04/11/2017
do mesmo modo que Lula se agigantou até se transformar num mito, acabando
por se sobrepor ao PT, talvez agora o Lulismo tenha se tornado tão hegemônico a ponto de Lula
não mais conseguir separar-se dele.
ainda perplexa com
sua queda no vasto deserto do real, uma nostálgica Ex-querda sonha com um futuro impossível moldado à imagem de um
passado que jamais existiu. persiste em manter de pé a miragem de seu muro de
Berlim para demarcar claramente seu mundo de antagonismos primários. "nós"
e "eles". Lula x FHC. PT x PSDB. Lulismo
x anti-Lulismo. golpismo x
conciliação.
é preciso um brutal
esforço para cortar e recortar a complexidade social, até reduzi-la a uma
diminuta dimensão capaz de ser encaixada na moldura de uma conveniente análise
binária.
nosso maior problema
deixa de ser os oligopólios da cleptocracia brasileira, sócia minoritária das
grandes corporações pós nacionais, e sim: a classe média. e o maior inimigo
continua sendo, não o sistema financeiro especulativo global, e muito menos o
capitalismo, e sim: a Globo.
como se não tivesse
sido durante o Lulismo o grande marco
inaugural da abertura do pré-sal ao capital trans
nacional: o Leilão de Libra,
em 21/10/2013; como se fossem as mesmas
empresas "campeães nacionais" capitalizadas via financiamento
público, aquelas que através deste mesmos recursos compraram os votos
do Golpeachment; como se em 13 anos o Lulismo não houvesse indicado 13 Ministros (dos quais 7 ainda
permanecem) indicados para um STF garantista do impeachment; como se Dilma não tivesse
sancionado a Lei Anti Terrorismo.
enquanto sataniza a
"classe média", o Lulismo perdoa os golpistas para acenar-lhes com a reedição das velhas alianças. embora agora prometa regular a mídia, nada anuncia quanto ao engodo de um mercado
auto regulamentado. quanto mais Lula se atira nos braços do povo, mais o Lulismo aspira a vê-lo novamente de mãos dadas com a elite.
numa de suas mais
nocivas anomalias, mesmo desde antes assumir o governo federal, o Lulismo desenvolveu sua própria
burocracia e seus empreendedores do negócio da política, alimentados pelos
cargos comissionados, pelos patrocínios, financiamentos, verbas publicitárias e
contratos diversos. uma aguerrida militância em prol dos interesses do próprio
bolso.
"Em 1991, 14,9% dos petistas
tinham renda entre dez e vinte salários mínimos, já em 1997, o
percentual de membros do partido que tinham essa faixa salarial era de 27%,
passando para 34% apenas dois anos mais tarde, em 1999. Já aqueles militantes
com renda entre vinte e cinquenta salários passou de 6,2% em 1991, para 23% em
1997."
desaparelhada do
poder pelo Golpe de 2016, esta nomenklatura
não medirá esforços, tampouco pudores, para outra vez se alojar nos orçamentos
palacianos. são os que mantém vivas as quimeras da era dourada em que supostamente
Lula era "o cara". a fantasia perversa de um Brasil impulsionado pela
exportação de commodities em direção ao mundo mágico dos mega eventos, com a
"nova classe média" se endividando infinitamente para adquirir bens
de consumo Made in China.
esta Terra do Nunca
do Lulismo deixou de existir com a
Crise de 2008, e sua sobrevida artificial, mantida pelos aparelhos dos
incentivos e desonerações fiscais, encerra-se com Junho de 2013.
uma de suas heranças renunciadas é um Brasil sem industrialização. em 2014 a participação da indústria no PIB já recuara para 10,9%.
abaixo dos 11,9% em 1947. a importação de manufaturados atinge 81,7% em 2014,
acima dos 80,8% de 1930.
houve um tempo em
que ninguém poderia destruir o PT, a não ser seus próprios e repetidos erros. este
tempo passou. a destruição já aconteceu. não haverá retorno.
mas o retrocesso do Brasil a um status pré Revolução de 1930 é também uma
volta para o futuro. o neo colonialismo e a semi escravidão são a condição
normal na Pós Democracia. um retorno que é ao mesmo tempo um avanço, combinando
mais uma vez de forma desigual o arcaico e o pós-moderno. uma excêntrica seta
do tempo movendo-se nos dois sentidos simultaneamente.
o Golpe de 2016 arrasta o
Brasil ao epicentro de uma grande guerra global híbrida e assimétrica. a linha
de frente de batalha está em todos os lugares, sem que nenhum desses lugares
seja a linha de frente principal. o
Império não tem lugar. administra
esta ausência fazendo pairar por toda a parte a ameaça palpável da intervenção
policial. a Nova Ordem Mundial é a Arquitetura do Caos. não se trata de
impor a ordem, e sim de gerir o caos. mais uma grande desintegração está em curso.
para além de uma modernidade líquida, rumo a uma pós-modernidade volátil.
quanto maior a fluidez, maior a governabilidade. sem limites. sem fronteiras.
sem resistência. sem opacidade.
"O que está nos acontecendo atualmente resume-se mais ou menos assim:
a contrainsurreição, de doutrina militar, tornou-se princípio de governo."
"Aos Nossos
Amigos", Comitê Invisível
o Império não paira acima de
nossas cabeças, dominando o mundo do alto de seu ilimitado poder. a dominação
se tornou a trama do tecido social geradora de nossas subjetividades.
como reconhecer o inimigo? o que é ser de Esquerda?
já não existem pessoas, partidos e mesmo movimentos emancipatórios. o que
existe são propostas e ações de emancipação. o que existe são relações sociais emancipatórias.
isto faz com que pessoas, partidos ou mesmo movimentos sejam altamente
contraditórios, heterogêneos e multifacetados. dependendo das relações sociais
que os constituem, algumas vezes vem a ser poderosos instrumentos de controle e
não de emancipação. o inimigo está por toda a parte. o inimigo somos nós.
se o que "é"
de Esquerda já não pode sê-lo, como então tornar-se de Esquerda?
não existe mudança no meio social de cada um
de nós que também não nos provoque uma mudança subjetiva, em nós mesmos. e
vice-versa. cada mudança em nós mesmos desencadeia mudanças em nosso meio de
convivência.
é exatamente por resistir a este duplo
processo, a esta práxis instituinte, que quase todos os "revolucionários" acabam miseravelmente
se tornando contra-revolucionários.
quem muda o mundo são as pessoas. e o que muda
as pessoas são as experiências de vida que elas são capazes de gerar e
compartilhar intensamente.
por que lutamos? lutamos porque é assim que nos sentimos vivos.
é justamente esta energia vital que o Império
visa neutralizar, para dela se apropriar num processo de incessante atenuação e
dissipação, a fim de colonizar todo o tempo de vida transformando-o em tempo de
trabalho escravo. este neo colonialismo associado a uma semi escravidão
constituem a permanente Contra-Revolução Zumbi, fazendo da anomia a
norma das relações sociais.
este é o espectro que nos ronda neste
admirável mundo novo: um suicídio sem a morte. como operários mortos-vivos nas
colmeias de Das Kapital, o atual estágio do capitalismo com total financeirização da economia e
mercantilização completa da vida. somos
todos descartáveis e os indesejáveis dever ser eliminados.
"Como Fazer? Não "O que
fazer?" Como fazer? A questão dos meios. Não a dos fins. Mais que de novas
críticas, é de novas cartografias que necessitamos. Cartografias não do
Império, mas das linhas de fuga para fora dele. Como fazer? Precisamos de mapas."
a grande marcha do
MTST em SP e as Caravanas de Lula pelo interior do Brasil são exemplos de como
as linhas de fuga para além do atual colapso brasileiro se dão através de um fazer-se movimento. um contínuo processo
de deslocamento "através de uma geografia política que não
conhecemos".
neste processamento
é liberada uma imensa energia social, o único antídoto para a Contra-Revolução Zumbi. a energia vital
deve se conectar a um processamento de luta emancipatória, para alimentar este
processamento e dele ser continuamente retro-alimentada. caso contrário se
enfraquece, decai para tornar-se cativa da epidemia de ansiolíticos.
não é a consciência e a solidariedade que impulsionam
a luta, como condições anteriores. é a luta que gera a consciência e é na luta
que se experimenta a solidariedade. não é “o povo” que produz a luta, é a luta que forja seu Povo sem Medo. do mesmo modo, as novas
formas de organização não são preexistentes e serão geradas pela luta. a luta
constitui novas coletividades não existentes até então.
não se vivencia e se compartilha a intensidade
deste tipo de experiência, como a Grande Marcha e as Caravanas, sem ser
profundamente afetado. e nem mesmo Lula está incólume a isto.
como dispositivo de controle, o Lulismo
agirá para capturar esta energia e redirecioná-la para a via institucional e parlamentar,
numa tentativa de reconquistar seu paraíso perdido e voltar a ser governo.
dos vários impasses
nos quais estamos mergulhados, este é um dos mais perturbadores: o choque entre
a criatura e o criador, entre personagem e autor. talvez Lula e o Lulismo já não possam mais conviver na
mesma pessoa.
seja como for, para nosotros a questão há muito deixou de
ser "O que fazer?". e a
resposta ao "Como fazer?"
vem pelo fazer-se movimento em marchas e caravanas.
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