14 julho 2018

Brasil em Transe: avatares

14/07/2018


lembrou-se de ler em algum lugar que dia destes um suposto conhecido talvez tenha visitado Lula em Curitiba. segundo o relato divulgado, ao entrar na cela os dois se abraçaram e o sujeito pergunta incisivo:

"- Porra, Lula! O que você tá fazendo dentro desta cela?"

esperto como sempre, Lula retrucou no ato:

"- E o que você tá fazendo fora dela?"

mais tarde, ainda mastigando as palavras do ex-Presidente, o almoço foi numa destas churrascarias de beira de estrada. uma BR em perfeito estado de má conservação, com tráfego dominado por carretas bitrem, Hylux de ruralistas e SUV de magistrados e promotores.

o cheiro gorduroso da carne mal passada circulava em torno das mesas. famílias de classe média mantinham os olhos grudado nas telas dos celulares. representantes comerciais engoliam batatas fritas entre um clique e outro no WhatsApp.

na fila para pagar a conta, um motorista de caminhão puxa conversa. obeso, cara de mal dormido há alguns meses, bermudão e sandálias havaianas.

pergunta a respeito do Lula, se ia ser solto ou não. a resposta foi categórica:

"- A raiva que eles tem do Lula é por causa que o Lula fez alguma coisa pelo trabalhador pobre. Se depender deles não vão libertar o Lula nunca."

então o cara estende a mão, sorrindo:

"- É isso mesmo! Eu vou votar no Lula. Não me interessa se ele roubou ou não. No tempo dele o pobre tinha vez..."

mais uma réplica era necessária:

"- Mas o grande erro do Lula foi achar que podia ajudar os pobres e ficar bem com os ricos..."

de tão emblemática, a cena tornou impossível não se remeter a um comentário de um avatar na web, sobre os adeptos do Lulismo:

"O problema é a expectativa demente dos seus seguidores, que esperam dele o mesmo que os seguidores do bolsobosta: um milagre político para nos redimir de todos os processos históricos, e quem sabe, da nossa própria História."

um dos principais nós amarrando o avanço da luta contra o Golpe de 2016 é a pia crença em algum avatar a nos salvar de nós mesmos.

um glorioso salvador da pátria renascido da névoa montado em seu imaculado cavalo branco, para levar a cabo aquilo que só nós mesmos através de nossa luta coletiva seremos capazes conseguir.

curiosamente, todos nós ao postarmos na web somos avatares, mesmo ao fazê-lo com nosso nome próprio oficial de batismo.

queiramos ou não, saibamos ou não, não há algo como "identidade real" na web. nela
não existe o "sujeito do discurso", apenas o próprio discurso. palavras numa tela, na camada de apresentação, e bytes na camada de armazenamento.

Big Data sabe muito bem disto. sendo este o motivo de seu foco não ser no indivíduo, e sim no coletivo de dados tratados como gigantescas bases estatísticas.

quando trocamos mensagens na web, seja numa área de comentários, ou via Facebook, ou seja em qual for o software de captura de dados, para quem escrevemos? qual nosso interlocutor?

há de fato algum diálogo? ou estamos inexoravelmente sozinhos dentro de uma bolha virtual?

será que nós todos ao invés de retrucarmos uns aos outros, estamos apenas num monólogo do qual o Big Data é o único ouvinte? mas sempre mudo, sem deixar de coletar e arquivar tudo.

sendo assim, como todas estas trocas de mensagens fica armazenada em terabytes de terabytes, podendo a qualquer momento ser recuperada, e portanto ressignificada, isto implica numa linha do tempo bidirecional?

ou seja:

- será que estamos dialogando com algo que ainda não existe? com a IA e a “singularidade científica”?

- ou seria a “inteligência coletiva”?

pode ser que estejamos construindo uma chave para uma porta que ainda não existe. algo que só depois iremos compreender.

seja como for, tudo passa por se dar conta de já interagirmos com nossos próprios avatares, mas não exatamente em direção à nossa emancipação.

"Não foram poucos aqueles que perceberam que, nos tempos presentes, a extrema direita consegue se colocar como o discurso da ruptura, enquanto os setores progressistas se apresentam como o discurso da preservação (de direitos, de pactos, de garantias)."
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