06/03/2017
como encaixar num quebra-cabeça a peça definitiva, mesmo sabendo que ela
não vai se encaixar? como colocar em jogo o craque que decidiria a partida,
apesar dele apenas querer jogar para a platéia? como jogar na mesa o triunfal
às de trunfo, se ele insiste em pular fora do baralho?
o cenário que vivemos no Brasil é inédito e, ao mesmo tempo, aterrador.
nunca antes neste país o jogo esteve tão às claras, mas nunca também as cartas
estiveram tão embaralhadas.
mais uma vez o novo tenta nascer, não apenas o velho se recusa a morrer,
como é mantido artificialmente vivo conectado a caros, e geralmente inúteis, aparelhos,
ironicamente denominados pela indústria médico-hospitalar como “suporte de
vida”.
mas o que nasce primeiro? o programa mínimo e sua estratégia? ou o
candidato viável eleitoralmente para viabilizá-lo? ou continuamos nos perdendo
nas falsas questões? e sendo assim, qual a questão que, de fato, importa?
estamos todos numa travessia. num interregno. na escuridão de uma noite
perversa, procuramos pela saída. mas já estamos fartos de saber que já não há
saídas. houve sim um caminho de entrada. mas por ele jamais poderemos retornar.
no crepúsculo de uma era, jamais regressaremos para “casa”. não há como arrastar-se de volta para um protetor e
aconchegante útero materno. já não há nenhum sentido no parricídio, se a mãe
está morta, assassinada. o processo que gerou este momento foi abortado por um
golpe.
nenhuma nova
identidade se reconstruirá fundada numa apodrecida mitologia. larva alguma
brotará deste cadáver infecundo. este tempo passou. não há retorno.
não se pode voltar
de uma viagem definitiva. apenas avançar. ou morrer.
desejamos a morte? por que se deseja algo contrário ao próprio interesse?
como se chega ao ponto de desejar a repressão? como se faz da existência apenas
a experiência do puro e mortal tédio?
ah! mas precisamos sobreviver... e assim firmamos nossos míseros
contratos no cotidiano, nos conchavos diários, nas conciliações nos
relacionamentos, nos pactos com a auto-indulgência, nos acordos familiares, nas
rendições afetivas, nas capitulações de nossos projetos.
no lento suicídio a cada vez que traímos nossos sonhos, a cada vez que
nos perdemos de nosso desejo, a cada vez que deixamos de ser nós mesmos para
nos encaixarmos, à fórceps, em algum personagem que nos é socialmente imposto.
nossos problemas não se resolvem sob a perspectiva da neuroquímica, muito
menos com eletroterapia ou lobotomia, tampouco tagarelando confortavelmente
aninhados num divã. não precisamos de psicólogos e psiquiatras. precisamos de
política.
toda atividade política é também terapêutica. e todo processo terapêutico
é eminentemente político. por isto, não existe militância política separada da
própria maneira de se viver.
é no teatro de operações da micropolítica do cotidiano que podemos
derrotar os biopoderes e deflagrar revoluções moleculares.
porque precisamos todos sobreviver, somos constrangidos em nosso dia a
dia a implementar políticas de gestão do capitalismo. mas não basta apenas
sobreviver. o que desejamos mesmo é viver. viver intensamente. sobreviver faz
parte de nossa tática. viver intensamente deve ser nosso objetivo estratégico.
assim, nos é inevitável mirar no pós-capitalismo.
se os demiurgos do neoliberalismo negam a existência de tal coisa
denominada como “sociedade”, tampouco existe tal coisa de “indivíduo”. só
existem as relações sociais.
indivíduo e sociedade como nada mais do que duas perspectivas de enfoque
das relações sociais. uma mais de perto, os indivíduos, e outra mais distante,
a sociedade. apenas fluxos se cruzando e se interconectando incessantemente,
gerando uma rede infinita como um fractal. em cada nó desta teia rizomática,
nós mesmos surgimos, nossa subjetividade é produzida.
há momentos em que o tempo se contorce, gira em torno de si mesmo.
passado, presente e futuro se misturam. as decisões tomadas nestes momentos
afetam não apenas o futuro, como resgatam o passado. os fatos passados ganham
não apenas outra interpretação, como uma outra dimensão.
é nestes momentos que se engendra a História.
haveria algum transmutador histórico? algo capaz de destravar o karma
instantâneo. não para restaurar o movimento linear do tempo pendular e mecânico
do relógio capitalista. mas para fazer irromper um tempo qualitativo e
catalisador no presente de todos os momentos de revoltas no passado.
haveria um tempo no
qual atos individuais se potencializam e ganham efeito social? um tempo prenhe
das possibilidades de um futuro indeterminado. como dar um salto sob um Sol
imóvel no meio de seu curso? um salto para o passado e imediatamente de volta
para o futuro, libertando o presente de sua agonia e desespero infindáveis.
afinal, o que desejamos? desejamos autenticamente “fazer História”?
sim, é verdade. não devemos nos enganar. sabemos muito bem que temos
apenas duas mãos e o sentimento do mundo. mas o que é o mundo, senão as
pessoas? e são as pessoas que mudam o mundo. são as pessoas que fazem a
História.
o tempo do jogo é agora.
vídeo: “Capitão Fantástico” – cremação
.
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