"O
diálogo não é a conversa entre iguais, mas sim a conversa real e concreta entre
diferenças que evoluem na busca do conhecimento e da ação que dele deriva.
Diálogo é criação."
é preciso furar as bolhas. escapar delas, circular entre
elas. visualizar outros pontos de vista. encarar outras perspectivas. dialogar
com outros discursos. falar outras línguas. pensar fora da caixa. fugir da
estreiteza das molduras. dar umas voltas. tomar um ar. viver.
as bolhas sempre existiram. elas são bem anteriores a web. a
bolha virtual tem sua raiz nas bolhas do cotidiano. agora umas retroalimentam
as outras.
{comentário: ok! mas o que isto tem a ver com a situação atual
do Brasil? nada! mas somente caso se olhe em torno e várias pessoas de camadas
sociais diferentes não estejam grudadas na tela do celular, até mesmo num vagão
de metrô rumo a periferias soturnas e distantes.}
o efeito-bolha na
Internet é incessante. um algoritmo em constante adaptação e sempre se
aperfeiçoando. a cada like. a cada compartilhamento. a cada google. a cada
post.
sempre somos nós mesmos!
gerando gratuitamente os dados. apenas para alimentar o
processamento que nos mantém aprisionados em bolhas de membranas espelhadas,
refletindo um mundo customizado à nossa imagem e semelhança.
"Nós não vivemos, após 2008, uma brusca e inesperada “crise
econômica”, nós assistimos apenas à lenta falência da economia política
enquanto arte de governar, com a ascensão de uma nova ciência de governo: a
cibernética."
assim como a economia política reinou sobre os homens
deixando-os livres para cuidarem de seus interesses, e a cada negócio que faziam
se tornavam menos livres, a cibernética estimula a comunicação: quanto maior
for nossa conectividade mais deixamos de interagir uns com os outros.
mas se há plena liberdade para se mover pelo ciberespaço do
universo de hiperlinks, como sentir as correntes que nos aprisionam?
{comentário: as bolhas se encarregam de seu próprio serviço de
patrulhamento interno. seus habitantes são cada qual policial dos demais. o
terror é a norma. filtrar a admissão. adaptar os neófitos. expurgar os
dissidentes. interditar o contraditório. eliminar a divergência. suprimir a crítica.
não se espere a ascensão de nenhum outro fascismo, além daquele já em vigor em
nas bolhas.}
a sociedade em rede é um onipresente e onisciente panóptico distribuído,
interconectando o concreto e o virtual, o digital e o analógico. as dualidades
se transmutaram num sofisticado e complexo sistema de coleta e processamento de
dados, capaz de executar controle e vigilância em regime de missão crítica
24x7.
ao mesmo tempo em que caem as fronteiras do Estado Nação
soberano, ergue-se por toda parte uma teia molecular de infinitas delimitações
e isolamentos.
sob a promessa de aproximar pessoas, nunca foram tantas as
separações. nichos e guetos se proliferam. mesmo que os campos de concentração
deste admirável mundo novo sejam percebidos como reconfortantes grupos de
afinidades nas redes sociais.
"É possível imaginar o deserto humano que foi necessário criar
para tornar desejável a existência nas redes sociais? O Facebook é seguramente
menos o modelo de uma nova forma de governo do que a sua realidade já em
ação."
numa permanente Contra-Revolução Zumbi, a vampirização on-line da energia vital mais do que reduzir pessoas a máquinas, como no paradigma do
capitalismo industrial, ou mesmo transformar máquinas em pessoas, como sonham
as mentes mais elétricas do Vale do Silício, constitui cada um de nós como ciborgues.
{comentário: vide a invasão
instantânea dos pokemóns, colocando uma horda de teleguiados para caçá-los,
enquanto na verdade os usuários do jogo on-line estão é sendo caçados pelos
artífices dos pokemóns}.
se no paradigma da economia política o modelo de cidadão foi
o de consumidor, no capitalismo cibernético passa a ser o de usuário. ao mesmo
tempo multi sensor de input, dispositivo de saída dotado de processamento com
armazenamento local e veículo driveless
controlado à distância.
na IoT (Internet of Things)
as pessoas são mais uma dessas coisas, assim a reificação
se completa sob a égide C3I (Comando, Controle,
Comunicação e Inteligência).
o capitalismo cognitivo e a informática de dominação estão
reconfigurando as populações como Cib-Org,
organismos cibernéticos formados por circuitos integrados e conectados ao
sistema global de fluxos de informação.
{comentário: o capitalismo se
tornou logístico. parem as máquinas! não estarão tão preocupados. bloqueiem os
fluxos! imediatamente aplicam a Lei Anti Terrorismo.}
não há “indivíduos” dentro de
uma “sociedade”, e sim pontos de
intercessão, nós numa imensa e
complexa rede. tudo e todos são relações sociais. circulação e processamentos
se cruzando e se interconectando incessantemente, gerando uma rede infinita
como um fractal. em cada nó desta teia rizomática nós mesmos surgimos, nossa
subjetividade é produzida.
o sujeito passa a ser subsidiário dos fluxos e não seu autor.
eternamente plugados, como uma colméia de drones sem nenhuma
rainha-mãe, o trabalho já não pode cessar. o trabalho se torna imaterial.
a completa negação do ócio vem com as próprias experiências
de vida sendo ininterruptamente disponibilizadas na web, para sofrerem pronta
monetização. a mercantilização da vida se completou. o tempo de vida coincide
com tempo de trabalho não remunerado.
"O que se esconde, com a Google, sob a capa de um inocente
interface, de um motor de busca de uma rara eficácia, é um projeto
explicitamente político. Uma empresa que mapeia o planeta Terra, expedindo
equipes para cada uma das ruas de cada uma das suas cidades, não pode ter
objetivos estritamente comerciais. Jamais se faz cartografia daquilo que não se
pretende conquistar."
o confinamento solitário em bolhas transparentes
experimentado como hiperconectividade, redunda numa avassaladora epidemia de ansiolíticos: os enxertos e implantes
psicofarmacológicos indispensáveis para que todos estejam sempre ok. haja
Rivotril!
expande-se a indústria do bem estar. as técnicas de
auto-ajuda e o coaching se popularizam. o evangelho da prosperidade promete o
paraíso material e as seitas espirituais pregam a paz interior.
mesmo nas delegacias há psicoterapeutas. as discussões de
relacionamento são feitas em grupo na web. multiplicam-se os programas de TV
relacionados à saúde. os exames médicos periódicos se tornam rotinas
obrigatórias na empresas.
{comentário: um hemograma mais simples ou uma dosagem
hormonal complexa se baseiam em faixas obtidas por estatística. o resultado
fora destas faixas indica uma tendência a se desenvolver processos patológicos.
entretanto, assim como a água ferve a 100º C apenas nas CNTP, as faixas
estatísticas utilizadas nos exames não são válidas sob novas condições
ambientais. assim, como distinguir uma tendência à patologia, sob os parâmetros
anteriores, do que já pode ser um processo de adaptação as novas condições
climáticas? quais seriam as faixas de
“normalidade” para as novas condições climáticas?}
por todos os lados o comando, o controle, a comunicação e a
mensagem são os mesmos: conforme-se. resigne-se. não se rebele. fique bem.
aceite. entregue. confie. morra, mas continue vivo.
é assim que precisamos de vocês: zumbis entre zumbis.
.
publicado originalmente m: 19/11/2017.
quase todas as citações e referências deste texto podem ser
buscadas nos links abaixo:
- "Fuck off
Google", Comitê Invisível;
.
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