11 abril 2007

o grito

nas últimas eleições, Lula enfrentou um poderoso arco de forças, ao qual impôs uma derrota arrasadora. sua reeleição o trouxe a uma situação absolutamente singular. lastreado na própria imagem e popularidade, Lula não se descolou somente do PT, move-se através da estrutura partidária e acima do sistema político com a desenvoltura de um mito.
[1]

Lula converteu-se num mito, e o mito é antipolítico por excelência, acima das classes, dos conflitos.
[2]

muito embora a dinâmica do segundo turno das eleições de 2006 tenha obrigado Lula a carimbar seu novo mandato como "desenvolvimentista"
[3], o perfil do governo surgido da reforma ministerial é, mais uma vez, afinado com os interesses derrotados nas urnas.

sem luz própria, a feição do novo ministério é a de um ajuntamento para o desfrute da máquina estatal, posta a serviço do continuísmo do modelo econômico dominante. um ministério apagado e de perfil baixo, que não manda, não pode e não vale nada, é de grande valia para os negócios que estão dominando a política.
[4]

com a área econômica blindada pelo “sucesso”
[5], a política econômica se reduz a mero processo de acomodamento de pressões. [6]

lançado com a pretensão de acelerar a retomada do desenvolvimento, o PAC prossegue empacado. tudo indica que se tornará o “Fome Zero” do segundo mandato: puro marketing de início de governo.

pela política monetária prevista no PAC, somente em 2010 será alcançada uma taxa de juros de 10% ao ano, o que é incompatível com o objetivo do crescimento. os ativos financeiros permanecem mais atraentes que o investimento produtivo. e não se reduz de forma significativa a despesa do governo Federal com pagamento de juros, inviabilizando os investimentos públicos.
[7]

até mesmo parcelas da Direita mais conservadora parecem já ter desvendado o enigma brasileiro.

por um lado: os ricos gritam "Enxuguem o Estado!", mas querem continuar nadando na piscina das verbas oficiais. prosternam-se ante a autoridade governamental e depois reclamam que ela os oprime com sobrecarga de impostos e de exigências burocráticas.
[8]

e do outro: a maior fonte de recursos do BNDES é o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), um fundo gerido pela classe trabalhadora. ou seja, o FAT é o maior financiador de capital de longo prazo no país. entretanto, os trabalhadores que ascendem à função de gestão desses recursos estão focados exclusivamente na rentabilidade do capital. embora sob gestão dos trabalhadores, os recursos do FAT passam, então, a financiar uma reestruturação econômica que só produz desemprego.
[9]

trabalhadores transformados em operadores de fundos públicos se entrelaçam com as tradicionais e novas oligarquias brasileiras, sempre dependuradas nos subsídios governamentais, nas desonerações tributárias, nas renúncias fiscais, na rentabilidade farta e segura dos títulos públicos da dívida interna.

a identidade dos dois casos reside no controle do acesso aos recursos públicos, no conhecimento do “mapa da mina”.

a desolação do cenário político brasileiro provoca indignação e desalento. mesmo que nada se ouça, além do silêncio, ainda assim é possível sentir um grito infinito atravessando a paisagem.
[10]

conforme pesquisa da CNT/Sensus [11], o governo tem avaliação positiva de 49% dos entrevistados e o desempenho pessoal de Lula atinge 63% de aprovação. ainda que no auge de seu poder, Lula não tem como eternizar a duração desse momento. a festa da reeleição fica para trás. começa a longa e desgastante travessia do segundo mandato.

parte majoritária da Esquerda se manteve paralisada no primeiro governo de Lula, tido então como supostamente em disputa. apesar de ter um mundo a ganhar, coube a Esquerda colocar tudo a perder. mesmo que fosse contra as políticas do Governo Lula, ainda assim se manteve a favor dele. mais do que esquizofrenia política, tal postura é um grave problema de ética. não importa que o “nosso” governo tenha uma prática contrária aos “nossos” interesses, ainda assim é o “nosso” governo e cabe a “nós” defendê-lo a todo custo até o último instante. [12]

para romper o silêncio gritante no qual se imobilizou, a Esquerda não terá opção a não ser criticar constantemente a si própria, interromper continuamente seu curso, voltar ao que parecia resolvido para recomeçá-lo outra vez, escarnecer com impiedosa consciência as deficiências, fraquezas e misérias de seus primeiros esforços, parece derrubar seu adversário apenas para que este possa retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, agigantado, diante dela, recuar constantemente ante a magnitude infinita de seus próprios objetivos até que se cria uma situação que toma impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias condições gritam:

aqui está o Brasil, salta aqui! [13]





[1]
arkx, "Lula II: o Homem-Presidência", 26/10/2006
[2]
Francisco de Oliveira, entrevista ao O Globo, 04/02/2007
[3]
arkx, "a terceira via", 18/10/2006
[4]
Léo Lince, "Modo lulista de governar", 05/04/2007
[5]
Lula, 04/03/2007
[6]
Luis Nassif, "Um país sem sorte", 05/04/2007
[7]
João Sicsú , "Depois de quatro anos: governo tenta mudar o rumo"
[8] Olavo de Carvalho, citado no blog do Reinaldo Azevedo, 09/04/2007
[9] Francisco de Oliveira, "O ornitorrinco"
[10] Edvard Munch sobre "O Grito"
[11] 11/04/2007
[12] arkx, "o nosso governo", 05/10/2003
[13] Karl Marx, "O 18 Brumário"

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