a História é uma velha e ardilosa toupeira,
passa o tempo cavando buracos de minhoca: quão fundo eles vão?
agora somos arrastados para além do horizonte
de eventos de um destes buracos de minhoca. ligando a macabra travessia entre 1964
e 1968 à sua atual correspondente, de 2016 a 2018, em mais um retorno na
espiral do tempo.
sempre girando. infinitamente, até fazermos cessar
sua monótona circularidade com um salto qualitativo, para num outro nível se
iniciar um outro ciclo.
do Golpeachment de volta ao AI-5. de um
ano que ainda não acabou, 1968, para um ano longe demais, 2018.
de novo os demônios
nos aparecem. em nossa mais desoladora impotência nos dizem: "esta noite, como vocês a estão vivendo e já viveram, vocês
terão de viver mais uma vez e por incontáveis vezes: Que
Deus tenha misericórdia desta nação”.
os anos de chumbo novamente se aproximam
velozmente para nos esmagar com impiedade? ou daqui nunca saíram, menos densos
mas sempre presentes?
{em "Memórias do Esquecimento", de Flávio
Tavares:
ao deixar na Base Aérea do Galeão Flávio
Tavares, banido como integrante do grupo trocado pelo Embaixador dos EUA, o major que o torturara se despede,
cumprimentando-o com aquela "mesma mão que acionava a máquina de choque
elétrico".
e como se antecipasse a anistia que
inocentaria seus crimes, lhe diz:
"- Desculpe
por todas as coisas que houve; eu tenho certeza de que, se você tiver um filho,
ainda vai me convidar para compadre."}
quantas vezes teremos de nos submeter
humilhados ao mesmo aperto de mão repulsivo, selando mais um pacto impossível, antes
de se fazer justiça?
é neste buraco negro no qual agora todos
experimentaremos outra vez o desaparecimento de nós mesmos?
quando a miragem democrática se dissipou com o
AI-5, em 1968, o desespero insuportável abriu o beco sem saída da ilusão da
luta armada.
se em 1964, assim como em 1961, existiam
recursos concretos para a resistência armada, o cenário em 1968, ainda mais
após o sequestro do Embaixador dos EUA (1969), já se alterara
irreversivelmente: a Esquerda armada foi "exterminada como inseto
incômodo".
qual o desdobramento de uma impugnação da
candidatura Lula? o que vem após uma derrota eleitoral? qual a consequência da
suspensão das Eleições de 2018?
ou seja: qual será desta vez a reação a mais
uma dissipação da miragem democrática? grupos radicais novamente vão fazer a
opção armada? ou todos aceitarão submissos e resignados a todos os sonhos, um por um, serem transformados em sombras?
há opção?
TESE VIII: "A tradição dos oprimidos
nos ensina que o 'estado de exceção' no qual vivemos é a regra. Precisamos de
um conceito de história que dê conta disso."
"Sobre o Conceito de História" -
Walter Benjamin
nosso conceito de tempo é o do progresso
permanente numa reta sem fim, rumo a um horizonte sempre inalcançável: a
acumulação infinita do Capital.
esta percepção de linearidade temporal é determinada pelo conceito de "tempo"
próprio ao modo de produção Capitalista.
contudo, a experiência vivida no cotidiano é a
de um torturante eterno retorno.
sempre mais do mesmo. todo dia se repetindo:
tédio, frustração, fadiga, desespero, desilusão, impotência, derrota, fracasso,
tristeza, depressão, doença, morte.
se pela linearidade temporal desfila o triunfal
cortejo dos vencedores, na circularidade do massacrante dia-a-dia nosso inimigo
não cessa de nos derrotar.
de cada derrota nem mesmo os mortos estão a
salvo, pois o passado passa por contínuas revisões até ser condenado ao
esquecimento.
cortados os laços com o passado, interrompida
a construção do futuro, então o presente se torna um cadáver apodrecendo ao sol.
{em “Um
Cadáver ao Sol”, de Iza Salles:
Em 1922, Antonio Bernardo Canellas, um jovem anarquista
brasileiro com apenas 24 anos, torna-se o delegado do PCB no IV Congresso da
Internacional Comunista em Moscou.
Em dado momento do Congresso, discordando de
seu encaminhamento centralizador e autoritário, solicitou um aparte ao próprio
Trotsky:
“- Eu disse que ele [Trotsky] estava fazendo lavagem cerebral dos
presentes”.
}
}
TESE XIV: "A história é objeto de uma
construção cujo lugar não é formado pelo tempo homogêneo e vazio, mas por
aquele tempo saturado de agoras."
"Sobre o Conceito de História" -
Walter Benjamin
um palimpsesto consiste de várias reescritas superpostas
ao texto inicial, formando uma densa textura de camadas entrecruzadas, cujo
notável exemplo contemporâneo vem a ser o hipertexto no ciberespaço.
um texto não é uma sequência linear de
palavras, mas uma amplidão infinita de dimensões múltiplas, onde se entrelaçam,
e também se chocam, muitos outros textos, nenhum dos quais é original.
um texto sempre é um tecido de citações.
palavras só podem explicar-se através de outras palavras.
a única criatividade de um texto é seu poder
de misturar outros textos, de
contrariá-los uns aos outros, sem nunca se apoiar em qualquer deles, para fazer
com que estes outros textos entrem em diálogo.
por isto escrever é tão perigoso. só quem
tentou, sabe. há o perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à
tona, está oculto em suas raízes submersas. escrever é uma pedra lançada neste
abismo sem fundo.
a linguagem, longe de servir para descrever o mundo, ajuda-nos sobretudo
a construir um. não há movimento revolucionário sem uma linguagem capaz de
exprimir, simultaneamente, a condição que nos é apresentada e nossa ação para
superá-la.
a linguagem está no âmago da questão política.
qual a linguagem desta luta contra o golpe? quais os signos que brotam desta
ação?
este é o thriller semiótico-linguístico
no qual vivemos e ao mesmo tempo somos os autores. a mais dramática
meta-história jamais escrita na História do Brasil.
a hora é agora.
TESE XV:"A consciência de fazer
explodir o contínuo da história é própria das classes revolucionárias no
instante de ação."
"Sobre o Conceito de História" -
Walter Benjamin
agora o futuro está anulado. chega de ter
esperança. não há mais nenhum sentido em ter medo, quando nossos piores
pesadelos se concretizam.
a política tal qual a pensávamos conhecer está
morta. o que viria ser uma hiperpolítica?
precisamos construir um futuro. para isto é preciso dar um salto em
direção ao passado. para compreender que ele também ainda é um agora. só assim
poderemos agora construir um futuro.
e iremos construir este futuro naquele território com o qual temos laços.
laços com a terra, laços com a água, laços uns com os outros.
no território onde vivemos. na terra que amamos e onde sofremos. a ela
defendemos e preservamos, pois sem ela não poderíamos estar vivos.
nela seremos enterrados, nela nossas cinzas serão espalhadas ao vento.
e por ela nosso espírito passeará nostálgico. agora e sempre, sempre
agora.
{em "Uma Tempestade como a sua Memória", de Martha
Vianna:
E, de dentro do jipe, o companheiro faz com a mão um sinal para que
sigam.
Já não há mais dúvidas: ele tinha caído. O que fazer? E o fusquinha
começa a dar voltas e mais voltas, é preciso encontrar uma saída. Voltas e mais
voltas, o tempo é curto e não para."
}
não vá. F.I.Q.U.E.
vídeo: 5 Dimensions Space Time 5D
(Interstellar)
vídeo: Pink Floyd - Us and Them
vídeo: Hans Zimmer
Interstellar Endurance Suite Version One
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