]

o resultado da estabilização da economia brasileira alcançada com o Plano Real foi conservador, mantendo o controle da inflação ao custo de uma explosão da dívida pública, o que concede enorme poder de chantagem aos chamados "mercados", entidade abstrata que, muito concretamente, financia a dívida pública brasileira 
[11] e se rentabiliza com a mais alta taxa de juros reais do mundo. [12]

atualmente, cerca de um terço da dívida do governo federal é atrelada à Selic. caso esse novo patamar de juros seja mantido pelos próximos 12 meses, o custo fiscal da medida será de cerca de R$ 2,9 bilhões. 
[13]

um dia após o anúncio do Copom, o Dólar terminou vendido a R$ 1,657 - menor cotação desde maio de 1999. ao se considerar os últimos 12 meses, o Real lidera entre as principais moedas com maior valorização frente ao Dólar: 18,61%. no mercado brasileiro, o Dólar já recuou 5,48% apenas neste mês de abril de 2008, incluindo a queda de 0,42% no dia posterior ao reajuste da Selic. 
[14]

a elevação dos juros terá efeito em relação às expectativas dos empresários. vai ter impacto nas pessoas ou empresas que estão tomando crédito e na dívida pública. pode também atrair ais recursos estrangeiros especulativos para o país. teremos uma taxa de câmbio ainda mais valorizada, com maior dificuldade para a exportação e maior estímulo à importação, além da substituição de produtos nacionais por importados. 
[15]

ao 
"mostrar os dentes" para Lula e para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, [16] o BC, que reclama dos grupos de interesse, como Fiesp e CNI, mas não menciona os interesses do mercado financeiro [17], abocanha a economia brasileira como um todo e pode reduzir drasticamente a sustentabilidade do atual ciclo de crescimento. [18]

embora tenha sido precedida por alertas, vindos de analistas econômicos dos mais variados matizes teóricos e ideológicos, de que elevar os juros seria uma decisão precipitada 
[19], a decisão unânime pelo aumento em 0,50 ponto, acima até da expectativa de 0,25 ponto, indica como a composição do Copom é monolítica e fechada com uma única visão da política econômica.

isto não é apenas inadmissível num órgão técnico. é totalmente inaceitável numa democracia.

por se esforçar demais em agradar ao mercado, o BC acaba adotando os horizontes extremamente curtos do mercado como seus próprios. com isto se cria uma retroalimentação perigosa, em que o mercado reage exageradamente a percepções sobre o que o BC podera fazer, e o BC recorre ao mercado para se orientar sobre o que deveria fazer. 
[20]

o BC age como um destreinado atirador do tiro-ao-pato, que, tendo um projétil que leva alguns segundos para chegar ao alvo, sempre mira o ponto em que o pato se encontra no momento do tiro - e não o ponto seguinte. no final de 2007 houve uma mudança no patamar dos preços internacionais de alimentos, o que leva de dois a três meses para chegar ao varejo e só agora se verifica. ao mesmo tempo, a elevação no preço dos alimentos corrói o poder aquisitivo do consumidor, reduzindo o disponível para a compra de bens duráveis ou de novos financiamentos. além disso, há outro vôo do pato sendo percorrido, que é do aumento dos investimentos internos, ampliando a capacidade instalada de indústria. 
[21]

usando a política monetária para combater suspiros inflacionários 
[22] a ditadura do Copom inicia um novo ciclo de alta da Selic e condena o Brasil ao eterno vôo da galinha. [23]

o Brasil tem um Banco Central independente de fato, mas cuja independência foi imposta pelo sistema financeiro, sem que viesse acompanhada de nenhum tipo de regulamentação. criou-se assim uma instituição fechada, opaca, guardiã de interesses rentistas, permanentemente contracionista, inimiga do crescimento e socialmente irresponsável. a qualquer pretexto, impunemente, puxa o gatilho dos juros e ataca os suspeitos de sempre, misteriosas ameaças de inflação. [24]





[1] Lula, entrevista no Palácio Noordeinde, na Holanda, 12/04/2008
[2] Valor Online, 17/04/2008
[3] comentário da Primeira-Dama, Marisa Letícia
:”Como é que pode alguém que não tem pescoço, ter dor de pescoço?”,Agência Brasil, 17/04/2008
[4] ata do Copom, divulgada em 13/03/2008, 
“a opção de realizar, neste momento um ajuste na taxa básica de juros"
[5] nota divulgada após a reunião do Copom, em 16/04/2007: 
"O Comitê entende que a decisão de realizar, de imediato, parte relevante do movimento da taxa básica de juros irá contribuir para a diminuição tempestiva do risco que se configura para o cenário inflacionário e, como conseqüência, para reduzir a magnitude do ajuste total a ser implementado"
[6] Lula comentou que não sabia se a origem do problema [torcicolo] tinha sido a 
“alta dos juros ou o massacre do Corinthians pelo Goiás”, Agência Brasil, 17/04/2008
[7] Vicente Nunes, citando comentário de auxiliar de Lula, logo depois do final da reunião do Copom, “Uma tacada forte”, Correio Braziliense, 17/04/2008
[8] Paulo Passarinho, “Banco Central: sitiado ou estrela-guia?”, 18/04/2008
[9] Ricardo Antunes, entrevista ao Correio da Cidadania, 08/04/2008
[10] Nelson Mota, “Do sonho ao pesadelo”, Folha de São Paulo, 18/4/2008
[11] Marcos Nobre, “Juros: teoria e prática”, Folha de São Paulo, 15/04/2008
[12] com a Selic em 11,75%, o Brasil manteve o título de campeão mundial de juros altos, com taxa real de 7,1%
[13] segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin, citado em matéria na Folha de São Paulo, 18/04/2008
[14] Fabricio Vieira e Denyse Godoy, Folha de São Paulo, 18/04/2008
[15] Marcio Pochmann, declaração à Folha de São Paulo, 18/04/2008
[16] Kennedy Alencar, citando palavras de um Ministro do Governo Lula, Folha de São Paulo, 18/04/2008
[17] André de M. Modenesi, Miguel Bruno e Salvador Werneck Vianna, “Reversão preventiva na política monetária”, nota técnica do Ipea, 04/2008
[18] André de M. Modenesi, Miguel Bruno e Salvador Werneck Vianna, “Reversão preventiva na política monetária”, nota técnica do Ipea, 04/2008
[19] “Precipitação”, editorial da Folha de São Paulo, 18/04/2008 

[20] Alan Blinder, citado em “Macroeconomia da estagnação”, de Luiz Carlos Bresser-Pereira
[21] Luis Nassif, “O BC e o tiro-ao-pato”, 18/04/2008
[22] Paulo Godoy, Presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Base (Abdib), citado por Vicente Nunes, “Uma tacada forte”, Correio Braziliense, 17/04/2008
[23] Abram Szajman, Presidente da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio), citado por Vicente Nunes, “Uma tacada forte”, Correio Braziliense, 17/04/2008

[24] César Benjamin, “Os suspeitos de sempre”, 19/04/2008







18 Abril 2008










estrela guia
desta vez, o BC não conta nem com o aval unânime do mercado financeiro, tradicionalmente a base de apoio nos embates com a Fazenda, que tem a simpatia do empresariado. nas palavras de um importante banqueiro interlocutor do BC com o mercado, ao endurecer o discurso na defesa da alta dos juros, o diretor da instituição Mário Mesquita (Política Econômica) mostrou "certeza demais" para um cenário "com dúvidas em excesso". a situação no Brasil ainda é confortável e o BC teria condições de esperar, sem risco de um descontrole de preços. [1]

a recente alta da inflação foi provocada principalmente pela alta dos preços dos alimentos, um fenômeno mundial e concentrado em alguns produtos, fora das condições de controle do BC. portanto, qualquer avaliação propondo o aumento dos juros para conter uma eventual inflação de demanda é, neste momento, precipitada. a não ser, é claro, que o BC pretenda controlar a inflação do mundo... 
[2]

além disto, não se deve esquecer que 4,5% é o centro da meta de inflação, com bandas de dois pontos percentuais, acima ou abaixo, para criar padrões de tolerância. fica a impressão que os 4,5% viraram o topo da meta. 
[3]

não temos hoje inflação por demanda, mas sim uma alta de preços causada pelos alimentos, o que é uma tendência mundial. elevar juros, portanto, em nada vai resolver o problema porque as pessoas precisam continuar consumindo alimentos. o BC tem usado o núcleo da inflação, quando a meta fixada é para o indicador cheio. 
[4]

mesmo ao reconhecer ser impossível controlar os preços dos alimentos no mundo, para a vozes do mercado só há uma alternativa à elevação dos juros para conter a inflação: uma redução de demanda via um corte de gastos públicos. embora a política fiscal possa ser classificada de austera, pois há superávit primário, com a receita superior aos gastos não financeiros, ainda assim seria expansionista: entre 2003 e 2007, a despesa não financeira do governo central cresceu 9,5% ao ano, a preços constantes. 
[5]

o que se constata na execução do orçamento da União de 2007, é 53% aplicados no pagamento dos encargos da dívida, juros e amortizações. é uma realidade deprimente a política de gastos do governo federal: à saúde foram destinados 3,49%, à segurança pública 0,40%, à organização agrária 0,31%, à educação 1,74%. 
[6]

por outro lado, o BC é visto como jamais tão isolado no governo quanto agora. seriam todos contra um diante de um duplo receio: a alta dos juros brecar o crescimento e valorizar ainda mais o real, pondo em risco o equilíbrio das contas externas. 
[7]

mais do que nunca, Lula se revela como o núcleo central de um governo que ao mesmo tempo tenta acelerar o crescimento, através dos investimentos públicos do PAC, e cujo BC freia a expansão da economia, ao assumir o papel de "caça-fantasmas", em luta contra o desprezo e a descrença para levar a cabo o exorcismo de incipientes e invisíveis pressões inflacionárias. 
[8]

Lula declara haver combinação perfeita entre demanda e oferta. 
[9] apenas para em seguida reafirmar a importância de garantir que tudo aquilo que deu certo até agora continue dando certo. não seria nem uma redução de 0,25%, nem a manutenção de 11,25% [taxa atual], tampouco o aumento de 0,25% que trariam qualquer transtorno à economia brasileira. [10]

ainda assim, numa demonstração de seu nenhum desconforto em relação à esquizofrenia insanável das contradições de seu governo, Lula garante que loucos são os que acham que ele autorizou o aumento dos juros. 
[11]

do Palácio do Planalto, se levanta um monumental silêncio, mesmo a contragosto, não se emite qualquer tipo de crítica contra o BC. na lógica eleitoral de Lula, o melhor é subir a Selic agora, quando a economia está 
"bombando", impulsionada pelo forte consumo interno, e o governo registra sua melhor avaliação junto à população. assim, a demanda dará uma esfriada, recuperando o fôlego em meados de 2009, com a Selic já em baixa, e atingindo o pico em 2010, ampliando a força do Presidente para fazer seu sucessor. [12]

e é nesse contexto que é forçoso reconhecer que, muito diferente de ser uma ilha no atual governo, a direção emanada do BC é a verdadeira estrela-guia das principais e decisivas opções do Palácio do Planalto. 
[13]











[1] Sheila D'Amorim e Waldo Cruz, Folha de São Paulo, 14/04/2008
[2] Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Iedi, citado por Guilheme de Barros, Folha de São Paulo, 11/04/2008
[3] Francisco Pessoa, da LCA Consultores, citado por Daniele Carvalho, Jornal do Commercio do Rio,11/04/2008
[4] Sérgio Vale, analista da MB Associados, citado por Daniele Carvalho, Jornal do Commercio do Rio,11/04/2008
[5] Sérgio Ribeiro da Costa Werlang, Diretor-Executivo do Banco Itaú, “As conseqüências da política econômica brasileira”, 14/04/2008
[6] Osiris Lopes Filho, citando Maria Lúcia Fatorelli , Auditora da Receita Federal, “Abrir a caixa-preta”, 14/04/2008
[7] Valdo Cruz, “Lula e a TPC”, 14/04/2008
[8] Andrew Haldane, do BC da Inglaterra, citado por Claudia Safatle, em “BC, o caça-fantasmas”, 11/04/2008
[9] Lula, entrevista no Palácio Noordeinde, na Holanda, 12/04/2008
[10] Lula, entrevista no Palácio Noordeinde, na Holanda, 12/04/2008
[11] Lula, “Quem acha isso está louco”, ao refutar que tenha dado aval para o BC elevar os juros, em Praga, 13/04/2008
[12] Vicente Nunes, “Será 0,25 ou 0,50?”, Correio Braziliense, 14/04/2008
[13] Paulo Passarinho, “Banco Central: sitiado ou estrela-guia?”, 18/04/2008








12 Abril 2008










fantasmas da inflação e juro real
para o BC, entre todas as reformas feitas pelo Brasil nos últimos anos, a estabilidade é a de maior resultado, isso significa que não se deve ideologizar o debate econômico. 
[1]

como contrapartida da bolsa Selic, que subvenciona a 
“estabilidade econômica” com a maior taxa de juros reais do mundo, os programas sociais já atingem 25% da população no país. o Bolsa Família é o mais abrangente, presente em 15% das moradias de todo o Brasil, em 2006. [2]

o Plano Real não foi um simples plano de combate à inflação. a estabilidade monetária aparece como imposição determinada pelas novas condições de circulação e valorização dos capitais. não adianta a maior liberdade de movimentos se os capitais tem de enfrentar a incerteza congênita quanto à magnitude das variáveis reais que caracteriza os regimes de alta inflação e, particularmente, aqueles com mecanismos formais de indexação, como o do Brasil pré-Real. 
[3]

apesar de até mesmo o FMI reconhecer que a valorização contínua das moedas de alguns países, incluindo o Real, pode significar um canal de vulnerabilidade caso haja picos de volatilidade no futuro 
[4], o BC chama a si o papel de "caça-fantasmas", pois embora as pressões inflacionárias incipientes ainda sejam invisíveis, como se fossem fantasmas, fazendo com que as revelações sobre elas sejam recebidas com desprezo e descrença, o trabalho do BC é localizar esses fantasmas e exorcizá-los cedo. [5]

o argumento em prol da atual necessidade de se realizar uma alta preventiva da Selic não parece válido. tanto o lado real quanto as expectativas de inflação da economia brasileira desabonam a tese da necessidade de uma reversão na política monetária. 
[6]

o balanço entre oferta e demanda agregada está equilibrado. claros sinais de expansão da capacidade produtiva, aliados a um ritmo saudável de expansão da atividade industrial, apontam para a disponibilidade de o setor atender ao crescimento da demanda por meio de expansão da oferta, e não por elevações de preços, como teme o BC. 
[7]

ao caçar os fantasmas da inflação, mirando implacavelmente o limite inferior da meta, o BC acaba por exorcizar a sustentabilidade do atual ritmo de crescimento, ao impor um desnecessário viés deflacionário à economia brasileira.

uma elevação da Selic, ainda que não interrompa os investimentos já em curso, certamente inibiria novos investimentos. aí, sim, a expansão da demanda poderia comprometer a estabilidade dos preços. 
[8]

o BC vai repetir o mesmo erro de 2004, quando iniciou um ciclo de alta dos juros, com um aumento de 0,25 ponto, e a economia se desacelerou. 
[9]

apesar das críticas de empresários e de boa parte do governo à decisão do BC de aumentar a taxa básica de juros, os últimos movimentos de aperto na política monetária se mostraram bastante acertados para a estratégia eleitoral de Lula.

um ano após o BC elevar a Selic, em 2004, a inflação passou a rodar em torno dos 3%, os juros começaram a cair e a economia recuperou o fôlego. mesmo com o governo atolado em denúncias de corrupção, Lula foi reeleito em 2006.

é com base nesse histórico que o Lula apóia o BC nesta nova etapa de alta da Selic. Lula espera que, em 2009, com preços novamente sob controle, os juros recuem, a economia avance e, em 2010, ela ajude a fazer seu sucessor. 
[10]

Lula faz em seu governo aquilo que as classes dominantes nunca imaginaram que aconteceria: realiza magistralmente o que o governo FHC fez apenas razoavelmente bem. 
[11]

afinal, tem certas coisas, no que tange a favorecer os que dominam fingindo defender os explorados, que só Lula é capaz de fazer... 
[12]




[1] Henrique Meirelles, Presidente do BC, 09/04/2008
[2] Antônio Gois e Janaína Lage, sobre pesquisa do IBGE, Folha de São Paulo, 29/03/2008
[3] Leda Maria Paulani, “A fraqueza da social-democracia”, 08/12/1996
[4] FMI, relatório sobre a economia global, 09/04/2008
[5] Andrew Haldane, do BC da Inglaterra, citado por Claudia Safatle, em “BC, o caça-fantasmas”, 11/04/2008
[6] André de M. Modenesi, Miguel Bruno e Salvador Werneck Vianna, “Contra o viés deflacionário do Banco Central do Brasil”, 10/04/2008
[7] André de M. Modenesi, Miguel Bruno e Salvador Werneck Vianna, “Contra o viés deflacionário do Banco Central do Brasil”, 10/04/2008
[8] André de M. Modenesi, Miguel Bruno e Salvador Werneck Vianna, “Contra o viés deflacionário do Banco Central do Brasil”, 10/04/2008
[9] Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Iedi, citado por Guilheme de Barros, 11/04/2008
[10] Vicente Nunes, “Pertinho do aumento”, Correio Braziliense, 10/04/2008
[11] Ricardo Antunes, entrevista ao Correio da Cidadania, 08/04/2008










06 Abril 2008










a lugar nenhum
com sua economia mantida num estado de exceção pela ditadura do Copom, mais uma vez o Brasil se vê ameaçado por uma nova rodada de elevação da taxa básica de juros.

apesar da taxa brasileira ser a mais alta do mundo em valor real, o BC considera que o importante para o país não é o movimento dos juros, mas a inflação dentro da meta. 
[1]

setores do governo reconhecem que aumentar a Selic, num momento em que os EUA estão num processo de forte redução dos juros, pode ampliar o fluxo cambial no país e induzir a valorização do real. ou seja, dessa forma se gera instabilidade econômica. 
[2]

no entanto, a independência e autonomia do BC reivindicam a si a última palavra: 
Meirelles está certo!

em 1999, FHC baixou o decreto 3.088, em cujo o artigo 1º consta: 
“Fica estabelecida, como diretriz para fixação do regime de política monetária, a sistemática de metas de inflação”. desde então, o único objetivo institucional da política monetária é o controle da inflação. não há menção a atividade econômica ou emprego. ao BC compete executar as políticas necessárias para cumprimento das metas fixadas. 
[3]

por trata-se de um instrumento de regulação do Sistema Financeiro, e este não poderia ser regulado a não ser por lei complementar, como está previsto no Art. 192 da Constituição Federal, o decreto de FHC é claramente inconstitucional. 
[4]

inflação não é controlada por meta. inflação é resultado de um processo complexo de interação entre demanda e oferta. a meta que temos que ter, enquanto economia e enquanto sociedade, é uma meta de redução da taxa de desemprego, a partir do aumento da demanda e da produção, simultaneamente. uma sociedade que tem por principal meta uma inflação baixa, a despeito das taxas de desemprego e da queda da renda do trabalho, está acumulando tensões sociais e políticas que, cedo ou tarde, se tornarão insuportáveis. 
[5]
segundo o BC, o Brasil colhe os dividendos da estabilidade do poder de compra da moeda, sendo esta a maior contribuição que a política monetária pode oferecer para assegurar o crescimento econômico sustentado com inclusão social. [6]

ao se analisar os números do PIB o que se vê é uma desigualdade irresolvida, e crescente. em 1995, o total pago na forma de salários como proporção do PIB era superior a 35% e as rendas do capital ficavam um pouco acima de 31%. em 2005 a situação se inverte: os salários comparecem com 31/% e as rendas do capital saltam para quase 36%. 
[7]

pela hegemonia dos mercados não pode haver alternativa em relação a inflação brasileira, senão render-se ao dogma do pensamento único: a gênese de nosso processo inflacionário está tanto na demanda excessiva quanto na natureza inelástica da oferta, sendo a insuficiência de poupança interna sua causa primária.
[8]

com isso, a inflação se torna a principal variável a se considerar na elaboração de políticas econômicas no Brasil. e o seu controle ser feito pela via da compressão de demanda (juros) e pela abertura comercial (câmbio) demonstrando a supremacia dos bancos e oligopólios nacionais e estrangeiros. 
[9]

a idéia de inflação por excesso de demanda impede que se enxergue tanto o problema da capacidade ociosa, quanto seu resultado: a alta taxa de exploração e sua relação direta com o fenômeno inflacionário. em outras palavras, a inflação como efeito da má distribuição de renda no país. 
[10]

ocorre que só pode haver aumento da demanda se houver investimento, caso contrário o que ocorre é puro e simples aumento de preços. o centro de gravidade do problema inflacionário no Brasil (devido ao fato de a alta taxa de exploração do sistema afetar a expansão da demanda e a emissão não suscitar o aumento desta) está no mecanismo de formação de preços do sistema. 
[11]

devido a sua altamente concentrada estrutura de distribuição de renda, o Brasil é um país de baixíssima propensão a consumir. para quem não erga o 
“véu monetário”, entretanto, este fato se mostra deformado e mascarado, de tal forma que uma demanda insuficiente aparece como excessiva. um país sufocado ao peso de sua própria capacidade produtiva ociosa apresenta-se como se tudo lhe faltasse. 
[12]
embora seja visto como padecendo de insuficiência crônica e incurável de recursos, o Brasil tem sido um país de oferta necessariamente abundante de capitais.[13]
enquanto mantém a direção econômica do país terceirizada para o presidente do BC, Lula não se constrange em cumprir uma agenda de vereador federal, inaugurando, freneticamente, insignificâncias e promessas. as claques aplaudem. o povo gosta. políticos sôfregos pegam carona. e o Brasil não vai a lugar nenhum. quem viver verá. [14]



[1] Henrique Meirelles, Presidente do BC, 06/04/2008
[2] Bernard Appy , Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, 06/04/2008
[3] J. Carlos de Assis, “Meirelles está certo!”
[4] J. Carlos de Assis, “Meirelles está certo!”
[5] J. Carlos de Assis, “Os deputados "infantis" do PT e a confusão das metas de inflação”
[6] Henrique Meirelles, em nota do BC sobre resultado do PIB de 2007, 12/03/2008
[7] João Sicsú, citado por Cyro Andrade, “Um bolo para ser entendido “Valor, 07/03/2008

[8] Elias Jabbour, sobre os 45 anos do livro “A Inflação Brasileira”, de Ignácio Rangel
[9] Elias Jabbour, sobre os 45 anos do livro “A Inflação Brasileira”, de Ignácio Rangel
[10] Elias Jabbour, sobre os 45 anos do livro “A Inflação Brasileira”, de Ignácio Rangel
[11] Elias Jabbour, sobre os 45 anos do livro “A Inflação Brasileira”, de Ignácio Rangel
[12] Ignácio Rangel, “A inflação brasileira”
[13] Ignácio Rangel, “A inflação brasileira”

[14] César Benjamin, “Em direção a lugar nenhum”, 05/04/2008

02 Abril 2008










a banca
impulsionado pela expansão do crédito e pelos juros ainda elevados, o sistema financeiro do Brasil dobrou de tamanho no governo Lula e o crescimento do lucro líquido consolidado atingiu nada menos que 200,5% sobre 2003, ano da posse de Lula em seu primeiro mandato. [1]

um mês antes de entrar em vigor a regulamentação do Conselho Monetário Nacional, que congela o valor das tarifas bancárias por seis meses, tabela divulgada pela Febraban mostra aumento de até 150% em algumas taxas, para uma inflação de 5,54% no período. 
[2]

a rentabilidade dos bancos não tem sido afetada pelas oscilações da economia brasileira. a única diferença está na fonte de lucros das instituições financeiras. em períodos de menor crescimento e maior instabilidade econômica, os ganhos são inflados pelas operações com títulos públicos, que ficam mais rentáveis com o aumento da taxa básica de juros. com um maior dinamismo da economia, o lucro vem da cobrança de tarifas, impulsionadas pela expansão das operações de crédito. 
[3]

depois de tudo o que disse na última ata do Copom, não há como o BC não elevar os juros. 
[4] em mais um de seus surtos esquizofrênicos, o governo Lula ao mesmo tempo acelera e breca o crescimento. [5]

segundo o BC, que projeta 4,8% de crescimento do PIB em 2008, índice inferior aos 5,4% de 2007, o forte ritmo de expansão da economia é o principal fator a ameaçar o cumprimento das metas de inflação. assim, o movimento é de alta dos juros já na próxima reunião do Copom, 
[6] restando uma única receita para não se elevar a Selic: o corte de gastos públicos. [7]

para as vozes do mercado, entretanto, com o PAC, as transferências sociais e a alta do salário mínimo, o resultado é a colocação de mais recursos na economia, injeção na veia do consumo, pressionando a inflação. 
[8]

se o PT era um partido de esquerda, o governo Lula acabou sendo um governo extremamente conservador na política econômica. mais conservador até do que os mercados esperavam. 
[9]

do ponto de vista da banca, nunca o Brasil esteve tão bem como hoje. a educação, a saúde, tudo melhorou enormemente. infelizmente, porém, a taxa de natalidade ainda cresce de forma absurda. o Brasil precisa diminuir a taxa de natalidade. 
[10]

apesar dos bancos nunca terem ganho tanto dinheiro quanto no governo Lula, 
[11] o que se constata é um mercado não saturado de crédito. no setor informal e de baixa renda, há muita necessidade não atendida porque os bancos tradicionais não estão prontos para esse segmento. [12]

o maior tomador de crédito no Brasil é o governo, que paga taxas altíssimas. se o governo quer baixar os juros tem de deixar de chancelar essas taxas. se os bancos tem acesso para captar do público e simplesmente emprestar ao governo com uma margem gigante, não precisa ser nenhum gênio para fazer isso. é fácil. além disto, ao pagar juros altos, o Brasil atrai grande quantidade de fluxo estrangeiro, o que valoriza o câmbio. 
[13]

seria um erro muito grande o BC subir os juros. tem de baixá-los para que a economia cresça mais. a forma para garantir um crescimento que se prolongue é com o mercado interno. o que há é um problema de oferta, e não de demanda. quando sobe os juros, o BC faz a demanda baixar. é preciso criar mais oferta.
[14]

sempre com suas idéias fora de lugar, o pensamento liberal brasileiro não desiste de seu sonho impossível: um estado sem nação, uma nação sem povo e um povo sem cidadania.

como jamais chamou a si a responsabilidade pela construção nacional, a burguesia brasileira não consegue encarar a miséria como desafio, e a vê como fatalidade a ser atenuada evitando-se a reprodução dos miseráveis.



[1] blog Diário Gauche, “Bancos mostram força no governo Lula”, 01/04/2008, http://www.diariogauche.blogspot.com
[2] Correio Braziliense, 01/04/2008
[3] Ney Hayashi da Cruz, “Bancos têm lucro com crise ou expansão”, Folha de São Paulo, 25/02/2008
[4] Luís Otávio de Souza Leal, Economista-Chefe do Banco ABC Brasil, 14/03/2008
[5] arkx, “do seu lado”, 16/03/2008
[6] Ney Hayashi da Cruz, “BC prevê inflação acima da meta e sinaliza alta de juros”, Folha de São Paulo, 28/03/2008
[7] Folha de São Paulo, 26/03/2008
[8] Zeina Latif, Economista-Chefe do Banco Real, Newton Rosa, Economista-Chefe da Sul América Investimentos,Otáviode Souza Leal, Economista-Chefe do Banco ABC Brasil, Folha de São Paulo, 26/03/2008
[9] Olavo Setubal, Folha de São Paulo, 13/08/2006
[10] Olavo Setubal, Folha de São Paulo, 13/08/2006
[11] Lula, 19/02/2008
[12] Ricardo Salinas, empresário-banqueiro mexicano ao inaugurar as duas primeiras lojas do grupo Salinas no Brasil,Folha de São Paulo, 31/03/2008
[13] Ricardo Salinas, Folha de São Paulo, 31/03/2008
[14] Ricardo Salinas, Folha de São Paulo, 31/03/2008









31 Março 2008









os idiotas
não obstante serem obsequiosamente subsidiados com a maior taxa de juros reais do mundo, os “companheiros” do mercado alertam que a melhor coisa para o governo fazer no momento é aumentar ainda mais a Selic. [1]

antecipando-se ao Copom, os juros bancários dispararam em janeiro de 2008, com a taxa média para pessoas físicas subindo de 43,9% para 48,8%, e para empresas, de 22,9% para 24,7%. [2]

embora o setor bancário tenha apresentado lucro de R$ 45,4 bi em 2007, numa alta de 35,9% em relação ao resultado de 2006[3], o BC registrou prejuízo de R$ 47,513 bilhões, valor 2,5 vezes maior do que o rombo registrado em 2006, sendo o resultado negativo decorrente da valorização do real no ano passado. [4]

a rentabilidade média conseguida pelos bancos em 2007 correspondeu a 25,2% do patrimônio líquido do setor. em 2006, essa taxa de retorno havia sido de 22,90%. já as despesas do setor com sua folha de pagamentos cresceram apenas 12,9% em relação a 2006. [5]

segundo o BC, o crescimento do PIB de 5,4% em 2007 é não apenas robusto como consiste na melhor prova de que o Brasil colhe os dividendos da estabilidade do poder de compra da moeda, sendo esta a maior contribuição que a política monetária pode oferecer para assegurar o crescimento econômico sustentado com inclusão social. [6]

também como resultado da política monetária do BC, o Brasil reconquista a liderança de país com a maior taxa real de juros do mundo, hoje em 6,73% anuais. a Turquia, vice-líder registra taxa real de 6,69%. seguem a Austrália, com taxa de 4,89%, e o México, com 4,18%. [7]

já o crescimento médio da economia brasileira de 3,8% nos últimos cinco do governo Lula, coloca o Brasil em 35º lugar em desempenho, em um grupo de 39 países emergentes, à frente apenas da Guatemala, México, El Salvador e Haiti. neste período, o crescimento médio do conjunto foi de 5,6% ao ano. [8]

fechado na questão inflacionária, o BC é produto do contexto de uma economia com foco no curto prazo. o objetivo da política econômica é o bem-estar do povo. a inflação é um condicionante ao bem-estar da população, mas é preciso ter visão mais ampla. se a economia brasileira cresceu 5,4%, os juros estão o dobro disso. esse é o problema da decisão de investimento. [9]

para os eternos defensores dos juros infinitamente altos, pessoas bem-intencionadas podem piorar a vida dos que pretendem ajudar. como num romance de Dostoiévsky, ansiosos por fazer o bem, acabam fazendo o mal e terminam como perfeitos idiotas. [10]

Dostoiévsky, entretanto, descreveu em seus romances como os homens, uma vez com o dinheiro, se pretendem originais, no supremo grau da palavra, supondo que o dinheiro, apesar de abjeto e odioso, também confere, além de riqueza, algum tipo de talento. [11]






[1] Marcos Lisboa, Diretor-Executivo do Unibanco, “No curto prazo, a melhor coisa a fazer é aumentar os juros“, Folha de São Paulo, 30/03/2008
[2] Lu Aiko Otta , Estado de São Paulo, 27/02/2008
[3] Ney Hayashi da Cruz, Folha de São Pauol, 05/03/2008
[4] Correio Braziliense, 29/02/2008
[5] Ney Hayashi da Cruz Folha de São Paulo, 05/03/2008
[6] Henrique Meirelles, no em nota do BC sobre resultado do PIB de 2007, 12/03/2008
[7] Fabricio Vieira, Folha de São Paulo, 05/03/2008 - os juros reais são calculados a partir da taxa básica de juros, descontando dela a inflação projetada para os próximos 12 meses.
[8] Tribuna da Imprensa, 13/03/2008
[9] Marcio Pochmann, Folha de São Paulo, 15/03/2008
[10] Marcos Lisboa, Diretor-Executivo do Unibanco, citando “O idiota”, de Fiódor Dostoiévski
[11] Fiódor Dostoiévski, “O idiota”


29 Março 2008









o pensamento binário

após o fracasso em duas eleições sucessivas, PSDB e PFL-DEM decididamente não demonstram a menor vocação para o incômodo papel de oposição a que se viram alijados. com sua política sem povo e cúmplices do governo no apoio ao modelo econômico, só lhes resta como arena de batalha o circo da grande mídia. [1]

apesar de em seu transtorno compulsivo tentar obsessivamente gerar a crise capaz de golpear Lula até a queda derradeira, ainda mais uma vez é o anti-lulismo que reabilita e fortalece o lulismo. [2]

um paradoxo paralisando o país. um impasse que mantém o Brasil imobilizado no meio de uma travessia, girando em círculos numa falsa encruzilhada, prisioneiro de uma esfinge sem enigmas. [3]

acorrentado ao falso dilema PT x PSDB, duas faces distintas mas complementares da mesma moeda da macroeconomia de juros altos e câmbio apreciado, o debate político no Brasil segue numa camisa de força, fazendo do pensamento binário a alternativa única.

quando se chocam, PT e PSDB criam uma grande faísca, tão útil quanto efêmera, pode até provocar um incêndio, mas geralmente só faz brilhar os egos envolvidos. [4]

enquanto o PSDB na prática não consegue passar do DEM na teoria, o PT na prática se revelou o PSDB na teoria. [5]

nada há de bifásico nesta dicotomia, apenas uma leve oscilação na intensidade monofásica contínua, sem ao menos chegar a ser alternada. [6]

na desolação do cenário político, mesmo que nada se ouça, além do silêncio de muito barulho por nada, ainda assim é possível sentir um grito infinito atravessando a paisagem. [7]

como se captar a silenciosa movimentação social que marca o inicio de novos tempos? qual o exato início da mudança? quando não há mais caminho de volta ao passado? e também não há como voltar-se para o futuro? [8]

entre 1930 e 1970 houve um esforço teórico considerável para se compreender o Brasil. foram antropólogos, sociólogos, historiadores, economistas que produziram a melhor teoria sobre o país.

nos últimos 25 anos o Brasil mudou muito. se constituiu um novo país que ainda não foi reinterpretado. aquela teoria do Brasil diz respeito ao país que existia até os anos 1980, não a este de hoje. estamos em vôo cego pois não temos uma teoria contemporânea do Brasil.

imersos em uma crise de destino, a maior da nossa existência, a História está nos encarando nos olhos, indagando: “afinal, o que vocês são? o que querem ser? tem sentido existir Brasil? qual Brasil?” [9]

para romper a corrente do estéril sectarismo binário, utilizando a web para pensar em conjunto o cenário econômico, político e social brasileiro, é preciso abrir lugar para a crítica e a dúvida metódica, sempre questionando em primeiro lugar as próprias certezas, a fim de se ter uma interlocução produtiva. [10]

parte desta nova teoria sobre o Brasil será construída em rede, pela contribuição quase anônima, mas insubstituível, de todos nós.






[1] arkx, “uma esfinge sem enigmas”
[2] arkx, “ai! que cansaço...”
[3] arkx, “uma esfinge sem enigmas”
[4] Luiz, comentário no blog do Luis Nassif
[5] Juliano, comentário no blog do Luis Nassif
[6] Neves, comentário no blog do Luis Nassif
[7] arkx, “entreato”
[8] arkx, “ai! que cansaço...”
[9] César Benjamin, “Uma certa idéia de Brasil”
[10] Clara-Maria, comentário no blog do Luis Nassif


22 Março 2008









veja o inimigoqual o pior inimigo? aquele que se apresenta como tal? ou o que esconde sua face e sorri candidamente enquanto apunhala pelas costas?

em 25/03/2008 o iG rescindiu unilateralmente o contrato de Paulo Henrique Amorim, retirando seu blog do ar sem qualquer explicação aos leitores.

Conversa Afiada ficou fora do ar por 8 horas e 58 minutos, até Paulo Henrique Amorim reabir o site em novo endereço: http://www.paulohenriqueamorim.com.br/ [1]

o que o iG fez com Paulo Henrique Amorim e com os milhares de internautas que freqüentavam diariamente o Conversa Afiada foi, para dizer o mínimo, um grosseiro desrespeito. em respeito aos leitores, deveria ter comunicado oficialmente que o site de Paulo Henrique Amorim seria tirado do ar. [2]

o abrupto rompimento do contrato que ligava o jornalista ao portal ecoa situações inaceitáveis, de sorte a se lhes entender os motivos em um piscar de olhos. basta averiguar quais foram os alvos das críticas negativas de Paulo Henrique neste tempo de Conversa Afiada[3]

o iG é controlado pelo Internet Group do Brasil. o Internet Group do Brasil é atualmente controlado pela Brasil Telecom.

o Internet Group do Brasil foi fundado pelos grupos GP Investimentos e Opportunity.

da composição societária da Brasil Telecom fazem parte a Telecom Itália, o Citigroup, fundos de pensão brasileiros e o Opportunity.

a aquisição de controle do iG foi controvertida e recebeu manifestações contrárias de acionistas da Brasil Telecom em razão do alto valor pago na transação, com indícios de ser muito acima da avaliação de mercado, e ao fato do Opportunity encontrar-se entre os vendedores.

o dono do Opportunity é Daniel Dantas.

Paulo Henrique Amorim atacava duramente Daniel Dantas e o processo de fusão da Oi com a Brasil Telecom.

para a “BrOi” sair, o Citi precisa fazer um acordo com Dantas. o que significa retirar da Justiça de Nova York a ação de US$ 350 milhões que move contra Dantas. o Conversa Afiada perguntou ao senhor Sérgio Spinelli, representante legal do Citibank, no Brasil, se ele é a favor desta patranha“Are you part of this scam ?” [4]

Sergio Spinelli é o chairman of the board da Brasil Telecom. Spinelli também é o representante legal do Citibank no Brasil. o Citibank é um dos principais acionistas da Brasil Telecom. [5]

e a Brasil Telecom é a controladora do iG.

em editorial sobre a “descontinuação do contrato com o jornalista Paulo Henrique Amorim” o iG declara “seguir firme na determinação de ser um portal que aposta na pluralidade de opiniões, no respeito à liberdade de expressão e no protagonismo dos internautas”.

ao mesmo tempo, surge na página principal do iG um anúncio da revista Veja.

dossiê publicado em capítulos na web pelo jornalista Luis Nassif tem demonstrado como Daniel Dantas influencia diretamente o rumo editorial da revista Veja. [6]

[1] Paulo Henrique Amorim, “Esclarecimento I”
[2] Luiz Carlos Azenha, “iG fez com Paulo Henrique Amorim o que nem a Globo fez comigo”
[3] Mino Carta, “O último post”
[4] Paulo Henrique Amorim, “BrOi: DANTAS CHANTAGEIA CITI”, 10/03/2008
[5] Paulo Henrique Amorim, “O CITI ME DEMITIU ?”
[6] Luis Nassif, “O Caso Veja”, www.luis.nassif.googlepages.com/home


16 Março 2008









do seu lado
se Dilma assume a maternidade da aceleração do crescimento [1], o Copom continua como sempre: padrasto da maior taxa de juros reais do mundo e aborteiro da expansão do PIB. [2]

depois de tudo o que disse na última ata do Copom, não há como o BC não elevar os juros. a manutenção da Selic provocará um ruído desnecessário na comunicação com os agentes econômicos. [3]

em mais um de seus surtos esquizofrênicos, o governo Lula ao mesmo tempo acelera e breca o crescimento.

na busca da conciliação dos antagonismos insuperáveis, Lula acaba usando sua mão direita para decididamente tomar tudo o que tenta timidamente distribuir com a mão esquerda.

ressurge em 2008 a mesma maldição de 2004, quando Meirelles garantiu a Lula que o aumento dos juros era necessário, pois a inflação caminhava rapidamente para taxas de dois dígitos. segundo o presidente do BC, em pouco tempo, voltaria a cortar a Selic. com a inflação novamente sob controle, a economia retomaria o fôlego e renderia bons dividendos políticos nas eleições presidenciais de 2006. a Selic começou a cair em setembro de 2005, e Lula se reelegeu, a despeito de todas as denúncias de corrupção contra o seu governo. [4]

agora, o argumento do presidente do BC é de que a demanda interna está excessivamente forte. um pequeno aumento nos juros provocará uma leve acomodação no consumo. em 2009, a Selic poderá voltar a cair, reaquecendo a economia em 2010, ano de eleições, ajudando a alavancar a candidatura apoiada por Lula. [5]

entre São Bernardo e a av. Paulista [6], entre a Casa Grande e a Senzala, entre os bancos e os grotões, entre as forças do mercado e as favelas, entre o Copom e o Bolsa Família, entre a Selic e as políticas compensatórias, entre o desenvolvimento com inclusão social e a capitulação voluntária aos mercados, entre os fundamentos sociais e históricos do PT e o programa econômico de FHC [7], Lula nunca teve dúvida de que lado está: 
do lado dele mesmo.

[1] Dilma Roussef, 11/03/2008, assumindo a condição que lhe foi conferida por Lula, em discurso na Favela do Alemão, no Rio, em 07/03/2008
[2] ata do Copom, divulgada em 13/03/2008, “a opção de realizar, neste momento [quarta-feira da semana passada], um ajuste na taxa básica de juros"
[3] Luís Otávio de Souza Leal, Economista-Chefe do Banco ABC Brasil, 14/03/2008
[4] “Aumento iminente”, Correio Braziliense, 14/03/2008
[5] “Aumento iminente”, Correio Braziliense, 14/03/2008
[6] Francisco de Oliveira, “Entre São Bernardo e a avenida Paulista?”
[7] Demétrio Magnoli, “O Brasil sem o PT"


13 Março 2008









mulheres que amam
mulheres que amam
amam tanto
que de tanto amar
perdidas nos labirintos da paixão
se confundem em seu amor
como uma ânsia
um furor
maníaca obsessão

as mulheres não deveriam amar
não mais
e o amor delas arrancado
como clitóris extirpados
e atirados ao fogo
para que fogo contra fogo
ardam e se consumam
nas chamas da fogueira
os fogos da paixão

mulheres que amam
condenadas eternamente
nas pedras a se arrastarem
exibindo inscritas nas peles cicatrizes
jaculatórias de gozo
tatuadas por prazeres e suplícios
de epifanias obscenas

não, não deveriam
não mais

no isolamento das celas
na clausura dos conventos
pelo jejum, o flagelo, a mutilação
o exorcismo de toda
a maldição do amor e seus tormentos


mulheres amam
mas não sabem o que querem
tampouco sabem
o que delas quer o amor
senão avassalador arrebatamento
de um cio inevitável
sangramento incontrolável
possessão inexplicável
misturando múltiplos orgasmos
transe místico
e deliciosas dores de partos

não mais

ou então...

qual mulher
capaz de arrancar completamente
o amor para fora de seu peito
apenas com o amor vestida 
sair às ruas
para ao próprio amor auscultar os pedidos
compreender-lhe as súplicas
e lhe decifrar os desígnios

qual mulher
ousaria enfrentar o gozo
que já não é mais seu
é do amor mesmo que a devora
parindo úteros que geram sonhos
de pura luz iluminando o mundo

qual mulher
a esse amor se entregaria
para que possa
enfim
saber o que é o amar


12 Março 2008









parir o novo

para o mal ou para o bem Dilma Roussef se tornou a mãe do PAC. [1]

assim, através da Ministra-Chefe da Casa Civil virão à luz o teleférico do Complexo do Alemão, a elevação da via férrea e construção do parque em Manguinhos e a passarela assinada por Niemeyer na Rocinha.

enquanto providencia o parto das grandes obras que atendem o interesse das construtoras, Dilma se encarrega de justificá-las com as “obras sociais”: saneamento e reurbanização.

no início do primeiro mandato de Lula, Dirceu era reverenciado e temido como genial e implacável operador político.

acabou cassado. sofre processo como “chefe de uma organização criminosa”.

Palocci, por sua vez, se apresentava como pacificador dos mercados, âncora da estabilidade e o mais provável sucessor.

caiu por causa de um simplório caseiro. os mercados continuaram tão pacíficos e tão rentáveis como antes.

membros da equipe econômica não costumam ter problemas de emprego ao deixar o governo. em retribuição aos bons serviços prestados, logo são recompensados com cargos no alto escalão de empresas do mercado financeiro. para receberem o prêmio, contudo, mínima capacitação técnica é requerida. no caso de Palocci, para continuar se dedicando à causa dos banqueiros, só lhe restava a via parlamentar. [2] foi reeleito pelo lobby do sistema financeiro.

num governo em cujo céu há cada vez menos estrelas, agora é a vez de Dilma brilhar. quase solitariamente.

coube a José Dirceu consolidar no PT um modelo de campanha eleitoral financiado pelos grandes empresários e conduzido pelos marketeiros, levando ao afastamento da militância petista das ruas.

a Palocci também não faltou qualidades para articular a capitulação do PT a uma política econômica que faz com que Lula possa admitir, com certa dose de orgulho, que jamais banqueiros e grandes empresários ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo, mesmo que os votos tenham sido para seu adversário.

de modo semelhante, Dilma é também muito competente em adotar a bandeira da gestão não-ideológica, desfraldada sem sucesso pelo candidato tucano derrotado nas eleições passadas.

Dilma faria parte de uma lenta, mas sistemática, aproximação dos quadros técnicos das funções-chave do governo, promovendo uma revolução gerencial que se encaminha lentamente para um ponto de equilíbrio, sem mudanças bruscas entre um governo e outro, em prol do equilíbrio do Estado. [3]

num país com desigualdades abissais e ainda no topo do ranking com a mais alta taxa de juros reais do mundo, deve ser algum tipo de sadomasoquismo se referir a "ponto de equilíbrio do Estado".

a grande novidade não é um “gestor não-ideológico”. para isto, há talento de sobra entre os inúmeros executivos das empresas brasileiras.

o que o Brasil precisa é de “gestão ideológica” de qualidade.

por sinal, algo que a Esquerda jamais conseguiu dar conta. e que Direita sempre fez com muita competência, mas nunca a favor dos interesses nacionais.

por que melhorar a gestão pública?

para que o governo gaste melhor. não necessariamente gaste menos, pode até vir a gastar mais com uma melhor gestão.

como o governo pode gastar melhor, se o maior gasto é com os juros da dívida pública?

neste ponto, Dilma tem demonstrado pouca capacidade de gerar alternativas e total inapetência em interferir politicamente.

outro ponto: como melhorar a gestão sem melhorar a gestão de pessoas?

porque gestão é fundamentalmente gestão de pessoas. não existe qualidade na gestão de processos sem qualidade na gestão de pessoas, já que são pessoas concretas que fazem funcionar os processos.

como ter uma boa gestão de pessoas sem destravar o nó provocado pela fisiologia do loteamento político nos órgãos públicos e empresas estatais?

aqui vale frisar que também há, e muito, loteamento político nas empresas privadas.

o mínimo de experiência na administração pública ensina que o corpo técnico e a gerência média é de tão boa qualidade (ou até supera) quanto nas empresas privadas.

ocorre que esta camada média da gestão pública é mantida refém da cúpula, onde estão os apadrinhados dos acordos fisiológicos.

não há como destravar este nó atuando apenas na superestrutura.

Dilma é o derradeiro capítulo da triste novela de se tentar no Brasil desenvolvimento sob a tutela do Copom.

Dilma é hoje o que Dirceu e Palocci foram no passado. e há grande chance de no futuro ela ser como eles são hoje.

não se trata de estratégia para o país, apenas um plano político para percorrer o caminho em direção a 2010.

entretanto, há pesadas e negras surpresas no horizonte, ainda em 2008.

erguer castelos de cartas pode ser tão doce ilusão. o duro tombo na realidade sempre desfaz fantasias.



[1] Dilma Roussef, 11/03/2008, assumindo a condição que lhe foi conferida por Lula, em discurso na Favela do Alemão, no Rio, em 07/03/2008
[2] arkx, “cartas de Palocci”, 05/03/2008
[3] Francisco, comentário no Blog do Nassif, 08/03/2008








29 Fevereiro 2008









uma esfinge sem enigmas
ao se considerar as 500 maiores empresas brasileiras, elas nunca ganharam tanto dinheiro como agora. os bancos também nunca ganharam tanto dinheiro.[1]

enquanto ao Bolsa Família cabem meros R$ 8 bilhões, o governo gasta R$ 160 bilhões com os juros da dívida pública interna. em 2007, o lucro dos quatro maiores bancos foi de R$ 20 bilhões contra R$ 21 bilhões de todo o orçamento social de Lula. [2]

apesar de em seu transtorno compulsivo tentar obsessivamente gerar a crise capaz de golpear Lula até a queda derradeira, a grande mídia não deixa de celebrar em manchetes efusivas a política econômica do mesmo governo Lula. [3]

mantendo sua popularidade sequer arranhada, Lula continua dando as cartas e embaralha a política brasileira.

com sua dubiedade e sua arrogância, suas hesitantes meias-medidas e sua vã onipotência, sua capitulação voluntária aos mercados disfarçada sob o álibi de seu assistencialismo compensatório aos miseráveis, Lula faz com que um país inteiro se paralise, girando em círculos numa falsa encruzilhada, prisioneiro de uma esfinge sem enigmas, fugindo de uma resposta simples a tão incômoda pergunta:

como pode um governo dos trabalhadores executar tão bem a política econômica dos patrões?

não que uma defesa incondicional e irracional de Lula o pretenda perfeito e sem defeitos, apenas lhe considera como o pior presidente que o Brasil já teve, com exceção de todos os outros. [4]

a rentabilidade dos bancos não tem sido afetada pelas oscilações da economia brasileira. a única diferença está na fonte de lucros das instituições financeiras. em períodos de menor crescimento e maior instabilidade econômica, os ganhos são inflados pelas operações com títulos públicos, que ficam mais rentáveis com o aumento da taxa básica de juros. com um maior dinamismo da economia, o lucro vem da cobrança de tarifas, impulsionadas pela expansão das operações de crédito. [5]

em 2002, quando as especulações em torno das eleições presidenciais levaram o dólar perto de R$ 4, os principais bancos privados do país tiveram uma rentabilidade sobre patrimônio líquido de 28%. naquela ocasião, a elevada taxa Selic – oscilando em torno de 20% ao ano - favorecia os ganhos com aplicações em títulos públicos. as receitas com operações de tesouraria representavam 34% do faturamento total, enquanto o peso das tarifas era de apenas 11%.

já em 2007, a rentabilidade desse grupo de instituições chegou a 35%, sendo que o peso das tarifas no faturamento subiu para 18%, e os ganhos com tesouraria, ao contrário, caíram para 23% da receita total. [6]

mesmo assim, as taxas de juros dos empréstimos dispararam em janeiro de 2008, sendo que para pessoas físicas o salto foi de 4,9 pontos percentuais. [7]

se é bom que todo mundo ganhe, também é bom lembrar que o povo também precisa ganhar dinheiro. [8]

os ganhos com a prestação de serviços bancários são favorecidos, entre outros fatores, pelo aumento da renda da população, o que estimula o crescimento de setores como o de fundos de investimentos e de seguros. [9]

então, assim se revela o último dos mistérios de um governo dos de baixo, mas governando para os de cima, numa hegemonia às avessas. [10]

devido aos programas sociais, a economia política do governo Lula costuma ser avaliada como a máxima concessão possível de ser arrancada aos mercados, fazendo da taxa de juros, mantida como a segunda mais alta do mundo, e do câmbio apreciado, tornando o Real a moeda que mais se valorizou frente ao dólar, uma espécie de suborno oferecido aos grandes investidores para impedir qualquer chantagem que solape as condições de governabilidade, as quais, por sua vez, possibilitam a continuidade das políticas sociais.

do mesmo modo que o Bolsa Família é o instrumento pelo qual se impede uma explosão dos miseráveis e se mantém a brutal transferência de renda através da taxa de juros, firmando o pacto maldito entre as favelas e o Copom, não haveria expansão de crédito sem recomposição do salário mínimo, caso não se preservasse o preço da cesta básica e fora do risco zero do crédito consignado.

o aumento do consumo das famílias se dá num ritmo superior ao crescimento da massa salarial, indicando como são mecanismos de crédito que sustentam esse incremento. numa clara demonstração de como tem funcionado a expansão daquilo que alguns já denominam de economia do endividamento. [11]

através dos juros da consignação em folha, poupando os credores dos perigos da inadimplência, as camadas populares são conduzidas, em longas prestações, ao paraíso do consumo, gerando a bolha de crédito que possibilita os bancos a cravarem os sucessivos recordes em seus lucros. [12]

assim, embora avaliadas como o grande mérito do governo, as políticas sociais de Lula se encaixam perfeitamente nos fundamentos da “hegemonia às avessas”.

trata-se de um fenômeno novo, em nada parecido com qualquer das práticas de dominação exercidas ao longo da existência do Brasil.

não é o patrimonialismo, pois o que os administradores dos fundos de pensão estatais gerem é capital-dinheiro. não é o patriarcalismo brasileiro de Casa-grande & senzala, porque não é nenhum patriarca quem exerce o mando, nem a economia é “doméstica”. não é populismo, como sugere a crítica da direita, e mesmo de alguns setores da esquerda, porque o populismo foi uma forma autoritária de dominação na transição da economia agrária para a urbano-industrial. [13]

com a eleição de Lula, parecia ter sido derrotada a poderosa discriminação social brasileira, o preconceito de classe absurdamente alto num país com tradição racista. mas, para quê? para governar para os ricos. e os ricos consentem, desde que os fundamentos da exploração não sejam postos em xeque. [14]

ao negar-se a decifrar o enigma do auto-engano em que se imobilizou, para hipotecar apoio incondicional a Lula, a maior parte da Esquerda acaba por se converter em sua própria esfinge, sem se dar conta que devora a si mesma.











[1] Lula, 19/02/2008
[2] Francisco de Oliveira, “Obama, Tocqueville e a ilusão americana”, 28/02/2008
[3] “Brasil já é credor externo, informa BC“, 21/02/2008
[4] “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”, Winston Churchill
[5] Ney Hayashi da Cruz, “Bancos têm lucro com crise ou expansão”
, Folha de São Paulo, 25/02/2008
[6] dados do Inepad (Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração), citados por Ney Hayashi da Cruz, “Bancos têm lucro com crise ou expansão”, Folha de São Paulo, 25/02/2008
[7] Lu Aiko Otta , “Taxas de juros disparam”, Jornal do Commercio, 27/02/2008
[8] Lula, 19/02/2008
[9] Ney Hayashi da Cruz, “Bancos têm lucro com crise ou expansão”, Folha de São Paulo, 25/02/2008
[10] Francisco de Oliveira, entrevista a Gazeta Mercatil, 07/12/2006
[11] Paulo Passarinho, “A economia brasileira se recupera?”
[12] “Lucro do Itaú dobra e é o maior do setor”, Folha de São Paulo, 13/02/2008
[13] Francisco de Oliveira, “Hegemonia às avessas”
[14] Francisco de Oliveira, “Hegemonia às avessas”










24 Fevereiro 2008








milagres capitalistas em cuba libre [1]

o jornalista pressiona a tecla ENTER e o e-mail é enviado.

tratava-se de sua coluna semanal para o jornal de maior tiragem no Brasil. em alguns poucos parágrafos, o texto demonstrava como através do capitalismo seria gerado o milagre cubano.

o homem se levanta. acende um cigarro. beberica uma dose de whisky. olha em torno.

por um breve instante, permanece imóvel no centro da ampla sala de seu luxuoso apartamento, no mais rico bairro da maior cidade do país.

mobília. decoração. biblioteca. iluminação indireta. música baixa e suave. conforto e sucesso.

ele caminha até a varanda. estende seu olhar através da noite poluída. tenta vislumbrar a turva linha do horizonte.

a convulsionada paisagem de neon e escuridão parece se contorcer entre gemidos, sussurros, súplicas desconexas.

com perplexidade, o jornalista sente seus pensamentos se embaralharem. sem saber se tomado por epifania ou maldição, pensa estar prestes a desmaiar.

quantos monstruosos milagres não se produziam ali mesmo, naquele exato momento, na atormentada cidade à sua frente?

estupros e mutilações. vício, vaidade, tiroteios, abortos e suicídios. hemorragias, escarro, traições e infâmias. assassinatos, frustrações e tumores.

milagres. milagres capitalistas. por toda a parte. de puro horror e iniqüidade.

com o toque do celular, o jornalista é trazido de volta a seu reconfortante cotidiano de oportunidades e negócios.

encharcado de suor, se atira de costas no sofá, antes de atender o telefone.

enquanto isto, em Cuba, numa das frondosas avenidas de Havana, em um inútil pardieiro, no que antes da Revolução fora um palacete magnífico, dez famílias exercitam sua imaginação.

especulam se a transição cubana será uma saída do fracassado regime de Fidel em direção a algum estágio superior do socialismo. quem sabe, o velho e bom capitalismo...

com a abertura aos investimentos estrangeiros, surgiriam imensas chances de prosperidade em Cuba. e todos sairão ganhando.

a nomenklatura do PC Cubano, corretores imobiliários de Miami, construtoras brasileiras e toda sorte de audazes empreendedores também fazem suposições e traçam seus planos.

chega-se então a um exemplo bastante engenhoso do que o capitalismo pode fazer por Cuba.

para deslanchar o mercado imobiliário em Cuba, será necessário um retorno ao passado para se poder chegar ao futuro.

os milhares de litígios se resolvem indenizando os herdeiros dos antigos proprietários com títulos emitidos pelo governo cubano. estes títulos são comprados, com deságio de até 90%, por corretores de imóveis de Miami.

estes negociam com as famílias cubanas que ocupam os diversos casarões, oferecendo a cada uma delas um apartamento em outros imóveis.

ao mesmo tempo, os corretores lançam agressiva campanha publicitária direcionada a aposentados nos EUA, para trocarem suas propriedades por mais baratos e muito melhores apartamentos de luxo em Havana, a serem erguidos no lugar dos casarões, e ainda embolsarem a diferença entre os preços de compra e venda.

todas estas novas construções ficam a encargo de empreiteiras brasileiros. com a ajuda de farta distribuição de caixinhas, serão beneficiadas pelos programas de incentivo à construção civil e de estímulo a habitações populares, lançados pelo governo cubano, oferecendo um amplo leque de subsídios financeiros e isenções fiscais.

todo mundo ganha.

os herdeiros recebem uma indenização razoável por um casarão já dado como perdido e do qual não tinham como retomar a posse. os “companheiros” da burocracia comunista cubana embolsam polpudas comissões. os moradores do cortiço tornam-se proprietários de apartamentos novos, com excelente perspectiva de valorização num mercado em processo de rápida expansão. os aposentados norte-americanos vão morar no dobro do espaço, ainda sobrando para eles muita grana no bolso. um exército de cubanos consegue emprego nos diversos canteiros de obras espalhados por Havana. os corretores e empreiteiros obtém com o negócio um retorno de 100%. mesmo com a repatriação de parte dos lucros, ainda assim os recursos que entram na economia cubana são, pelo menos, equivalentes ao hipotético valor inicial dos diversos pardieiros inúteis.

despertado o animal spirit do empresariado, a mão invisível do mercado opera seu milagre. e faz com que, pelo poder da consumação dos lucros, o interesse privado se concretize através da realização da necessidade coletiva.

logo ao ocuparem suas novas moradias, os antigos moradores do pardieiro inútil deparam-se com algumas surpresas.

como os prédios foram construídos em um outro bairro, agora a distância de seus locais trabalho é enorme. não há transporte público. tampouco nas cercanias dos prédios existem escolas, postos de saúde, creches.

o governo cubano e as construtoras brasileiras trocam acusações sobre quem seria o responsável pela falta de infra estrutura nos outros bairros onde os prédios populares foram construídos. o tempo passa. não chegam a conclusão alguma. tudo vai ficando como está.

logo nos primeiros meses de uso, os imóveis apresentam graves problemas. desvios e adulteração do material utilizado nas obras prejudicaram a qualidade das construções. rachaduras comprometem as estruturas. alguns dos prédios tem que ser evacuados. muitos dos moradores ficam sem ter para onde ir.

no decorrer daquele ano, a especulação imobiliária avança descontrolada em Havana. os moradores dos conjuntos recém construídos são assediados por vendedores ambiciosos. muitos acabam cedendo. inspirados pelos aposentados norte-americanos, vendem seus apartamentos na esperança de comprarem outra moradia, mesmo que pior mas por um preço menor, e assim ainda ganharem algum dinheiro.

antes reprimida pela mão de ferro do regime cubano, agora a demanda habitacional explode com toda violência. a frágil economia de Cuba, num delicado processo de transição para um sistema de livre mercado, entra em crise: inflação, desemprego, desabastecimento, colapso energético.

então, nas cercanias de Havana, emerge a verdadeira face dos milagres que o capitalismo produzirá em Cuba: nascem os barracos iniciais das primeiras favelas.

a partir daquela noite, entre as 50 milhões de crianças dormindo na rua em todo o mundo, algumas dentre elas serão cubanas. para se abrigarem já não contam com nem mesmo os antigos pardieiros inúteis.

em São Paulo, ainda transtornado, o jornalista demora um pouco para reconhecer ao telefone a voz do amigo, convidando-o para jantar.

no caminho para o restaurante, o carro blindado enguiça. a trava elétrica das portas entra em pane. quatro homens encapuzados e fortemente armados cercam o veículo. o homem tenta arrancar, mas a embreagem não responde.

ele é tirado do volante. jogado no meio da rua. agredido a chutes e coronhadas. arrastado para dentro de um outro carro, que sai em alta velocidade.

dois dias depois seu corpo é encontrado abandonado no meio de um matagal, numa das mais miseráveis periferias da cidade. completamente despido. há sinais de tortura. executado com tiros na nuca e no tórax, teve sua face desfigurada.

já não há mais os milagres que se esperava. já não há mais profetas. e ninguém sabe quanto tempo tudo isso vai durar. [2]

[1] sobre “O capitalismo produzirá o milagre cubano”, Elio Gaspari, Folha de São Paulo, 24/02/2008
[2] Salmos 74:9










22 Fevereiro 2008








socialismo ou morte
poucos assuntos são tão mal entendidos, tão manipulados e tão mal interpretados como a Revolução Cubana. [1]

se Fidel é o único mito vivo da História da Humanidade [2], o mérito é dos EUA. [3]

nos tempos heróicos da Sierra Maestra, Fidel e o Movimento 26 de Julho lutavam contra a ditadura de Fulgencio Batista, por uma Cuba democrática e não tinham nenhuma animosidade contra os EUA. [4]

mesmo após a derrota de Batista, Fidel Castro declarou à Associação de Banqueiros, em 06/03/1959, que desejava a colaboração deles. também afirmou, segundo o "News and World Report", não ter "nenhuma intenção de nacionalizar qualquer indústria"[5]

para os EUA, entretanto, Cuba era uma “fruta madura”, separada da árvore nativa, sem escolha além de apenas cair ao chão. força desligada do seu vínculo e incapaz de se auto-sustentar, gravitaria na direção dos EUA, o qual, pela mesma lei da natureza, não teria como segregá-la do seu seio. [6]
por sua localização geográfica, por necessidade e por direito, Cuba deveria pertencer aos EUA. [7]

a língua dos cubanos seria a primeira coisa a se eliminar, pois a língua latina bastarda de sua nação não resistirá por nenhum tempo ao poder competitivo do forte e vigoroso inglês. e o sentimentalismo político e suas tendências anárquicas serão eliminadas depois da língua e, de maneira gradual, a absorção do povo será absoluta, o que seria devido ao inevitável predomínio da mente americana sobre uma raça inferior. [8]

sendo os habitantes de Cuba, em regra, preguiçosos e apáticos, é claro que a anexação imediata de um número considerável de elementos tão perturbadores aos EUA seria uma loucura, e antes de colocá-la, haveria um saneamento da ilha, empregando o meio que a Divina Providência aplicou às cidades de Sodoma e Gomorra. [9]

assim, seria preciso destruir tudo aquilo que os canhões alcançarem a ferro e a fogo. e também aumentar o bloqueio a fim de que a fome e a peste, sua permanente parceira, dizimem a população. [10]

enquanto o comandante-em-chefe Fidel Castro declarava: “Queremos ter boas relações com os Estados Unidos, mas submissão, não” [11], a revista Time, de 06/04/1959, trazia um artigo afirmando: “o neutralismo de Castro é um desafio aos EUA”[12]

embora o ideal de Fidel para Cuba fosse a democracia burguesa dos EUA, acabou sendo encurralado pelo próprio EUA, em cuja estratégia geopolítica há leis de gravitação política como as há de gravitação física. [13]

os governantes norte-americanos nunca deixaram de confessar, até com uma certa candura, verem Cuba como um país a ser incorporado aos EUA. [14]

na verdade, os EUA deixaram para Fidel uma única opção: “socialismo ou muerte”.

[1] Herbert Mattews, “Nos meus 30 anos no New York Times, jamais vi um grande assunto tão mal entendido, tão mal manipulado e tão mal interpretado como a Revolução Cubana”
[2] Lula, 19/02/2008
[3] Fidel Castro, “Si se me considera un mito, es mérito de los Estados Unidos."
[4] Fidel Castro, entrevista a Herbert Matthews, New York Times, 24/02/1957
[5] Peter Taafe, “Análise da revolução Cubana”
[6] John Quincy Adams, em 1817 como Secretário de Estado, em 1825-1829 cumpriu mandato como o 6º Presidente dos EUA
[7] The New York Sun, 05/1847
[8] The New York Sun, 05/1847
[9] plano de intervenção dos EUA em Cuba, apresentado em 24/12/1897, por Breckenridge,Secretário de Guerra dos EUA
[10] plano de intervenção dos EUA em Cuba, apresentado em 24/12/1897, por Breckenridge,Secretário de Guerra dos EUA
[11] Fidel Castro, entrevista a U. S. News and World Report
[12] Lázaro Barredo Medina, “O conflito mais duradouro da era contemporânea”
[13] John Quincy Adams, em 1817 como Secretário de Estado, em 1825-1829 cumpriu mandato como o 6º Presidente dos EUA
[14] Thomas Jefferson, um dos fundadores dos EUA, 1807, “Confesso com candura que sempre vi Cuba como o país mais interessante que se podia incorporar a nosso sistema de Estado.”









30 Janeiro 2008









a grande besta
se quando os EUA espirram o restante do mundo tem um resfriado [1], o que acontecerá se a economia norte-americana cair gravemente doente?

a mais nociva enfermidade é a idéia que os mercados são perfeitos e, portanto, tendem ao equilíbrio. os mercados são imperfeitos e no futuro podem nos conduzir a um formidável colapso da economia do planeta. [2]

ao relegar os mercados aos seus próprios sistemas de controle, as autoridades monetárias contavam que os mercados se corrigissem a si mesmos. entretanto, os mercados necessariamente não se corrigem. [3]

ainda mais letal que a bolha financeira é sua inseparável e menos discutida contraparte: a bolha militar.

a estratégia do governo Bush pode ser sintetizada como a combinação de duas operações que, apoiando-se mutuamente, deveriam ter relançado e consolidado o poderio imperial dos EUA: a expansão rápida de uma bolha consumista-financeira para produzir um forte impulso econômico associada a uma ofensiva militar que lhe daria a hegemonia energética global e daí a primazia financeira. [4]

enquanto os magos de Wall Street engendravam a bolha de crédito, a previsão dos falcões neocon era que os cowboys retornariam para a terra dos bravos num desfile triunfal em Times Square. e não em deprimentes sacos pretos...

com a irresistível chegada da recessão, estariam também os bárbaros batendo às portas do império norte-americano?

ou já não há mais qualquer bárbaro que seja? mas o que será dos EUA sem os bárbaros? afinal, os bárbaros eram um tipo de solução... [5]

através de suas próprias empresas em território chinês, os EUA se tornaram "Made in China". são os maiores importadores da produção offshore das fábricas norte-americanas instaladas na China, cuja economia depende em cerca de 70% do comércio exterior.

com o déficit fiscal dos EUA alcançando o nível das reservas internacionais da China, os norte-americanos pressionam o consumidor chinês a diminuir a sua poupança, a fim de preservar o dinamismo do comércio internacional.

para os chineses, entretanto, é prudente poupar hoje pensando no amanhã. já os norte-americanos desejam continuar a gastar hoje o que ainda não se ganhou.[6]

qual o tamanho da besta? [7] qual foi ovo da serpente?

o ano de 2001 não é somente o dos atentados de 11/09 e da declaração da “guerra sem fim” por George W. Bush. é também o ano da entrada da China na OMC (Organização Mundial do Comércio). além disto, 2001 é o ano em que as autoridades monetárias norte-americanas adotaram a ampliação do crédito hipotecário, como resposta à crise da bolsa de ações de alta tecnologia (Nasdaq). [8]

os gastos dos consumidores norte-americanos são responsáveis pela maior parte da economia dos EUA. e o consumo dos EUA é o dínamo que mantém em movimento a economia globalizada.

por outro lado, os 50% mais pobres da população dos EUA possuem somente 2,8% do patrimônio, e o 1% mais rico, 32,7%. [9]

como o crescimento da renda salarial é insuficiente para promover a demanda exigida, a resposta ao dilema encontra-se na expansão do crédito, o que desconecta o consumo da renda disponível.

a hipertrofia dos mercados financeiro se expande muito além do ritmo de crescimento da economia real. os negócios com derivativos, que representavam por volta do ano 2000 cerca de duas vezes o Produto Bruto Mundial, eram em 2006 oito vezes maiores. em 2010 essa massa especulativa representaria 16 vezes o Produto Bruto Mundial. [10]

os recursos das importações que os EUA fazem da China e Japão retornam à economia norte-americana como investimentos em títulos do Tesouro norte-americano, permitindo que se mantivessem os juros baixos, o crédito fácil e o consumo forte.

são os exportadores quem financiam o déficit comercial dos EUA, possibilitando ao mercado norte-americano manter seu nível de consumo de produtos importados.

assim o ciclo se fecha, com a besta engolindo o próprio rabo.

entretanto, ao mesmo tempo que protege o mundo de uma recessão, o déficit em conta corrente dos EUA ameaça a economia mundial com um colapso do dólar.

num cenário de crise, com o dólar se desvalorizando rapidamente, os detentores de títulos norte-americanos podem começar a vendê-los.

com isto, os preços dos importados disparariam nos EUA. Japão e China teriam dificuldade para manter suas exportações. mesmo a Rússia depende de sua venda de petróleo, que está relacionada com a saúde da economia internacional.

apesar das perdas da crise do “subprime” estarem estimadas entre US$ 400 bilhões e US$ 600 bilhões, até o momento só foram reconhecidos US$ 130 bilhões.[11]

com o dólar cadente e as lojas de Manhattan convertidas em algo parecido com um mercado de rua de Tijuana, para turistas alemães [12], a questão não é mais se haverá aterrissagem forçada ou não da economia norte-americana, mas quão dura será. [13]

a recessão dos EUA é inevitável e já começou. será feia, profunda e severa. [14]

qual o tamanho da besta?

tão grande quanto a impossibilidade dos EUA terem seu abissal déficit comercial perpetuamente financiado pelo resto do mundo. ou pretender reduzi-lo graças a uma queda infinita do dólar, sem com isto debilitar gravemente a economia internacional. [15]
apesar de seu tamanho, a besta acabou por engolir o próprio rabo.

[1] painel no Fórum Econômico Mundial – 2008, em Davos
[2] George Soros
[3] George Soros, no Fórum Econômico Mundial – 2008, em Davos
[4] Jorge Beinstein, “Estados Unidos: a irresistível chegada da recessão”, 11/06/2007
[5] Konstantin Kaváfis, “Esperando os bárbaros”
[6] Cheng Siwei, Vice-Presidente do Comitê de Acompanhamento Econômico do Congresso Chinês, no Fórum Econômico Mundial – 2008, em Davos
[7] Javier Santiso, vice-diretor da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, no Fórum Econômico Mundial – 2008, em Davos
[8] François Chesnais, “Até onde irá a crise financeira”
[9] François Chesnais, “Até onde irá a crise financeira”
[10] Jorge Beinstein, “A solidão de Bush, o fracasso dos falcões”, 30/07/2007
[11] José Roberto Mendonça de Barros, entrevista ao Valor, 28/01/2008
[12] Peter Goodman, “Temor de recessão ganha força nos EUA”, 01/12/2007
[13] Nouriel Roubini, no Fórum Econômico Mundial – 2008, em Davos
[14] Nouriel Roubini, “Quando os EUA espirram o resto do mundo constipa-se”, 25/01/2008
[15] Michel Husson, “As raízes da crise”


26 Janeiro 2008









daltonismo [1]



no dissimulado racismo brasileiro, todos os pardos são negros.

ou seria ao contrário?

pela insidiosa falácia da miscigenação, com os brancos impositivamente definindo quem é ou não negro, uma população de mestiços e mulatos é maquiada, embranquecida, para se dividir, enfraquecer e melhor se discriminar os negros.

afinal, quem é negro? e quem são os brancos no Brasil?

teríamos desenvolvido uma sofisticada forma de racismo?

camuflado como democracia racial, um racismo daltônico que nos impede de ver a diferença entre negros e brancos? [2]

no racismo, como na arte e no amor, o mais profundo é a pele? [3]

pois não basta uma simples olhadela na cor da pele, no formato dos lábios e do nariz e no tipo de cabelo para o racista discriminar os negros... pronto, tão simples assim... [4]

seria mesmo através deste olhar racista a melhor maneira de se chegar a ver a solução para o fim da discriminação racial?

ou é ao enxergar o mundo pelos olhos do racista que introjetamos sua visão, legitimando-a numa consagração às avessas?

a raiz do racismo é a crença em raças humanas. e o racismo jamais será superado enquanto prevalecer esta crença. embora combatam os efeitos, políticas públicas baseadas em raças reforçam e institucionalizam a causa. [5]

“raça” não é matriz de direitos. somos humanos. e os pretos, as mulheres, os homossexuais e os deficientes são todos vítimas de discriminações. portanto, a matriz de direito é o fato social da discriminação. e meu direito a igualdade é minha condição humana e não a crença na raça. [6]

muito embora daltônicos não sejam capazes de ver algumas cores, possuem visão noturna acima da média. também distinguem com total nitidez o amplo espectro de tons de cinza unindo o branco ao negro.

entretanto, o pior tipo de daltonismo talvez seja o político, por reduzir a complexidade das relações sociais a uma maniqueísta abordagem preto no branco.


[1] sobre post e comentários no blog do Luis Nassif, “Somos racistas?”, 24/01/2008
[2] Orlando, comentário no blog do Luis Nassif, “Somos racistas?”, “[...]o racismo é daltônico e não percebe a diferença.”
[3] Paul Valery
[4] Pyotr Konstantin Schitikoff, comentário no blog do Luis Nassif, “Somos racistas?”
[5] J. Roberto Militão, comentário no blog do Luis Nassif, “Somos racistas?”
[6] J. Roberto Militão, comentário no blog do Luis Nassif, “Somos racistas?”










19 Janeiro 2008








lobos e homens
a evolução política brasileira tem sido significativa. e é bom que sobre ela reflitam os jovens brasileiros, que conheçam o quanto de sacrifício devotaram os saudosos patriotas para que se arraigasse nas futuras gerações o amor à liberdade. [1]

Edison Lobão é o novo Ministro das Minas e Energia, nomeado por Lula. [2]

o senador, que era filiado ao DEM (antigo PFL) e abandonou a legenda no início do ano para se filiar ao PMDB, tem um impressionante currículo de condecorações:

- Medalha do Mérito Jornalístico Quintino Bocaiúva;
- Medalha do Pacificador;
- Ordem do Mérito Santos Dumont;
- Ordem do Mérito Militar;
- Ordem do Mérito Aeronáutico;
- Ordem do Mérito Naval;
- Ordem do Mérito Ipiranga;
- Ordem do Mérito Rio Branco;
- Medalha do Imperador D. Pedro II;
- Medalha do Mérito Mauá;
- Mérito La Ravardière;
- Grã-Cruz Judiciário do Trabalho;
- Grã-Cruz da Ordem dos Timbiras (MA);
- Ordem do Mérito de Brasília no grau de Grã-Cruz;
- Ordem do Poder Judiciário do Maranhão;
- Medalha de Mérito do Ministério Público do Maranhão;
- Ordem do Mérito do Tocantins no grau de Grã-Cruz;
- Ordem do Mérito de Rondônia no grau de Grã-Cruz;
- Ordem do Mérito da Inconfidência - Minas Gerais;
- Ordem do Mérito Judiciário Militar;
- Ordem do Congresso Nacional.

a respeito dos assuntos de seu ministério, Lobão afirma estar lendo alguma coisa que lhe chega às mãos. “A imprensa, por exemplo, está escrevendo muita coisa técnica. Todos os dias saem até informações boas. Estou me informando sobre energia elétrica, sobre hidrelétrica, sobre gás, sobre petróleo.” [3]

em sua obscura carreira jornalística, o soturno Lobão usava reportagens e crônicas políticas para transmitir recados saídos dos serviços de informações contra opositores da ditadura. não poderia imaginar na época a retribuição hoje recebida pela democracia de Lula e do PMDB. [4]

numa expressiva prova de gratidão, Lobão reconhece uma “fonte que deve ser considerada e consultada sempre que necessário” [5]: Dilma Roussef - torturada física, psíquica e moralmente por 22 dias durante a ditadura militar. [6]

ao manter o país cindido numa ilusória dicotomia entre os que o apóiam e aquele que o renegam, Lula inaugura uma nova forma de dominação no Brasil. não é patrimonialismo, não é patriarcalismo, não é populismo...

não são mais os dominados voluntariamente consentindo na sua própria exploração. são os dominantes que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, desde que estes não questionem a exploração a que estão sujeitos. uma hegemonia às avessas. [7] 
enquanto lobos já não mais se dissimulam sob peles de cordeiros, os cordeiros, eles mesmos, se tornaram o lobo dos cordeiros.

[1] Edison Lobão, perfil do senador divulgado pelo site do Senado Federal
[2] 01/2008
[3] Edison Lobão, Folha de São Paulo, 12/01/2008
[4] Jânio de Freitas, “O laranja”, 17/01/2008
[5] Edison Lobão, entrevista à Folha de São Paulo, 18/01/2008
[6] Dilma Roussef, depoimento ao projeto "Brasil Nunca Mais"
[7] Francisco de Oliveira, “Hegemonia às avessas”










12 Janeiro 2008








zé ninguém
(sobre “O Consultor”, Daniela Pinheiro, Revista Piauí, Janeiro de 2008)

José Dirceu não é qualquer um. mas no jogo jogado, a conta caiu em seu colo.

tudo tem uma explicação. tem que ter.

ao ser indicado com Ministro da Casa Civil do primeiro governo Lula, Dirceu afirmou que realizava “o sonho de sua geração”. em se tratando de uma geração cujos mais preciosos sonhos viraram pesadelos crônicos, a declaração soava como um péssimo augúrio. [1]

como se sabe, o mau presságio acabou se confirmando... [2]

mudou-se a nossa estrela, as glórias vieram tardes e frias. Dirceu amarga um novo exílio, sem que possa sequer se queixar de alguma Marília ter-lhe roubado o sincero coração. [3]

cassado, inelegível até 2015, citado no processo do Mensalão como chefe de uma organização criminosa, Dirceu não tem muita escolha. faz apenas o que dá. está muito pessimista quanto ao futuro e ao lugar que a História lhe reservará.

a festa acabou, o povo sumiu, o dia não veio... protestava. está sem discurso, cuspir já não pode. não veio a utopia e tudo acabou. tudo fugiu... [4]

quando fez treinamento de guerrilha em Cuba, Dirceu não se aplicava nos exercícios com gosto, não era a praia dele.

parece bem mais à vontade agora. tudo o que Dirceu faz está ligado ao capitalismo. estratégia de investimentos, fusões e aquisições. lobby. consultoria. tráfico de influência.

não costuma se lembrar bem das coisas. elas vão acontecendo e ele vira a página. passou, passou. o que fica para trás, ele esquece.

mas ainda não se esqueceu que a sede do PT em Porto Alegre foi construída com dinheiro de caixa 2. e ainda se recorda muito bem para quem eram as malas de dinheiro que Delúbio conseguia com doações dos empresários.

sempre que é insultado publicamente, Dirceu permanece impassível. sua expressão facial se esvazia. não demonstra surpresa, raiva, medo, constrangimento. enfrenta as agressões com a cara mais lisa do mundo. 
talvez lhe ajudem os cremes faciais feitos com placenta e comprados em Cuba.

para Dirceu, as hostilidades que sofre não passam de lógica matemática e probabilidade estatística. percentuais. unsuccess fee.

Dirceu foi o comandante em chefe do processo que transformou o PT, de um organismo vivo e a serviço dos movimentos sociais, numa máquina burocrática para atender ambições pessoais.

foi com Dirceu que a militância petista abandonou as ruas e o partido consolidou o modelo de campanha eleitoral financiado pelos grandes empresários e conduzido pelos marketeiros.

hoje, restou apenas um quadro na parede. um espantoso peixe cabeludo. assinado por José Sarney.

mas como dói! [5]

[1] arkx. “a hora da verdade”, 14/12/2002
[2] arkx. “o sonho de uma geração”
[3] Tomás Antônio Gonzaga, “Marília de Dirceu”
[4] Carlos Drummond de Andrade, “José”
[5] Carlos Drummond de Andrade, “Confidências do Itabirano”










10 Janeiro 2008








branco de alma negra

como se tornar negro? o que é ser negro?

de qual fonte brota a límpida e pura negritude?

qual certificação pode comprovar a autenticidade de um negro puro sangue?

se de minha bisavó mulata herdei a ramificação genealógica que traz à flor da pele raízes africanas, isto me faz um pouco negro?

um pouco, ao menos?

mas... e minha avó italiana? e minha tataravó índia?

estou confuso. ou cafuzo?

terá sido a miscigenação de meus antepassados uma falácia? [1]

ou o leite branco sugado das tetas pretas de minha mãe de leite foi capaz de escorrer por meu sangue, através de minha carne, para penetrar em minha alma e escurecê-la, tingindo-a indelevelmente de negro?

como é possível, com tanta certeza, alguém se declarar negro?

a cor da pele? os traços fisionômicos? os cabelos e o nariz? o luminoso sorriso dos mais brancos dentes? a incomparável explosão das fibras musculares? o gingado dos quadris? a genética?

o biólogo James Watson, que em 1962 ganhou o Prêmio Nobel por ser um dos descobridores da estrutura do DNA, deu recentemente uma polêmica declaração, afirmando ser cientificamente comprovada a inferioridade da inteligência dos negros africanos. [2]

apesar de ser um típico espécime WASP [3], a análise do genoma de Watson revelou 16% de genes herdados de um antepassado africano, enquanto a maioria dos europeus brancos não tem mais de 1%. Watson possui um genoma compatível com quem tem um bisavô africano. [4]



quanta capoeira e candomblé? quanta feijoada e samba no pé? quanto vatapá, acarajé e munguzá?

quanto preconceito, racismo, discriminação? quanta escravidão é preciso para se ter um negro?

confesso. o segredo: somos brasileiros!

e ninguém pode dizer se somos brancos, mulatos ou negros.

mestiços. da raça humana.

como descendentes de escravos e de senhores de escravos, todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. esta é a mais terrível de nossas heranças. mas nossa crescente indignação contra esta herança maldita nos dará forças para conter os possessos e criar aqui, neste país, uma sociedade solidária. [5]

nossa mais forte ação afirmativa é a cultura. o sincretismo. a mistura. não rejeitamos nada. de braços abertos. abraçamos tudo. incorporamos tudo. numa síntese absolutamente original.

um presente para o mundo. um povo novo: nós, brasileiros.



[1] Orlando, comentário no Blog do Luis Nassif, em 08/01/2008: “O que ocorre é que há um consenso de que somos miscigenados, isto é, uma "democracia étnica" - a única do planeta - é isso também é uma falácia.”
[2] James Watson: “Todas as políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles [negros] é igual à nossa, apesar de todos os testes dizerem que não".
[3] "Branco, Anglo-Saxão e Protestante" (White, Anglo-Saxon and Protestant).
[4] Kari Stefansson, DeCODE Genetics
[5] Darci Ribeiro, “O povo brasileiro”

Nenhum comentário: