21 outubro 2010

construção de ruínas

devido aos programas sociais, a economia política do governo Lula costuma ser avaliada como a máxima concessão possível de ser arrancada aos mercados, fazendo da taxa de juros, mantida como a mais alta do mundo, e do câmbio apreciado, tornando o Real a moeda mais valorizada frente ao dólar, uma espécie de suborno oferecido aos grandes investidores para impedir qualquer chantagem que solape as condições de governabilidade, as quais, por sua vez, possibilitam a continuidade das políticas sociais. [1]

nos 8 anos de Lula, os programas sociais permaneceram periféricos e  compensatórios, e o governo sequer cogitou torná-los centrais a uma economia mantida, em seus fundamentos, como contracionista e excludente.

como então se explica o maior dos mistérios do lulismo: uma política econômica neoliberal ser capaz de gerar desenvolvimento e inclusão social?

no discurso lulista nada é verdade e nada tampouco é mentira: tudo são meias-verdade. através de distorções e de omissões, uma verdade desfavorável é convertida na meia-verdade conveniente.

para que o lulismo possa exaltar a recomposição do salário mínimo e a queda da taxa de desemprego entre suas supostas inigualáveis realizações, é preciso descontextualizar os dados e arbitrar pontos de corte favoráveis na série histórica.

o valor real médio do salário mínimo é de R$ 513 em 2010, apesar de bem superior aos R$ 316 de 2002, está ainda longe da média de R$ 638 em 1980 e muito distante do pico de R$ 1.345 em 1959. [2] além disto, o cálculo do salário mínimo necessário para setembro de 2010 é de R$ 2.047 contra um salário mínimo nominal de R$ 510. em dezembro de 2002 tais valores eram, respectivamente: R$ 1.378 e R$ 200. [3]

o desemprego caiu de 10,5% em dezembro de 2002 para 6,2% em setembro de 2010, mas a taxa de subemprego se elevou no mesmo período de 9,2% a 15,7%. na pesquisa mensal de emprego do IBGE, são considerados subempregados os que tem rendimento/hora inferior ao salário mínimo/hora. [4]

se em comparação com o período FHC a recomposição relativa do salário mínimo durante o governo Lula parece confirmar o ufanismo lulista, ao ser colocada em perspectiva histórica se mostra insuficiente e mesmo medíocre.

do mesmo modo, considerar isoladamente a queda do desemprego, levando em conta apenas a taxa de desocupação, somente mascara o aumento do subemprego no governo Lula, ocultando que a desocupação diminuiu através da oferta de postos de trabalho de remuneração muito baixa.

o lulismo vê a si próprio como a retomada da combinação de autoridade e proteção aos pobres que Getúlio encarnou, com Lula liderando as massas miseráveis dos grotões do Brasil profundo à ascensão social dentro da ordem e sem confronto. [5]

entretanto, retirados os efeitos ilusionistas do marketing político, com suas omissões e distorções estatísticas,  o que se vislumbra no horizonte da marcha do subproletariado lulista não é o paraíso de uma moderna São Bernardo reconstruída, e sim um infernal retorno às ruínas arcaicas de Canudos.

no  lulismo, tudo o que parece construção já é ruína...

[1] arkx, “uma esfinge sem enigmas”
[5] André Singer, "Raízes Sociais e Ideológicas do Lulismo"

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