02 novembro 2017

os Brasis: entre verdades impossíveis e narrativas imprecisas, a busca de alguma compreensão

02/11/2017


texto a seguir elabora conexões com o comentário "Tenho insistido sobre dois pontos", de Policarpo.

conjuntura: talvez a mais forte característica do processo em curso no Brasil seja o retorno do debate político, algo que só tem paralelo em sua intensidade no ocorrido durante o período da luta pela redemocratização, a partir de 1977 indo até a primeira eleição direta pós Ditadura Civil-Militar, em 1989. dentro da conjuntura imediata, há uma retomada da mobilização contra o Golpe, interrompida após a Ocupação de Brasília (24-MAI-2017). um novo ciclo se abre. mais uma volta nas espirais.

estamos sendo arrastados pelo rio revolto da política, já não mais comprimida entre as margens da conciliação e do golpismo. é o próprio rio que nos acena, vindo ao nosso encontro, atendendo ao nosso chamado. o que faremos, nós que uma vez ousamos nos chamar de Brasileiros? correremos, fugiremos, arrepiados de pavor? ou nos colocaremos em nossa canoinha de nada, nessa água que não para, de longas beiras? eu vou! por que não? e, nós, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro - o rio.

sobre os dois pontos: uma "abordagem política realista" implica a permanente reavaliação da correlação de forças, pois esta é dinâmica e se altera sob a constante pressão do movimento popular. neste sentido, "os espaços e, principalmente, os instrumentos tradicionais da política" são claramente insuficientes para alterar a correlação de forças. a via institucional e parlamentar não deve ser negligenciada e desprezada, mas compreendida com secundária e complementar. porque se trata não exatamente de "uma partida de xadrez, e sim um cenário de guerra". o principal campo de batalha das lutas contra o Golpe de 2016 situa-se na permanente retroalimentação entre as redes e as ruas: ação e comunicação. neste sentido, a guerra de narrativas também interfere na correlação de forças geral.

“A guerra civil é a matriz de todas as lutas de poder, de todas as estratégias de poder e, por conseguinte, também a matriz de todas as lutas a propósito do poder e contra ele.”
entreouvido numa das aulas de Foucault

sobre as três lições: sendo o alvo principal do Golpe de 2016 "a Democracia", posto "as derrotas eleitorais sucessivas", fica evidenciado não estarmos em luta "contra forças políticas democráticas". vivemos a emergência no Brasil de um Estado Pós-Democrático, no qual "a soberania popular, o voto, a regra da maioria e o principio da representação" já não são a normalidade democrática. o que era exceção no Estado Democrático de Direito se torna regra na pós democracia, com a normalização da violação dos limites democráticos equivalendo ao desaparecimento destes mesmos limites. disto decorre a suspensão dos direitos fundamentais e a aplicação do direito penal do inimigo. confirma-se assim "um cenário de guerra" contra os indesejáveis e descartáveis, dos quais é cassada a cidadania, já que dentro do modelo neoliberal de "cidadania" apenas gozam de "direitos" os inseridos no mercado: úteis na produção de mercadorias e dóceis para consumi-las.

" Fazer os cidadãos petrificados compreenderem que mesmo que não entrem em guerra, já estão nela de qualquer jeito. Que ali onde é dito que é isso ou morrer, é sempre, na realidade, isso e morrer."
"COMO FAZER?", Tiqqun

uma outra lição: não sairemos deste Golpe pelo mesmo caminho a que até ele chegamos. não haverá retorno a uma limitada Democracia Representativa e ao finado Estado Democrático de Direito. se já não há saídas, temos diante de nós dois portais: ou entramos num regime abertamente autoritário, ou compreendemos ser o próprio conceito de representação política o que precisa ser questionado e superado. o que torna uma Democracia forte não são exatamente instituições sólidas e permanentes. e sim a forte e constante presença do Poder Instituinte, inclusive no seu aspecto destituinte. é ao se auto-organizar que a sociedade muda a si própria, através de uma práxis instituinte.

"En contraste con el Estado moderno, el Imperio no niega la existencia de la guerra civil, la gestiona."

sobre os erros do PT e dos governos Lula e Dilma: afirmar que "o Golpe não é resultado dos erros do PT" é contraditório com a constatação dos fatos: "fomos incapazes de evitar nossa derrota acachapante: sem resistência ao ataque, e fomos a reboque dos acontecimentos e fomos incapazes de sequer organizar a retirada". o que não quer dizer que o Golpe de 2016 seja única e exclusivamente resultado dos erros do Lulismo. de todos estes erros, inclusive os já admitidos por Lula ele mesmo, o maior deles foi não compreender que sua estratégia de conciliação permanente tinha data de validade. este prazo expirou em Junho de 2013, que longe de ser um raio em céu azul foi o definitivo aviso de incêndio. outro erro é não aceitar ser 2018 um ano longe demais. a luta contra o Golpe de 2016 deve ser travada aqui e agora, não vai ser decidida mais tarde por algum candidato hipotético numa eleição viciada. nem o jogo do xadrez do golpe, e muito menos a guerra civil híbrida em que já mergulhamos, irão pacientemente aguardar enquanto fazemos planos para 2018. ocupar hoje os territórios do futuro e fazer-se movimento em marchas e caravanas.

A guerra civil é um processo em que os personagens são coletivos e em que os efeitos são, acima de tudo, a aparição de novos personagens coletivos. A guerra civil não se limita a colocar em cena elementos coletivos, ela os constitui. A guerra civil é o processo através e pelo qual se constitui um certo número de coletividades novas, que não tinham surgido até aí.”
"A Sociedade Punitiva", Foucault


Policarpo
seg, 30/10/2017 - 12:08

Tenho insistido sobre dois pontos que considero fundamental e que em minha opinião tem sido negligenciado no debate político atual.

Os dois pontos que levanto são: primeiro, a necessidade de uma abordagem política realista (que não significa nem conformista, nem resignada e muito menos anti-utópica) e, segundo, a necessidade de saber utilizar e valorizar os espaços e, principalmente, os instrumentos tradicionais da política (que não significar desvalorizar ou negligenciar os novos espaços e ou os novos instrumentos).

A primeira grande lição que devemos tirar é que o Golpe de Estado nasce, antes de tudo, de uma necessidade e, como ensina o filósofo florentino, "as necessidades podem ser muitas, mas a mais forte é aquela que te obriga a vencer ou morrer". Depois da quarta derrota eleitoral consecutiva estava claro para as forças golpistas que não havia alternativa, que o caminho democrático das urnas parecia estar bloqueado e que, portanto, nenhum esforço deveria ser economizado, nenhum escrúpulo de consciência poderia ser levado em conta, se queria obter de novo aquilo que as urnas não os podia dar.

E, como consequência disso, a segunda grande lição que devemos sacar do Golpe de Estado é que ao contrário do que imaginamos (ou do que gostávamos de acreditar) não estamos lutando contra forças políticas democráticas.

E a terceira é que fomos incapazes de evitar nossa derrota: não pudemos resistir ao ataque, e como não escolhemos nem o campo de batalha e nem as armas políticas sofremos uma derrota acachapante, fomos a reboque dos acontecimentos e fomos incapazes de dispor de recursos se quer para organizar a retirada.

Sim, isso não é uma partida de xadrez, isso é um cenário de guerra para o qual não nos preparamos e não pudemos sequer lutar. O primeiro movimento foi bastante claro a confusão e a desorganização na retirada.

Mas como tudo na vida esse momento já ficou para trás e agora o tempo, se bem aproveitado começa a correr em nosso favor e em contra das forças golpistas que apesar de ter muito claro o objetivo final começa a cometer muitos erros e ser escrava e se enredar em sua própria narrativa e contradições, a maior e mais clara, de não saber jogar o jogo democrático.

O Golpe não é resultado dos erros do PT, mas, justamente o contrário, ele é resultado dos acertos do PT. Ele é uma imposição para as forças políticas contrárias ao PT e seu campo político.

Quando as forças antipetistas põe em movimento a estratégia do Golpe de Estado o alvo não é o PT, como adversário político, o alvo é a própria democracia, mesmo essa franzina e severina, ela opera contra o mais básico e o mais fundamental de seus mecanismos, a soberania popular, o voto, a regra da maioria e o principio da representação.

Insisto na imagem do filme da Vida de Brian, paremos de ser a frente judaico da palestina e sejamos todos maria madalenas

vídeo: Monty Phyton - A vida de Brian - Reunião de Ativistas


vídeo: A frente popular da judeia - Monty Python -A vida de Brian


vídeo: Unificação dos Movimentos de Esquerda - Monty Phyton: A Vida de Brian

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