naquela manhã ele acordara ainda pensando num
intrigante sonho que tivera.
não lhe era incomum ter sonhos estranhos, mas aquele, apesar de nem ser tão estranho, prenunciava uma situação prestes a se materializar em seu cotidiano.
como ele não antevia como isto seria possível, tudo a fazer seria se manter em observação atenta.
a vidência é quase sempre compreendida como a capacidade de se antever o futuro. mas do futuro nada há a se ver, a não ser uma nuvem fugidia de possibilidades em incessante alteração.
não lhe era incomum ter sonhos estranhos, mas aquele, apesar de nem ser tão estranho, prenunciava uma situação prestes a se materializar em seu cotidiano.
como ele não antevia como isto seria possível, tudo a fazer seria se manter em observação atenta.
a vidência é quase sempre compreendida como a capacidade de se antever o futuro. mas do futuro nada há a se ver, a não ser uma nuvem fugidia de possibilidades em incessante alteração.
longe de ter a ver com o futuro, a vidência é "a
visão do que está tomando forma" aqui e agora. ver neste exato
instante aquilo que apenas tarde demais todos acabarão também por ver.
e o que todos enfim podiam ver? o colapso
macabro de um modo de vida...
a pandemia de SARS-CoV 2 assolava o planeta,
fazia milhares de vítimas e paralisara as cadeias produtivas. o mundo tal qual
o conhecêramos deixara de existir.
acontecera algo. mas acontecera o quê? o que
era isto que acontecia?
apesar de uma pandemia ser uma tragédia há
muito anunciada, a ruptura provocara uma súbita descontinuidade com o estado
anterior.
mesmo de modo pouco consciente, era possível com
clareza se experimentar isto.
confinados na reclusão forçada de uma prisão
domiciliar, todos sentiam-se como rasgados de si mesmos. a linearidade de suas
vidas fora dilacerada.
como haveria de ser dali em diante? tudo é
incerto diante do desconhecido. a única certeza era o pânico. pânico diante da
morte. pânico diante da vida.
mesmo processando incessantemente estes
pensamentos, ele não deixava de se questionar sobre o sonho.
até mesmo porque, tudo estava duplamente
entrelaçado, sonho e realidade...
na véspera, fora obrigado pelas
circunstâncias a abrir mão de sua participação num site de considerável
visibilidade.
o "Duplo Expresso" fazia
sucesso, mas esta é uma das artimanhas usadas pela vida para seduzir aqueles a quem
pretende colocar em xeque.
seu foco vinha sendo a publicação da série
"Diários da Pandemia", tanto uma diversificada coletânea de
relatos, com ênfase especial na população das favelas e periferias e nos
profissionais de saúde atuando na linha de frente, como na articulação de uma Rede
de Informação e Solidariedade, aplicando o conceito de que só através da organização
popular de base é possível ter êxito na luta pela saúde.
divergências insuperáveis quanto ao trabalho
em equipe e no método de gestão de pessoas seguidamente se impuseram, até
inviabilizar por completo sua presença.
embora fosse uma lástima, não se tratava com
certeza de nenhuma situação inédita ao longo daquela sua já longa vida...
todo processo de emancipação se dá numa espiral de fluxos e contra-fluxos.
uma espiral cuja fase inicial é de agregação, em seu movimento se expande
para acumular forças até desembocar numa depuração, a partir da qual pode haver
um salto qualitativo para um patamar superior.
ou o processo entra em refluxo. e decai.
contudo, em meio a todas estas reflexões,
naquele momento o sonho ocupava um espaço prioritário.
no sonho, um grupo debatia a situação atual
com a pandemia, exatamente como se fosse um Grupo
de Trabalho avaliando o cenário para encaminhar
intervenções.
em seguida abordamos a questão específica do DE - Duplo Expresso.
ao final da reunião, as pessoas vão se
dispersando, trocando um papo trivial umas com as outras.
num evidente ato falho, eu me levanto. dou um giro de 180 graus. e me deparo com uma mulher ainda sentada, me olhando com um simpático sorriso irônico.
falo: oi!
ela responde: vc
não está me conhecendo, né.
- me desculpe, mas
não.
- a gente se
comunicou lá no grupo do DE.
- é?! foi?
- depois tivemos uma
divergência.
penso por um instante. logo me dou conta:
- ah! você
respondeu uma msg minha direta prá vc. e disse que eu tinha me excedido!
- isto. fui eu.
- mas eu respondi
que concordava com vc, e que suas opiniões eram bem vindas.
- só que eu não
disse tudo que pretendia...
- tudo bem! pode me
criticar à vontade. só não garanto que eu vá concordar.
passamos boa parte de nossas vidas dormindo.
e sonhando.
ao menos assim deveria ser. e assim o foi por
muitos séculos. atualmente proliferam todos os tipos de transtorno do sono.
dorme-se cada vez menos tempo, e cada vez mais sem qualidade.
para os freudianos, o sonho é a janela do inconsciente.
por ela se mostra a paisagem de nosso psiquismo profundo.
mas a teoria do inconsciente de Freud se
exime por completo de considerar ser Édipo o resultado de relações sociais
determinadas historicamente. e não uma condição constitutiva a qual estamos
condenados, sem remissão.
ninguém nasce edipiano, torna-se.
sob uma outra perspectiva, o que seriam então
os sonhos? dizem que os sonhos são reais apenas enquanto duram. mas assim não é
também a própria vida?
quando de fato sonhamos? quando achamos que
dormimos? ou quando supomos que acordamos?
o sonho é uma estrutura dupla? o eu do
cotidiano sonha o eu do sonho? ou seria justamente o eu do sonho quem sonha o
eu do cotidiano?
mesmo sendo estas divagações inúteis e sem
resposta, algo é inegável: existem sonhos premonitórios.
não é de todo incomum as pessoas sonharem com
algo por acontecer, o que acaba se confirmando posteriormente no cotidiano.
mas esta constatação apenas reforça a
complexidade de nossa relação com os sonhos. um sonho premonitório se antecipa
ao real, ou o induz?
seja como for, o presságio daquele sonho logo
se concretizaria.
ele estava editando um vídeo, dentro da
perspectiva dos "Diários da Pandemia", mas faltava a cena
final.
por uma dessas coincidências que até parecem
intencionais, lhe chega via aplicativo de msg instantânea uma gravação com uma cena
emocionante, exato a que completava a edição.
numa comunidade na periferia da periferia do
Rio de Janeiro, ao longo de um estreito corredor entre casas de alvenaria, uma
fila indiana de ativistas passava de mãos em mãos, contando, as cestas básicas
para armazenar e posterior distribuição à população carente, agora ainda mais
vulnerabilizada pela pandemia.
impossível não sentir lágrimas umidecerem o
olhar.
editado o vídeo, ele o encaminha para alguns
de seus contatos. entre os retornos recebidos, um deles se particularizou.
a mesma mulher que no momento do conflito no
Grupo de Discussão do site, o fator desencadeante de sua saída, se manifestara,
e haviam mesmo trocado poucas e rápidas msg diretas, comenta ser uma pena o
vídeo não ter sido postado.
retruca, afirmando constituir-se numa missão
inglória trabalhar em equipe com alguém mimado, imaturo, verborrágico e
egocêntrico que se coloca como "dono", além de odiar críticas.
então, como seria previsível numa história
demonstrando seguir algum roteiro, a mulher pergunta se podia dar sua opinião
sobre o assunto.
ora! estava ali caracterizada a mesma
situação do sonho! mais uma vez o cotidiano e o onírico se entrecruzavam, um
como o duplo do outro.
seguindo à risca aquilo previamente
apresentado no sonho, coloca-se acessível para receber as ponderações dela:
"Você também foi mimado.
'Dispensou' uma administradora no grupo
publicamente.
Ficou publicando, publicando eternamente aquela sua reclamação.
Não se faz isso também. Não se desafia um chefe para 1.500 pessoas. Acho que ele não pôde tomar outra decisão.
Vc não respeitou uma hierarquia. Existem espaços para se lavar a roupa suja. E mesmo em uma discussão privada, existem formas de se fazer tudo.
Vc foi inadequado.
Desculpe a franqueza."
Ficou publicando, publicando eternamente aquela sua reclamação.
Não se faz isso também. Não se desafia um chefe para 1.500 pessoas. Acho que ele não pôde tomar outra decisão.
Vc não respeitou uma hierarquia. Existem espaços para se lavar a roupa suja. E mesmo em uma discussão privada, existem formas de se fazer tudo.
Vc foi inadequado.
Desculpe a franqueza."
respondeu que tudo havia sido intencional, e
não impulsivo como poderia parecer. esgarçara até o limite um conflito anterior vindo de longe, o qual desejavam manter
suprimido, não obstante suas consequências tóxicas.
também citou o exemplo de como no dia seguinte
um dos @admin postara uma desculpa pública pelos excessos e grosserias
cometidos por ele.
ao anoitecer daquele mesmo dia, ele volta à
comunicação com a mulher, postando uma msg na qual perguntava se podia dar sua
opinião sobre a opinião dela.
explicou com clareza e paciência que a
questão desencadeante do conflito era conhecida e repetitiva. mais uma vez um
dos participantes do grupo fora bloqueado arbitrariamente.
bloqueios e banimentos devem ser o último
recurso de gestão de um grupo, e não o primeiro. evidenciando uma
contra-producente diretriz de gestão de pessoas e de resolução de conflitos,
incapaz de fomentar a formação de um espírito de equipe.
também pediu que a mulher notasse como a
partir do momento da manifestação dela no grupo, ele interrompera sua postagens
e se dirigira diretamente à ela.
"Considere:Talvez eu estivesse tentando
induzir uma reação como a sua no grupo.
E mais: Ninguém pode mediar um conflito no qual é uma das partes!
E mais: Ninguém pode mediar um conflito no qual é uma das partes!
O @admin ressuscitou um
problema já superado no dia anterior e ainda provocou outros ainda piores.
A diretriz está errada. A prática comprova isto."
A diretriz está errada. A prática comprova isto."
entretanto, para a mulher ele havia cometido
um erro intolerável:
"Isso é totalmente sem sentido. Só vc
poderia fazer essa conta, ou o número de vezes que ele tinha agido erradamente.
Não quero ser rude, mas esse ato demonstra um desequilíbrio de sua parte.
Inaceitável, diga-se de passagem, porque uma pessoa da administração não pode acentuar um desequilíbrio ou erro de gestão em público."
Não quero ser rude, mas esse ato demonstra um desequilíbrio de sua parte.
Inaceitável, diga-se de passagem, porque uma pessoa da administração não pode acentuar um desequilíbrio ou erro de gestão em público."
a irritação e discordância dela eram tamanhas
que em sua próxima msg escalou para um nível mais rude:
"Leia
isso. Eu sou psiquiatra, posso indicar um profissional de vc quiser.
Acho que vc realmente deveria prestar atenção
naquela sua reação. Ficou patente, não só para mim."
a agressividade dela não o surpreendeu, até
por ser um padrão daquilo por ele denominado de Síndrome
de Facebook, uma característica presente na comunicação
via redes sociais e aplicativos, sempre acirrando os já miseráveis problemas
dos relacionamentos interpessoais.
para ele, o estranhamento vinha da dissonância
entre o fluido diálogo ocorrido no sonho e sua contraparte truncada acontecendo
naquele momento.
por outro lado, quando trocamos
mensagens na web, seja numa área de comentários ou via qualquer rede social,
para quem escrevemos? qual nosso interlocutor? há de fato algum diálogo? ou
estamos inexoravelmente sozinhos dentro de uma bolha virtual?
talvez tudo se resuma num monólogo estéril com o Big Data, esta interface muda incapaz de interlocução.
mas logo na msg seguinte, a mulher muda de
tom:
"Vi o vídeo de seu sítio. Vc deu
soluções fantásticas de sustentabilidade."
com isto se abria a possibilidade de o sonho
se concretizar. e com certeza, ele não deixaria a oportunidade escapar.
segue-se uma conversa em tom amigável, embora
um tanto inquisidora da parte dela, com muitas perguntas e pouca reciprocidade
no compartilhamento de informações.
nestes casos, quando a possibilidade de
reincidir um conflito é alta, sempre é recomendável deixar o interlocutor
conduzir o curso do assunto.
mesmo com esta estratégia, o objetivo final
para ele permanecia inalterado: chegar até uma situação adequada para narrar o
sonho.
e assim foi. aos poucos construiu-se um nível
de equalização viabilizador para ser abordado o ponto principal daquela
comunicação.
após ele postar o sonho, a resposta dela foi
rápida e surpresa. e seguimos na conversa:
"Então
tudo se repetiu aqui . Quem diria! Fiz parte de seu inconsciente."
"Ou
será que eu fiz do seu! A vida é um mistério insondável, até mesmo para uma
psiquiatra experiente."
"Aquele
grupo é muito rico, no sentido humano. Vc pode ter muitas conversas interessantes
com pessoas de várias profissões. Afinal, somos todos anônimos ali."
"Eu
não sou anônimo."
"É.
Um dos poucos."
"Talvez
o maior anonimato esteja em se manter em completa visibilidade, como uma carta
roubada. Acho que tem um conto famoso assim, analisado por um psiquiatra tb
famoso. Ou seria psicanalista?"
"Eu
sou mais velha que vc. Tenho 72 anos."
"Compatível
com o sonho."
"Talvez
meu foco não seja sonhos. A coisa é mais hard."
antes de se despedir, ele não poderia deixar
passar algo que ficara por abordar:
"Faltou
algo. Vc fez muitas perguntas. Mas não me perguntou como meu sonho acabou.
Mas isto fica para amanhã, né"
Mas isto fica para amanhã, né"
com aquele capítulo encerrado, a história
poderia ter desdobramentos interessantes. assim era necessário de antemão preparar
sua continuidade.
no dia seguinte, a conversa prossegue num tom
mais cordial. ele toma a iniciativa:
"Muito
fértil a conversa de ontem. Me fez preencher algumas lacunas a respeito do DE.
Se não me engano, hoje, pelo calendário antigo pré SARS-Cov 2, é Domingo. Então, um bom domingo."
Se não me engano, hoje, pelo calendário antigo pré SARS-Cov 2, é Domingo. Então, um bom domingo."
"Bom
dia! Sonhou comigo?
Não
deixe de contar o fim do sonho. Vc disse que ainda tinha um final a me
falar."
"Vou
contar, em seguida. Não é assim tão relevante. Preciso antes demarcar algo
importante."
"Faça
isto. Eu gosto disto."
"Nenhuma
coesão de um grupo (ou de uma mente, ou de qualquer processo) pode ser
alcançada através da autoridade e da hierarquia, redundando apenas numa
"coesão" ilusória e inconsistente.
A coesão ou nasce de dentro para fora e de baixo para cima, ou é natimorta.
A coesão ou nasce de dentro para fora e de baixo para cima, ou é natimorta.
Uma
coesão autêntica e viva, de qualquer processo mas principalmente da própria
mente humana, se dá por uma dinâmica de auto-gestão, na qual se retro-alimentam
a auto-disciplina, o auto-conhecimento e a auto-transformação."
"Ok.
Vc está justificando o seu comportamento frente aos problemas intrínsecos no
DE, pelo o que deduzo."
"Não
exatamente. Estou demarcando que há muito método na minha 'loucura'. A coesão é um efeito colateral de um
processo emancipatório.
Seja de um grupo, de uma mente, de um Povo, de uma Nação...
Seja de um grupo, de uma mente, de um Povo, de uma Nação...
Este é o problema! Quão emancipados de fato desejamos
ser?"
feita esta
introdução, era preciso colocar o final do sonho, sem mais
delongas.
"No
sonho a mulher e eu desenvolvíamos a conversa como ocorreu aqui ontem à noite.
Mas antes de entabularmos o papo, eu comentei com ela:
- Nossa! Eu jamais imaginaria que vc era assim! [referindo-me a aparência dela]
Ela sorri um pouco debochada e começamos a dialogar."
Mas antes de entabularmos o papo, eu comentei com ela:
- Nossa! Eu jamais imaginaria que vc era assim! [referindo-me a aparência dela]
Ela sorri um pouco debochada e começamos a dialogar."
"Vc
pensou que eu fosse mais jovem, imagino. E ainda que estivesse querendo nutrir
uma relação erótica com vc. Just in case."
"Não
sou deste tipo de homem. Já expliquei que não me encaixo no estereótipo
masculino padrão."
"Acho que te peguei. Aliás estou
acertando quase tudo,embora vc refute.
Tenho conclusões importantes pra vc.
Tenho conclusões importantes pra vc.
Isso, definitivamente é uma paquera."
"Não. Não é. Mas não importa, e é natural,
que vc encare assim."
"O sexo, ou a sua falta, sublimação está
em tudo. Fique vc com essa informação. E vamos combinar, a internet possibilita
jogos eróticos."
"Embora esta questão seja relevante, pois a sexualidade permeia todas as nossas relações, o que pretendo destacar é outro aspecto:
Mas
estando em questão a aparência, ela está no olho de quem vê?
Ou naquele que se mostra?
Ou na relação entre o olho que vê e o que se mostra a ser visto?"
Ou naquele que se mostra?
Ou na relação entre o olho que vê e o que se mostra a ser visto?"
" Estamos falando de jogos eróticos. Expectativas quanto ao outro,
paquera. Não teorize e escape se dar a resposta. Esqueceu que posso identificar
esse tipo de processo? Vc é fiel ou o sexo não é o seu forte?
Desculpe ser direta, mas é a força do hábito."
"Ainda mais do que os sentimentos, a
sexualidade é um terreno muito mal equacionado para as pessoas.
Mas o que é a sexualidade? É a força vital da
criação.
O que move o universo? O êxtase da criação.
Só existem, além de nós, duas espécies que fazem sexo por prazer: golfinho e os bonobos.
Mas haveria outra função do sexo além da reprodução e do prazer?
Esta é a questão."
O que move o universo? O êxtase da criação.
Só existem, além de nós, duas espécies que fazem sexo por prazer: golfinho e os bonobos.
Mas haveria outra função do sexo além da reprodução e do prazer?
Esta é a questão."
"Quando falei minha idade, vc disse que ela
se encaixava no que viu no sonho. Esqueceu? Sou freudiana. Sexo e desejo quer
dizer quase tudo."
"Quer me pegar, né. Mas não é o caso.
Uma pessoa de 72 anos hj em dia não é incomum ter uma aparência mais nova!
No sonho, vc era uma anciã! Quase como um arquétipo. Uma entidade."
Uma pessoa de 72 anos hj em dia não é incomum ter uma aparência mais nova!
No sonho, vc era uma anciã! Quase como um arquétipo. Uma entidade."
"Cruz credo!"
mas para ele, Freud não só reduz a
complexidade da sexualidade à sua condição menos rica e mais óbvia - a genital
- como também reduz a complexidade das relações sociais e da História ao triste
e miserável triângulo familiar: papai - mamãe e eu, o mimado filhinho da mamãe.
assim para os freudianos, a própria criação
artística é uma sublimação sexual.
mesmo para seus seguidores mais criativos, estando Reich num extremo e Lacan do outro, nunca os limites da teoria do Inconsciente de Freud foi ultrapassada. portanto, nenhum deles foi capaz de analisar Édipo como uma construção social determinada historicamente.
até mesmo o Inconsciente Coletivo de Jung jaz
em servidão a Édipo Rei...
por isto, para ele não foi surpresa o
diagnóstico lhe apresentado por sua improvável e auto-designada "terapeuta":
"Vc
é que começou a fazer essa terapia gratuita. Aliás, vc é um ótimo caso de
sublimação da sexualidade.
Um dos meus diagnósticos.
O fato de vc, ao me encontrar fisicamente no sonho, deparar-se com uma pessoa idosa (bem mais idosa do que eu, pois eu ainda poderia seduzir vc, se eu quisesse), denota ,também, essa questão da sexualidade
Eu ser uma idosa no sonho(reflexo do subconsciente !!) lhe protege do fato de poder consumar um provável desejo sexual de ambas as partes.
Vc não pode e não quer ser seduzido e manter uma relação erótica na vida real.
Minha aparência foi o que vc queria. Minha aparência justificou a sua falta de desejo."
Um dos meus diagnósticos.
O fato de vc, ao me encontrar fisicamente no sonho, deparar-se com uma pessoa idosa (bem mais idosa do que eu, pois eu ainda poderia seduzir vc, se eu quisesse), denota ,também, essa questão da sexualidade
Eu ser uma idosa no sonho(reflexo do subconsciente !!) lhe protege do fato de poder consumar um provável desejo sexual de ambas as partes.
Vc não pode e não quer ser seduzido e manter uma relação erótica na vida real.
Minha aparência foi o que vc queria. Minha aparência justificou a sua falta de desejo."
não podia também faltar a tradicional relação
viciada dos freudianos com o dinheiro, para justificarem sem culpa a
monetização de um processo terapêutico pressuposto a ser emancipatório:
"Vc
acha que eu cobro 850 reais por uma consulta, sem ter o domínio do que possa
acontecer em um diálogo?
A nossa conversa foi direcionada por mim
Agora chega, pq já me deve $ 2.500,00 reais."
A nossa conversa foi direcionada por mim
Agora chega, pq já me deve $ 2.500,00 reais."
embora fosse evidente que a conta apresentada era
puro sarcasmo, claramente aquela "terapia" colidira
com um impasse. como contorná-lo? seria aquela uma típica situação na qual uma
espiral não consegue dar um salto qualitativo, e cai em degradação?
freudianos são particularmente tristes e sem
vitalidade, algo contraditório para quem vê sexo em tudo... com certeza, porque
o sexo conforme concebido por eles é uma cópula entre castrados.
caso você comente com um analista freudiano
estar sua mala há 13 anos sem ser desfeita, por causa de suas viagens
frequentes, logo na terceira associação ele relacionará sua mala ao útero
materno: com a mala sempre pronta, para ao ventre da mamãe retornar...
sob esta perspectiva, uma mala nunca é uma mala.
é sempre uma outra coisa. e esta outra coisa nunca é de fato uma outra coisa. é
sempre a mesma coisa: Édipo.
embora o "duplo" seja um dos temas
clássicos da psicanálise, no torturante confinamento do divã aquele outro
que me vê sempre sou eu mesmo. uma infinita repetição da mesma imagem através
de espelhos paralelos.
mas como a pandemia demonstra na prática, até
mesmo a forma mais elementar de vida, um vírus, é capaz de sofrer mutações. só
Édipo se supõe estático, atemporal e definitivo.
como gerar a diferença? certamente não seria
suficiente introduzir na estrutura binária do duplo um terceiro
elemento. e sim estilhaçá-la por completo através de muitos outros.
como seria se nos víssemos através dos olhos
de alguns outros?
seria o inconsciente estruturado não como
linguagem, mas um tipo de processamento efetuando-se via interconexões
altamente dinâmicas e profundamente capilarizadas?
exato como um software ultra complexo rodando numa rede neural coletiva?
ainda com todos estes pensamentos fervilhando
em sua psiquê, na manhã seguinte ele decidiu colocar em prática uma idéia tida
durante a noite.
e postou:
"Essa nossa conversa me deu uma idéia.
Ou melhor, que é como me relaciono com a vida: esta conversa me encaminhou uma solicitação -> escrever sobre ela!
Mas não sei se irei conseguir.
Todo processo de criação passa por um momento inicial, denominado de: fase do caos.
É quando se faz necessário um mergulho no desconhecido (naquilo que os freudianos chamam de "inconsciente").
Nesta fase não há nenhuma garantia prévia do que irá se encontrar.
Também não é certo dela se conseguir ultrapassar em direção a um processo de materialização da criação.
Nela tudo é incerto."
Ou melhor, que é como me relaciono com a vida: esta conversa me encaminhou uma solicitação -> escrever sobre ela!
Mas não sei se irei conseguir.
Todo processo de criação passa por um momento inicial, denominado de: fase do caos.
É quando se faz necessário um mergulho no desconhecido (naquilo que os freudianos chamam de "inconsciente").
Nesta fase não há nenhuma garantia prévia do que irá se encontrar.
Também não é certo dela se conseguir ultrapassar em direção a um processo de materialização da criação.
Nela tudo é incerto."
a resposta da "terapeuta não
eletiva" foi bastante surpreendente:
"Isso
me faz lembrar de um determinado medo de quem faz snorkelling.
Pode-se estar num lugar do mar cheio de pedras, bichos espinhosos, ouriços, corais e moréias que neles se escondem, algas que teimam em enganchar nos cabelos, peixes belos e feios, de todos os tamanhos.
Apesar de todos esses 'perigos', é no avançar dessa exploração marinha que nos deparamos com um local medonho que eu chamo de 'deep blue'.
É onde não se vê nada nas profundezas, só o azul mais lindo que vc possa imaginar. Mas ele é assustadoramente fundo.
Tão fundo que há uma paralisia imediata. Uns avançam, outros voltam para perto das pedras.
Aqui me permito uma indiscrição, fora de lugar, para uma terapeuta.
Aconteceu comigo na vida real e esse sentimento associo a alguns relacionamentos, viagens, terapias, etc, nos quais não se sabe o que se pode encontrar no azul profundo.
É uma alusão que uso ao meu modo, sem pretensão de haver uma correspondência teórica. Mas é a imagem que me sirvo em algumas situações."
Pode-se estar num lugar do mar cheio de pedras, bichos espinhosos, ouriços, corais e moréias que neles se escondem, algas que teimam em enganchar nos cabelos, peixes belos e feios, de todos os tamanhos.
Apesar de todos esses 'perigos', é no avançar dessa exploração marinha que nos deparamos com um local medonho que eu chamo de 'deep blue'.
É onde não se vê nada nas profundezas, só o azul mais lindo que vc possa imaginar. Mas ele é assustadoramente fundo.
Tão fundo que há uma paralisia imediata. Uns avançam, outros voltam para perto das pedras.
Aqui me permito uma indiscrição, fora de lugar, para uma terapeuta.
Aconteceu comigo na vida real e esse sentimento associo a alguns relacionamentos, viagens, terapias, etc, nos quais não se sabe o que se pode encontrar no azul profundo.
É uma alusão que uso ao meu modo, sem pretensão de haver uma correspondência teórica. Mas é a imagem que me sirvo em algumas situações."
gratificado não apenas pelo tom da msg como
mesmo pela qualidade do texto, eu não pude conter a alegria:
"muito
bom! merece um bônus.
um
informação relevante para qualquer terapeuta em processo de análise de seu
'paciente'.
quando
eu estava ainda no ginásio era muito bom aluno, sempre escrevia umas redações
muito boas.
mas aquilo era um tanto óbvio e tedioso demais. eu já gostava bastante de poesia. assim, uma vez decidi não seguir o tema da redação e escrevi uma poesia!
na verdade, não deveria ter arriscado fazer isto. mas algo me levou a fazê-lo.
para minha total surpresa, a professora não só gostou da poesia como fez questão de a ler em voz alta para a turma.
não satisfeita, após a aula me levou para conversar com o Diretor, também proprietário da escola.
minha surpresa só aumentava. aquilo era incompreensível para mim. e na verdade ainda é. tendo em vista o conteúdo da poesia.
além de me elogiar, para meu total choque o Diretor afirmou que meu poema seria lido no dia seguinte, para toda a escola, num evento já anteriormente marcado.
completamente surreal, apesar de na época eu não dominar o conceito. mas foi como exatamente experimentei aquilo.
eu tinha 15 anos. e a bem da verdade, ainda hoje não me recuperei do choque."
mas aquilo era um tanto óbvio e tedioso demais. eu já gostava bastante de poesia. assim, uma vez decidi não seguir o tema da redação e escrevi uma poesia!
na verdade, não deveria ter arriscado fazer isto. mas algo me levou a fazê-lo.
para minha total surpresa, a professora não só gostou da poesia como fez questão de a ler em voz alta para a turma.
não satisfeita, após a aula me levou para conversar com o Diretor, também proprietário da escola.
minha surpresa só aumentava. aquilo era incompreensível para mim. e na verdade ainda é. tendo em vista o conteúdo da poesia.
além de me elogiar, para meu total choque o Diretor afirmou que meu poema seria lido no dia seguinte, para toda a escola, num evento já anteriormente marcado.
completamente surreal, apesar de na época eu não dominar o conceito. mas foi como exatamente experimentei aquilo.
eu tinha 15 anos. e a bem da verdade, ainda hoje não me recuperei do choque."
logo abaixo, colei o poema escrito quando eu tinha apenas 15 anos,
mais atual do que nunca em pleno curso da pandemia de SARS-Cov 2:
Ontem, morri faz
dois dias.
Seu mundo
insignificante acabou por ruir.
E tu? Tu olhavas e
não me vias.
Finalmente as
trevas desceram sobre a terra.
Os homens morreram
no lamaçal.
O homem é um mal e
deve ser exterminado.
Viva o mundo
estéril!
Viva o universo
abandonado!
Viva a morte da
ciência !
O feitiço
professou o seu culto.
Todos estavam de
luto.
O mundo morreu,
Idiota, agora sim
ele é teu.
APOCALIPSE
29/09/1971
no dia seguinte, me deparo com as seguintes
msg:
"Muito
interessante a sua história. Muita coisa a se pensar a partir dela.
Um
poema que não dá 'um sacode', para mim, não é um poema. O seu faz isso.
Profundo e sensível para um menino de sua idade. Fez jus a todo o reconhecimento.
Profundo e sensível para um menino de sua idade. Fez jus a todo o reconhecimento.
Cometo mais uma indiscrição, algo
inadmissível para uma analista.
Outra coisa que me apareceu de repente:
Vou fazer do nosso caso uma peça de teatro. Nunca fiz, mas consigo visualizar a cenografia, caracterização e movimento dos personagens em cena.
Um recurso que vou utilizar é a mudança rápida da imagem que eu sou e a que vc imagina. Quando vc estiver falando comigo através do texto/mensagem, fico na sua frente com como vc me 'vê'.
Quando estou em casa, escrevendo, minha aparência será a de quem eu sou realmente. Considere que eu sei como vc é, mas vc não.
Muitas surpresas podem ocorrer.
Outra característica importante: os atores ficam um na frente do outro, mas não se olham. Dialogam, revelam suas histórias, mas não há o cruzamento do olhar, por ser uma conversa virtual.
Vou usar tbm o recurso da quarta parede para demarcar melhor esse caráter latente.
Uma licença para essa característica será quando o que foi dito seja um sentimento em comum e compartilhado, um encontro de emoções e percepções (houve?) ou uma 'bola dentro'. Aí os olhos se encontram.
Nossa história precisa ser contada. É digna de ser conhecida de alguma forma.
Foi um impulso criativo. Sei que nunca será encenada, mas preciso escrevê-la.
Outra coisa que me apareceu de repente:
Vou fazer do nosso caso uma peça de teatro. Nunca fiz, mas consigo visualizar a cenografia, caracterização e movimento dos personagens em cena.
Um recurso que vou utilizar é a mudança rápida da imagem que eu sou e a que vc imagina. Quando vc estiver falando comigo através do texto/mensagem, fico na sua frente com como vc me 'vê'.
Quando estou em casa, escrevendo, minha aparência será a de quem eu sou realmente. Considere que eu sei como vc é, mas vc não.
Muitas surpresas podem ocorrer.
Outra característica importante: os atores ficam um na frente do outro, mas não se olham. Dialogam, revelam suas histórias, mas não há o cruzamento do olhar, por ser uma conversa virtual.
Vou usar tbm o recurso da quarta parede para demarcar melhor esse caráter latente.
Uma licença para essa característica será quando o que foi dito seja um sentimento em comum e compartilhado, um encontro de emoções e percepções (houve?) ou uma 'bola dentro'. Aí os olhos se encontram.
Nossa história precisa ser contada. É digna de ser conhecida de alguma forma.
Foi um impulso criativo. Sei que nunca será encenada, mas preciso escrevê-la.
Obviamente seus vídeos estarão na peça. É a
melhor maneira de se caracterizar essa pandemia como pano de fundo.
Nossa história termina aqui, arkx.
Foi muito bom conhecer você e seu talento.
Quando eu escrever essa peça, envio para vc, já que é o co-autor."
Foi muito bom conhecer você e seu talento.
Quando eu escrever essa peça, envio para vc, já que é o co-autor."
e não é que, a seu jeito e modo, a espiral deste conflituado
relacionamento virtual conseguira efetuar seu salto de qualidade, abrindo um
novo ciclo num patamar superior!
simplesmente fantástico!
um de meus trechos prediletos não saía de minha cabeça:
"Os
indígenas tzeltal de Chiapas têm uma teoria da pessoa em que sentimentos,
emoções, sonhos, saúde e temperamento de cada um são regidos pelas aventuras e
desventuras de todo um monte de espíritos que habitam ao mesmo tempo nosso
coração e o interior das montanhas, e que passeiam por aí.
Nós não somos belas completudes egóticas, Eus bem unificados, somos compostos de fragmentos, estamos repletos de vidas menores.
A palavra "vida", em hebreu, é um plural, assim como a palavra "rosto". Porque em uma vida há muitas vidas e porque em um rosto há muitos rostos.
Os vínculos entre os seres não se estabelece de entidade a entidade. Todo vínculo se dá de fragmento a fragmento de ser, de fragmento de ser a fragmento de mundo, de fragmento de mundo a fragmento de mundo."
Nós não somos belas completudes egóticas, Eus bem unificados, somos compostos de fragmentos, estamos repletos de vidas menores.
A palavra "vida", em hebreu, é um plural, assim como a palavra "rosto". Porque em uma vida há muitas vidas e porque em um rosto há muitos rostos.
Os vínculos entre os seres não se estabelece de entidade a entidade. Todo vínculo se dá de fragmento a fragmento de ser, de fragmento de ser a fragmento de mundo, de fragmento de mundo a fragmento de mundo."
apenas nos cabe reconhecer os múltiplos e singulares fragmentos nos
unindo, alguns fragmentos de uns com alguns fragmentos de uns outros.
então potencializá-los, para através dessa interconexão se processar o desejo
pelo êxtase da criação.
nossas vidas nada mais são do que as histórias
que vivemos. e estas histórias são vividas para serem contadas. e quando são
contadas elas ganham vida própria. então, paradoxalmente, passamos a viver
através da narrativa de nossas histórias.
a mim, o que me cabia, era imediatamente sentar-me na frente do notebook
e começar a registrar e editar esta história, na expectativa que minha
interlocutora esteja fazendo o mesmo.
comecei a digitar:
naquela manhã ele acordara ainda pensando num
intrigante sonho que tivera.
.
Um comentário:
Interessantíssimo!
Vou ver a peça, o filme, a série, comprar os livros e os souvenirs!
Incrível como o DE é fértil em spin-offs.
Postar um comentário