30 julho 2018

Brasil em Transe: hiperpolítica

30/07/2018


a História é uma velha e ardilosa toupeira, passa o tempo cavando buracos de minhoca: quão fundo eles vão?

agora somos arrastados para além do horizonte de eventos de um destes buracos de minhoca. ligando a macabra travessia entre 1964 e 1968 à sua atual correspondente, de 2016 a 2018, em mais um retorno na espiral do tempo.

sempre girando. infinitamente, até fazermos cessar sua monótona circularidade com um salto qualitativo, para num outro nível se iniciar um outro ciclo.

do Golpeachment de volta ao AI-5. de um ano que ainda não acabou, 1968, para um ano longe demais, 2018.

de novo os demônios nos aparecem. em nossa mais desoladora impotência nos dizem: "esta noite, como vocês a estão vivendo e já viveram, vocês terão de viver mais uma vez e por incontáveis vezes: Que Deus tenha misericórdia desta nação”. 

os anos de chumbo novamente se aproximam velozmente para nos esmagar com impiedade? ou daqui nunca saíram, menos densos mas sempre presentes?

{em "Memórias do Esquecimento", de Flávio Tavares:

ao deixar na Base Aérea do Galeão Flávio Tavares, banido como integrante do grupo trocado pelo Embaixador dos EUA,  o major que o torturara se despede, cumprimentando-o com aquela "mesma mão que acionava a máquina de choque elétrico".

e como se antecipasse a anistia que inocentaria seus crimes, lhe diz:

"- Desculpe por todas as coisas que houve; eu tenho certeza de que, se você tiver um filho, ainda vai me convidar para compadre."}

quantas vezes teremos de nos submeter humilhados ao mesmo aperto de mão repulsivo, selando mais um pacto impossível, antes de se fazer justiça?

é neste buraco negro no qual agora todos experimentaremos outra vez o desaparecimento de nós mesmos?

quando a miragem democrática se dissipou com o AI-5, em 1968, o desespero insuportável abriu o beco sem saída da ilusão da luta armada.

se em 1964, assim como em 1961, existiam recursos concretos para a resistência armada, o cenário em 1968, ainda mais após o sequestro do Embaixador dos EUA (1969), já se alterara irreversivelmente: a Esquerda armada foi "exterminada como inseto incômodo".

qual o desdobramento de uma impugnação da candidatura Lula? o que vem após uma derrota eleitoral? qual a consequência da suspensão das Eleições de 2018?

ou seja: qual será desta vez a reação a mais uma dissipação da miragem democrática? grupos radicais novamente vão fazer a opção armada? ou todos aceitarão submissos e resignados a todos os sonhos, um por um, serem transformados em sombras?

há opção?

TESE VIII: "A tradição dos oprimidos nos ensina que o 'estado de exceção' no qual vivemos é a regra. Precisamos de um conceito de história que dê conta disso."
"Sobre o Conceito de História" - Walter Benjamin

nosso conceito de tempo é o do progresso permanente numa reta sem fim, rumo a um horizonte sempre inalcançável: a acumulação infinita do Capital.

esta percepção de linearidade temporal é determinada pelo conceito de "tempo" próprio ao modo de produção Capitalista.

contudo, a experiência vivida no cotidiano é a de um torturante eterno retorno.

sempre mais do mesmo. todo dia se repetindo: tédio, frustração, fadiga, desespero, desilusão, impotência, derrota, fracasso, tristeza, depressão, doença, morte.

se pela linearidade temporal desfila o triunfal cortejo dos vencedores, na circularidade do massacrante dia-a-dia nosso inimigo não cessa de nos derrotar.

de cada derrota nem mesmo os mortos estão a salvo, pois o passado passa por contínuas revisões até ser condenado ao esquecimento.

cortados os laços com o passado, interrompida a construção do futuro, então o presente se torna um cadáver apodrecendo ao sol.

{em “Um Cadáver ao Sol”, de Iza Salles:

Em 1922, Antonio Bernardo Canellas, um jovem anarquista brasileiro com apenas 24 anos, torna-se o delegado do PCB no IV Congresso da Internacional Comunista em Moscou.

Em dado momento do Congresso, discordando de seu encaminhamento centralizador e autoritário, solicitou um aparte ao próprio Trotsky:

“- Eu disse que ele [Trotsky] estava fazendo lavagem cerebral dos presentes”.
}

TESE XIV: "A história é objeto de uma construção cujo lugar não é formado pelo tempo homogêneo e vazio, mas por aquele tempo saturado de agoras."
"Sobre o Conceito de História" - Walter Benjamin

um palimpsesto consiste de várias reescritas superpostas ao texto inicial, formando uma densa textura de camadas entrecruzadas, cujo notável exemplo contemporâneo vem a ser o hipertexto no ciberespaço.

um texto não é uma sequência linear de palavras, mas uma amplidão infinita de dimensões múltiplas, onde se entrelaçam, e também se chocam, muitos outros textos, nenhum dos quais é original.

um texto sempre é um tecido de citações. palavras só podem explicar-se através de outras palavras.

a única criatividade de um texto é seu poder de misturar outros textos,  de contrariá-los uns aos outros, sem nunca se apoiar em qualquer deles, para fazer com que estes outros textos entrem em diálogo.

por isto escrever é tão perigoso. só quem tentou, sabe. há o perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas. escrever é uma pedra lançada neste abismo sem fundo.

a linguagem, longe de servir para descrever o mundo, ajuda-nos sobretudo a construir um. não há movimento revolucionário sem uma linguagem capaz de exprimir, simultaneamente, a condição que nos é apresentada e nossa ação para superá-la.

a linguagem está no âmago da questão política. qual a linguagem desta luta contra o golpe? quais os signos que brotam desta ação?

este é o thriller semiótico-linguístico no qual vivemos e ao mesmo tempo somos os autores. a mais dramática meta-história jamais escrita na História do Brasil.

a hora é agora.

TESE XV:"A consciência de fazer explodir o contínuo da história é própria das classes revolucionárias no instante de ação."
"Sobre o Conceito de História" - Walter Benjamin

agora o futuro está anulado. chega de ter esperança. não há mais nenhum sentido em ter medo, quando nossos piores pesadelos se concretizam.

a política tal qual a pensávamos conhecer está morta. o que viria ser uma hiperpolítica?

precisamos construir um futuro. para isto é preciso dar um salto em direção ao passado. para compreender que ele também ainda é um agora. só assim poderemos agora construir um futuro.

e iremos construir este futuro naquele território com o qual temos laços. laços com a terra, laços com a água, laços uns com os outros.

no território onde vivemos. na terra que amamos e onde sofremos. a ela defendemos e preservamos, pois sem ela não poderíamos estar vivos.

nela seremos enterrados, nela nossas cinzas serão espalhadas ao vento.

e por ela nosso espírito passeará nostálgico. agora e sempre, sempre agora.

{em "Uma Tempestade como a sua Memória", de Martha Vianna:

E, de dentro do jipe, o companheiro faz com a mão um sinal para que sigam.

Já não há mais dúvidas: ele tinha caído. O que fazer? E o fusquinha começa a dar voltas e mais voltas, é preciso encontrar uma saída. Voltas e mais voltas, o tempo é curto e não para."
}

não vá. F.I.Q.U.E.

vídeo: 5 Dimensions Space Time 5D (Interstellar)


vídeo: Pink Floyd - Us and Them


vídeo: Hans Zimmer Interstellar Endurance Suite Version One

.

Nenhum comentário: