18 abril 2008

estrela guia

desta vez, o BC não conta nem com o aval unânime do mercado financeiro, tradicionalmente a base de apoio nos embates com a Fazenda, que tem a simpatia do empresariado. nas palavras de um importante banqueiro interlocutor do BC com o mercado, ao endurecer o discurso na defesa da alta dos juros, o diretor da instituição Mário Mesquita (Política Econômica) mostrou "certeza demais" para um cenário "com dúvidas em excesso". a situação no Brasil ainda é confortável e o BC teria condições de esperar, sem risco de um descontrole de preços. [1]

a recente alta da inflação foi provocada principalmente pela alta dos preços dos alimentos, um fenômeno mundial e concentrado em alguns produtos, fora das condições de controle do BC. portanto, qualquer avaliação propondo o aumento dos juros para conter uma eventual inflação de demanda é, neste momento, precipitada. a não ser, é claro, que o BC pretenda controlar a inflação do mundo... [2]

além disto, não se deve esquecer que 4,5% é o centro da meta de inflação, com bandas de dois pontos percentuais, acima ou abaixo, para criar padrões de tolerância. fica a impressão que os 4,5% viraram o topo da meta. [3]

não temos hoje inflação por demanda, mas sim uma alta de preços causada pelos alimentos, o que é uma tendência mundial. elevar juros, portanto, em nada vai resolver o problema porque as pessoas precisam continuar consumindo alimentos. o BC tem usado o núcleo da inflação, quando a meta fixada é para o indicador cheio. [4]

mesmo ao reconhecer ser impossível controlar os preços dos alimentos no mundo, para a vozes do mercado só há uma alternativa à elevação dos juros para conter a inflação: uma redução de demanda via um corte de gastos públicos. embora a política fiscal possa ser classificada de austera, pois há superávit primário, com a receita superior aos gastos não financeiros, ainda assim seria expansionista: entre 2003 e 2007, a despesa não financeira do governo central cresceu 9,5% ao ano, a preços constantes. [5]

o que se constata na execução do orçamento da União de 2007, é 53% aplicados no pagamento dos encargos da dívida, juros e amortizações. é uma realidade deprimente a política de gastos do governo federal: à saúde foram destinados 3,49%, à segurança pública 0,40%, à organização agrária 0,31%, à educação 1,74%. [6]

por outro lado, o BC é visto como jamais tão isolado no governo quanto agora. seriam todos contra um diante de um duplo receio: a alta dos juros brecar o crescimento e valorizar ainda mais o real, pondo em risco o equilíbrio das contas externas. [7]

mais do que nunca, Lula se revela como o núcleo central de um governo que ao mesmo tempo tenta acelerar o crescimento, através dos investimentos públicos do PAC, e cujo BC freia a expansão da economia, ao assumir o papel de "caça-fantasmas", em luta contra o desprezo e a descrença para levar a cabo o exorcismo de incipientes e invisíveis pressões inflacionárias. [8]

Lula declara haver combinação perfeita entre demanda e oferta. [9] apenas para em seguida reafirmar a importância de garantir que tudo aquilo que deu certo até agora continue dando certo. não seria nem uma redução de 0,25%, nem a manutenção de 11,25% [taxa atual], tampouco o aumento de 0,25% que trariam qualquer transtorno à economia brasileira. [10]

ainda assim, numa demonstração de seu nenhum desconforto em relação à esquizofrenia insanável das contradições de seu governo, Lula garante que loucos são os que acham que ele autorizou o aumento dos juros. [11]

do Palácio do Planalto, se levanta um monumental silêncio, mesmo a contragosto, não se emite qualquer tipo de crítica contra o BC. na lógica eleitoral de Lula, o melhor é subir a Selic agora, quando a economia está "bombando", impulsionada pelo forte consumo interno, e o governo registra sua melhor avaliação junto à população. assim, a demanda dará uma esfriada, recuperando o fôlego em meados de 2009, com a Selic já em baixa, e atingindo o pico em 2010, ampliando a força do Presidente para fazer seu sucessor. [12]

e é nesse contexto que é forçoso reconhecer que, muito diferente de ser uma ilha no atual governo, a direção emanada do BC é a verdadeira estrela-guia das principais e decisivas opções do Palácio do Planalto. [13]


[1] Sheila D'Amorim e Waldo Cruz, Folha de São Paulo, 14/04/2008
[2] Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Iedi, citado por Guilheme de Barros, Folha de São Paulo, 11/04/2008
[3] Francisco Pessoa, da LCA Consultores, citado por Daniele Carvalho, Jornal do Commercio do Rio,11/04/2008
[4] Sérgio Vale, analista da MB Associados, citado por Daniele Carvalho, Jornal do Commercio do Rio,11/04/2008
[5] Sérgio Ribeiro da Costa Werlang, Diretor-Executivo do Banco Itaú, “As conseqüências da política econômica brasileira”, 14/04/2008
[6] Osiris Lopes Filho, citando Maria Lúcia Fatorelli , Auditora da Receita Federal, “Abrir a caixa-preta”, 14/04/2008
[7] Valdo Cruz, “Lula e a TPC”, 14/04/2008
[8] Andrew Haldane, do BC da Inglaterra, citado por Claudia Safatle, em “BC, o caça-fantasmas”, 11/04/2008
[9] Lula, entrevista no Palácio Noordeinde, na Holanda, 12/04/2008
[10] Lula, entrevista no Palácio Noordeinde, na Holanda, 12/04/2008
[11] Lula, “Quem acha isso está louco”, ao refutar que tenha dado aval para o BC elevar os juros, em Praga, 13/04/2008
[12] Vicente Nunes, “Será 0,25 ou 0,50?”, Correio Braziliense, 14/04/2008
[13] Paulo Passarinho, “Banco Central: sitiado ou estrela-guia?”, 18/04/2008

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