numa demonstração de imensa falta de fé no atual estágio de desenvolvimento do país, o governo Lula julga ser possível varrer elefantes para debaixo do tapete e, mesmo com tanta testemunha e conflito de consciência, acerta um acordo com a Editora Abril e Daniel Dantas para anular a Operação Satiagraha. [1]
até então a política brasileira estava paralisada por um paradoxo. um impasse mantinha o Brasil imobilizado no meio de uma travessia, girando em círculos numa falsa encruzilhada, prisioneiro de uma esfinge sem enigmas: o anti-lulismo reabilitando e fortalecendo o lulismo. [2]
ao se despertar do confortável auto-engano, conveniente refúgio onde a desilusão se mascara com as fantasias da maturidade e da sensatez, já não há como obstruir a busca da verdade.
cara a cara com o deserto do real, uma vã e impossível volta ao passado ingênuo emite seus últimos suspiros:
calma, ponderação e canja de galinha. [3] silêncio e reflexão. [4] provas? [5] "governabilidade". [6]
não! não tenham dó. sem misericórdia.
o óbvio cansou de explicar a si mesmo. tudo virá à luz do meio-dia. os intestinos do Brasil estão revirados e para fora. não acontecerá de uma só vez. serão estertores de agonia. todos seremos arrastados para o fundo deste abismo. até que do fundo do poço se levante a luz do abismo.
se o governo fosse um pouco mais sábio, não atrapalharia as investigações e aproveitaria seu derradeiro lance de dados. [7]
mas Lula já alcançara o cerne de sua impossibilidade.
já não há divergência entre a oposição e o governo que não possa ser superada, não pela união em função do interesse público, mas em defesa de um bandido. [8] o grande entendimento nacional e suprapartidário, com a aliança da mídia, veio justamente para encobrir um erro... [9]
no labirinto da fusão na telefonia , atado a Daniel Dantas por uma das mãos [10] enquanto com a outra mão ambos se esfaqueiam, Lula já não pode puxar o fio de Ariadne sem mais e mais expor as profundezas do coração das trevas da política no Brasil.
este é o lance de dados que Lula sempre tentou abolir: abafa o caso e serve a pizza ou o fio da meada das investigações chegará até seu governo.
ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de brasileiros! quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu. [11]
no auge de sua popularidade [12], Lula se transformou numa metáfora encarnada do processo histórico brasileiro, no qual, muito embora imposta como necessária pelo próprio desenvolvimento da sociedade, a mudança é sempre adiada ao máximo, e, ao se tornar inevitável, é antecipada, para que, no transigir, se possa limitá-la.
a cada vez que se desemboca numa crise, impondo a necessidade de mudanças, se restabelece no Brasil um acordo de cúpula, pactuado pelas elites, e a mudança se reduz a um rearranjo que tudo muda para que nada fique diferente. [13]
nossa história tem sido uma sucessão de modernizações conservadoras e transições tuteladas, sem jamais incluir no "pacto democrático" as classes trabalhadoras [14], o que nos mantém aprisionados entre dois mundos: um definitivamente morto e outro que luta por vir à luz. [15]
para o desespero das oposições conservadoras, a força de Lula advém de que não há mais retrocesso para o Brasil. Lula é forte pelo que simboliza:
as massas populares serão o protagonista de qualquer novo projeto nacional que se pretenda legítimo. a inclusão social passa a ser o ponto central da política. [16]
para Lula, que esperava envelhecer orgulhoso e impenitente, eis que agora a figueira em seu destino novamente se intromete. como veia de sangue impuro, queimou-se a pura primavera. que sombrias intrigas houve em sua formação? que negócio fizeste? nenhum remorso te acomete? [17]
o que está em jogo não é um julgamento político do Presidente da República. a batalha é pela maturidade política do Brasil. o que importa é o coração e a mente dos brasileiros.
é preciso que a popularidade do governo rompa o limite de uma simplória identificação com Lula e se converta em apoio inegociável à Democracia com participação popular.
homens e as nações quando ainda imaturos aceitam apenas pela metade a responsabilidade de construir-se. a outra metade dorme na expectativa do milagre que há de vir. se num momento determinado homens e nações assumem seu tempo humano e histórico, seus limites e grandezas, a partir daí, todos os milagres são possíveis. [18]
[1] Luis Nassif, “Lula, Satiagraha e a Real Politik”
[2] arkx, “uma esfinge sem enigmas”
[3] Anarquista Lúcida, comentário no blog do Luis Nassif
[4] Euclides, comentário no blog do Luis Nassif
[5] Fadul, comentário no blog do Luis Nassif
[6] JMP, comentário no blog do Luis Nassif
[7] Weden, comentário no blog do Luis Nassif
[8] Antônio Mário, comentário no blog do Luis Nassif
[9] Weden, comentário no blog do Luis Nassif
[10] Paulo Henrique Amorim, entrevista na revista Fórum, “Dantas comprou parte do PT”
[11] Fernando Pessoa, “Mar Português”
[12] “segundo pesquisa Datafolha, 64% da população considera seu governo ótimo ou bom.”, 12/09/2008
[13] Raymundo Faoro, “Existe um pensamento político brasileiro?”
[14] Maria da Conceição Tavares, “Política e economia na formação do Brasil contemporâneo”
[15] Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil”
[16] Luis Nassif, “Os cabeças de planilhas”
[17] Cecília Meirelles
[18] Hélio Pellegrino
[2] arkx, “uma esfinge sem enigmas”
[3] Anarquista Lúcida, comentário no blog do Luis Nassif
[4] Euclides, comentário no blog do Luis Nassif
[5] Fadul, comentário no blog do Luis Nassif
[6] JMP, comentário no blog do Luis Nassif
[7] Weden, comentário no blog do Luis Nassif
[8] Antônio Mário, comentário no blog do Luis Nassif
[9] Weden, comentário no blog do Luis Nassif
[10] Paulo Henrique Amorim, entrevista na revista Fórum, “Dantas comprou parte do PT”
[11] Fernando Pessoa, “Mar Português”
[12] “segundo pesquisa Datafolha, 64% da população considera seu governo ótimo ou bom.”, 12/09/2008
[13] Raymundo Faoro, “Existe um pensamento político brasileiro?”
[14] Maria da Conceição Tavares, “Política e economia na formação do Brasil contemporâneo”
[15] Sérgio Buarque de Holanda, “Raízes do Brasil”
[16] Luis Nassif, “Os cabeças de planilhas”
[17] Cecília Meirelles
[18] Hélio Pellegrino
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