12 janeiro 2008

zé ninguém

(sobre “O Consultor”, Daniela Pinheiro, Revista Piauí, Janeiro de 2008)

José Dirceu não é qualquer um. mas no jogo jogado, a conta caiu em seu colo.

tudo tem uma explicação. tem que ter.

ao ser indicado com Ministro da Casa Civil do primeiro governo Lula, Dirceu afirmou que realizava “o sonho de sua geração”. em se tratando de uma geração cujos mais preciosos sonhos viraram pesadelos crônicos, a declaração soava como um péssimo augúrio. [1]

como se sabe, o mau presságio acabou se confirmando... [2]

mudou-se a nossa estrela, as glórias vieram tardes e frias. Dirceu amarga um novo exílio, sem que possa sequer se queixar de alguma Marília ter-lhe roubado o sincero coração. [3]

cassado, inelegível até 2015, citado no processo do Mensalão como chefe de uma organização criminosa, Dirceu não tem muita escolha. faz apenas o que dá. está muito pessimista quanto ao futuro e ao lugar que a História lhe reservará.

a festa acabou, o povo sumiu, o dia não veio... protestava. está sem discurso, cuspir já não pode. não veio a utopia e tudo acabou. tudo fugiu... [4]

quando fez treinamento de guerrilha em Cuba, Dirceu não se aplicava nos exercícios com gosto, não era a praia dele.

parece bem mais à vontade agora. tudo o que Dirceu faz está ligado ao capitalismo. estratégia de investimentos, fusões e aquisições. lobby. consultoria. tráfico de influência.

não costuma se lembrar bem das coisas. elas vão acontecendo e ele vira a página. passou, passou. o que fica para trás, ele esquece.

mas ainda não se esqueceu que a sede do PT em Porto Alegre foi construída com dinheiro de caixa 2. e ainda se recorda muito bem para quem eram as malas de dinheiro que Delúbio conseguia com doações dos empresários.

sempre que é insultado publicamente, Dirceu permanece impassível. sua expressão facial se esvazia. não demonstra surpresa, raiva, medo, constrangimento. enfrenta as agressões com a cara mais lisa do mundo.


talvez lhe ajudem os cremes faciais feitos com placenta e comprados em Cuba.

para Dirceu, as hostilidades que sofre não passam de lógica matemática e probabilidade estatística. percentuais. unsuccess fee.

Dirceu foi o comandante em chefe do processo que transformou o PT, de um organismo vivo e a serviço dos movimentos sociais, numa máquina burocrática para atender ambições pessoais.

foi com Dirceu que a militância petista abandonou as ruas e o partido consolidou o modelo de campanha eleitoral financiado pelos grandes empresários e conduzido pelos marketeiros.

hoje, restou apenas um quadro na parede. um espantoso peixe cabeludo. assinado por José Sarney.

mas como dói! [5]



[1] arkx. “a hora da verdade”, 14/12/2002
[2] arkx. “o sonho de uma geração”
[3] Tomás Antônio Gonzaga, “Marília de Dirceu”
[4] Carlos Drummond de Andrade, “José”
[5] Carlos Drummond de Andrade, “Confidências do Itabirano”

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