30/05/2017
naquele Domingo 28-MAI, quando Milton Nascimento começou a cantar “Coração de Estudante”, um dos hinos da
campanha das “Diretas Já!” em 1984,
já escurecia e a noite se misturava à névoa, que tomara por completo a orla da
praia de Copacabana.
com a voz cristalina atravessando um cenário onírico, era impossível não sentir
uma estranha força no ar. o tempo presente correndo ao redor
daquela multidão, criando um poderoso redemoinho para conectar dois momentos
históricos. separados por 33 anos, ali flutuavam lado a lado, suspensos na
bruma e numa dobra do tempo: 2017 e 1984.
a História narrava
a si mesma, nos desafiando a decifrá-la, como uma profecia instantaneamente
realizada. para nos fazer compreender que a vida nada mais é do que as
histórias que vivemos. e que as vivemos para serem contadas. e mais uma vez serem
recontadas, como parte de outras histórias. compondo uma história sem fim.
a multidão fazia a História. ainda assim, era a História quem impunha
suas próprias circunstâncias. exigindo uma imediata atualização de atores,
personagens, papéis, cena e enredo.
as ações superam os atores, pois estamos todos lançados num mundo que
devemos construir. o que só tornamos possível se amarmos o exercício
acima dos resultados. já que todo resultado é uma ilusão frágil que nos
acomoda e enfraquece. seja pelo ressentimento de não atingi-lo, seja pelo
conformismo diante da ilusão de ter atingido.
a figura do profeta era a do líder político de cinquenta anos atrás. mas
hoje já não é possível um discurso que se projete no futuro. é preciso dialogar
com o kairós, o tempo intenso do
acontecimento. o profeta fala do futuro,
e não o faz em seu nome, mas em nome de outros. o parresiasta fala em seu nome e deve sempre se referir ao
presente, ao tempo do agora.
a ação não é uma opção,+ é uma exigência para nossa sobrevivência. pois
esta tornou-se uma questão chave, já que no atual estágio do capitalismo
financeirizado somos todos descartáveis. é desnecessário um exército industrial
de reserva.
se a biopolítica colonizou até os menores aspectos da existência, contra
ela só dispomos da biopotência: uma indomável vontade de viver. há que se cuidar da vida. há que se cuidar
do mundo. tomar conta da amizade.
em seu incessante processo de mercantilização da vida, Das Kapital encontrou o seu limite.
existe algo que jamais será convertido em mercadoria: o Tempo.
é possível vender e comprar tempo de trabalho, e até mesmo tempo de vida.
mas o Tempo, ele mesmo, é
inegociável. é tudo o que temos, mas não nos pertence. o que é um corpo? ou
indagado de outra forma, quem somos? somos um corpo que sente. penso, logo
existo? nem tanto. sinto, logo estou vivo!
e como experimentamos a Vida?
através do Tempo.
agora, o tempo da resistência chegara ao fim. começaria o árduo e longo
caminho da re-existência. a luta para
gerar um outro futuro, não mais como estava suposto a ser.
se já não restara pedra sobre pedra, foi justamente com estas pedras, e entre
os escombros, que conseguíramos resistir. e seria com estas pedras da ruína de
nossa derrota que fincaríamos o alicerce de nossa vitória.
o que propomos: um outro jeito de viver. uma vida que valha a pena ser
vivida.
vídeo: Milton Nascimento - Coração de Estudante - Apoteose 1984
vídeo: Milton Nascimento – “DIRETAS JÁ!”- Copacabana 2017
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